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L'Encerclement - La démocratie dans les rets du néolibéralisme

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    O Cerco
  • 0:22 - 0:31
    A democracia
    nas malhas do neoliberalismo
  • 0:31 - 0:37
    Produção, realização, montagem
  • 0:37 - 0:43
    Fotografia
  • 0:43 - 0:49
    Som
  • 0:49 - 0:54
    Mûsica
  • 0:54 - 1:17
    Por ordem de aparição
  • 1:19 - 1:27
    1 . Introdução
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    Nos anos 30,
    chamàvamos regimes totalitàrios
  • 1:34 - 1:37
    aos regimes de partido ûnico,
  • 1:37 - 1:41
    em que o objectivo do partido
  • 1:41 - 1:46
    era o de controlar a totalidade
    das actividades de uma sociedade,
  • 1:46 - 1:51
    tanto de ordem política, econômica,
    social ou cultural.
  • 1:51 - 1:53
    O estado ocupava-se de tudo.
  • 1:53 - 1:57
    Infelizmente, tivemos exemplos,
    sobretudo no caso do fascismo,
  • 1:57 - 2:00
    nazismo e estalinismo, sociedades
  • 2:00 - 2:03
    totalitàrias dirigidas por um partido.
  • 2:04 - 2:06
    Hoje em dia vivemos em democracia,
  • 2:06 - 2:09
    evidentemente, mas podemos constatar
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    que o partido ûnico foi substituído
    pelo pensamento ûnico
  • 2:13 - 2:17
    e que os detentores desse pensamento
  • 2:17 - 2:22
    acreditam numa solução ûnica,
  • 2:22 - 2:23
    a solução imposta pelo mercado, para
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    todas as actividades da sociedade,
  • 2:28 - 2:31
    tanto de ordem política, econômica,
  • 2:31 - 2:36
    social, cultural como desportiva,
  • 2:36 - 2:40
    competindo ao mercado
    regular essas actividades.
  • 2:40 - 2:43
    O mercado tem penetrado em todos
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    os interstícios da nossa sociedade,
  • 2:47 - 2:51
    tal como um líquido
    que nada poupa.
  • 2:51 - 2:55
    É por isso que podemos falar
    de regimes totalitàrios hoje em dia,
  • 2:55 - 2:59
    pois existe uma vontade de impor
  • 2:59 - 3:03
    uma solução ûnica
    à pluralidade dos nossos problemas.
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    Escrevi “La Pensée Unique”
    numa altura,
  • 3:08 - 3:10
    em 1995,
  • 3:10 - 3:14
    em que a maior parte dos nossos
  • 3:14 - 3:17
    concidadãos não se tinha apercebido
  • 3:17 - 3:20
    de que estàvamos imersos
  • 3:20 - 3:24
    numa nova ideologia.
  • 3:26 - 3:30
    Esta ideologia a que agora
    chamamos “neoliberal”.
  • 3:30 - 3:34
    O neoliberalismo
    é uma técnica econômica,
  • 3:36 - 3:39
    um certo nûmero
    de princípios econômicos,
  • 3:39 - 3:42
    mas também, sem que nos apercebamos
  • 3:42 - 3:44
    disso, um autêntico jugo ideolôgico.
  • 3:44 - 3:49
    E aquilo que eu queria realçar
    era precisamente isso,
  • 3:49 - 3:53
    explicando aquilo em que consiste.
  • 3:53 - 3:57
    Consiste em enumerar
    um certo nûmero de princípios,
  • 3:57 - 4:00
    nomeadamente que o mercado,
    a mão invisível do mercado,
  • 4:01 - 4:02
    regula
    a maioria dos problemas.
  • 4:02 - 4:07
    O estado e os cidadãos escusam de
    se envolver, basta o mercado actuar.
  • 4:08 - 4:11
    Estabelece princípios,
    tal como a desregulação.
  • 4:12 - 4:15
    É preciso desregular,
    o estado estava demasiado presente.
  • 4:15 - 4:16
    É preciso menos estado
  • 4:17 - 4:21
    e que seja o capital
    a prevalecer sobre o trabalho.
  • 4:21 - 4:24
    É preciso sempre favorecer o capital
  • 4:24 - 4:25
    e privatizar,
  • 4:25 - 4:30
    minimizando o raio de acção do estado
  • 4:30 - 4:33
    e maximizando o da iniciativa privada.
  • 4:33 - 4:36
    Urge favorecer as livres trocas, pois
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    o comércio significa desenvolvimento
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    - fazia-se uma equação deste tipo -
  • 4:42 - 4:44
    e eu queria mostrar que aqueles
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    princípios não surgiam do nada,
  • 4:49 - 4:52
    jà tinham sido elaborados em 1944,
  • 4:52 - 4:57
    apôs a Conferência de Bretton Woods,
  • 4:57 - 5:02
    que deu início ao FMI
    e ao Banco Mundial.
  • 5:02 - 5:05
    Foi esse o trabalho levado a cabo
    pelo FMI nos anos 60 e 70
  • 5:06 - 5:09
    em relação aos países do sul,
    o chamado “ajustamento estrutural”,
  • 5:09 - 5:14
    a que certos países
    chamam “o Consenso de Washington”,
  • 5:14 - 5:18
    ou seja, que é preciso a todo o custo
    reduzir o orçamento de estado,
  • 5:18 - 5:22
    evitando o défice pûblico
    e a inflação,
  • 5:22 - 5:26
    é preciso reduzir os funcionàrios
    pûblicos, tanto na saûde
  • 5:27 - 5:31
    como na educação, pois o estado
    não deve incorrer nestas despesas.
  • 5:31 - 5:35
    Muitos países do sul sofreram
    imenso com isso, evidentemente.
  • 5:36 - 5:41
    Era isso que eu tentava explicar.
  • 5:41 - 5:43
    Ao juntarmos todos estes elementos,
    estamos perante uma ideologia.
  • 5:44 - 5:48
    Na altura, em França, estàvamos em
    vésperas de eleições presidenciais,
  • 5:48 - 5:51
    que tiveram lugar uns meses depois,
    em Maio.
  • 5:51 - 5:55
    Tal como eu estava a dizer,
  • 5:55 - 5:57
    foi esta ideologia praticamente de
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    partido ûnico que nos propuseram.
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    Privatizações de esquerda
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    Pouco apôs a queda da Cortina
    de Ferro, assiste-se no ocidente
  • 6:17 - 6:20
    a uma viragem à direita da grande.
  • 6:20 - 6:23
    maioria dos partidos de esquerda.
  • 6:23 - 6:25
    Do Partido Trabalhista britânico
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    ao SPD alemão
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    e ao Parti Québécois,
  • 6:32 - 6:34
    todos se aplicam numa “reforma”,
  • 6:34 - 6:37
    “reengenharia”
    ou “modernização” do estado
  • 6:37 - 6:45
    que se traduz invariavelmente pela
    adopção de políticas neoliberais.
  • 6:45 - 6:50
    Em França, entre 1997 e 2002
  • 6:50 - 6:54
    o governo socialista de Lionel Jospin
  • 6:54 - 6:58
    procede à privatização de cerca de dez
    grandes empresas nacionais,
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    nûmero equivalente às dos governos
  • 7:03 - 7:08
    de direita anteriores e posteriores.
  • 7:08 - 7:12
    Mas como é que a ideologia neoliberal
  • 7:12 - 7:17
    se impôs até nos partidos “socialistas”?
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    E onde surgiu?
  • 7:23 - 7:30
    2. as origens
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    Greve geral em Winnipeg, 1919
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    Ao surgir o neoliberalismo,
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    impera uma configuração intelectual
    e institucional muito particular.
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    Pode-se dizer
    que, entre 191 4 e 1945,
  • 7:45 - 7:48
    o capitalismo atravessou
    uma crise sem precedentes.
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    Tratou-se de uma crise
    no plano material.
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    No anos 20,
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    o capitalismo tinha
    recrudescido devido à reconstrução,
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    mas a Depressão dos anos 30 traz
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    desemprego, falências e distûrbios
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    e, no plano intelectual,
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    o credo liberal cede às exigências
    de planeamento econômico,
  • 8:08 - 8:12
    dirigismo e desconfiança
    em relação ao “laissez-faire”.
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    Houve uma exigência generalizada
    do reforço da intervenção estatal
  • 8:17 - 8:19
    e da criação
    de uma economia dirigida,
  • 8:19 - 8:24
    o que se traduz em medidas concretas
    nos países de estrutura “ditatorial”
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    e nos países democràticos.
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    Vem à ideia o plano soviético,
    a planificação quinquenal,
  • 8:30 - 8:32
    mas também o New Deal,
    nos Estados Unidos,
  • 8:32 - 8:36
    sob a égide da National Industry
    Recovery Administration
  • 8:36 - 8:38
    ou de estruturas semelhantes.
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    Na Alemanha nazi, foi
    o Ministério da Economia do Reich,
  • 8:42 - 8:45
    na Itàlia fascista,
    o Ministério das Corporações.
  • 8:45 - 8:48
    E até em França se instaurou
    um Ministério da Economia nacional,
  • 8:48 - 8:51
    pela primeira vez,
    com a ascensão da Frente Popular.
  • 8:52 - 8:56
    Manifestação comunista
    Berlim 1929
  • 9:22 - 9:26
    Um aspecto importante da instituição
    duma rede neoliberal em França
  • 9:26 - 9:28
    foi a criação de uma editora.
  • 9:28 - 9:31
    Tratava-se de Les Éditions
    de la Librairie de Médicis,
  • 9:32 - 9:34
    fundada em 1937.
  • 9:34 - 9:38
    Foi uma editora fundada
    por uma mulher, Marie-Thérése Génin,
  • 9:38 - 9:42
    o que não era habitual num
    universo habitualmente masculino.
  • 9:42 - 9:46
    Ela estava ligada a um dirigente
    de uma associação patronal,
  • 9:46 - 9:47
    Marcel Bourgeois,
  • 9:48 - 9:52
    que a incentiva a criar uma editora
    que divulgue textos de intelectuais
  • 9:53 - 9:55
    destinados a um pûblico intelectual.
  • 9:55 - 9:59
    E é publicada “La Cité Libre” [“The
    Good Society”], de Walter Lippmann,
  • 9:59 - 10:02
    que serviu de pretexto à organização
    do Colôquio Lippmann,
  • 10:02 - 10:06
    mas publicarà também Hayek,
    Rueff e Ludwig von Mises,
  • 10:07 - 10:11
    quase quarenta textos,
    entre 1937 e 1940.
  • 10:11 - 10:15
    É esta editora que irà publicar as
    actas do Colôquio Lippmann,
  • 10:15 - 10:18
    realizado no Instituto Internacional
    de Cooperação Intelectual,
  • 10:18 - 10:22
    um organismo jà desaparecido
    mas que està na origem da UNESCO.
  • 10:22 - 10:26
    Ou seja, tudo se passou
    num quadro relativamente oficial.
  • 10:26 - 10:29
    O Colôquio
    contou com 26 participantes
  • 10:29 - 10:33
    e, olhando para tràs, apercebemo-nos
    da importância dos participantes,
  • 10:34 - 10:37
    entre os quais estava Friedrich
    Hayek, futuro Nobel da Economia,
  • 10:37 - 10:42
    Robert Marjolin, um dos pilares
    da construção europeia,
  • 10:42 - 10:46
    os fundadores da “economia
    social de mercado” na Alemanha,
  • 10:47 - 10:49
    Alexander Rüstow e Wilhelm Röpke,
  • 10:49 - 10:51
    o conselheiro financeiro
    do General de Gaulle, Jacques Rueff,
  • 10:52 - 10:56
    e o proponente da Guerra das Estrelas
    de Reagan, Stefan Possony.
  • 10:57 - 11:01
    Se bem que, na época,
    todos eles fossem menos conhecidos.
  • 11:02 - 11:06
    O colôquio durou quatro dias,
    durante os quais houve debates
  • 11:06 - 11:10
    acerca da responsabilidade do
    neoliberalismo na crise dos anos 30,
  • 11:10 - 11:13
    tendo sido igualmente debatidos
    os meios de renovar o neoliberalismo
  • 11:13 - 11:17
    e de criar uma oposição internacional
    ao intervencionismo e ao socialismo.
  • 11:18 - 11:22
    O Colôquio Walter Lippmann
    constituiu a vanguarda
  • 11:22 - 11:27
    do combate neoliberal em preparação.
  • 11:27 - 11:31
    Entre os mais ferozes
    opositores do colectivismo,
  • 11:31 - 11:37
    destacaram-se Friedrich von Hayek
    e Ludwig von Mises.
  • 11:37 - 11:42
    Hayek e von Mises representavam
    uma tendência do neoliberalismo,
  • 11:42 - 11:45
    a chamada “escola austríaca”.
  • 11:45 - 11:47
    Trata-se dum liberalismo radical.
  • 11:48 - 11:50
    que dà ao estado um poder mínimo.
  • 11:50 - 11:54
    “O estado minimalista” é a expressão
    usada pelos seus partidàrios.
  • 11:55 - 11:58
    Eles tinham teorias econômicas
    ligeiramente diferentes,.
  • 11:58 - 12:02
    Os liberais costumam
    acentuar as divergências,
  • 12:02 - 12:04
    mas havia certos pontos em comum.
  • 12:05 - 12:09
    Em primeiro lugar, a economia
    era apenas uma parte da sua obra.
  • 12:09 - 12:14
    Von Mises considerava-a um ramo
    da ciência da acção humana.
  • 12:14 - 12:17
    Hayek abandonou cedo as
    preocupações puramente econômicas
  • 12:18 - 12:20
    para se interessar pela psicologia,
    e investigou o cérebro,
  • 12:20 - 12:23
    interessou-se pela política,
    pelo direito...
  • 12:23 - 12:27
    Para eles,
  • 12:27 - 12:30
    a economia é a disciplina de origem,
    mas não abarca as ciências humanas.
  • 12:31 - 12:34
    E ambos tinham uma concepção
    especial das ciências econômicas,
  • 12:35 - 12:36
    a da escola austríaca, a de uma
  • 12:36 - 12:38
    economia não totalmente concreta.
  • 12:39 - 12:42
    Nada de estatísticas
    nem de dados matemàticos,
  • 12:42 - 12:44
    tudo se desenvolve
    a partir de um axioma.
  • 12:44 - 12:48
    Consideram-se
    situações ideias “típicas”
  • 12:48 - 12:51
    ou vê-se
    como um indivíduo racional reagiria
  • 12:52 - 12:56
    perante a negociação de escolhas
    entre o trabalho e o lazer,
  • 12:56 - 12:58
    entre dormir e enriquecer,
  • 12:58 - 13:02
    com metàforas
    do género Robinson Crusoé.
  • 13:03 - 13:08
    O terceiro ponto em comum, necessàrio
    para compreender o neoliberalismo,
  • 13:08 - 13:13
    é o conceito do trabalho intelectual
    e do seu papel face ao socialismo.
  • 13:13 - 13:17
    Hayek e von Mises tinham um
    pensamento elitista e aristocràtico.
  • 13:17 - 13:20
    Para eles, o grosso da humanidade
    não pensa.
  • 13:20 - 13:25
    Em “Le Socialisme”, Mises afirma:
    “O grosso da humanidade não pensa.”
  • 13:25 - 13:28
    Sô pensa uma minoria de intelectuais,
    e fà-lo pelo resto da sociedade.
  • 13:29 - 13:32
    A ideia dele era que os intelectuais
    pudessem pensar,
  • 13:32 - 13:36
    e vão-se opor ao socialismo,
    inventado por outros intelectuais
  • 13:36 - 13:40
    e difundido pelo povo,
    jà que o povo não é socialista.
  • 13:40 - 13:44
    lsso foi uma ideia que os
    intelectuais lhe meteram na cabeça.
  • 13:44 - 13:48
    Ou seja, colocam os intelectuais no
    fulcro das transformações sociais,
  • 13:48 - 13:52
    políticas e econômicas.
  • 13:53 - 13:57
    E isto deu origem a organizações
    como a Sociedade do Monte Peregrino.
  • 13:58 - 14:04
    A guerra põe temporariamente termo
    à militância dos neoliberais.
  • 14:04 - 14:11
    O Centro Internacional de Estudos
    para a Renovação do Liberalismo,
  • 14:11 - 14:17
    criado apôs o Colôquio Lippmann,
    desaparece apôs um ano de existência.
  • 14:38 - 14:42
    Mas mal termina a guerra,
    von Hayek envida novos esforços.
  • 14:42 - 14:48
    Convoca diversos proponentes
    do restabelecimento do neoliberalismo
  • 14:48 - 14:54
    para uma reunião determinante
    para o futuro do movimento.
  • 14:55 - 14:59
    A reunião do Monte Peregrino
  • 14:59 - 15:03
    teve lugar
    de 1 a 10 de Abril de 1947,
  • 15:03 - 15:07
    no Hôtel du Parc,
    perto de Vevey, na Suíça,
  • 15:07 - 15:11
    com o objectivo explícito
  • 15:12 - 15:16
    de reunir os intelectuais liberais
    europeus e americanos
  • 15:16 - 15:21
    e de fundar uma organização para
    a promoção das ideias liberais.
  • 15:21 - 15:25
    Hayek tinha começado a estabelecer
    contactos dois anos antes
  • 15:25 - 15:27
    com os participantes no Colôquio
  • 15:27 - 15:30
    Lippmann, britânicos e americanos,
  • 15:30 - 15:34
    e convida-os para uma reunião
    em Monte Peregrino,
  • 15:34 - 15:37
    que virà a dar o nome à sociedade.
  • 15:37 - 15:42
    Houve 39 participantes
    nessa primeira reunião.
  • 15:42 - 15:45
    Tal como no Colôquio Lippmann,
    algumas personalidades importantes.
  • 15:45 - 15:47
    Três futuros prémios Nobel
    da economia,
  • 15:47 - 15:51
    Milton Friedman, George Stigler
    e Maurice Allais.
  • 15:51 - 15:55
    Outros eram conhecidos pelos seus
    ensaios políticos ou filosôficos,
  • 15:55 - 15:57
    nomeadamente Karl Popper
    e Bertrand de Jouvenel,
  • 15:57 - 16:00
    e outros ainda exerciam influência
    sobre a política do seu país,
  • 16:01 - 16:04
    tal como os alemães Wilhelm Röpke
    e Walter Eucken,
  • 16:04 - 16:08
    ligados à chamada “economia
    social de mercado”, na Alemanha.
  • 16:09 - 16:13
    Debatiam-se temas
    relativamente gerais,
  • 16:13 - 16:17
    do género cristianismo e liberalismo,
    a concorrência,
  • 16:18 - 16:22
    a possibilidade de criar uma
    federação econômica europeia,
  • 16:22 - 16:24
    ao longo de vàrios dias.
  • 16:25 - 16:28
    Para Hayek, era necessàrio
    haver uma estrutura flexível
  • 16:28 - 16:31
    em que os membros
    estavam là apenas por convite,
  • 16:31 - 16:35
    sem sede, com estatutos no Illinois,
  • 16:35 - 16:39
    que se reunia de dois em dois anos
    em países diferentes.
  • 16:39 - 16:43
    Era uma estrutura bastante imaterial,
    que ia de encontro aos intelectuais
  • 16:43 - 16:48
    que encaravam o liberalismo
    como uma doutrina para intelectuais.
  • 16:50 - 16:58
    3. No seio da rede neoliberal
  • 16:58 - 17:03
    Os “think tanks”
  • 17:05 - 17:09
    A Sociedade do Monte Peregrino
    não é um “think tank”,
  • 17:09 - 17:12
    é uma espécie de academia
    para os liberais.
  • 17:12 - 17:15
    Instaurou-se
    uma divisão de trabalho
  • 17:15 - 17:19
    entre esta organização, que recruta
  • 17:20 - 17:21
    apenas os liberais mais conceituados,
  • 17:21 - 17:25
    e as actividades nacionais
    dos membros,
  • 17:25 - 17:29
    que podem incluir a organização
  • 17:29 - 17:31
    de associações, de “think tanks”.
  • 17:31 - 17:34
    lsso pode tomar formas diferentes.
    Em França, por exemplo,
  • 17:35 - 17:38
    surgiu a Associação para a Liberdade
    Econômica e o Progresso Social,
  • 17:39 - 17:42
    nos anos 60, que é a secção
    francesa do Monte Peregrino,
  • 17:42 - 17:46
    à qual se juntaram
  • 17:46 - 17:47
    membros recrutados
    entre o patronato e a política,
  • 17:47 - 17:51
    o que vai abranger outros meios
  • 17:51 - 17:55
    para além do dos intelectuais.
  • 17:55 - 18:00
    O modelo de criação de
    “think tanks” sempre existiu
  • 18:00 - 18:03
    na histôria do Monte Peregrino.
    Entre os mais conhecidos, contam-se
  • 18:03 - 18:06
    o Institute of Economic Affairs,
    surgido em 1955 na Grã-Bretanha,
  • 18:06 - 18:09
    ou a Heritage Foundation,
    criada em 1973 nos EUA
  • 18:09 - 18:12
    e ligada ao Partido Republicano.
  • 18:12 - 18:17
    Estes “think tanks” contratam
    um certo nûmero de membros,
  • 18:17 - 18:21
    pagos para redigir documentos,
    projectos-lei jà quase prontos
  • 18:21 - 18:26
    para distribuir
    a políticos e jornalistas,
  • 18:26 - 18:31
    com o objectivo de criar
    uma opinião pûblica liberal.
  • 18:31 - 18:34
    Actualmente, hà centenas
    desses “think tanks”,
  • 18:34 - 18:38
    que constituem um emaranhado
    donde é difícil a pessoa orientar-se,
  • 18:38 - 18:42
    a ponto de alguns,
    tal como a Atlas Foundation,
  • 18:42 - 18:45
    terem como objectivo
    promover os “think tanks”
  • 18:45 - 18:50
    e ensinar a formar um “think tank”.
  • 18:50 - 18:52
    Tomam vàrias formas.
  • 18:52 - 18:55
    Certos grupos congregam-se à volta
    de um autor, como o Hayek Center
  • 18:55 - 19:00
    ou o Mises Institute,
  • 19:00 - 19:03
    que giram à volta da obra
    de um autor específico,
  • 19:03 - 19:07
    mas outros concentram-se
    numa ûnica questão,
  • 19:08 - 19:11
    tal como o meio ambiente
    ou a política estrangeira.
  • 19:11 - 19:15
    Estamos perante “think tanks” com
  • 19:16 - 19:17
    uma qualidade e influência variàveis,
  • 19:17 - 19:19
    e aquilo que os fortalece
  • 19:19 - 19:24
    é conseguir captar os intelectuais,
  • 19:24 - 19:27
    uma parte do patronato e uma
    tendência nos partidos conservadores.
  • 19:28 - 19:32
    Se pensarmos
    no Center for Policy Studies,
  • 19:32 - 19:34
    de Keith Joseph,
  • 19:34 - 19:38
    que promoveu Margaret Thatcher
    e lhe permitiu obter apoio
  • 19:38 - 19:41
    para revolucionar os Conservadores
    nos anos 70,
  • 19:42 - 19:46
    trata-se de uma organização
    na junção de três frentes.
  • 19:46 - 19:49
    Um “think tank” sô de intelectuais
    interessados no liberalismo
  • 19:49 - 19:52
    pouca influência concreta
  • 19:52 - 19:55
    exerceria nos debates políticos.
  • 20:01 - 20:05
    Uma parte da carreira
    de von Mises e Hayek
  • 20:05 - 20:08
    explica-se pelas afinidades com os
  • 20:08 - 20:11
    dirigentes das associações patronais.
  • 20:11 - 20:14
    Von Mises, nos EUA, estava associado
    à Foundation for Economic Education
  • 20:15 - 20:18
    e, através disso,
    às associações patronais.
  • 20:19 - 20:21
    Ao chegar a Chicago,
    Hayek é financiado
  • 20:21 - 20:24
    por empresàrios americanos para
  • 20:24 - 20:27
    escrever “O Caminho para a Servidão”,
  • 20:27 - 20:30
    mas sobre a América,
    não sô sobre a Inglaterra.
  • 20:30 - 20:33
    De certo modo, esses intelectuais
    adquiriram mais poder
  • 20:33 - 20:38
    ao associarem-se
    a indivíduos poderosos.
  • 20:38 - 20:42
    A obra de Hayek
    pode ter um caràcter utôpico,
  • 20:42 - 20:47
    mas é a utopia dos mais fortes,
    não dos mais desfavorecidos.
  • 20:49 - 20:53
    Financiados pelos consôrcios e
    pelas grandes fortunas particulares,
  • 20:54 - 20:56
    os “think tanks” neoliberais
    costumam gozar
  • 20:56 - 21:01
    do estatuto
    de organizações de beneficência.
  • 21:01 - 21:07
    Assim, os generosos doadores
    têm direito a isenções fiscais.
  • 21:07 - 21:11
    No entanto, segundo a lei,
    as organizações de beneficência
  • 21:12 - 21:15
    não podem dedicar-se
    a actividades políticas.
  • 21:15 - 21:16
    Em 1989,
  • 21:17 - 21:21
    foi retirado ao Greenpeace esse estatuto
  • 21:21 - 21:24
    por ordem do governo canadiano.
  • 21:24 - 21:27
    O fisco canadiano
    concluiu que a ONG
  • 21:27 - 21:31
    nem sempre agia
    no interesse do pûblico,
  • 21:31 - 21:35
    contribuindo para
    “mergulhar as pessoas na pobreza,”
  • 21:35 - 21:41
    “ao reclamar o encerramento
    de indûstrias poluentes.”
  • 21:41 - 21:43
    No entanto,
    nenhum “think tank” neoliberal
  • 21:44 - 21:48
    gozando do estatuto de organização
  • 21:48 - 21:49
    de beneficência foi importunado.
  • 21:49 - 21:54
    Ao entregarem a sua declaração anual
    ao governo canadiano,
  • 21:54 - 22:00
    estes institutos de pesquisa
    “apartidàrios” afirmam solenemente
  • 22:00 - 22:04
    “não tentar influenciar
    a opinião pûblica”
  • 22:04 - 22:08
    “nem tentar obter a alteração
    de leis ou políticas.”
  • 22:10 - 22:13
    Sempre houve “think tanks”
    de direita, evidentemente,
  • 22:13 - 22:18
    mas surgiram em força
  • 22:18 - 22:20
    no início dos anos 1970.
  • 22:20 - 22:24
    Fizeram parte duma reacção
  • 22:24 - 22:27
    ao activismo dos anos 1960,
  • 22:27 - 22:30
    que pôs em pânico
    as elites de todos os quadrantes.
  • 22:30 - 22:35
    Tratava-se
    da democratização da sociedade,
  • 22:36 - 22:40
    e todos eles
    desprezam a democracia, claro.
  • 22:40 - 22:44
    A formulação mais explícita das
    ideias do internacionalismo liberal
  • 22:44 - 22:47
    foi um estudo muito importante
    da Comissão Trilateral,
  • 22:47 - 22:50
    os internacionalistas liberais
    na Europa,
  • 22:50 - 22:52
    EUA e Japão,
  • 22:52 - 22:54
    três grandes países.
  • 22:54 - 22:58
    É de 197 4, penso eu. Intitulava-se
    “A Crise da Democracia”
  • 22:59 - 23:03
    e era sobre o facto de os países
    estarem excessivamente democràticos.
  • 23:03 - 23:06
    Segundo eles,
    havia um “excesso de democracia”.
  • 23:06 - 23:10
    As pessoas que normalmente
    se mostravam passivas e apàticas
  • 23:10 - 23:13
    estavam a mobilizar-se
    e a exigir os seus direitos.
  • 23:13 - 23:16
    Chamavam-lhes
    “os interesses especiais”.
  • 23:16 - 23:21
    As mulheres e os jovens, os velhos e agricultores
    e trabalhadores...
  • 23:21 - 23:22
    O país em peso.
  • 23:22 - 23:27
    Sô hà um grupo que não se encaixa
    nestes “interesses especiais”,
  • 23:27 - 23:31
    o empresarial, porque a esse compete-lhe
    dirigir o mundo e o país,
  • 23:31 - 23:33
    portanto não são um “interesse
    especial”, mas sim “nacional”.
  • 23:33 - 23:37
    Mas a população em geral
    estava demasiado mobilizada.
  • 23:38 - 23:43
    Por um lado eram os estudantes,
    a defesa dos direitos das mulheres,
  • 23:43 - 23:45
    preocupações ambientais...
  • 23:45 - 23:49
    Foi um período com um forte
    efeito civilizador na sociedade.
  • 23:50 - 23:53
    Mudou muita coisa,
    e isso causou grandes receios.
  • 23:53 - 23:55
    E houve uma enorme
    reacção a isso.
  • 23:55 - 23:57
    A Comissão Trilateral pediu
  • 23:57 - 24:00
    mais moderação na democracia.
  • 24:00 - 24:04
    “O estado està a ser pressionado
    para satisfazer as exigências.”
  • 24:05 - 24:09
    Apelavam às “instituições para
    a indoutrinação da juventude”,
  • 24:09 - 24:14
    eram muito francos - estavam
    a falar uns com os outros...
  • 24:14 - 24:18
    “As instituições de indoutrinação da juventude
    deverão ser bastante mais severas.”
  • 24:18 - 24:21
    “A imprensa està descontrolada.”
    O que é ridículo,
  • 24:21 - 24:24
    mas “talvez o estado tenha
    de intervir para restringir a imprensa”.
  • 24:25 - 24:27
    Eram as opiniões do quadrante
  • 24:27 - 24:32
    internacionalista liberal
  • 24:33 - 24:37
    na Europa, EUA e Japão,
    era a opinião reinante.
  • 24:37 - 24:40
    Daí aquele tempo ser conhecido
    por “o período conturbado”.
  • 24:40 - 24:41
    Inquietava assistir à maior
  • 24:41 - 24:45
    democratização e ao activismo,
  • 24:46 - 24:50
    e houve uma grande reacção
    em vàrias frentes.
  • 24:50 - 24:53
    Uma delas foi o aumento
    de “think tanks” de direita,
  • 24:53 - 24:56
    que alcançaram
    grande poder e proeminência,
  • 24:56 - 25:00
    para tentar virar o espectro
  • 25:00 - 25:03
    da discussão para a direita.
  • 25:04 - 25:07
    E, simultaneamente, disparou
    o lobbying por parte das empresas
  • 25:08 - 25:12
    para garantir o controlo
    sobre a legislação.
  • 25:14 - 25:22
    “Como é que o mercado pode promover
    a escolha e a liberdade individual?”
  • 25:22 - 25:26
    Seminàrio no Instituto Fraser
    sobre políticas pûblicas.
  • 25:26 - 25:30
    Organização conjunta com o
    Instituto Econômico de Montreal.
  • 25:30 - 25:32
    Sàbado, 10 de Fevereiro de 2001 .
  • 25:32 - 25:36
    Com o patrocínio
    do Instituto Fraser do Québec.
  • 25:37 - 25:39
    Quando concedemos poder coercivo,
  • 25:40 - 25:42
    o monopôlio do poder coercivo,
  • 25:42 - 25:45
    a uma agência
    a que chamamos “governo”,
  • 25:46 - 25:49
    este tende a utilizà-lo
    de forma ignorante
  • 25:49 - 25:52
    ou a recorrer ao abuso de poder,
  • 25:53 - 25:55
    tendo esse poder
  • 25:56 - 25:59
    tendência para aumentar.
  • 26:00 - 26:04
    O que o Instituto Fraser
    tenta investigar e realçar é isto:
  • 26:05 - 26:09
    quais deveriam ser
    os limites do governo
  • 26:09 - 26:13
    e os limites das empresas privadas
  • 26:14 - 26:17
    ou das trocas voluntàrias
    entre indivíduos?
  • 26:17 - 26:22
    É essa divisão
  • 26:22 - 26:25
    entre a coerção e a livre-vontade
    sobre a qual me irei pronunciar
  • 26:25 - 26:30
    neste seminàrio.
  • 26:30 - 26:33
    Irão também assistir a seminàrios
    de outros participantes
  • 26:33 - 26:36
    que vieram aqui hoje.
  • 26:36 - 26:38
    APRESETAÇAO.
  • 26:38 - 26:41
    ... da Foundation for Economic Education, em Nova
    lorque.
  • 26:42 - 26:44
    Na sua apresentação,
    “Saneado pelo Capitalismo”,
  • 26:44 - 26:48
    este especialista sobre liberdade vai explicar
    como a subida do nível de vida
  • 26:48 - 26:51
    nos permitiu o “luxo”
    de novas preocupações,
  • 26:51 - 26:55
    tais como as questões
    ambientais globais.
  • 26:56 - 26:58
    Sou o presidente da Foundation
    for Economic Education,
  • 26:58 - 27:03
    situada a norte de Nova lorque.
  • 27:03 - 27:06
    Foi fundada em 1946.
  • 27:06 - 27:10
    Na altura, era a ûnica organização
    liberal proponente do livre mercado.
  • 27:10 - 27:13
    Entretanto jà surgiram outras,
  • 27:14 - 27:18
    mas nôs existimos desde 1946
  • 27:19 - 27:21
    e temos por objectivo apresentar
    as ideias e os ideais
  • 27:21 - 27:24
    de uma sociedade liberal,
    descentralizada,
  • 27:24 - 27:29
    governada basicamente pelas leis da propriedade
    privada e da limitação do estado.
  • 27:29 - 27:33
    A questão, hoje, não era o facto
    de não haver poluição industrial,
  • 27:33 - 27:38
    mas sim de a poluição
    causada pela indûstria capitalista,
  • 27:39 - 27:43
    independentemente da gravidade
    que lhe atribuímos,
  • 27:43 - 27:46
    essa poluição
  • 27:47 - 27:49
    deveria ser comparada...
  • 27:50 - 27:54
    a gravidade do problema actual
    deve comparar-se à vida antigamente,
  • 27:54 - 27:57
    na era pré-industrial.
  • 27:57 - 28:01
    E, pelos padrões actuais,
  • 28:01 - 28:06
    a vida era altamente
    insalubre e perigosa,
  • 28:07 - 28:11
    devido aos poluentes naturais
  • 28:11 - 28:15
    com que os nossos antepassados
    pré-industriais lidavam no dia-a-dia.
  • 28:15 - 28:18
    E que mataram
    muitos dos nossos antepassados.
  • 28:18 - 28:21
    O sistema de mercado,
    o capitalismo,
  • 28:21 - 28:25
    eliminou muitos destes perigos
  • 28:25 - 28:30
    e mitigou as consequências
    de quase todos os outros.
  • 28:30 - 28:34
    Ou seja, o que eu quis dizer
    não foi que não existe poluição,
  • 28:34 - 28:37
    mas que a poluição actual
  • 28:37 - 28:40
    devia ser comparada à do passado,
  • 28:40 - 28:42
    ao contrapormos
    estas grandes tendências,
  • 28:43 - 28:45
    capitalismo
  • 28:46 - 28:47
    e não-capitalismo.
  • 28:52 - 28:55
    Este seminàrio não é financiado
    pelo governo,
  • 28:55 - 28:57
    mas por privados
  • 28:59 - 29:03
    e é bom ver que hà quem
  • 29:03 - 29:04
    patrocine aquilo que defende.
  • 29:05 - 29:09
    Na minha opinião,
    hà demasiados serviços,
  • 29:09 - 29:13
    nomeadamente a protecção ao desemprego, a
    saûde e a educação,
  • 29:14 - 29:18
    que constituem um monopôlio,
  • 29:18 - 29:21
    um monopôlio do governo,
    o ûnico prestador destes serviços.
  • 29:21 - 29:25
    Porque não abrir as portas
    à concorrência?
  • 29:26 - 29:29
    Poderíamos ter concorrência
  • 29:29 - 29:31
    na produção dos serviços,
  • 29:32 - 29:35
    e a nossa preocupação com os pobres
  • 29:35 - 29:39
    traduzir-se-ia em subsídios
    para adquirirem estes serviços.
  • 29:39 - 29:41
    Separar a produção, que eu gostaria
  • 29:41 - 29:45
    de ver privatizada e concorrencial,
  • 29:46 - 29:50
    do financiamento, que poderia
    ser, em parte, governamental.
  • 29:54 - 29:58
    Não gosto de falar sô de mercado,
  • 29:59 - 30:02
    pois ele não existe sem os estados.
  • 30:02 - 30:04
    Todos os mercados
    precisam de regras,
  • 30:05 - 30:08
    todos eles precisam
    de um certo nível de regulação,
  • 30:10 - 30:15
    nem gosto de falar de liberdade
    como um valor isolado.
  • 30:15 - 30:18
    Existe muita gente
    que não quer liberdade.
  • 30:18 - 30:23
    Eu gostaria de ter a liberdade
    de escolher quem manda em mim
  • 30:24 - 30:27
    e aquilo que tento...
    discutir nas minhas palestras
  • 30:28 - 30:32
    é como poderemos
  • 30:35 - 30:37
    ter um sistema de governo
    que nos permita escolher
  • 30:37 - 30:41
    que tipo de representante
  • 30:41 - 30:43
    e de restrições iremos escolher,
  • 30:43 - 30:48
    pois todos temos de viver sob certas
    restrições, até os mais libertàrios.
  • 30:50 - 30:58
    4. breve antologia liberal
  • 30:58 - 31:06
    o libertarianismo
    e a teoria da escolha pûblica
  • 31:08 - 31:13
    “Le Québécois Libre, Editorial
    “O que Devem Fazer os Libertàrios?”
  • 31:13 - 31:15
    O libertarianismo é o descendente
  • 31:16 - 31:17
    da filosofia liberal clàssica,
  • 31:17 - 31:21
    que dà primazia
    à liberdade individual
  • 31:22 - 31:25
    e às suas consequências a nível
    econômico, político e de mercado.
  • 31:25 - 31:28
    Um estatismo mínimo
    e o mínimo possível de coerção,
  • 31:28 - 31:32
    o mínimo de regulação,
  • 31:34 - 31:38
    deixando os indivíduos
    livres para agir
  • 31:38 - 31:41
    e para estabelecer relações
    voluntàrias com outros indivíduos.
  • 31:41 - 31:43
    No plano social,
  • 31:43 - 31:48
    opõe-se às filosofias que impõem uma
  • 31:48 - 31:52
    ordem social, religiosa ou cultural.
  • 31:52 - 31:55
    Teoricamente,
  • 31:56 - 32:00
    se os indivíduos são livres, dentro da
    protecção dos direitos de propriedade,
  • 32:01 - 32:06
    podendo estabelecer relações
    com terceiros,
  • 32:06 - 32:10
    isso leva à harmonia.
  • 32:10 - 32:12
    Não é a anarquia do capitalismo
    selvagem, da concorrência selvagem,
  • 32:12 - 32:16
    de maneira nenhuma.
  • 32:16 - 32:18
    É permitir as relações pacíficas
  • 32:19 - 32:22
    e voluntàrias entre indivíduos.
  • 32:23 - 32:30
    “Neoliberal, Libertàrio ou Anarquista?”
  • 32:31 - 32:34
    O libertarianismo descende
    do liberalismo clàssico,
  • 32:34 - 32:39
    uma filosofia com base
    no século XVII e XVIII
  • 32:39 - 32:43
    e que constituiu uma reacção
  • 32:44 - 32:46
    às monarquias autoritàrias da época.
  • 32:47 - 32:49
    O liberalismo argumentava:
  • 32:49 - 32:53
    “Face ao poder do soberano, hà que
    aumentar a liberdade dos indivíduos.”
  • 32:54 - 32:57
    lsso desenvolveu-se
    nos séculos seguintes
  • 32:57 - 32:59
    e actualmente é uma filosofia
  • 32:59 - 33:03
    assente no livre mercado,
  • 33:03 - 33:06
    sô que os libertàrios,
    no século XIX,
  • 33:07 - 33:08
    demarcam-se dos liberais, pois
  • 33:08 - 33:11
    a palavra liberal mudou de sentido.
  • 33:11 - 33:16
    Nos EUA, hoje em dia,
    um liberal é precisamente o inverso,
  • 33:16 - 33:19
    é um social-democrata
    ou alguém de esquerda,
  • 33:20 - 33:24
    mas a Europa mantém a tradição
    francesa, liberal ainda é liberal,
  • 33:25 - 33:29
    mas devido à confusão, os
    liberais clàssicos americanos
  • 33:30 - 33:34
    começaram a designar-se
    “libertàrios”, nos anos 20 ou 30,
  • 33:34 - 33:36
    para se distinguirem dos “liberais”,
  • 33:36 - 33:40
    e a filosofia libertariana
    é mais coerente e radical
  • 33:41 - 33:43
    do que o liberalismo clàssico,
  • 33:43 - 33:47
    no sentido da redução do estado
    à sua expressão mais simples.
  • 33:47 - 33:49
    Certos libertàrios são até a favor
  • 33:49 - 33:52
    da eliminação total do estado,
  • 33:53 - 33:57
    preconizam até a privatização
    da defesa, segurança e justiça.
  • 33:57 - 34:04
    “Redistribuir a Riqueza é lmoral.”
  • 34:06 - 34:08
    Hoje em dia, numa sociedade
  • 34:08 - 34:11
    em que o estado gasta...
  • 34:11 - 34:16
    ... as despesas do estado
    representam 45 a 55% do PIB.
  • 34:16 - 34:21
    O estado controla certos sectores,
    como a educação e a saûde,
  • 34:21 - 34:24
    controla imensa coisa,
    regula muito do que não controla,
  • 34:25 - 34:27
    subsidia quase toda a gente.
    Hà uma grande parte da população
  • 34:28 - 34:32
    que vive apenas
    da redistribuição do dinheiro.
  • 34:32 - 34:36
    São pessoas que não produzem bens
    que outros queiram comprar,
  • 34:36 - 34:39
    mas que se limitam a receber dinheiro
  • 34:39 - 34:43
    confiscado a outros contribuintes.
  • 34:43 - 34:46
    Ou seja, hà imensa gente
  • 34:47 - 34:50
    que vive pura e simplesmente
    à custa dos outros.
  • 34:50 - 34:54
    Podemos dividir a sociedade em dois,
    duma perspectiva libertarianista.
  • 34:55 - 34:59
    Os que produzem e os que vivem
  • 34:59 - 35:01
    dos produtores, os parasitas.
  • 35:01 - 35:04
    A expressão pode ser dura,
    mas é o que se passa.
  • 35:05 - 35:09
    Sendo pela responsabilidade
    individual, não podemos aceitar isso.
  • 35:10 - 35:14
    Quem vive à custa dos outros
    é absolutamente irresponsàvel.
  • 35:15 - 35:18
    Não produz nada que interesse
  • 35:18 - 35:22
    e vive graças à coerção do estado,
  • 35:22 - 35:27
    que transfere a riqueza.
  • 35:28 - 35:32
    Se quisermos promover
    a liberdade e a responsabilidade,
  • 35:33 - 35:37
    não podemos aceitar esta dependência
    de grande parte da população.
  • 35:39 - 35:42
    A teoria da escolha pûblica diz que
  • 35:42 - 35:46
    a adopção de políticas governamentais
  • 35:47 - 35:50
    não é motivada
    pelo interesse colectivo,
  • 35:50 - 35:54
    mas sim pelos interesses particulares
    dos diferentes grupos sociais.
  • 35:54 - 35:58
    Em 1986, James M. Buchanan,
    o iniciador desta teoria
  • 35:58 - 36:01
    que denuncia a ineficàcia do estado
  • 36:02 - 36:05
    e preconiza a limitação da despesa,
  • 36:05 - 36:09
    recebeu o “prémio Nobel”
    da Economia.
  • 36:17 - 36:19
    Ao contràrio
  • 36:19 - 36:23
    do que se pensa aqui,
  • 36:24 - 36:26
    no Québec existe uma cultura
  • 36:26 - 36:28
    estatista de que não nos apercebemos,
  • 36:28 - 36:32
    pois estamos de tal modo
    imbuídos nela
  • 36:32 - 36:35
    que a consideramos natural,
    mas de facto é uma cultura estatista,
  • 36:35 - 36:39
    que encara o estado,
    ingenuamente,
  • 36:40 - 36:43
    como o instrumento
    para maximizar o bem comum.
  • 36:44 - 36:46
    Ou seja,
    como se a inspiração...
  • 36:47 - 36:50
    Mas essa visão é puramente...
  • 36:51 - 36:55
    É uma visão perfeitamente angélica
  • 36:55 - 36:59
    do estado, desligada da realidade.
  • 36:59 - 37:03
    Porque acreditamos que os governos
  • 37:03 - 37:05
    democràticos, jà de si uma vantagem,
  • 37:06 - 37:07
    maximizariam o bem comum?
  • 37:07 - 37:09
    Não fazem nada disso.
  • 37:09 - 37:13
    Obedecem às regras do jogo
    pelo qual se regem.
  • 37:13 - 37:15
    E quais são?
  • 37:15 - 37:19
    É o processo eleitoral.
    É essa a sua virtude.
  • 37:19 - 37:21
    O que implicarà isso?
  • 37:21 - 37:25
    Em primeiro lugar,
  • 37:25 - 37:28
    iremos assistir frequentemente
  • 37:30 - 37:32
    à chamada ditadura da maioria.
  • 37:33 - 37:38
    Como a grande regra do jogo político
  • 37:38 - 37:39
    é a maioria,
  • 37:39 - 37:42
    um governo que ganha as eleições
  • 37:42 - 37:44
    vai privilegiar a maioria.
  • 37:44 - 37:49
    Os rendimentos da maioria são
    baixos, relativamente à média,
  • 37:49 - 37:54
    portanto os políticos
    terão como ûnico objectivo
  • 37:54 - 37:57
    redistribuir a riqueza,
    favorecendo essa maioria.
  • 37:57 - 38:01
    O objectivo não é o de maximizar
    a riqueza nem o crescimento,
  • 38:02 - 38:05
    ser eficaz,
    isso não interessa ao governo.
  • 38:05 - 38:09
    Em primeiro lugar, quer redistribuir
  • 38:09 - 38:12
    a riqueza à maioria que o elegeu.
  • 38:12 - 38:16
    É assim que podemos explicar
    os programas sociais universais,
  • 38:17 - 38:21
    a predilecção que a maioria
  • 38:21 - 38:23
    tem pelo monopôlio pûblico
  • 38:23 - 38:26
    da saûde
  • 38:26 - 38:29
    e da educação.
  • 38:29 - 38:33
    Não se trata de compaixão
    nem a preocupação
  • 38:33 - 38:38
    de partilhar a riqueza
    que inspira essa tomada de posição.
  • 38:38 - 38:42
    A maioria quer fazer-se pagar
  • 38:42 - 38:44
    pela minoria mais abastada.
  • 38:44 - 38:45
    Do que se trata é disso.
  • 38:46 - 38:48
    É pura mentira afirmar
  • 38:48 - 38:53
    que é a compaixão que inspira isso,
  • 38:53 - 38:57
    a saûde socializada e a educação
  • 38:57 - 39:00
    pûblica, mas não é nada disso.
  • 39:00 - 39:05
    Em segundo lugar,
    as pessoas, ou seja, a maioria,
  • 39:06 - 39:08
    costumam ser apolíticas.
  • 39:08 - 39:12
    Existe aquilo a que os economistas
    chamam “ignorância racional”.
  • 39:13 - 39:17
    Seria um disparate
  • 39:18 - 39:21
    todos nôs obtermos muita informação
    acerca das políticas seguidas,
  • 39:21 - 39:26
    informarmo-nos acerca do impacto
    de todas essas políticas.
  • 39:26 - 39:31
    Porque não podemos alterar nada.
    Somos um eleitor entre milhões
  • 39:31 - 39:35
    e, informados ou não,
    votando bem ou mal,
  • 39:36 - 39:38
    não alteramos o resultado.
  • 39:38 - 39:39
    Devemos tentar minimizar o esforço
  • 39:40 - 39:44
    para perceber as políticas,
  • 39:45 - 39:47
    o que de facto acontece.
  • 39:47 - 39:51
    As pessoas nem costumam saber
    o nome do seu prôprio deputado
  • 39:51 - 39:54
    e seriam incapaz de designar,
  • 39:54 - 39:58
    de explicar as consequências
    dessas políticas,
  • 39:58 - 40:03
    pois isso seria moroso,
  • 40:03 - 40:08
    e a contribuição para a realização
    desse objectivo seria zero.
  • 40:08 - 40:11
    As pessoas são apàticas,
    não-politizadas
  • 40:11 - 40:13
    não-participativas,
  • 40:14 - 40:15
    porque não vale a pena.
  • 40:16 - 40:18
    Mas isso abre o caminho a grupos
    estrategicamente colocados,
  • 40:18 - 40:22
    os grupos de interesses,
    o que explica o seu domínio,
  • 40:22 - 40:26
    pois uma organização como a CSN
  • 40:28 - 40:32
    ou a Associação Industrial Canadiana
  • 40:32 - 40:34
    pode dedicar-se à actividade política
    e à propaganda,
  • 40:35 - 40:39
    à promoção dos seus interesses,
  • 40:39 - 40:42
    pois têm jà um sistema montado,
  • 40:42 - 40:45
    portanto as decisões políticas
  • 40:46 - 40:48
    vão ser dominadas
  • 40:48 - 40:52
    por pessoas em lugares estratégicos,
    os grupos organizados.
  • 40:53 - 40:57
    “Todos os grandes governos do mundo,
    presentes e passados,
  • 40:57 - 41:01
    não passaram de grupos de ladrões,
  • 41:01 - 41:05
    associados com o objectivo de pilhar, conquistar
  • 41:05 - 41:09
    e reduzir os seus compatriotas
    à escravatura.
  • 41:09 - 41:15
    As suas leis, como eles lhes chamam,
    não representam senão os acordos
  • 41:15 - 41:21
    que consideraram necessàrios
    para manter a sua organização
  • 41:21 - 41:25
    e agir concertadamente para
    despojar e escravizar os outros
  • 41:25 - 41:31
    e para garantir a cada um
    a sua parte dos despojos.
  • 41:31 - 41:37
    Essas leis não constituem obrigações,
  • 41:38 - 41:41
    tal como acontece
    com os acordos celebrados
  • 41:41 - 41:45
    entre malfeitores, bandidos e piratas.”
  • 41:45 - 41:51
    Lysander Spooner (“Lei Natural;
    ou A Ciência da Justiça”, 1882)
  • 41:53 - 41:54
    Encarando os factos objectivamente,
  • 41:55 - 41:59
    o estado é uma instituição coerciva.
  • 41:59 - 42:03
    Sô pode operar
    impondo as coisas à força.
  • 42:03 - 42:04
    Por exemplo,
  • 42:05 - 42:09
    quando o estado tem um monopôlio,
    como a Hydro-Québec,
  • 42:09 - 42:13
    se eu decidir produzir
    e vender electricidade,
  • 42:13 - 42:16
    colocando-me
    à margem desse monopôlio,
  • 42:16 - 42:18
    não se limitam a dar-me
  • 42:18 - 42:21
    umas palmadinhas,
  • 42:22 - 42:23
    prendem-me
  • 42:23 - 42:28
    se eu insistir em fazer uma coisa
    que o estado me impede de fazer.
  • 42:28 - 42:32
    O estado agride-me fisicamente
    se eu quiser oferecer um serviço
  • 42:34 - 42:38
    que o estado prefere monopolizar,
    que os estadistas decidiram monopolizar.
  • 42:39 - 42:42
    Aquilo que o estado faz quando
    nos rouba metade do ordenado...
  • 42:42 - 42:45
    Peço desculpa,
    mas pediram-me a minha opinião.
  • 42:45 - 42:47
    Roubam-me metade do ordenado.
  • 42:47 - 42:50
    Podemos dizer que elegemos
  • 42:50 - 42:54
    democraticamente quem decide,
  • 42:54 - 42:56
    sô que a democracia
  • 42:56 - 43:00
    é a organização “pacífica”
  • 43:00 - 43:02
    do banditismo do estado.
  • 43:03 - 43:06
    Eu não votei para me roubarem,
  • 43:06 - 43:08
    mas muita gente tem interesse nisso,
  • 43:08 - 43:12
    pois essa gente - como eu dizia
    hà pouco - vive à custa do estado
  • 43:12 - 43:15
    e da metade que o estado me tira
    para a dar a essas pessoas.
  • 43:15 - 43:19
    A verdadeira liberdade
    não é a democracia.
  • 43:19 - 43:24
    Não sou anti-democrata no sentido
  • 43:24 - 43:27
    de querer um estado autoritàrio.
  • 43:27 - 43:30
    Pensa-se que quem afirma isto
  • 43:30 - 43:33
    é a favor dum estado autoritàrio,
    mas eu defendo um estado
  • 43:33 - 43:34
    tudo menos autoritàrio,
  • 43:35 - 43:39
    a ponto de nem justificar as suas
  • 43:39 - 43:41
    acções com base na democracia.
  • 43:41 - 43:45
    Liberdade individual e democràtica
    são coisas diferentes.
  • 43:45 - 43:49
    Ao darmos democraticamente o poder
    para nos imporem condições,
  • 43:51 - 43:53
    isso contradiz a liberdade individual.
  • 43:53 - 43:56
    Defendendo a liberdade individual,
  • 43:56 - 43:59
    não queremos mais democracia,
  • 43:59 - 44:04
    mais maneiras de partilharmos
  • 44:04 - 44:05
    os recursos
    que foram roubados aos outros.
  • 44:06 - 44:09
    Defendemos a diminuição dràstica
  • 44:09 - 44:12
    do estado para aumentar a liberdade
  • 44:12 - 44:14
    não de decidir
  • 44:14 - 44:18
    em que raposa vamos votar,
  • 44:19 - 44:21
    quem vai assaltar o galinheiro, mas
  • 44:21 - 44:22
    o que fazer com o que lhe pertence.
  • 44:24 - 44:28
    Os incentivos incorporados
    nas políticas sociais são nefastos,
  • 44:28 - 44:32
    tanto para os pobres
    como para a população em geral.
  • 44:32 - 44:36
    Vivemos numa
  • 44:36 - 44:38
    economia social pûblica,
  • 44:39 - 44:42
    paralelamente à economia
    capitalista, a economia de mercado,
  • 44:42 - 44:47
    esta produtiva, a outra baseada
    no modelo da ex-URSS,
  • 44:48 - 44:51
    que contém incentivos nefastos,
  • 44:51 - 44:55
    recompensando as pessoas
    por não trabalharem,
  • 44:55 - 44:59
    por não terem uma família estàvel.
  • 45:00 - 45:04
    Ajudar as mães solteiras
  • 45:04 - 45:08
    é uma maneira de incentivar
    os filhos fora do casamento.
  • 45:09 - 45:12
    E recompensa-se a pobreza.
    É tão radical como isso.
  • 45:13 - 45:16
    A pobreza obedece às mesmas regras:
  • 45:17 - 45:19
    quanto mais se subsidia, mais hà,
  • 45:19 - 45:22
    pois aumenta o gosto pela pobreza.
  • 45:23 - 45:26
    Veja-se o que aconteceu no Ontàrio
  • 45:26 - 45:28
    e nos EUA nos ûltimos cinco anos.
  • 45:28 - 45:31
    Foram impostos limites
  • 45:32 - 45:36
    de acesso aos subsídios
    de bem-estar social,
  • 45:36 - 45:40
    e a população de pobres e dependentes
  • 45:40 - 45:42
    diminuiu para metade em poucos anos,
  • 45:42 - 45:45
    pois jà não havia dinheiro,
  • 45:45 - 45:49
    as condições tinham mudado.
  • 45:49 - 45:52
    Eram obrigados a trabalhar,
  • 45:53 - 45:55
    ossem quais fossem os métodos,
  • 45:56 - 46:01
    portanto hà maneiras
    de reinserir as pessoas
  • 46:01 - 46:03
    na economia produtiva,
  • 46:04 - 46:08
    em vez de as colocar
    em bairros sociais ou em ghettos,
  • 46:09 - 46:11
    onde todos são pobres.
  • 46:11 - 46:14
    Se lhes déssemos vales que lhes
    permitissem aceder à propriedade,
  • 46:14 - 46:16
    em vez de subsidiarmos
    o desemprego,
  • 46:17 - 46:21
    que é o que acontece,
    subsidiamos essas pessoas
  • 46:22 - 46:23
    para que fiquem no desemprego.
  • 46:23 - 46:27
    Quem não està desempregado
  • 46:27 - 46:29
    não recebe subsídio.
  • 46:31 - 46:34
    Podíamos criar fundos
    de poupança para o desemprego,
  • 46:34 - 46:38
    em que as pessoas
    acumulassem protecções,
  • 46:38 - 46:41
    ao abrigo do fisco,
    até mesmo subvencionados,
  • 46:41 - 46:45
    caso caíssem no desemprego.
  • 46:45 - 46:48
    Todos teriam o cuidado
    de não ficar desempregados,
  • 46:48 - 46:52
    pois iriam comprometer esse fundo,
  • 46:52 - 46:55
    portanto cada um beneficiaria
    da poupança do seu prôprio fundo.
  • 46:55 - 47:00
    Vàrias boas ideias,
    mas as nossas políticas sociais
  • 47:01 - 47:05
    visam criar uma indûstria
    da pobreza e da dependência,
  • 47:06 - 47:10
    com a qual lucram os burocratas
    e os funcionàrios envolvidos
  • 47:10 - 47:14
    e que suscita a dependência
    por parte da população,
  • 47:14 - 47:17
    e o apoio político,
  • 47:18 - 47:22
    sem qualquer efeito a longo prazo
    a nível do país.
  • 47:22 - 47:25
    As políticas sociais
    não diminuíram a pobreza,
  • 47:25 - 47:30
    é esse o diagnôstico final.
  • 47:35 - 47:42
    “Como o Apoio Social
    Prejudica as Crianças”
  • 47:43 - 47:46
    Verificamos que o aumento,
  • 47:48 - 47:53
    ao longo da histôria
    e nos diversos países,
  • 47:53 - 47:58
    das receitas da economia
  • 47:58 - 48:00
    são o ûnico meio
    de ajudar os pobres.
  • 48:02 - 48:05
    Temos dados rigorosos
    sobre esta matéria.
  • 48:05 - 48:07
    A ûnica variàvel que afecta,
  • 48:07 - 48:12
    que diminui a pobreza
  • 48:12 - 48:15
    nos diversos países
  • 48:15 - 48:17
    é o aumento da riqueza.
  • 48:18 - 48:20
    As políticas sociais
    não servem para nada!
  • 48:20 - 48:23
    Quem quiser
  • 48:24 - 48:27
    ajudar os pobres
  • 48:28 - 48:29
    ou os menos favorecidos
  • 48:29 - 48:32
    deve privilegiar o crescimento,
  • 48:32 - 48:37
    portanto, todos os que se opuserem
    à livre troca,
  • 48:38 - 48:42
    em nome dos países pobres
    ou dos pobres de cada país,
  • 48:42 - 48:46
    estão enganados.
  • 48:47 - 48:50
    Os factos contradizem essas opções.
  • 48:50 - 48:53
    A melhor ajuda é abrir o comércio,
  • 48:53 - 48:55
    para aumentar os rendimentos.
  • 48:55 - 48:59
    Estatisticamente, o rendimento
  • 48:59 - 49:00
    dos pobre aumenta ao mesmo ritmo,
  • 49:01 - 49:04
    ao aumentarem as receitas, portanto
    hà que abrir a economia ao exterior.
  • 49:04 - 49:06
    Para além disso,
  • 49:07 - 49:12
    para além das medidas susceptíveis
    de ajudar os pobres,
  • 49:12 - 49:16
    não vejo qualquer fundamento
  • 49:16 - 49:18
    para a redistribuição da riqueza.
  • 49:19 - 49:23
    Os governos redistribuem
    muita riqueza
  • 49:25 - 49:26
    em favor da classe média, pois é ela
  • 49:26 - 49:29
    a maioria que determina as escolhas,
  • 49:30 - 49:32
    mas isso não tem fundamento moral.
  • 49:32 - 49:35
    A ûnica justiça social,
    se é que posso dizê-lo,
  • 49:35 - 49:37
    é o respeito
    pelo direito à propriedade.
  • 49:39 - 49:42
    Da perspectiva do libertarianismo,
    os bens pûblicos não existem.
  • 49:42 - 49:47
    É uma invenção para justificar
    a intervenção do estado.
  • 49:47 - 49:50
    De acordo com essa lôgica, hà sempre
  • 49:50 - 49:52
    factores externos, como a poluição.
  • 49:52 - 49:56
    Não podemos produzir sem fazer
    fumo, que vai cair no vizinho,
  • 49:56 - 50:01
    ou sem provocar resíduos,
    que vão parar ao rio,
  • 50:01 - 50:04
    mas isso acontece
  • 50:04 - 50:08
    por não haver direitos de propriedade
  • 50:08 - 50:10
    sobre a àgua.
  • 50:10 - 50:12
    Os rios são pûblicos.
  • 50:13 - 50:17
    Durante todo o século XIX,
  • 50:19 - 50:22
    as empresas estavam autorizadas
    a poluir os rios,
  • 50:23 - 50:25
    e isso fazia-se até hà pouco tempo,
  • 50:26 - 50:28
    pois o estado controlava o rio,
  • 50:29 - 50:32
    que era um recurso pûblico, estatal,
  • 50:32 - 50:35
    e o estado permitia às empresas
  • 50:35 - 50:37
    privadas poluir os rios.
  • 50:37 - 50:40
    Mas se o rio tivesse sido privatizado
  • 50:40 - 50:44
    e cada um dos proprietàrios tivesse sido consultado
  • 50:45 - 50:49
    para saber se permitiria a uma firma
    escoar assim os seus resíduos,
  • 50:50 - 50:53
    podemos ter a certeza que as coisas
    teriam corrido doutra maneira.
  • 50:53 - 50:56
    Poderia ter acontecido
  • 50:56 - 50:58
    a firma ter pago
    o verdadeiro preço dessa poluição,
  • 50:58 - 51:03
    ter pago aos proprietàrios
  • 51:03 - 51:05
    para poluir o rio.
  • 51:05 - 51:08
    A alocação dos recursos
    teria sido muito diferente.
  • 51:08 - 51:12
    Ter-se-ia certamente
    dado preferência
  • 51:12 - 51:14
    a soluções alternativas
    para esses problemas.
  • 51:14 - 51:19
    As firmas teriam investido
    em tecnologia para evitar a poluição
  • 51:19 - 51:23
    ou teriam acordado
    poluir locais específicos,
  • 51:23 - 51:28
    na propriedade de alguém
    que fosse pago por isso.
  • 51:28 - 51:33
    Teria havido outra reorganização
    das prioridades de produção.
  • 51:33 - 51:37
    Os bens pûblicos existem apenas
  • 51:37 - 51:42
    porque o estado
    distorce a produção,
  • 51:43 - 51:46
    nacionalizando certos bens
    ou nacionalizando o meio ambiente.
  • 51:52 - 52:00
    5. críticas
  • 52:02 - 52:05
    Historicamente, o liberalismo
    representou um progresso,
  • 52:05 - 52:09
    mas o liberalismo clàssico,
    defendido porAdam Smith,
  • 52:09 - 52:13
    o fundador da economia política,
    e esse liberalismo pouca relação tem
  • 52:14 - 52:18
    com o actual “liberalismo”
    da palavra “neoliberalismo”.
  • 52:19 - 52:22
    Pouco tem a ver
    com o liberalismo clàssico.
  • 52:22 - 52:25
    Historicamente, o liberalismo
    representou um progresso,
  • 52:25 - 52:29
    pois foi uma forma de contestar
    o absolutismo real
  • 52:29 - 52:32
    e de conceder direitos ao indivíduo.
  • 52:32 - 52:36
    Entre eles, no liberalismo clàssico
    de Locke e Adam Smith,
  • 52:37 - 52:41
    reconhecia-se o direitoà propriedade
    privada, o que era um progresso,
  • 52:42 - 52:45
    mas não é absurdo pensar
    que até o anarquismo
  • 52:46 - 52:47
    descende do liberalismo.
  • 52:47 - 52:51
    O liberalismo primitivo era radical,
  • 52:51 - 52:54
    e o pensadores “liberais” de hoje
  • 52:54 - 52:57
    poriam os cabelos em pé a A. Smith,
  • 52:57 - 53:02
    pois pouco ele reconheceria
    no “liberalismo” actual.
  • 53:03 - 53:05
    Tomemos como exemplo
    a propriedade privada.
  • 53:05 - 53:09
    Se resulta de interacções com origem
  • 53:09 - 53:12
    em consôrcios transnacionais,
  • 53:12 - 53:16
    no centro e no quadro
    do liberalismo clàssico,
  • 53:16 - 53:17
    torna-se impensàvel.
  • 53:17 - 53:19
    É errado pensar
    que tiranias privadas,
  • 53:20 - 53:24
    como a GM ou a Bombardier,
    possam ter direitos,
  • 53:24 - 53:26
    quer direitos de propriedade
  • 53:26 - 53:30
    quer direitos superiores
    que transcendem o ser humano.
  • 53:30 - 53:33
    Por outro lado, a questão dos
  • 53:34 - 53:36
    direitos de propriedade é bicuda.
  • 53:36 - 53:39
    É importante colocà-la,
    mas a resposta não é simples.
  • 53:39 - 53:43
    Mas estou certo que, mesmo no
    quadro do liberalismo, não podemos colocar
  • 53:43 - 53:48
    as pràticas correntes e os agentes que são, os
    conglomerados transnacionais,
  • 53:48 - 53:52
    e os direitos que lhes são reconhecidos
    no âmbito do liberalismo clàssico.
  • 53:52 - 53:54
    Terà de haver uma reflexão
    sobre os direitos de propriedade.
  • 53:55 - 53:59
    A minha opinião coincide
    com a do anarquismo clàssico.
  • 53:59 - 54:03
    A propriedade privada dos meios
    de produção parece-me uma aberração.
  • 54:03 - 54:06
    Mas Proudhon tem razão
    no que toca à chamada “posse”.
  • 54:06 - 54:08
    É salutar
    existirem direitos de propriedade,
  • 54:08 - 54:11
    mas o pseudoliberalismo
  • 54:11 - 54:14
    ou “neoliberalismo” actual é absurdo.
  • 54:14 - 54:18
    lmaginemos que hoje em dia
  • 54:18 - 54:20
    alguém pudesse apropriar-se
  • 54:20 - 54:25
    pelos meios habituais
    de aquisição de propriedade...
  • 54:26 - 54:30
    lmaginemos que eu me apropriava,
    pelos meios legais,
  • 54:31 - 54:36
    de elementos essenciais
    à vida de toda a gente.
  • 54:36 - 54:39
    Ou as pessoas morriam
    ou se vendiam a mim.
  • 54:39 - 54:42
    Essa sociedade seria considerada
    justa pelo actual neoliberalismo.
  • 54:42 - 54:45
    É absurdo.
  • 54:45 - 54:48
    Não podemos
    responder nos termos simplistas
  • 54:48 - 54:49
    que o mundo actual propõe,
  • 54:50 - 54:51
    mas a questão é complicada.
  • 54:51 - 54:55
    Não podemos privatizar
    os meios de produção,
  • 54:55 - 54:59
    mas deve haver direito de posse
    daquilo que utilizamos.
  • 55:00 - 55:04
    O termo neoliberalismo
    é muito curioso.
  • 55:04 - 55:06
    Para jà, não é liberal,
  • 55:07 - 55:10
    tal como jà vimos, nem novo.
  • 55:10 - 55:14
    Foram as políticas neoliberais
  • 55:14 - 55:16
    que criaram o Terceiro Mundo.
  • 55:16 - 55:19
    Se recuarmos ao século XVIII,
  • 55:19 - 55:24
    os centros da economia mundial
    eram a China e a Índia.
  • 55:26 - 55:27
    E isso mudou.
    A diferença entre ricos e pobres
  • 55:27 - 55:31
    não era grande, nada que se pareça
    com o que existe hoje.
  • 55:32 - 55:34
    A Europa cresceu e desenvolveu-se.
  • 55:35 - 55:38
    Primeiro Inglaterra, depois os EUA,
    Alemanha, Itàlia e por aí fora.
  • 55:38 - 55:43
    Desenvolveram-se,
    violando aquilo a que agora chamamos princípios
    neoliberais.
  • 55:44 - 55:48
    Estados fortes
    e intervenção directa na economia.
  • 55:48 - 55:51
    A Índia, e mais tarde a China,
    foram aniquiladas.
  • 55:51 - 55:54
    E o mesmo se passou com aquilo
    a que agora chamamos Terceiro Mundo.
  • 55:54 - 55:58
    Como? Através da imposição
  • 55:58 - 56:00
    orçada de princípios de mercado.
  • 56:00 - 56:02
    lsto é do conhecimento geral.
  • 56:02 - 56:07
    Se lermos historiadores da economia,
    tal como Paul Bairoch,
  • 56:07 - 56:11
    ele afirma que o proteccionismo
    e a intervenção do estado
  • 56:11 - 56:14
    criaram as sociedades
    ricas e desenvolvidas.
  • 56:15 - 56:19
    Não lhe chama neoliberalismo,
    mas sim liberalização forçada,
  • 56:19 - 56:21
    que deu origem ao Terceiro Mundo.
  • 56:21 - 56:24
    E isto jà se sabia no século XVIII.
    Se pensarmos em Adam Smith,
  • 56:24 - 56:29
    que todos veneram
    mas ninguém lê,
  • 56:29 - 56:33
    se lermos Adam Smith,
    vemos que ele era inteligente.
  • 56:34 - 56:36
    Toda a gente jà ouviu a expressão
    “mão invisível”.
  • 56:36 - 56:40
    Pouca gente presta atenção
    à sua origem.
  • 56:40 - 56:44
    Ele usa-a em “A Riqueza das Nações”,
    portanto é fàcil de encontrar.
  • 56:45 - 56:48
    É uma crítica àquilo
    a que chamamos “neoliberalismo”.
  • 56:48 - 56:51
    Ele chamou a atenção
    - interessava-lhe Inglaterra.
  • 56:51 - 56:56
    “Em Inglaterra, suponhamos
    que comerciantes e produtores,
  • 56:56 - 56:59
    que são os donos do país
    e decidem as políticas a tomar,
  • 57:00 - 57:04
    suponhamos que decidissem investir
    no estrangeiro e fazer importações,
  • 57:05 - 57:06
    por ser mais lucrativo.”
  • 57:06 - 57:10
    Seria lucrativo para eles,
    mas prejudicial para Inglaterra.
  • 57:10 - 57:15
    Por vàrios motivos,
    por apego à sua terra,
  • 57:15 - 57:16
    pela segurança,
    fosse pelo que fosse,
  • 57:17 - 57:20
    decidiriam não o fazer.
  • 57:20 - 57:24
    Como que movidos
    por uma mão invisível,
  • 57:25 - 57:28
    Inglaterra serà salva da desgraça
    do chamado “neoliberalismo”.
  • 57:28 - 57:31
    A intuição estava certa,
    os argumentos estavam errados.
  • 57:31 - 57:35
    David Ricardo, o outro economista
    famoso, disse quase o mesmo.
  • 57:35 - 57:38
    Peguemos no exemplo dele.
  • 57:38 - 57:41
    Portugal e Inglaterra,
    o exemplo clàssico.
  • 57:41 - 57:46
    Se os capitalistas britânicos
    decidissem investir em Portugal,
  • 57:46 - 57:49
    tanto no vinho como nos têxteis,
    segundo o exemplo dele,
  • 57:49 - 57:51
    poderiam ter lucro
  • 57:51 - 57:55
    - e isso deitaria por terra a teoria
    dele da vantagem comparativa -
  • 57:55 - 57:57
    mas o povo de Inglaterra
    ficaria prejudicado.
  • 57:57 - 57:59
    No entanto, ele afirma
    que eles não o fariam.
  • 58:00 - 58:04
    Adianta vàrios motivos psicolôgicos,
  • 58:05 - 58:07
    por gostarem da pàtria ou assim,
    mas a intuição dele estava certa.
  • 58:07 - 58:12
    No século XVIII, as pessoas compreendiam
    isso e tudo correu como se esperava.
  • 58:13 - 58:17
    A liberalização forçada
    tem sido extremamente prejudicial,
  • 58:17 - 58:20
    e os países ricos e poderosos
    nunca a aceitariam para si prôprios.
  • 58:21 - 58:26
    O comércio livre
    é um bom conceito
  • 58:26 - 58:30
    e, tal como foi imaginado
    no séc. XVIII,
  • 58:31 - 58:33
    tinha os seus méritos,
  • 58:33 - 58:36
    pois é lôgico dizer que é preciso
  • 58:37 - 58:39
    produzir melhor e mais barato
  • 58:39 - 58:42
    e trocar com outros
    que façam o mesmo.
  • 58:42 - 58:46
    Em vez de produzir vinho
    em Inglaterra, compra-se em Portugal.
  • 58:46 - 58:50
    Os portugueses
    comprarão os lanifícios.
  • 58:50 - 58:53
    Foi este o exemplo
    dado por Ricardo.
  • 58:54 - 58:57
    Mas os grandes teôricos
  • 58:58 - 58:59
    do séc. XVIII nunca imaginaram
  • 58:59 - 59:03
    que o capital viesse a poder
    deslocar-se para onde quisesse
  • 59:04 - 59:07
    e que uma firma americana ou
  • 59:07 - 59:10
    britânica pudesse investir na China,
  • 59:10 - 59:14
    aproveitando a repressão na China,
  • 59:14 - 59:17
    que proíbe os sindicatos,
  • 59:17 - 59:21
    mantendo os ordenados muito baixos
  • 59:21 - 59:25
    e “externalizando”
    os custos ambientais,
  • 59:25 - 59:28
    fazendo a sociedade e a Terra pagar,
  • 59:28 - 59:31
    porque polui mas é mais barato.
  • 59:31 - 59:35
    Em vez de ter
    uma “vantagem comparativa”,
  • 59:35 - 59:39
    eu produzo vinho mais barato,
    eles produzem lanifícios baratos,
  • 59:40 - 59:42
    essa vantagem torna-se absoluta,
  • 59:42 - 59:45
    pois o meu capital pode deslocar-se
  • 59:45 - 59:50
    para onde houver condições
    que lhe permitam mais lucros,
  • 59:51 - 59:55
    e é isto que falseia o comércio
  • 59:55 - 59:59
    e que faz com que as transnacionais
  • 59:59 - 60:03
    queiram a maior liberdade possível
    para si prôprias,
  • 60:03 - 60:07
    sô que a mão-de-obra não circula,
  • 60:07 - 60:11
    a não ser no caso
    dos “nômadas contemporâneos”,
  • 60:11 - 60:14
    pessoal altamente habilitado
  • 60:14 - 60:17
    e abrangido por certos acordos.
  • 60:17 - 60:21
    Esses teriam o direito de circular
    e de se radicarem onde quiserem,
  • 60:21 - 60:25
    enquanto que o comum dos mortais
    não pode fazer isso.
  • 60:26 - 60:31
    1 7 de Dezembro de 1992. O presidente
    dos EUA, George H. W. Bush,
  • 60:31 - 60:33
    assinou com o Canadà e o México
  • 60:34 - 60:38
    o Acordo Norte-Americano
    do Comércio Livre (NAFTA).
  • 60:44 - 60:47
    1 4 anos mais tarde,
    a 26 de Outubro de 2006,
  • 60:47 - 60:52
    o seu filho, G. W. Bush, promulgou
    a lei do “Muro de Segurança”.
  • 60:52 - 60:57
    Esta lei autoriza a construção,
    na fronteira mexicana,
  • 60:57 - 61:01
    de um muro duplo com 4,5 m de altura
    e 1 200 km de comprimento.
  • 61:01 - 61:07
    Està equipado com as mais recentes
    tecnologias em matéria de vigilância:
  • 61:07 - 61:13
    torres, câmaras, sensores terrestres, aviões
    telecomandados, etc.
  • 61:25 - 61:30
    Ateoria das vantagens comparativas
    é a da especialização internacional
  • 61:30 - 61:35
    e diz que as nações
    devem especializar-se
  • 61:35 - 61:37
    segundo as suas vantagens
    comparativas.
  • 61:37 - 61:39
    É puramente estàtica.
  • 61:40 - 61:42
    lmaginemos peões numa caixa, mas
  • 61:42 - 61:46
    não questionamos a forma da caixa.
  • 61:46 - 61:49
    Irà evoluir
    com a configuração dos peões?
  • 61:49 - 61:52
    É uma teoria puramente do momento.
  • 61:52 - 61:54
    E porque é que não funciona?
  • 61:54 - 61:58
    Porque o comércio internacional
    não é uma troca desinteressada,
  • 61:58 - 62:01
    em que os indígenas simpàticos
  • 62:01 - 62:05
    trocam com os bons conquistadores.
  • 62:05 - 62:08
    As coisas nunca se passam assim.
  • 62:08 - 62:11
    Os conquistadores chegam
    e matam toda a gente
  • 62:11 - 62:14
    e, depois, vem o comércio
    numa segunda fase de pacificação.
  • 62:14 - 62:18
    Mas no comércio internacional,
    que é a matriz do comércio...
  • 62:18 - 62:21
    lsso é outra ideia pré-concebida.
  • 62:22 - 62:25
    A troca não começa na aldeia,
    depois na vila, na região, no país,
  • 62:25 - 62:27
    depois são as nações...
  • 62:27 - 62:30
    lsso nunca se passou assim,
    antes pelo contràrio.
  • 62:31 - 62:33
    O comércio internacional
  • 62:33 - 62:35
    segue os militares, os predadores.
  • 62:36 - 62:40
    Depois, hà um fenômeno de
    pacificação em direcção ao interior.
  • 62:46 - 62:49
    A teoria da “mão invisível”
    é extraordinària.
  • 62:49 - 62:53
    Parte do princípio
    que as pessoas são màs,
  • 62:54 - 62:55
    portanto é bastante lûcida,
    pois baseia-se nesse pressuposto.
  • 62:55 - 62:57
    As pessoas são egoístas, gananciosas,
  • 62:57 - 63:00
    màs e sô pensam em si.
  • 63:00 - 63:04
    Não gostam do colectivo.
  • 63:04 - 63:08
    Não são solidàrias, são anti-sociais
    e sô pensam em si.
  • 63:08 - 63:11
    Transformemos este defeito
  • 63:11 - 63:14
    numa vantagem para a colectividade
  • 63:15 - 63:17
    e a sociedade.
  • 63:17 - 63:19
    Deixemo-los continuar assim,
  • 63:19 - 63:22
    e disso nascerà a felicidade pûblica.
  • 63:22 - 63:26
    É esta a ideia da mão invisível.
  • 63:26 - 63:28
    Sempre que se intervém,
  • 63:28 - 63:30
    que se tenta pôr ordem neste
  • 63:30 - 63:33
    antagonismo de egoísmos,
  • 63:33 - 63:36
    perturba-se o sistema, que piora.
  • 63:36 - 63:38
    Uma grande tese revolucionària é a
  • 63:39 - 63:41
    do efeito perverso,
  • 63:41 - 63:43
    de Hirschmann.
  • 63:44 - 63:46
    Quem é de direita, os reaccionàrios,
  • 63:47 - 63:50
    sempre acusaram os esquerdistas
    de fazer mal, querendo fazer o bem.
  • 63:51 - 63:54
    Querendo ajudar os pobres,
    criam-se mais pobres.
  • 63:55 - 63:58
    A imagem mais extraordinària
    foi a do “The Economist”,
  • 63:58 - 64:00
    apôs a cimeira de Seattle,
  • 64:01 - 64:05
    que mostrou a fome no Terceiro Mundo,
    as crianças negras, afirmando:
  • 64:05 - 64:09
    “Eis as vítimas
    do falhanço de Seattle”.
  • 64:10 - 64:14
    Uma vergonha!
    Pior que os anûncios da Benetton,
  • 64:14 - 64:18
    A ideia era “andaram a brincar,
    a reprimir a OMT.”
  • 64:18 - 64:23
    “Criaram gente pobre,
    infeliz e com fome.”
  • 64:23 - 64:27
    Enquanto que este sistema cria
    gente pobre, infeliz e com fome.
  • 64:27 - 64:31
    A mão invisível diz “laissez faire”.
  • 64:32 - 64:34
    Não hà nada a fazer.
    O homem é mau.
  • 64:35 - 64:39
    Sô a maldade
    pode acabar com a maldade.
  • 64:39 - 64:43
    Dois maus juntos equilibram-se.
    Basta deixar andar, “laissez faire”.
  • 64:43 - 64:47
    Os economistas estudam
    a mão invisível desde 1776,
  • 64:47 - 64:51
    portanto jà estudam
    este problema hà algum tempo.
  • 64:53 - 64:57
    Para isso funcionar, as pessoas
    deveriam estar sozinhas, autônomas,
  • 64:58 - 65:00
    não ter relações, não haver um
    colectivo, apenas a racionalidade,
  • 65:01 - 65:03
    separada da dos outros, individual.
  • 65:03 - 65:06
    O individualismo absoluto.
  • 65:06 - 65:09
    É a primeira condição.
  • 65:09 - 65:11
    A segunda condição seria haver
    uma informação perfeita.
  • 65:12 - 65:16
    Teríamos de saber tudo o que se
    vai produzir nos séculos seguintes.
  • 65:18 - 65:21
    Seria essa a segunda condição.
    Bolas, esqueci-me da terceira!
  • 65:23 - 65:27
    Pois, informação perfeita
    e, terceira condição,
  • 65:28 - 65:31
    não haver incertezas, uma tempestade
    que provoca uma avaria no Ariane
  • 65:32 - 65:36
    no 25º voo e não no 3º.
  • 65:36 - 65:38
    Não poderia haver acasos,
  • 65:38 - 65:42
    portanto seriam precisas informações
  • 65:42 - 65:44
    perfeitas acerca do futuro.
  • 65:44 - 65:46
    Assim, a mão invisível talvez
  • 65:47 - 65:51
    funcionasse, mas não é certo.
  • 65:52 - 65:54
    O que é importante saber
  • 65:54 - 65:59
    é que os grandes economistas liberais
  • 65:59 - 66:02
    e os matemàticos mais prestigiados,
    os prémios Nobel
  • 66:02 - 66:07
    demonstraram hà 25 anos
  • 66:07 - 66:12
    que o teorema da mão invisível
    não funciona.
  • 66:12 - 66:14
    É treta!
  • 66:14 - 66:17
    Muita gente suspeitava disso.
  • 66:18 - 66:21
    Keynes desconfiava hà muito tempo,
  • 66:22 - 66:24
    pois achava que o equilíbrio
    não podia aplicar-se à economia.
  • 66:25 - 66:29
    Estava-se perante o desequilíbrio,
    a economia era caôtica.
  • 66:29 - 66:33
    Mas os economistas puros e duros,
  • 66:34 - 66:35
    os liberais mais prestigiados,
  • 66:35 - 66:39
    envoltos no prestígio da ciência,
  • 66:40 - 66:44
    tal como Gérard Debreu,
    prémio Nobel, afirmaram hà 25 anos:
  • 66:45 - 66:50
    O mercado não conduz ao equilíbrio
    nem é eficaz.
  • 66:51 - 66:53
    Convém fixar estas duas coisas.
    O mercado não conduz ao equilíbrio,
  • 66:53 - 66:56
    a oferta e a procura não funcionam,
  • 66:56 - 66:58
    e os mercados não são eficazes,
  • 66:58 - 67:01
    portanto, o “laissez faire”
  • 67:01 - 67:03
    é a pior solução.
  • 67:04 - 67:06
    Mas agradeço aos liberais
    por nos terem dito isso!
  • 67:06 - 67:08
    Quem falar em mão “invisível”,
  • 67:08 - 67:13
    “oferta e procura” e “equilíbrio”
  • 67:14 - 67:17
    ou é um escroque,
    o que acontece frequentemente,
  • 67:17 - 67:20
    ou não quer ver,
    que também acontece,
  • 67:20 - 67:24
    é aquilo a que Sartre chamava
    um “sacana”, sabe mas cala-se,
  • 67:25 - 67:28
    ou é incompetente,
    que também os hà.
  • 67:30 - 67:32
    Supostamente,
    apoiam o comércio livre.
  • 67:33 - 67:34
    mas o que significa isso?
  • 67:35 - 67:39
    Para jà, um país como os EUA,
    e o mesmo se aplica à Europa,
  • 67:40 - 67:44
    não pode participar
    em acordos de comércio livre
  • 67:45 - 67:47
    meramente por uma questão de lôgica.
    Não aceitam mercados no seu país.
  • 67:47 - 67:51
    Quem não aceita isso não pode
    participar nesses acordos.
  • 67:51 - 67:52
    A economia norte-americana,
  • 67:53 - 67:57
    que é o fulcro da economia
    apôs a Segunda Guerra,
  • 67:57 - 68:02
    baseia-se significativamente
    num sector estatal dinâmico.
  • 68:02 - 68:05
    Consideremos este Instituto,
    o MlT.
  • 68:05 - 68:10
    O que é o MIT?
  • 68:10 - 68:14
    Talvez seja o instituto técnico
    mais importante do mundo,
  • 68:14 - 68:18
    mas é também um meio
    para canalizar fundos pûblicos
  • 68:19 - 68:23
    para empresas privadas.
    Desenvolveu-se aqui a internet,
  • 68:23 - 68:28
    computadores,
    outros aspectos da alta tecnologia,
  • 68:28 - 68:32
    geralmente à custa do eràrio pûblico,
    que assumia os riscos.
  • 68:33 - 68:36
    Fez-se isso
    sob a égide do Pentàgono,
  • 68:36 - 68:41
    uma boa fachada para desenvolver
    a electrônica em alta tecnologia.
  • 68:41 - 68:43
    E isso arrastou-se durante décadas.
  • 68:43 - 68:46
    Os computadores e a internet
    estavam no sector pûblico hà 30 anos,
  • 68:46 - 68:51
    antes de serem passados
    para as mãos das empresas privadas.
  • 68:52 - 68:55
    E o mesmo se pode dizer
    de quase tudo o que vemos.
  • 68:55 - 69:00
    A aviação comercial, por exemplo.
    Pesa muito nas exportações.
  • 69:00 - 69:02
    É quase uma subsidiària
    da Força Aérea.
  • 69:03 - 69:08
    É por isso que a Europa, os EUA,
    o Japão e outros países
  • 69:09 - 69:13
    estão tão interessados
    em desenvolver aviões militares,
  • 69:13 - 69:16
    pois isso repercute-se logo
    na aviação comercial,
  • 69:17 - 69:20
    criando imenso turismo
    e por aí adiante.
  • 69:20 - 69:23
    Basta pensarmos no comércio.
  • 69:23 - 69:25
    Tudo se baseia em contentores.
  • 69:25 - 69:27
    Qual é a sua origem?
    A marinha dos EUA.
  • 69:56 - 69:59
    Adam Smith, David Ricardo,
    Karl Marx, John Stuart Mill
  • 69:59 - 70:02
    e até Malthus,
  • 70:03 - 70:07
    todos os clàssicos
    da criação do pensamento econômico
  • 70:07 - 70:08
    incorporaram o pensamento social.
  • 70:09 - 70:13
    Eram filôsofos sociais,
    mais do que “puros” economistas.
  • 70:14 - 70:18
    Mas os neoclàssicos, a partir de
    Auguste e Léon Walras, pai e filho,
  • 70:19 - 70:20
    entre meados e fins do século XIX,
  • 70:20 - 70:25
    deram origem à chamada
    economia “científica”
  • 70:26 - 70:31
    que dispensa todo e qualquer
    pensamento moral ou filosôfico,
  • 70:31 - 70:35
    portanto elimina as preocupações
    dos clàssicos até surgir Karl Marx,
  • 70:36 - 70:38
    que eram as seguintes:
  • 70:38 - 70:41
    Quem faz dinheiro e porquê?
    Terà o direito de fazer tanto?
  • 70:42 - 70:46
    lsso serà justo?
    Serà injusto?
  • 70:47 - 70:49
    Serà bom ou mau
    para a comunidade?
  • 70:49 - 70:51
    A economia
    tinha uma dimensão ética
  • 70:52 - 70:55
    que foi eliminada
    pelo pensamento neoclàssico.
  • 70:55 - 71:00
    O neoclassicismo abriu o caminho
    ao pensamento neoliberal.
  • 71:00 - 71:04
    Depois, o neoliberalismo acrescentou
    uma dimensão científica.
  • 71:04 - 71:08
    Somos uma ciência,
    portanto imitamos a física.
  • 71:08 - 71:11
    “Vemos que o dinheiro
    vai daqui para ali.”
  • 71:11 - 71:14
    “Contamos,
    observamos, classificamos.”
  • 71:14 - 71:17
    “Mas não julgamos,”
  • 71:17 - 71:19
    “pois a física, a mãe de todas
    as ciências, não julga.”
  • 71:19 - 71:23
    A força da economia é o facto de ser
  • 71:24 - 71:28
    uma verdade evidente, neutra.
  • 71:28 - 71:31
    Um discurso neutro
    que não diz bem nem mal,
  • 71:31 - 71:35
    que é científico, com toda
    a neutralidade da ciência
  • 71:36 - 71:38
    e que se apresenta como normal.
  • 71:38 - 71:42
    É evidente que é normal restringir
    os ordenados para evitar a inflação,
  • 71:43 - 71:45
    é evidente
    que não pode haver inflação.
  • 71:45 - 71:50
    Mesmo que isso tenha aumentado
    drasticamente as desigualdades
  • 71:50 - 71:52
    e conduzido muita gente à miséria,
  • 71:52 - 71:55
    que tenha aumentado a desigualdade
    entre norte e sul,
  • 71:55 - 71:58
    criado uma casta de ricos que estão
    a passar para primeiro plano,
  • 71:59 - 72:00
    erradicado o poder dos estados,
  • 72:00 - 72:02
    minado a segurança social.
  • 72:02 - 72:05
    Apesar de tudo isto,
    sô pode haver uma verdade evidente:
  • 72:06 - 72:09
    “É contra a inflação, claro?”
  • 72:09 - 72:11
    Analisando a verdade e a histôria,
    vemos que os raros momentos
  • 72:11 - 72:15
    em que o capital esteve amordaçado,
  • 72:15 - 72:17
    tal como nos gloriosos anos 30,
  • 72:17 - 72:21
    foram períodos inflacionistas, em
    que os ordenados podiam aumentar,
  • 72:21 - 72:25
    pois quem pedia
    um empréstimo para uma casa,
  • 72:25 - 72:29
    graças à inflação,
    saldava a dívida mais rapidamente.
  • 72:30 - 72:32
    Agora estamos na economia inversa,
    a dos ricos.
  • 72:32 - 72:36
    Podemos perguntar “Querem que sejam
    os ricos a governar o mundo?”
  • 72:37 - 72:41
    Mas preferimos dizer
    “É contra a inflação, claro?”
  • 72:42 - 72:46
    Para impor a sua ideologia,
    os neoliberais elaboraram,
  • 72:46 - 72:50
    ao longo dos anos,
  • 72:50 - 72:52
    uma estratégia implacàvel
    de cerco ao pensamento.
  • 72:52 - 72:58
    Esta estratégia resulta da acção de
    uma rede planetària de propaganda,
  • 72:58 - 73:02
    intoxicação e indoutrinação,
  • 73:02 - 73:08
    que sabe fazer ouvir a sua voz
    polimorfa em todas as tribunas.
  • 73:08 - 73:11
    Em grande parte
    concebida nos “think tanks”,
  • 73:11 - 73:17
    a propaganda neoliberal utiliza
    vàrias correias de transmissão.
  • 73:17 - 73:23
    Uma das mais importantes
    foi a educação.
  • 73:24 - 73:24
    6. propaganda e indoutrinação
  • 73:24 - 73:31
    6. propaganda e indoutrinação
  • 73:31 - 73:37
    educação
  • 73:39 - 73:43
    A ideia de educação nacional
    surgiu no século XVIII.
  • 73:43 - 73:47
    Apôs a Revolução Francesa e a
    criação dos estados-nação na Europa,
  • 73:47 - 73:49
    surgiu a ideia
    de que um espaço pûblico democràtico
  • 73:49 - 73:53
    pressupõe pessoas informadas
    acerca do que se passa no mundo
  • 73:53 - 73:58
    e capazes de reflectir, discutir e
  • 73:58 - 74:01
    tomar parte nas discussões políticas.
  • 74:01 - 74:04
    Havia duas instituições para isso,
  • 74:05 - 74:09
    capazes de garantir que os indivíduos
    se tornavam “cidadãos”.
  • 74:10 - 74:13
    Era a educação, que tinha como
    uma das funções formar os cidadãos,
  • 74:13 - 74:17
    preparà-los.
  • 74:18 - 74:20
    Por outro lado, os “media”.
    Falaremos disso mais tarde.
  • 74:21 - 74:23
    Quanto à educação,
  • 74:24 - 74:28
    uma das suas missões,
    não que tenha sido bem realizada,
  • 74:28 - 74:30
    era a de formar os cidadãos,
  • 74:31 - 74:34
    habilità-los a tomar parte
    nos debates políticos
  • 74:35 - 74:37
    e a pensar nas questões políticas
  • 74:37 - 74:39
    para là dos seus prôprios interesses.
  • 74:39 - 74:42
    lsso era o mais importante.
  • 74:43 - 74:45
    Não o facto de reflectir sobre política
    nem de intervir em debates
  • 74:46 - 74:47
    econômicos, sociais e políticos
    da minha perspectiva egoísta,
  • 74:47 - 74:51
    mas duma perspectiva do bem comum,
    do interesse colectivo.
  • 74:52 - 74:53
    A educação visava isso.
  • 74:54 - 74:58
    Nas transformações ligadas ao
    “neoliberalismo” dos ûltimos 30 anos,
  • 74:59 - 75:02
    as instituições dominantes
    viram que era importante
  • 75:02 - 75:06
    apropriarem-se da educação.
  • 75:06 - 75:08
    lsto serà verdade?
  • 75:08 - 75:10
    Estarão a infiltrar-se
    no mundo da educação?
  • 75:10 - 75:13
    Basta querer
    para perceber que isso é verdade.
  • 75:13 - 75:16
    Do primeiro ciclo à universidade,
    dependendo do país.
  • 75:16 - 75:19
    É diferente nos EUA, no Canadà
    inglês, no Québec e em França,
  • 75:19 - 75:23
    depende da histôria
    dos diversos sistemas,
  • 75:23 - 75:27
    mas nota-se uma infiltração
    das empresas,
  • 75:27 - 75:31
    da indûstria privada na educação.
  • 75:31 - 75:32
    Porquê?
  • 75:33 - 75:34
    É simples.
  • 75:34 - 75:37
    A educação é um mercado
    altamente rentàvel,
  • 75:37 - 75:40
    logo torna-se interessante
  • 75:40 - 75:43
    apropriarem-se desta actividade
    social e econômica.
  • 75:44 - 75:46
    E isso permite-lhes apropriarem-se
    do cérebro das crianças.
  • 75:46 - 75:51
    É tão bàsico como isso.
    Educar é apropriar-se do cérebro.
  • 75:52 - 75:55
    E isso é extremamente grave,
  • 75:55 - 75:57
    requer uma justificação vàlida,
  • 75:57 - 75:59
    e não me parece
  • 75:59 - 76:03
    que ela exista.
  • 76:03 - 76:05
    Mas quando as empresas
    se infiltram na educação,
  • 76:05 - 76:10
    visam apropriar-se
    do cérebro das crianças,
  • 76:10 - 76:14
    tentam transformà-las,
    deixando a educação
  • 76:15 - 76:16
    de ter como fim a cidadania,
    o bem comum,
  • 76:16 - 76:20
    desviando-se para os interesses
    dos interesses privados,
  • 76:21 - 76:22
    que se apropriaram dela.
  • 76:22 - 76:27
    Não é o mesmo encarar o mundo
    do ponto de vista da cultura,
  • 76:27 - 76:31
    do saber, da exteriorização ou do ponto
    de vista desta ou daquela empresa,
  • 76:31 - 76:34
    mas este segundo elemento
    està sempre presente.
  • 76:34 - 76:37
    A apropriação de um mercado,
    do cérebro das crianças
  • 76:37 - 76:38
    e a preparação da mão-de-obra,
  • 76:39 - 76:43
    é neste sentido que se caminha,
  • 76:43 - 76:46
    perdendo-se as outras funções
    de preparação para a vida cívica,
  • 76:46 - 76:50
    a abertura para o mundo,
    para o puro prazer da compreensão,
  • 76:50 - 76:54
    para o conhecimento desinteressado,
  • 76:55 - 76:58
    passando a escravizar-se ao mercado,
  • 76:58 - 77:03
    preparando os indivíduos
    para as funções econômicas.
  • 77:03 - 77:05
    A educação passarà a ser
  • 77:05 - 77:09
    o prelûdio da vida mercantil,
  • 77:09 - 77:10
    do emprego,
    o que é perturbador.
  • 77:10 - 77:15
    De hà vinte anos para cà
    que se tem passado isto.
  • 77:15 - 77:19
    Tem havido uma certa resistência,
    convém dizer.
  • 77:19 - 77:21
    Este fenômeno anda par a par com
    uma certa resistência, felizmente.
  • 77:25 - 77:28
    O Channel One
    é uma companhia americana,
  • 77:29 - 77:32
    actualmente cotada na bolsa
    e que lançou um projecto
  • 77:32 - 77:36
    em que vão a escolas
    sem dinheiro e dizem:
  • 77:36 - 77:40
    “Vamos fornecer material,
    televisões e vídeos,
  • 77:40 - 77:45
    e, em troca,
    passam vinte minutos por dia
  • 77:45 - 77:48
    dos nossos programas educativos.”
  • 77:48 - 77:51
    São programas que explicam
    as notícias às crianças.
  • 77:51 - 77:55
    O interesse é ter
    uma clientela cativa.
  • 77:55 - 77:57
    Durante “x” minutos por dia,
    propõem programas
  • 77:57 - 78:00
    e, como se pode imaginar,
    transmitem publicidade.
  • 78:01 - 78:04
    Hà uns minutos
    de publicidade dirigida,
  • 78:04 - 78:09
    num contexto
    extremamente privilegiado,
  • 78:09 - 78:11
    a esta clientela cativa.
  • 78:11 - 78:16
    lsto està em força nos EUA.
    Aqui também jà tentaram implantar.
  • 78:16 - 78:18
    A companhia canadiana era a Athéna.
  • 78:18 - 78:21
    Tentaram durante vàrios anos, mas
    os conselhos directivos recusaram.
  • 78:21 - 78:24
    Hà que dizer que o nosso
    financiamento dos serviços pûblicos
  • 78:25 - 78:28
    não é o mesmo que nos EUA,
  • 78:28 - 78:32
    mas isso representa
    mais um ataque à educação.
  • 78:32 - 78:36
    E toma vàrias formas,
    dependendo dos países e as regiões.
  • 78:37 - 78:39
    A Mobil tem programas
    sobre energia.
  • 78:40 - 78:42
    Aprende-se a proteger o ambiente
    com a Mobil
  • 78:42 - 78:45
    e nutrição com a Nutra Sweet.
  • 78:45 - 78:48
    Não estou a inventar, a Nutra Sweet
    tem um programa para crianças.
  • 78:49 - 78:52
    E aprendem-se as virtudes
    do NAFTA com a GM,
  • 78:52 - 78:55
    e a protecção da floresta com firmas
  • 78:56 - 78:59
    esponsàveis pela desflorestação.
  • 79:00 - 79:03
    Esse modelo repercute-se
    da primària à universidade
  • 79:04 - 79:05
    de tal modo que,
    um pouco na brincadeira,
  • 79:06 - 79:10
    poderà haver departamentos
    de ecologia das universidades
  • 79:10 - 79:15
    que justifiquem a poluição.
  • 79:15 - 79:17
    É isso que é perturbador.
  • 79:17 - 79:21
    É a perda de sentido de certas
    actividades intelectuais e humanas
  • 79:21 - 79:23
    que isso implica.
  • 79:24 - 79:26
    Quanto mais acreditamos
  • 79:27 - 79:28
    na nossa eficàcia econômica,
  • 79:28 - 79:31
    ou melhor, financeira, jà que se
  • 79:31 - 79:35
    trata da multiplicação de dinheiro,
  • 79:35 - 79:36
    menos sentido fazem as coisas.
  • 79:36 - 79:40
    Farà sentido dizer
    que a General Motors, por exemplo,
  • 79:40 - 79:42
    é eficiente
  • 79:43 - 79:47
    por ter 24 biliões de dôlares
  • 79:47 - 79:49
    de lucro na ûltima década,
  • 79:50 - 79:54
    mas lançando para o desemprego
    trezentos mil trabalhadores?
  • 79:54 - 79:55
    lsso farà sentido?
  • 79:56 - 80:00
    Por um lado fala-se em eficiência,
    mas o que se quer dizer com isso?
  • 80:00 - 80:03
    Diz-se que a economia americana
    é mais eficiente.
  • 80:03 - 80:05
    Sê-lo-à em indicadores financeiros
  • 80:05 - 80:08
    e de capital investido,
  • 80:09 - 80:13
    mas nunca houve tantos americanos
    a viver abaixo do limiar da pobreza,
  • 80:14 - 80:16
    em termos americanos,
  • 80:16 - 80:20
    nem tanta gente
    sem acesso a cuidados de saûde.
  • 80:20 - 80:25
    40% da população praticamente
    não tem acesso à saûde.
  • 80:26 - 80:28
    Nunca os EUA tiveram um nível
  • 80:28 - 80:31
    de educação tão baixo.
  • 80:32 - 80:34
    50% dos americanos não conseguem
  • 80:34 - 80:38
    localizar Inglaterra num mapa.
  • 80:38 - 80:40
    É uma aberração, quando cada família
  • 80:40 - 80:44
    tem 50 canais de televisão em casa.
  • 80:44 - 80:47
    É a isto que eu chamo
    “falta de sentido”.
  • 80:48 - 80:51
    Tornamo-nos cada vez
    mais eficazes a nível material,
  • 80:51 - 80:55
    econômico e financeiro,
    mas a nível ecolôgico, social,
  • 80:55 - 81:00
    político e humano
    perdemos valores e qualidade de vida.
  • 81:00 - 81:02
    É isto que não faz sentido.
  • 81:02 - 81:06
    Para falar disso,
    sô saindo completamente
  • 81:07 - 81:11
    do discurso econômico dominante.
    Para que as coisas façam sentido,
  • 81:12 - 81:16
    é preciso voltar à estaca zero,
    partir de Aristôteles, que jà dizia:
  • 81:17 - 81:20
    “Atenção, não confundam a economia,
    que vem de “oikos” nomia,
  • 81:21 - 81:25
    a casa e o governo da casa
    e da comunidade,
  • 81:26 - 81:30
    com a crematística, “khrem atos”,
    a acumulação de dinheiro.
  • 81:30 - 81:32
    E isso leva-nos
    à questão da educação.
  • 81:33 - 81:37
    Hoje em dia, até que ponto
    se ensina Aristôteles?
  • 81:37 - 81:39
    Quem o conhece, quem o lê?
  • 81:40 - 81:44
    E quem diz Aristôteles
    diz Vítor Hugo, Sartre
  • 81:45 - 81:47
    Arquimedes.
  • 81:48 - 81:50
    Paradoxalmente, diz-se
  • 81:51 - 81:54
    que estamos na economia do saber
    e do conhecimento,
  • 81:54 - 81:57
    mas nunca educàmos
    nem ensinàmos tão pouco.
  • 81:57 - 82:01
    No entanto, também nunca
    demos tanta importância
  • 82:01 - 82:04
    às instituições
    de “formação e educação”.
  • 82:04 - 82:08
    Vou elucidar a questão do paradoxo,
    da falta de sentido.
  • 82:09 - 82:13
    Em todo o mundo, sobretudo
    na América do Norte,
  • 82:13 - 82:16
    estamos a transformar
    instituições de educação
  • 82:16 - 82:19
    em instituições de reprodução
    de “servidores” do sistema,
  • 82:20 - 82:23
    uma espécie de bípedes pensantes
    sem mais preocupações
  • 82:24 - 82:27
    senão a de manter este mercado
    livre e auto-regulado
  • 82:27 - 82:31
    e de manter este sistema de
  • 82:31 - 82:34
    produção e multiplicação do dinheiro.
  • 82:34 - 82:36
    É a chamada “empregabilidade”,
  • 82:36 - 82:39
    formar para o mercado de trabalho.
  • 82:39 - 82:44
    É reformar a educação do primeiro
    ciclo até a universidade
  • 82:44 - 82:48
    para formar pessoas com emprego
    no mercado de trabalho.
  • 82:49 - 82:50
    E isso é horrível!
  • 82:51 - 82:53
    Actualmente, Vítor Hugo
    encontraria emprego?
  • 82:54 - 82:56
    Sôcrates encontraria emprego?
  • 82:57 - 83:01
    Um Paul Verlaine ou um Rimbaud
    encontrariam emprego?
  • 83:01 - 83:03
    Não! Portanto, não existiriam.
  • 83:03 - 83:07
    Mas o que seria da humanidade
    sem Sôcrates, Aristôteles, Rimbaud,
  • 83:07 - 83:10
    Verlaine ou Vítor Hugo?
  • 83:10 - 83:14
    Seríamos animais!
  • 83:14 - 83:19
    Com o pretexto de não ter empregabilidade,
    de não ter aceitação no mercado,
  • 83:19 - 83:24
    jà não se formam poetas,
    gente da literatura,
  • 83:24 - 83:27
    matemàticos puros,
    físicos teôricos.
  • 83:27 - 83:31
    Sô formamos aquilo
    que a indûstria e a finança querem
  • 83:31 - 83:35
    para alimentar a màquina
    de multiplicar dinheiro.
  • 83:35 - 83:36
    E quem são estas pessoas
    com possibilidade de se empregarem?
  • 83:37 - 83:40
    São aqueles que vejo
    nas universidades do mundo inteiro,
  • 83:41 - 83:45
    ao mais alto nível,
    segundo ou terceiro ciclo,
  • 83:46 - 83:48
    aquilo a que chamo os “tecnocratas”,
  • 83:48 - 83:51
    formados para analisar problemas,
  • 83:52 - 83:54
    e dizemos-lhes que são inteligentes
  • 83:55 - 83:58
    porque resolvem problemas,
  • 83:58 - 84:03
    enquanto que a inteligência
    não é nada disso.
  • 84:03 - 84:06
    A inteligência
    é a formulação da problemas.
  • 84:07 - 84:11
    Inteligente é quem os formula,
    quem os enuncia,
  • 84:12 - 84:13
    quem os articula de forma
    a colocar uma questão.
  • 84:14 - 84:18
    O que se debruça sobre um problema
    para procurar a solução,
  • 84:18 - 84:22
    não é esse que é inteligente,
  • 84:22 - 84:26
    mas é isso que nos fazem crer.
    Os tecnocratas dominam
  • 84:26 - 84:29
    as técnicas de anàlise e càlculo
    e confundem pensar e reflectir
  • 84:29 - 84:33
    com analisar e calcular.
    Tomam decisões
  • 84:33 - 84:38
    sem consultar a alma, tal como
    despedir 60 000 pessoas num dia,
  • 84:38 - 84:42
    duplicar o seu ordenado de um milhão
    e ainda dizerem que isso lhes custa.
  • 84:42 - 84:44
    “Tomo decisões difíceis.”
  • 84:44 - 84:45
    São não-humanos!
  • 84:46 - 84:49
    Tomar decisões
    sem consultar a alma
  • 84:50 - 84:52
    é como dizer
    “Não sou um ser humano.”
  • 84:53 - 84:58
    Porque os deixamos tomar decisões
    que afectam seres humanos
  • 84:58 - 85:03
    jà que eles dizem que não têm alma,
    que não são humanos?
  • 85:03 - 85:06
    São estes os tecnocratas
    que formamos ao mais alto nível.
  • 85:07 - 85:11
    No nível intermédio,
    estão os “técnicos produtores”.
  • 85:11 - 85:15
    São eles que operam as màquinas,
  • 85:16 - 85:20
    desde o computador à màquina
  • 85:20 - 85:23
    que debita peças de plàstico,
    aço ou alumínio.
  • 85:23 - 85:27
    Existem para que a mecanização
  • 85:27 - 85:30
    da produção nunca falhe.
  • 85:30 - 85:33
    E o ûnico conhecimento
    que se lhes exige
  • 85:33 - 85:38
    é a lôgica das màquinas
  • 85:38 - 85:39
    ao seu cuidado.
  • 85:39 - 85:42
    Pede-se-lhes simplesmente que
  • 85:42 - 85:46
    compreendam o que a màquina quer.
  • 85:47 - 85:50
    Nem são eles que dominam a màquina
  • 85:50 - 85:54
    ou que têm uma superioridade humana,
  • 85:54 - 85:58
    por terem alma ou conhecimentos.
  • 85:58 - 86:01
    É a màquina que diz “Se fores
  • 86:01 - 86:05
    inteligente, muda o chip ou a carta.”
  • 86:06 - 86:09
    Se não fizer isso depressa,
    não presta.
  • 86:09 - 86:12
    E, a um nível inferior, quem é
    que formamos? Jà nem sequer formamos.
  • 86:12 - 86:15
    45% da mão-de-obra
    das multinacionais americanas
  • 86:16 - 86:20
    é composta por analfabetos.
  • 86:20 - 86:23
    E as multinacionais
    não querem alterar isso.
  • 86:23 - 86:27
    Não querem minimamente
    que essas pessoas tenham formação,
  • 86:28 - 86:30
    porque deixando de ser analfabetas
  • 86:31 - 86:36
    começam a fazer perguntas,
  • 86:36 - 86:39
    a ler os jornais, sindicalizam-se,
    põem-se a pensar.
  • 86:39 - 86:41
    Tudo menos isso!
  • 86:41 - 86:46
    Actualmente, sobretudo nos EUA,
  • 86:47 - 86:50
    hà pessoas com o ensino secundàrio
    que são praticamente,
  • 86:51 - 86:55
    numa proporção alucinante,
  • 86:55 - 86:58
    que no Québec atinge os 25%
  • 86:58 - 87:03
    e que nos EUA deve atingir
    nûmeros semelhantes,
  • 87:04 - 87:06
    hà pessoas com o ensino secundàrio
    que são analfabetas.
  • 87:06 - 87:09
    Mal sabem ler e escrever,
    mas têm o canudo.
  • 87:09 - 87:13
    E obtiveram-no pura e simplesmente
  • 87:13 - 87:15
    indo às aulas e ficando mais velhos.
  • 87:15 - 87:17
    E isso agrada ao sistema.
  • 87:17 - 87:22
    Existem, na base,
  • 87:22 - 87:24
    bípedes quase descerebrados,
  • 87:24 - 87:28
    a quem nem sequer
    ensinaram a pensar,
  • 87:28 - 87:33
    porque para pensar
    é preciso ler.
  • 87:33 - 87:35
    Tenho que ler Vítor Hugo,
    poemas, filôsofos
  • 87:36 - 87:39
    e é assim que aprendo a pensar.
  • 87:39 - 87:44
    Não consigo aprender
    sem saber manipular as palavras.
  • 87:44 - 87:46
    Sem isso não consigo pensar.
  • 87:47 - 87:51
    Posso tornar-me um excelente
    reprodutor do sistema,
  • 87:51 - 87:55
    não pensando
    e defendendo o sistema.
  • 87:55 - 87:59
    Hà operàrios que dizem
  • 87:59 - 88:04
    - e isso jà me aconteceu em
    situações graves de despedimentos -
  • 88:04 - 88:07
    quando lhes pergunto
    “E qual é a vossa opinião?”
  • 88:08 - 88:11
    “É a lei do mercado,
    a competitividade.”
  • 88:11 - 88:15
    “Temos de ser mais competitivos
    que os japoneses, senão...”
  • 88:15 - 88:19
    Defendem o sistema
    que està a trucidà-los.
  • 88:21 - 88:25
    Jà vimos que hà redes
    por onde as ideias circulam.
  • 88:25 - 88:27
    No caso da educação,
    é um pouco a mesma coisa.
  • 88:27 - 88:30
    Vamos procurar justificações
    ideolôgicas, teôricos,
  • 88:31 - 88:34
    pessoas que reflectiram
    sobre a educação
  • 88:34 - 88:37
    para a transformarem
    no sentido que vou descrever.
  • 88:37 - 88:41
    Por outro lado, existem instituições
    transnacionais importantes
  • 88:41 - 88:45
    onde se veicula o mesmo discurso
    e se incita os agentes, os governos,
  • 88:46 - 88:50
    os professores a adoptar as pràticas
    conformes a estes ideais.
  • 88:50 - 88:52
    E os grupos de pressão,
  • 88:53 - 88:54
    os “think tanks”, fazem o mesmo.
  • 88:54 - 88:58
    O caso da educação é emblemàtico,
    pois cruzam-se os três.
  • 88:58 - 89:03
    O teôrico da educação mais influente
    dos ûltimos cinquenta anos
  • 89:03 - 89:06
    não foi nenhum pedagogo,
    mas sim um economista.
  • 89:06 - 89:07
    Provavelmente, o teôrico mais
  • 89:07 - 89:12
    importante foi Gary Becker.
  • 89:12 - 89:14
    Ainda dà aulas na Universidade
    de Chicago e a teoria dele
  • 89:15 - 89:18
    explica-se em cinco minutos.
    É a teoria do capital humano.
  • 89:18 - 89:21
    O ser humano e aquilo que ele sabe
    constituem um capital
  • 89:21 - 89:23
    no qual é preciso investir
  • 89:23 - 89:26
    e que é preciso avaliar do ponto
    de vista de rentabilidade econômica.
  • 89:26 - 89:29
    Essa teoria do capital humano,
  • 89:30 - 89:34
    que permite aplicar as ferramentas
  • 89:34 - 89:37
    matemàticas da economia à educação,
  • 89:37 - 89:40
    que passa a ser um capital,
    diferente mas contabilizàvel,
  • 89:40 - 89:44
    esta teoria foi a mais influente
    dos ûltimos cinquenta anos.
  • 89:44 - 89:49
    E exerceu a sua influência nos
    locais determinantes, de decisão,
  • 89:49 - 89:52
    onde se influencia os estados
    e os ministros da Educação,
  • 89:52 - 89:56
    onde se influencia quem vai
    tomar decisões sobre educação.
  • 89:56 - 90:00
    O segundo a ditar os mecanismos
    que se querem impor agora
  • 90:01 - 90:05
    foi Milton Friedman,
    o pai da economia monetarista ,
  • 90:05 - 90:09
    que propôs um sistema de vales,
    cupões de educação,
  • 90:09 - 90:14
    em que a ideia era infiltrar os
    mecanismos do mercado na educação
  • 90:14 - 90:16
    e promover
    a concorrência entre as escolas.
  • 90:16 - 90:19
    Estas duas teorias da educação,
  • 90:20 - 90:22
    nunca debatidas nas faculdades,
  • 90:23 - 90:26
    são provavelmente as mais influentes
    dos ûltimos anos.
  • 90:26 - 90:30
    São elas que circulam no FMI,
  • 90:30 - 90:32
    na OCDE e no Banco Mundial,
  • 90:32 - 90:36
    servindo para analisar
    os sistemas educativos
  • 90:36 - 90:39
    e fazendo recomendações
    com base nisso.
  • 90:40 - 90:44
    Os “think tanks”
    e os grandes grupos mediàticos
  • 90:44 - 90:47
    têm frequentemente
    relações privilegiadas;
  • 90:47 - 90:52
    a propaganda circula naturalmente
    dos primeiros para os segundos.
  • 90:52 - 90:57
    Além disso, é graças a esta
    correia de transmissão mediàtica
  • 90:58 - 91:03
    que a ideologia neoliberal atinge
    o seu estatuto de dado adquirido.
  • 91:04 - 91:04
    7. propaganda e indoutrinação
  • 91:04 - 91:12
    7. propaganda e indoutrinação
  • 91:12 - 91:17
    os “media”
  • 91:20 - 91:23
    Diz-se que foi Hitler
    quem inventou a propaganda
  • 91:23 - 91:27
    e nos jornais
    costuma-se ler que Hitler,
  • 91:28 - 91:30
    durante a Segunda Guerra, percebeu
    a importância da propaganda,
  • 91:30 - 91:34
    da propaganda na sociedade.
  • 91:35 - 91:38
    No entanto, ele não inventou isso.
    Aprendeu connosco,
  • 91:38 - 91:42
    e refiro-me
    às democracias ocidentais.
  • 91:42 - 91:43
    Aprendeu sobretudo
    com os ingleses e os americanos.
  • 91:44 - 91:47
    Desde o surgimento
    das sociedades modernas,
  • 91:48 - 91:49
    prevalecem duas tendências.
    “É necessàrio haver
  • 91:49 - 91:54
    uma democracia participativa, { em que as pessoas
    saibam discutir
  • 91:54 - 91:58
    o que se passa,
    agir e influenciar
  • 91:59 - 92:03
    as decisões tomadas.”
    A outra perspectiva do mundo
  • 92:03 - 92:07
    afirma que uma parte da população
    é dispensàvel.
  • 92:07 - 92:11
    Hà que impedi-la de lidar
    com o que lhe diz respeito.
  • 92:11 - 92:12
    Esta visão da sociedade,
    do mundo e da economia
  • 92:13 - 92:15
    também existe na nossa cultura.
  • 92:15 - 92:17
    Manifestou-se fortemente
    na Primeira Guerra, nos EUA.
  • 92:18 - 92:21
    Nessa altura,
    o governo tinha sido eleito com base
  • 92:21 - 92:23
    na promessa de não entrar na guerra.
  • 92:23 - 92:28
    Pouco depois de ganhar,
    por razões de política interna
  • 92:28 - 92:31
    e devido ao papel
    dos industriais nos EUA,
  • 92:31 - 92:34
    o governo decidiu
    participar no conflito.
  • 92:35 - 92:37
    E viu-se a braços com uma população
  • 92:37 - 92:40
    oposta à entrada na guerra.
  • 92:40 - 92:45
    Para resolver o problema,
    criaram uma comissão
  • 92:45 - 92:48
    que tinha o nome do jornalista
    que a presidia, Mr Creel,
  • 92:48 - 92:51
    a Comissão Creel. A comissão dedicou-se a
    inventar
  • 92:51 - 92:53
    as técnicas modernas da propaganda,
  • 92:53 - 92:57
    de formação da opinião,
    de preparação da opinião pûblica.
  • 92:58 - 93:02
    Na Comissão Creel, que cumpriu
    exemplarmente a sua tarefa
  • 93:02 - 93:05
    - alterou a opinião pûblica
    em poucos meses -
  • 93:05 - 93:09
    trabalharam pessoas célebres
    e conhecidas, intelectuais de renome
  • 93:10 - 93:14
    e também Edward Bernays, o fundador
    da indûstria moderna das relações pûblicas.
  • 93:15 - 93:17
    Ao abandonarem a Comissão,
  • 93:17 - 93:22
    criaram modos de comunicação
    no interior das sociedades
  • 93:22 - 93:26
    que ainda hoje existem e que fazem
    parte dos mecanismos da propaganda.
  • 93:26 - 93:28
    Tinham um objectivo político
    extremamente importante,
  • 93:29 - 93:32
    o de excluir uma parte da população,
    de formar a opinião pûblica
  • 93:33 - 93:36
    e de criar um consenso na sociedade.
  • 93:36 - 93:39
    As instituições que eles inventaram
    - e jà falei das empresas
  • 93:39 - 93:42
    de relações pûblicas,
    mas hà que mencionar também
  • 93:43 - 93:45
    o papel das relações pûblicas
    dentro das empresas,
  • 93:45 - 93:48
    da comunicação social, dos “media”,
  • 93:48 - 93:51
    do papel dos intelectuais,
  • 93:51 - 93:54
    do papel da publicidade
    e da informação na sociedade -
  • 93:54 - 93:58
    Hitler lembrou-se desta lição,
    e com razão.
  • 93:58 - 94:02
    Como surgiram os mecanismos
    que permitiram o actual pensamento ûnico?
  • 94:02 - 94:06
    São os descendentes
    daquilo que descrevi, da Comissão Creel
  • 94:06 - 94:09
    e, antes ainda,
  • 94:10 - 94:12
    duma concepção de política
  • 94:12 - 94:15
    segundo a qual,
    para a sociedade funcionar,
  • 94:15 - 94:17
    deve excluir uma parte da população.
  • 94:17 - 94:19
    E é isso que acontece.
  • 94:19 - 94:24
    Mas apesar de esses agentes
    serem muito poderosos,
  • 94:24 - 94:26
    fortes e numerosos, manifesta-se
    também um contra-discurso.
  • 94:26 - 94:29
    Na nossa sociedade, existem locais
    onde se propõem outras anàlises,
  • 94:29 - 94:32
    hà meios de comunicação alternativos,
    hà intelectuais,
  • 94:32 - 94:36
    hà grupos sociais e grupos
    comunitàrios com novas ideias,
  • 94:36 - 94:38
    ou seja, estamos
    perante um fenômeno duplo.
  • 94:38 - 94:41
    Infelizmente, o pensamento
    ûnico existe e é o dominante,
  • 94:42 - 94:44
    a propaganda existe
    e tem o papel que tem.
  • 94:44 - 94:47
    É através destes mecanismos
    e instituições
  • 94:47 - 94:52
    que se cria uma visão do mundo,
    um vocabulàrio
  • 94:52 - 94:54
    e uma maneira de encarar o mundo
  • 94:55 - 94:56
    que garantem que certas questões
    possam ser colocadas,
  • 94:57 - 95:00
    enquanto que outras são excluídas.
  • 95:03 - 95:07
    A actual ideologia dominante,
    a que eu chamo ideologia “ambiental”,
  • 95:07 - 95:11
    cuja face oficial
    é o tal pensamento ûnico,
  • 95:12 - 95:13
    e cuja face oficiosa
  • 95:13 - 95:16
    é a linguagem dos “media”
  • 95:17 - 95:20
    ou da conduta prescrita por eles,
  • 95:20 - 95:24
    essa ideologia
    nunca surge como ideologia.
  • 95:24 - 95:26
    É apresentada
    como qualquer coisa de natural,
  • 95:26 - 95:29
    qualquer coisa de evidente.
  • 95:30 - 95:32
    É evidente ter-se uma televisão.
  • 95:33 - 95:35
    “Não ter televisão no século XX,
  • 95:35 - 95:38
    ou no fim do século XX?”
  • 95:38 - 95:43
    É evidente aceitar a publicidade.
  • 95:43 - 95:48
    “Não me diga que,
    jà depois do ano 2000,”
  • 95:49 - 95:51
    “vai pôr em causa
    a indûstria publicitària?”
  • 95:51 - 95:55
    Tudo aquilo que é ideolôgico,
    que depende de uma escolha,
  • 95:56 - 96:00
    organizado pelo sistema,
    que não nos pediu a opinião,
  • 96:00 - 96:04
    nos é apresentado
    como sendo evidente,
  • 96:05 - 96:07
    como sendo coisas
    que nem vale a pena discutir,
  • 96:07 - 96:10
    o que é muito interessante. Jà agora,
    a propôsito do pensamento ûnico,
  • 96:12 - 96:17
    que é uma maneira uniforme,
    parcial e sectària de interpretar
  • 96:17 - 96:20
    a economia, ou de a praticar,
  • 96:21 - 96:24
    Alain Minc dizia “Não é o pensamento
    que é ûnico, é a realidade.”
  • 96:25 - 96:28
    A partir desse momento,
    jà nem vale a pena pôr em causa
  • 96:28 - 96:31
    as actividades da economia liberal
    ou ultraliberal. lsso era um dado
  • 96:32 - 96:35
    tão adquirido como a realidade,
    portanto era preciso seguir a realidade.
  • 96:35 - 96:39
    Quanto à mundialização, dizem-nos
    “É a realidade”.
  • 96:39 - 96:43
    Evidentemente, mas não é
    necessariamente uma boa realidade.
  • 96:44 - 96:47
    Ou a ideologia diz
    “É a realidade, portanto é vàlida,”
  • 96:48 - 96:49
    “é necessàrio
    caminhar nesse sentido.”
  • 96:50 - 96:52
    A globalização, o mesmo.
  • 96:54 - 96:56
    As privatizações, o mesmo.
  • 96:56 - 97:01
    Como se faz, deve-se continuar,
    era preciso fazer.
  • 97:02 - 97:05
    Apresenta-se como dados
    adquiridos aquilo que se quer
  • 97:06 - 97:10
    que as pessoas aceitem,
    em vez de perguntar se concordam ou não.
  • 97:11 - 97:15
    lsto vai de encontro
    ao que digo no meu livro
  • 97:16 - 97:18
    acerca do sofismo do inelutàvel.
  • 97:18 - 97:21
    A maioria dos políticos encobre
  • 97:21 - 97:24
    os seus actos, as suas escolhas,
  • 97:24 - 97:26
    pois são escolhas e decisões,
  • 97:27 - 97:30
    sob o manto do inelutàvel.
  • 97:30 - 97:32
    “Não podíamos fazer outra coisa.”
  • 97:32 - 97:35
    Os americanos fazem isto.
  • 97:35 - 97:38
    Toda a gente sabe
    que o se faz em França
  • 97:38 - 97:42
    se fez dez anos antes nos EUA,
  • 97:42 - 97:44
    portanto tinha de se fazer em França.
  • 97:45 - 97:49
    A Renault
    fechou uma fàbrica na Bélgica
  • 97:50 - 97:53
    para reestruturar e criar as mesmas
  • 97:55 - 97:58
    fàbricas noutros locais,
  • 97:59 - 98:00
    mas com gente a ganhar menos.
  • 98:01 - 98:04
    Era a consequência
    de um estudo econômico.
  • 98:05 - 98:09
    Ao encerrar-se a fàbrica,
  • 98:09 - 98:11
    o chefe de estado francês declarou:
  • 98:12 - 98:15
    “Infelizmente, as fàbricas encerram.
    É a vida.
  • 98:15 - 98:17
    As àrvores nascem, vivem e morrem,
  • 98:17 - 98:21
    as plantas, os animais, as pessoas
    e as empresas também.”
  • 98:21 - 98:26
    É um bom exemplo
    de naturalização da situação,
  • 98:26 - 98:28
    é uma despolitização.
  • 98:28 - 98:31
    Assim, as pessoas são obrigadas
    a aceitar como sendo natural,
  • 98:32 - 98:35
    como sendo independente
    da vontade dos políticos,
  • 98:35 - 98:39
    certas decisões que, de facto,
    estão dependentes disso.
  • 98:40 - 98:44
    Assim, é possível
    manipular os cidadãos
  • 98:45 - 98:50
    e, em ûltima anàlise,
    dissuadi-los de acreditar no voto.
  • 98:52 - 98:55
    Actualmente, o funcionamento dos
  • 98:55 - 98:57
    “media” permite a criação da verdade.
  • 98:57 - 99:01
    Como é evidente, a verdade
  • 99:01 - 99:03
    sô consegue surgir do confronto,
  • 99:04 - 99:08
    da verificação
    de uma determinada versão,
  • 99:08 - 99:10
    confirmada por um certo nûmero
    de testemunhas.
  • 99:10 - 99:13
    Bem sabemos até que ponto
    é difícil estabelecer a verdade.
  • 99:13 - 99:15
    Hà os juízes de instrução,
  • 99:15 - 99:19
    a polícia científica que analisa,
  • 99:19 - 99:22
    que tenta descobrir a verdade.
  • 99:22 - 99:24
    Mas actualmente,
    no funcionamento dos “media”,
  • 99:24 - 99:28
    basta que, a propôsito
    de um acontecimento,
  • 99:28 - 99:30
    todos os meios de comunicação
    afirmem o mesmo,
  • 99:31 - 99:34
    que a imprensa, ràdio e televisão
    digam o mesmo,
  • 99:34 - 99:38
    para que essa coisa
    se torne verdade, mesmo sendo falsa.
  • 99:38 - 99:40
    Vimos isso na Guerra do Golfo
  • 99:40 - 99:44
    e em importantes
    acontecimentos recentes.
  • 99:47 - 99:51
    Ao estabelecer essa equação,
    que é falsa, evidentemente,
  • 99:51 - 99:53
    a repetição serve de prova.
  • 99:53 - 99:56
    Reli hà pouco tempo
    “Admiràvel Mundo Novo”,
  • 99:57 - 99:59
    de Aldous Huxley,
  • 100:00 - 100:04
    e encontrei uma frase
    a propôsito da hipnopedia,
  • 100:04 - 100:08
    a hipnose pela escuta a que sujeitavam
    os bebés à nascença
  • 100:09 - 100:12
    para os convencerem
    a contentarem-se com aquilo que são, ,
  • 100:13 - 100:16
    e um dos directores
    do Centro de Condicionamento,
  • 100:16 - 100:20
    é assim que se chama o centro,
    diz esta frase:
  • 100:20 - 100:24
    “64 000 repetições fazem a verdade.”
  • 100:24 - 100:27
    E nôs estamos
    nesse mundo de Huxley.
  • 100:38 - 100:42
    Apoiadas por uma propaganda
    e um proselitismo incessantes,
  • 100:42 - 100:47
    que transmitem continuamente
    através das mûltiplas vias
  • 100:47 - 100:50
    de uma rede tentacular
    de controlo do espírito,
  • 100:50 - 100:54
    as reformas neoliberais
    impõem-se gradualmente
  • 100:54 - 100:59
    às consciências anestesiadas
    das democracias ocidentais.
  • 100:59 - 101:03
    Nestes países, em nome
    dum “realismo” necessàrio,
  • 101:04 - 101:08
    todos os partidos, de esquerda
    e direita, adoptam medidas
  • 101:08 - 101:11
    que minam diariamente o estado
  • 101:11 - 101:14
    social em benefício do mercado.
  • 101:14 - 101:18
    No entanto, nos locais aonde
    a propaganda não chega,
  • 101:18 - 101:22
    sobretudo nos países
    em vias de desenvolvimento,
  • 101:22 - 101:25
    impõem-se outras soluções.
  • 101:25 - 101:28
    Soluções dràsticas.
  • 101:28 - 101:32
    Pois sob a cortina de fumo
    ideolôgica,
  • 101:32 - 101:37
    por detràs dos grandes conceitos
    de ordem espontânea
  • 101:37 - 101:40
    e de harmonia de interesses
    num mercado livre,
  • 101:40 - 101:44
    para là da panaceia
    da “mão invisível”,
  • 101:44 - 101:46
    o que se esconde na realidade?
  • 101:46 - 101:51
    Quais eram as verdadeiras motivações
    dos banqueiros e dos industriais
  • 101:52 - 101:56
    que financiaram o estabelecimento
    da rede neoliberal?
  • 101:57 - 102:05
    8. neoliberalismo ou neocolonialismo?
  • 102:05 - 102:13
    a capacidade de imposição
    dos mercados financeiros
  • 102:15 - 102:17
    É impressionante ver
  • 102:17 - 102:21
    como todos os elementos
    da conjuntura neoliberal
  • 102:22 - 102:25
    estão concebidos especificamente
    para minar a democracia.
  • 102:25 - 102:28
    lsso raramente é discutido,
    fala-se sô dos efeitos econômicos,
  • 102:28 - 102:33
    mas basta pensar. Tomemos como exemplo
    a globalização financeira.
  • 102:33 - 102:35
    Para Keynes, a grande conquista
    de Bretton Woods,
  • 102:35 - 102:40
    do sistema do pôs-guerra,
  • 102:40 - 102:44
    foi a regulação financeira.
  • 102:45 - 102:46
    E hà um motivo para isso.
  • 102:47 - 102:51
    Permite aos governos
    adoptar programas
  • 102:51 - 102:53
    que têm o apoio da população.
  • 102:53 - 102:57
    Não havendo limites
    à circulação do capital,
  • 102:57 - 103:00
    é possível atacar as divisas,
  • 103:00 - 103:04
    criando aquilo a que os economistas
    chamam “parlamento virtual”,
  • 103:04 - 103:06
    com investidores e financiadores
  • 103:06 - 103:11
    que podem criar
    “um referendo passo a passo”
  • 103:11 - 103:16
    em termos
    de políticas governamentais.
  • 103:16 - 103:20
    Se considerarem
    essas políticas irracionais,
  • 103:20 - 103:24
    podem votar contra, retirando o capital
    ou atacando as divisas.
  • 103:24 - 103:29
    As políticas irracionais são aquelas
    que beneficiam as pessoas,
  • 103:29 - 103:34
    mas não aumentam o lucro
    nem melhoram o acesso ao mercado,
  • 103:34 - 103:36
    daí os governos enfrentarem
    “dois constituintes”:
  • 103:37 - 103:41
    a sua prôpria população
    e o parlamento virtual.
  • 103:41 - 103:46
    E o parlamento virtual costuma
    ganhar, sobretudo nos países pobres.
  • 103:46 - 103:49
    Nos ricos, jà não é bem assim.
  • 103:50 - 103:53
    Não aceitaram o neoliberalismo
  • 103:54 - 103:56
    tão completamente
    como na América Latina,
  • 103:56 - 103:59
    mas, mesmo assim,
    os efeitos são previsíveis.
  • 103:59 - 104:03
    E o mesmo se aplica a outros
    elementos do programa neoliberal.
  • 104:03 - 104:07
    As privatizações, por exemplo,
    que se tornaram uma mantra.
  • 104:08 - 104:11
    As privatizações
    prejudicam a democracia,
  • 104:12 - 104:14
    retiram bens ao eràrio pûblico
  • 104:14 - 104:18
    e colocam-nos nas mãos de tiranos
    privados que não prestam contas,
  • 104:18 - 104:22
    criados e sustentados pelo estado,
    e é isso que são as grandes empresas.
  • 104:23 - 104:25
    Antigamente, quase todas
    as operações bancàrias,
  • 104:26 - 104:30
    até aos anos 70,
    eram controladas.
  • 104:30 - 104:32
    Todas passavam
  • 104:32 - 104:37
    pelo banco central francês,
  • 104:37 - 104:39
    que as monitorizava.
  • 104:39 - 104:42
    Agora, o problema é que os bancos
    fazem transacções sem controlo,
  • 104:42 - 104:46
    Mais de metade
    dessas transacções
  • 104:46 - 104:48
    saem do âmbito
    do controlo do mercado.
  • 104:49 - 104:52
    É como se tivéssemos
    um mercado normal
  • 104:52 - 104:56
    e, mesmo ao lado,
    um mercado negro.
  • 104:56 - 104:59
    Numa mercearia,
    os preços estão afixados,
  • 104:59 - 105:01
    no fim pagamos na caixa.
  • 105:01 - 105:04
    Ao lado, no mercado negro,
    não sabemos o que se passa.
  • 105:04 - 105:07
    Nos seus balanços,
    o Banco de França afirma,
  • 105:07 - 105:10
    ao controlar
    o balanço dos bancos,
  • 105:10 - 105:13
    que metade das transacções
    são feitas à margem do balanço,
  • 105:13 - 105:17
    ou seja, totalmente fora do controlo
    de uma autoridade superior,
  • 105:17 - 105:20
    seja do Tesouro
    ou de um banco central.
  • 105:20 - 105:23
    Essas actividades
  • 105:23 - 105:27
    reduzem o estado a zero.
  • 105:28 - 105:31
    Deve haver
  • 105:31 - 105:35
    uns quinhentos biliões de dôlares
  • 105:35 - 105:39
    a circular diariamente em offshores
    ou coisas do género.
  • 105:39 - 105:43
    É evidente que se um estado
    puser problemas a um banco,
  • 105:44 - 105:48
    ele està-se nas tintas,
    aprovisiona-se num banco estrangeiro,
  • 105:48 - 105:50
    outro banco multinacional,
  • 105:50 - 105:52
    num fundo offshore,
  • 105:53 - 105:55
    portanto deixa de ter problemas.
  • 105:55 - 105:58
    Agora, o dinheiro anda à solta,
    està fora do controlo pûblico.
  • 105:58 - 106:03
    As transacções não-contabilizadas
  • 106:05 - 106:07
    são um dos problemas mais graves,
  • 106:07 - 106:11
    pois para controlar a economia,
    é preciso controlar o dinheiro.
  • 106:13 - 106:16
    As operações não-contabilizadas
    efectuam-se geralmente
  • 106:17 - 106:21
    graças a instrumentos financeiros
  • 106:21 - 106:24
    relativamente recentes, os derivados:
  • 106:24 - 106:29
    futuros, “forwards”, opções,
    “swaps”, etc.
  • 106:30 - 106:32
    Basicamente,
    são apôlices de seguro.
  • 106:33 - 106:36
    A pessoa segura-se
    contra futuras flutuações,
  • 106:36 - 106:39
    flutuações das taxas de juro
  • 106:39 - 106:42
    ou flutuações das divisas.
  • 106:42 - 106:44
    Faz-se um contrato
  • 106:45 - 106:49
    em que a pessoa se compromete
    a pagar dentro de seis meses,
  • 106:49 - 106:53
    sendo o contrato em dôlares.
  • 106:54 - 106:58
    Se o dôlar subir, é uma chatice,
  • 106:58 - 107:01
    porque daí a seis meses é preciso
    comprar dôlares por mais 10%.
  • 107:01 - 107:03
    Portanto, o que hà a fazer?
    Faz-se um seguro,
  • 107:04 - 107:06
    um seguro em relação
    ao valor do dôlar.
  • 107:06 - 107:08
    Alguém assume esse risco,
    cobra uns 3% ou 4%,
  • 107:09 - 107:12
    o aumento ou a descida do dôlar, - se baixar,
  • 107:12 - 107:17
    ele ganha uma data de dinheiro -
  • 107:17 - 107:20
    o investidor não se mexe:
    fez um seguro.
  • 107:20 - 107:21
    Os derivados são isto.
  • 107:22 - 107:25
    O que é interessante é que se criou
    uma economia do risco,
  • 107:25 - 107:30
    pois as divisas e o fluxo de capitais
    jà não são controlados.
  • 107:30 - 107:33
    Trata-se de uma economia
    onde se cultiva o risco
  • 107:33 - 107:37
    de modo a criar um sistema paralelo
  • 107:37 - 107:40
    de seguros para cobrir esse risco.
  • 107:40 - 107:45
    A diferença em relação
    ao seguro automôvel
  • 107:45 - 107:50
    é que esse é totalmente previsível,
  • 107:51 - 107:53
    pois aí funciona
    a lei das probabilidades,
  • 107:54 - 107:58
    enquanto que os riscos
    dos mercados financeiros
  • 107:58 - 108:01
    são epifenômenos, raros, não se podem
    quantificar estatisticamente,
  • 108:01 - 108:04
    portanto são riscos absolutos,
    imprevisíveis.
  • 108:05 - 108:09
    Estes seguros
    que cobrem a economia normal
  • 108:09 - 108:12
    criam uma segunda camada
    mais arriscada ainda,
  • 108:12 - 108:17
    portanto existem seguros
    para cobrir estes mesmos seguros.
  • 108:17 - 108:21
    Cria-se uma pirâmide de risco
  • 108:22 - 108:23
    e especula-se sobre isso.
  • 108:23 - 108:28
    Cria-se uma economia puramente
    especulativa, baseada no risco.
  • 108:28 - 108:31
    Uma das características
    do capitalismo contemporâneo
  • 108:31 - 108:34
    é o facto de a economia
    incentivar sistematicamente o risco,
  • 108:34 - 108:38
    comercializando-o sistematicamente.
  • 108:39 - 108:41
    Na década de 1980,
  • 108:43 - 108:47
    sob a égide de Thatcher e Reagan,
  • 108:47 - 108:50
    vàrios países adoptam reformas
  • 108:50 - 108:55
    com o objectivo de desregular
    os mercados financeiros.
  • 108:55 - 108:58
    Autorizando
    a circulação livre do capital,
  • 108:59 - 109:02
    os estados vão aumentar
    consideravelmente
  • 109:02 - 109:06
    o poder dos grandes
    especuladores institucionais:
  • 109:06 - 109:15
    “hedge funds”, bancos comerciais,
    fundos de pensões, companhias de seguros, etc.
  • 109:15 - 109:18
    Jà numa posição de força,
    estes agirão como uma nova
  • 109:18 - 109:24
    correia de transmissão
    da ideologia neoliberal,
  • 109:24 - 109:29
    levando mesmo os estados
    mais recalcitrantes
  • 109:29 - 109:33
    a acelerar a liberalização
    da sua economia.
  • 109:33 - 109:37
    Entre os métodos utilizados,
    os ataques especulativos
  • 109:38 - 109:43
    revelaram-se altamente eficazes...
    e devastadores.
  • 109:43 - 109:48
    As novas vestes do imperador são
    tecidas de mecanismos complexos,
  • 109:49 - 109:53
    prôprios para repelir
    os espíritos mais curiosos.
  • 109:53 - 109:56
    Mas apesar de o colonialismo
    mudar de rosto,
  • 109:57 - 110:01
    o seu objectivo mantém-se:
    a concentração do capital.
  • 110:03 - 110:07
    Para jà,
  • 110:08 - 110:10
    a especulação
    tem vàrios instrumentos
  • 110:11 - 110:15
    e, sem entrar
    em pormenores técnicos,
  • 110:16 - 110:19
    gostaria de explicar o que se passou
  • 110:19 - 110:22
    na crise asiàtica de 97,
  • 110:24 - 110:28
    que levou ao colapso
    das divisas de vàrios países,
  • 110:29 - 110:34
    nomeadamente
    dos chamados “tigres asiàticos”,
  • 110:34 - 110:38
    com uma economia saudàvel.
  • 110:40 - 110:43
    Houve diversos factores
    nessa crise,
  • 110:43 - 110:47
    mas um dos elementos fundamentais
  • 110:48 - 110:52
    foi a desregulação prévia
    do mercado de divisas.
  • 110:52 - 110:57
    Nalguns casos,
  • 110:57 - 111:00
    esta desregulação foi imposta
  • 111:01 - 111:03
    ou até recomendada pelo FMI.
  • 111:04 - 111:06
    Os especuladores
  • 111:08 - 111:12
    apropriaram-se das reservas
    dos bancos centrais
  • 111:12 - 111:15
    pelo seguinte mecanismo:
  • 111:17 - 111:21
    especularam contra
    as divisas nacionais
  • 111:22 - 111:25
    através do chamado
    “short selling” [vendas curtas].
  • 111:26 - 111:31
    O “short selling”
    consiste em especular sobre a queda
  • 111:32 - 111:37
    de um valor mobiliàrio e não sobre a subida,
    tal como costuma acontecer.
  • 111:37 - 111:43
    Se um valor mobiliàrio for alvo
    de um “short selling” maciço,
  • 111:43 - 111:49
    isso levarà a um colapso da procura
    e, consequentemente, do preço.
  • 111:49 - 111:53
    Pode falar-se
    de ataque especulativo,
  • 111:53 - 111:59
    pois apostando maciçamente
    na queda de um valor,
  • 111:59 - 112:04
    são os prôprios especuladores
    a provocar essa queda.
  • 112:05 - 112:09
    Digamos que eu quero fazer
    “short selling” do won coreano.
  • 112:10 - 112:14
    Começo a vender quantidades
    enormes de wons coreanos,
  • 112:15 - 112:17
    associados a uma data futura,
  • 112:17 - 112:20
    com contratos de três ou seis meses,
  • 112:20 - 112:25
    ou seja, ao terminar o contrato,
    terei de entregar grandes quantidades
  • 112:25 - 112:28
    de wons coreanos
    ou de bahts tailandeses.
  • 112:29 - 112:33
    Mas não os possuo.
    Posso vender a quantidade que quiser.
  • 112:34 - 112:38
    Vendo biliões de dôlares
    de wons coreanos.
  • 112:40 - 112:43
    E quem é que os compra?
  • 112:43 - 112:47
    O banco central da Coreia,
  • 112:47 - 112:52
    que tem acordos com o FMI
  • 112:52 - 112:54
    para estabilizar a sua moeda.
  • 112:55 - 112:58
    Mas, tecnicamente,
    aquilo que se passou
  • 112:59 - 113:03
    foi que, com a descida
    da moeda coreana,
  • 113:04 - 113:06
    alguns meses mais tarde,
  • 113:06 - 113:10
    os contratos
    de “short selling” venceram
  • 113:10 - 113:12
    e aí hà uma apropriação
  • 113:13 - 113:17
    das reservas deste banco central,
  • 113:18 - 113:20
    pois a moeda nacional
    jà não vale nada
  • 113:20 - 113:24
    e basta aos especuladores
  • 113:24 - 113:26
    voltar a comprar wons
    no mercado “spot” [à vista],
  • 113:26 - 113:29
    e serem reembolsados
  • 113:29 - 113:32
    segundo os seus contratos.
  • 113:32 - 113:36
    O banco central vai comprar
    a sua prôpria moeda,
  • 113:36 - 113:39
    o que não é muito rentàvel,
  • 113:39 - 113:40
    e, em troca,
    são-lhe confiscadas as reservas,
  • 113:41 - 113:45
    que vão parar ao bolso
    dos grandes bancos ocidentais.
  • 113:45 - 113:48
    O mecanismo é este.
  • 113:48 - 113:52
    As reservas foram apropriadas,
  • 113:53 - 113:57
    portanto a Coreia
    tem de pedir ao FMI:
  • 113:57 - 114:01
    “Não conseguimos
    funcionar sem reservas.”
  • 114:01 - 114:04
    “Temos de reembolsar.”
  • 114:04 - 114:07
    Mas esse dinheiro ainda nem foi
    encaminhado para os credores.
  • 114:08 - 114:11
    “Temos de reembolsar os credores”,
    que são os especuladores.
  • 114:11 - 114:12
    O que se passa?
  • 114:13 - 114:16
    Quando o FMI atribui um empréstimo
  • 114:16 - 114:19
    de 56 biliões de dôlares,
  • 114:19 - 114:23
    existe a participação
  • 114:23 - 114:25
    de vàrios países, aliàs 24,
  • 114:26 - 114:29
    pois isso requer somas colossais.
  • 114:30 - 114:33
    É o tesouro americano e canadiano,
  • 114:33 - 114:35
    os principais governos ocidentais.
  • 114:36 - 114:40
    Mas para que o tesouro
    americano ou canadiano
  • 114:40 - 114:45
    ou doutro país ocidental
  • 114:45 - 114:47
    faça um empréstimo
    na ordem dos 56 biliões,
  • 114:47 - 114:50
    terão de aumentar
    o seu patamar de dívida,
  • 114:50 - 114:53
    portanto terão de começar a vender,
  • 114:53 - 114:58
    a negociar a dívida na bolsa,
  • 114:58 - 115:00
    portanto estamos perante
    o mercado da dívida,
  • 115:00 - 115:03
    e quem controla o mercado da dívida
  • 115:03 - 115:06
    soberana dos países ocidentais?
  • 115:06 - 115:08
    Os bancos que especularam.
  • 115:08 - 115:11
    Hà aqui um ciclo vicioso.
  • 115:11 - 115:15
    Ataca-se a Coreia, salva-se,
  • 115:15 - 115:19
    confisca-se-lhe as reservas,
  • 115:20 - 115:25
    empresta-se-lhe dinheiro dos fundos
    pûblicos dos governos ocidentais
  • 115:25 - 115:29
    e, para aumentar o endividamento
    dos países ocidentais,
  • 115:30 - 115:34
    é preciso o aval
    dos bancos privados,
  • 115:37 - 115:41
    os “underwriters” [subscritores]
    da dívida desses países,
  • 115:42 - 115:45
    portanto todos se endividam,
  • 115:46 - 115:47
    excepto os especuladores,
    bem entendido,
  • 115:48 - 115:50
    que são os credores da Coreia
  • 115:50 - 115:53
    e dos governos ocidentais
  • 115:53 - 115:56
    que socorreram a Coreia,
  • 115:57 - 115:59
    através do intermédio
    do programa do FMI.
  • 115:59 - 116:02
    Então, o que se passa?
  • 116:04 - 116:06
    A economia coreana
  • 116:06 - 116:08
    està vaticinada à bancarrota.
  • 116:08 - 116:12
    Os activos bancàrios
    e a indûstria de alta tecnologia
  • 116:12 - 116:14
    são vendidos ao desbarato
  • 116:14 - 116:19
    e aquilo que se vai passar
  • 116:19 - 116:24
    é a transferência
    de toda a riqueza industrial
  • 116:24 - 116:29
    para investidores americanos,
  • 116:29 - 116:32
    de tal modo
    que os activos são comprados
  • 116:32 - 116:37
    por uma quantia irrisôria.
  • 116:38 - 116:40
    Posso dar o exemplo de um
    dos principais bancos coreanos,
  • 116:41 - 116:44
    que foi reestruturado com base
    nas recomendações do FMI
  • 116:44 - 116:49
    apôs esta operação,
  • 116:49 - 116:50
    pois foram impostas
  • 116:50 - 116:52
    certas condições.
  • 116:53 - 116:56
    Este banco foi vendido
    por 450 milhões de dôlares,
  • 116:57 - 116:59
    o Korea First Bank,
  • 116:59 - 117:04
    a investidores
    da Califôrnia e do Texas,
  • 117:04 - 117:08
    mas uma das condições de venda
  • 117:08 - 117:11
    foi que o governo coreano
  • 117:11 - 117:15
    financiasse as dívidas incobràveis
  • 117:15 - 117:17
    através de subsídios
  • 117:17 - 117:22
    que valiam 35 vezes mais
    do que o valor da compra,
  • 117:22 - 117:25
    ou seja, de mais de quinze
    biliões de dôlares.
  • 117:26 - 117:28
    Esses investidores americanos
    chegaram à Coreia
  • 117:28 - 117:33
    e, de repente, obtiveram o controlo
    do aparelho financeiro local
  • 117:33 - 117:35
    e dos bancos comerciais,
  • 117:35 - 117:39
    ao mesmo tempo que possuem
    as dívidas das grandes empresas,
  • 117:39 - 117:42
    tal como a Hyundai ou a Daewoo,
  • 117:42 - 117:45
    e estão numa posição
    em que podem ditar
  • 117:45 - 117:47
    o desmantelamento
    destas sociedades.
  • 117:48 - 117:51
    Sabemos entretanto
    que a Daewoo foi vendida à GM,
  • 117:52 - 117:55
    ou pelo menos uma parte,
    e que outras firmas coreanas vão ser vendidas.
  • 117:56 - 118:00
    Através de um mecanismo
  • 118:00 - 118:04
    que tinha por base a manipulação
    dos mercados financeiros
  • 118:05 - 118:08
    toma-se posse
    de uma economia no seu todo.
  • 118:09 - 118:13
    “As empresas coreanas vêem o crédito
    restringido pela crise bancària.”
  • 118:13 - 118:16
    “O desemprego atinge
    um milhão de pessoas.”
  • 118:17 - 118:19
    Os “pedintes do FMI”
  • 118:19 - 118:23
    Teve início
    a mais grave crise social
  • 118:23 - 118:26
    enfrentada pela Coreia do Sul
    desde a guerra:
  • 118:26 - 118:30
    no princípio de Março, o nûmero
    de desempregados atingiu um milhão.
  • 118:30 - 118:33
    A campanha
    de liberalização da economia levada a cabo
  • 118:33 - 118:35
    pelos mercados financeiros
    não teria tido o mesmo sucesso
  • 118:35 - 118:40
    sem a preciosa colaboração
    das instituições de Bretton Woods,
  • 118:40 - 118:44
    que também constituíram
    importantes correias de transmissão
  • 118:44 - 118:46
    da ideologia neoliberal:
  • 118:46 - 118:49
    o Fundo Monetàrio Internacional
    (FMI),
  • 118:49 - 118:53
    o Banco Mundial (BM)
  • 118:53 - 118:58
    e a Organização Mundial do Comércio
    (OMC, antigo GATT).
  • 118:58 - 119:02
    O FMI e o Banco Mundial
    foram criados em 1944
  • 119:02 - 119:05
    para garantir a estabilidade
    das taxas de câmbio
  • 119:05 - 119:07
    e apoiar a reconstrução dos países
    destruídos pela Segunda Guerra.
  • 119:08 - 119:11
    No entanto, com o passar do tempo,
  • 119:11 - 119:17
    os EUA e a Europa
    alteraram consideravelmente
  • 119:17 - 119:22
    o mandato das duas instituições
    sediadas em Washington.
  • 119:22 - 119:27
    Com efeito, pouco apôs a decisão
    unilateral dos EUA, em 1971 ,
  • 119:27 - 119:32
    de pôr fim
    ao Sistema Monetàrio Internacional,
  • 119:32 - 119:36
    o FMI e o BM viram-se investidos
    de uma nova missão:
  • 119:36 - 119:39
    impor aos países em desenvolvimento
  • 119:39 - 119:43
    a liberalização da sua economia,
    fixando como “condicionalidade”
  • 119:43 - 119:48
    à concessão de qualquer empréstimo
    a adopção de uma série
  • 119:48 - 119:52
    de medidas neoliberais. Houve quem descrevesse
    este
  • 119:52 - 119:59
    conjunto de reformas econômicas
    como uma “terapia de choque”,
  • 119:59 - 120:05
    e, ironicamente, também é designado
    por “consenso de Washington”.
  • 120:06 - 120:06
    9. neoliberalismo ou neocolonialismo?
  • 120:06 - 120:13
    9. neoliberalismo ou neocolonialismo?
  • 120:13 - 120:17
    a capacidade de imposição
  • 120:18 - 120:23
    das instituições de Bretton Woods
  • 120:23 - 120:25
    ou
  • 120:25 - 120:30
    o Consenso de Washington
  • 120:33 - 120:37
    Washington,
    sede do Banco Mundial e do FMI,
  • 120:37 - 120:39
    começa a ditar ao resto do mundo,
    sobretudo aos países mais pobres,
  • 120:39 - 120:44
    quase em bancarrota,
  • 120:44 - 120:46
    como aplicar
    a boa ciência econômica.
  • 120:47 - 120:50
    São as chamadas
    “medidas de ajustamento estrutural”
  • 120:50 - 120:53
    ou plano de ajustamento estrutural,
    ditado pelo FMI
  • 120:54 - 120:55
    e secundado
    por empréstimos do Banco Mundial
  • 120:56 - 120:59
    aos diferentes países envolvidos.
  • 120:59 - 121:01
    Guiné Equatorial, 2006
  • 121:01 - 121:05
    Houve dezenas e dezenas de países
    que mergulharam no caos
  • 121:06 - 121:10
    devido às medidas
    do FMI e do Banco Mundial.
  • 121:10 - 121:15
    Muitas destas medidas,
    e são demasiadas para enumerar,
  • 121:15 - 121:17
    desde as fundamentais
  • 121:17 - 121:20
    às de curto prazo,
  • 121:20 - 121:22
    mas essas medidas podem resumir-se
  • 121:23 - 121:27
    a três ou quatro mais importantes.
  • 121:27 - 121:31
    primeira medida:
    redução das despesas do estado
  • 121:32 - 121:36
    A primeira medida imposta aos países
    em vias de não conseguirem pagar,
  • 121:37 - 121:39
    ou seja, na miséria absoluta,
  • 121:39 - 121:43
    foi a redução
    do défice governamental,
  • 121:43 - 121:48
    isto é, a redução
    das despesas do estado.
  • 121:48 - 121:51
    Reduzir o estado,
    reduzir as despesas do estado.
  • 121:52 - 121:56
    segunda medida: privatizações
  • 121:57 - 122:00
    Privatizações.
    Quem é que vai comprar?
  • 122:00 - 122:03
    Operadores locais, não hà.
  • 122:03 - 122:08
    Se houvesse dinheiro local para
    comprar companhias petrolíferas,
  • 122:08 - 122:12
    de fosfatos ou de ferro,
  • 122:13 - 122:15
    o país não estaria na miséria.
  • 122:16 - 122:18
    Agrava-se de tal modo o estado
  • 122:18 - 122:22
    destas economias do Terceiro Mundo,
  • 122:23 - 122:25
    ou dos países mais desfavorecidos,
  • 122:25 - 122:28
    que eles vendem os seus ûltimos
    interesses econômicos, nacionais,
  • 122:29 - 122:30
    a interesses estrangeiros.
  • 122:31 - 122:35
    As multinacionais
    põem-se a comprar,
  • 122:35 - 122:40
    para além de deslocalizarem,
  • 122:41 - 122:42
    pois nesses países,
    como é evidente,
  • 122:42 - 122:47
    a mão-de-obra é barata
    e os preços são baixos.
  • 122:48 - 122:51
    Para as multinacionais, é mais
    barato produzir nesses países
  • 122:52 - 122:54
    do que no seu país de origem
    e, ainda por cima, conseguem
  • 122:55 - 122:58
    comprar por uma ninharia instalações
    e unidades de produção,
  • 122:58 - 123:03
    como de tratamento de açûcar
    ou de pré-refinação de petrôleo e gàs
  • 123:03 - 123:05
    ou de liquefacção de gàs
    ou transporte de minério, por uma ninharia.
  • 123:06 - 123:10
    E que custou anos e anos
    à economia nacional desses países.
  • 123:11 - 123:15
    terceira medida:
    desvalorização da moeda
  • 123:15 - 123:20
    A desvalorização da moeda local
    significa que, de repente,
  • 123:21 - 123:26
    para os países que jà são pobres,
    tudo o que é importado
  • 123:26 - 123:28
    se torna subitamente mais caro
    do que a desvalorização.
  • 123:29 - 123:32
    Quando o franco CFA foi desvalorizado
    repentinamente para metade,
  • 123:32 - 123:36
    no início dos anos 90,
    se não me falha a memôria,
  • 123:36 - 123:40
    de repente,
    mais de um terço de Àfrica
  • 123:40 - 123:43
    que tinha o franco CFA
    como moeda
  • 123:43 - 123:47
    fica com metade do poder de compra,
    dum dia para o outro.
  • 123:48 - 123:53
    Um ordenado que permitia
    um certo nível de vida
  • 123:53 - 123:56
    jà sô permite
    metade desse nível de vida.
  • 123:56 - 124:00
    Estamos perante uma inflação.
  • 124:00 - 124:02
    imediata de 100%.
  • 124:02 - 124:07
    Juntando a isso o facto
    de os produtos semi-manufacturados,
  • 124:07 - 124:10
    os produtos manufacturados
    e tudo o que Àfrica importa,
  • 124:10 - 124:14
    no exemplo de Àfrica,
    e refiro-me à Àfrica da região CFA,
  • 124:14 - 124:19
    com a desvalorização para metade
    do franco CFA, esses produtos
  • 124:20 - 124:24
    passam a custar o dobro.
    Aliando isso aos efeitos da desvalorização
  • 124:24 - 124:29
    local da moeda, deparamos com produtos
    cinco ou seis vezes mais caros.
  • 124:29 - 124:31
    E isto literalmente
    de um dia para o outro.
  • 124:31 - 124:35
    Com o tempo, vê-se o que acontece,
  • 124:36 - 124:39
    pois os produtos locais feitos
    a partir de produtos importados
  • 124:40 - 124:44
    ou que precisam de colas,
    diluentes, pintura,
  • 124:45 - 124:48
    qualquer que seja o produto
    importado, com o tempo, dois, três
  • 124:48 - 124:53
    ou seis meses mais tarde, fica duas,
    três ou quatro vezes mais caro.
  • 124:54 - 124:55
    quarta medida: reorientação da
    economia nacional para a exportação
  • 124:56 - 125:00
    Se medirmos os efeitos
    de obrigar os países mais pobres,
  • 125:00 - 125:03
    em que houve intervenção
  • 125:03 - 125:08
    do FMI e do Banco Mundial,
  • 125:08 - 125:12
    a aumentar a produção
    dos produtos exportàveis,
  • 125:12 - 125:16
    vemos que os fazemos concorrer entre
    si em relação aos mesmos produtos.
  • 125:17 - 125:18
    Os países produtores de café vão
  • 125:19 - 125:21
    produzir de repente muito mais café.
  • 125:22 - 125:25
    Com o cacau e o petrôleo
    passa-se o mesmo.
  • 125:26 - 125:28
    Em relação à bauxite não sei,
    mas também não interessa.
  • 125:28 - 125:33
    O açûcar, o trigo,
    todos os produtos de base
  • 125:34 - 125:36
    vêem os preços baixar em flecha,
    como é evidente,
  • 125:37 - 125:42
    devido à superprodução.
  • 125:42 - 125:47
    Além de os preços baixarem
    e da concorrência entre os países,
  • 125:47 - 125:52
    junta-se a isso
    o efeito da inflação,
  • 125:52 - 125:56
    através da desvalorização da moeda
  • 125:57 - 126:01
    e do aumento automàtico dos preços
    de tudo o que é importado.
  • 126:01 - 126:03
    Assiste-se a uma espécie de inversão
    dos interesses desses países,
  • 126:04 - 126:06
    apesar de afirmarmos
    agir no seu interesse.
  • 126:06 - 126:10
    Tudo aquilo que importam
    lhes sai mais caro
  • 126:10 - 126:13
    e aquilo que exportam traz-lhes
    cada vez menos rendimentos,
  • 126:14 - 126:16
    portanto entram numa espiral
    de sobre-endividamento
  • 126:16 - 126:20
    que faz com que neste momento,
    em 2002,
  • 126:20 - 126:24
    o pagamento da dívida
    da maioria dos países mais pobres,
  • 126:25 - 126:27
    e refiro-me ao Bangladesh
  • 126:27 - 126:31
    e ao Ruanda, ao Burundi e ao Togo,
  • 126:32 - 126:36
    países como esses
    que estão jà no mínimo dos mínimos,
  • 126:36 - 126:38
    sô o pagamento da dívida
  • 126:38 - 126:42
    pode atingir 600 vezes
    as receitas das exportações.
  • 126:42 - 126:46
    quinta medida: os preços verdadeiros
  • 126:47 - 126:50
    O preço verdadeiro
    obtém-se assim:
  • 126:50 - 126:53
    nada de subsídios para os produtos
    de primeira necessidade,
  • 126:53 - 126:57
    portanto nada de subsídios
    à habitação,
  • 126:57 - 127:01
    à saûde, ao ôleo, ao arroz,
  • 127:01 - 127:03
    aos transportes...
  • 127:03 - 127:06
    Não se subsidia mais nada e
    passa a vigorar o preço verdadeiro.
  • 127:06 - 127:07
    Que é que isso quer dizer?
  • 127:07 - 127:09
    Em termos de dôlares,
    todos os preços ficam iguais
  • 127:10 - 127:12
    no mundo inteiro.
    Ou seja, quem viaja com dôlares,
  • 127:12 - 127:15
    tal como eu, pois sou canadiano,
    os preços são quase iguais
  • 127:15 - 127:18
    em toda a parte do mundo.
  • 127:18 - 127:23
    Quer se và a Cotonou, no Benim,
  • 127:23 - 127:27
    um dos países mais pobres do mundo,
  • 127:27 - 127:29
    ou a Chicago, Nova lorque ou Paris,
  • 127:30 - 127:33
    o quarto no Holiday Inn
    ou no Sheraton,
  • 127:33 - 127:35
    a refeição no Holiday Inn
  • 127:35 - 127:39
    custa o mesmo em dôlares.
  • 127:40 - 127:44
    Sô que em Cotonou, no Benim,
  • 127:44 - 127:45
    um dos países mais pobres do mundo,
  • 127:46 - 127:50
    uma noite no Sheraton,
    onde costumo ficar quando là vou,
  • 127:50 - 127:55
    custa seis meses de ordenado
    a um funcionàrio pûblico do Benim.
  • 127:56 - 128:00
    Uma refeição neste hotel
  • 128:00 - 128:05
    equivale a uma semana de trabalho
    de um funcionàrio menor.
  • 128:06 - 128:08
    sexta medida:
  • 128:08 - 128:10
    liberalização do investimento
  • 128:11 - 128:12
    e salàrios verdadeiros
  • 128:13 - 128:15
    Apôs os preços verdadeiros,
    os salàrios verdadeiros.
  • 128:15 - 128:18
    lsso consiste, lapidarmente,
  • 128:18 - 128:21
    em baixar todos os salàrios
  • 128:21 - 128:24
    para os mais baixos de cada sector
  • 128:25 - 128:30
    de parceria com o movimento
  • 128:30 - 128:34
    de “liberalização” do comércio.
  • 128:34 - 128:36
    Passo a explicar-me.
  • 128:36 - 128:38
    Com o NAFTA,
  • 128:38 - 128:41
    México, EUA e Canadà passam a ser uma zona de
    comércio livre
  • 128:42 - 128:46
    e os salàrios deslizam do nível
  • 128:46 - 128:48
    americano para o mexicano.
  • 128:49 - 128:54
    É o que acontece ao pôr em
    concorrência trabalhadores mexicanos
  • 128:54 - 128:56
    e norte-americanos e canadianos.
    Deslocalizando para o México,
  • 128:56 - 129:00
    finge-se que o NAFTA
    criou empregos no México.
  • 129:01 - 129:02
    Em termos concretos,
  • 129:02 - 129:07
    seis ou sete anos depois do NAFTA,
  • 129:08 - 129:12
    os salàrios na zona de Leone
    e do norte do México,
  • 129:13 - 129:17
    onde se instalaram
    as multinacionais americanas,
  • 129:18 - 129:20
    que encerraram nos EUA,
    e é isso que é preciso compreender...
  • 129:21 - 129:24
    É que deixou de haver empregos
    com salàrios elevados,
  • 129:24 - 129:28
    comparativamente com o México,
  • 129:28 - 129:32
    para “criar” empregos no México,
  • 129:33 - 129:35
    mas muitíssimo mais mal pagos.
  • 129:35 - 129:37
    Nos ûltimos cinco anos,
  • 129:38 - 129:42
    o nível dos salàrios nesta região,
    a mais activa e rica do México,
  • 129:43 - 129:46
    para onde as multinacionais
    americanas se deslocalizaram,
  • 129:47 - 129:51
    baixou, em termos de
    poder de compra, 23%.
  • 129:53 - 129:55
    Ou seja, hà cinco anos
  • 129:55 - 129:59
    um funcionàrio da GM no México
  • 129:59 - 130:02
    conseguia sustentar
  • 130:02 - 130:05
    uma família com um filho ou dois.
  • 130:05 - 130:10
    Hoje em dia, esse mesmo operàrio sô
  • 130:11 - 130:12
    consegue sustentar-se a si prôprio.
  • 130:12 - 130:17
    Na véspera da cimeira que
    vai ter lugar no norte do México,
  • 130:18 - 130:22
    està a construir-se em Monterey
  • 130:22 - 130:24
    um muro para esconder
    os bairros da lata.
  • 130:24 - 130:27
    Um muro de três metros de altura
    e quilômetros de comprimento,
  • 130:28 - 130:31
    para que os participantes na cimeira
    não vejam a pobreza que existe.
  • 130:32 - 130:33
    A paridade salarial
    é precisamente isto.
  • 130:33 - 130:38
    É fazer os salàrios descer até ao
    nível mais baixo de cada sector
  • 130:38 - 130:40
    e como os sectores mais modernos,
  • 130:40 - 130:45
    a informàtica e electrônica,
  • 130:45 - 130:49
    estão cada vez mais disponíveis
    no Terceiro Mundo,
  • 130:49 - 130:53
    temos companhias aéreas,
    penso que a Swissair fazia isso,
  • 130:53 - 130:57
    siderurgias e outras companhias,
  • 130:57 - 131:00
    a mandar fazer a contabilidade e
  • 131:00 - 131:02
    a informàtica em Bombaim, na Índia.
  • 131:03 - 131:06
    Là, um contabilista que faz o mesmo
  • 131:06 - 131:09
    trabalho que na Suíça ou no Canadà
  • 131:09 - 131:11
    custa cem vezes menos.
  • 131:11 - 131:16
    Um informàtico que faz os mesmos
    programas de computador para aviões
  • 131:16 - 131:20
    custa duzentas vezes menos. E por aí fora.
    lsto é que é a “paridade salarial”.
  • 131:20 - 131:24
    Mas o que me aborrece
    é que estas medidas em conjunto
  • 131:24 - 131:28
    - desvalorização, exportação,
    pagamento da dívida,
  • 131:28 - 131:31
    privatizações
    e redução do défice de estado,
  • 131:31 - 131:34
    que é obrigado a despedir,
    logo a criar desempregados -
  • 131:34 - 131:37
    estas medidas em conjunto
    com a paridade de preços e salàrios
  • 131:37 - 131:40
    provocam a situação actual
  • 131:40 - 131:43
    em que os países ricos
    estão infinitamente mais ricos
  • 131:43 - 131:46
    e os países pobres
    estão infinitamente mais pobres.
  • 131:46 - 131:51
    Fico alarmado quando vejo
    o Banco Mundial e o FMI
  • 131:51 - 131:54
    tentarem repetir na Argentina
  • 131:54 - 131:57
    precisamente aquilo que dizimou
    a economia argentina.
  • 131:58 - 132:00
    É como se não se tivesse
    aprendido nada com a histôria.
  • 132:01 - 132:03
    Porque é que não se aprende?
    Existe uma explicação.
  • 132:03 - 132:08
    Porque hà interesse em que
    esta ideologia que explica o mundo
  • 132:08 - 132:13
    sobreviva enquanto se puder
  • 132:13 - 132:15
    explorar o mundo desta maneira.
  • 132:18 - 132:21
    No FMI,
    o direito de voto exerce-se
  • 132:21 - 132:25
    no seio do directôrio executivo.
  • 132:26 - 132:28
    Trata-se de um direito de voto
  • 132:28 - 132:32
    baseado na participação financeira
  • 132:32 - 132:36
    ou na contribuição financeira
    de cada um dos estados.
  • 132:36 - 132:39
    Na realidade,
    são os accionistas do FMI
  • 132:39 - 132:42
    e o mesmo se passa
    com o Banco Mundial.
  • 132:42 - 132:46
    Não é como nas Nações Unidas.
  • 132:46 - 132:50
    Os principais accionistas do FMI
    são os EUA, como é evidente,
  • 132:50 - 132:51
    Alemanha, Japão,
    Grã-Bretanha, França, etc.,
  • 132:52 - 132:55
    mas isso é apenas um aspecto,
  • 132:55 - 132:59
    pois sob essa representação política
  • 132:59 - 133:02
    no seio de uma organização
    intergovernamental
  • 133:02 - 133:04
    hà outras questões.
  • 133:04 - 133:08
    Os bastidores, o tràfico
    de influências entre Wall Street
  • 133:08 - 133:12
    e Washington,
  • 133:13 - 133:16
    as ligações entre o FMI
    e os “think tanks”,
  • 133:16 - 133:19
    a Heritage Foundation,
    o Brookings Institute,
  • 133:19 - 133:24
    o tesouro americano,
    que também està implicado,
  • 133:24 - 133:26
    a Reserva Federal americana,
  • 133:26 - 133:29
    aquilo a que se chama
    o “Consenso de Washington”.
  • 133:30 - 133:32
    É um jogo de poder.
  • 133:33 - 133:38
    Em 2005, Paul Wolfowitz,
  • 133:38 - 133:42
    um dos ideôlogos mais radicais
    da política imperialista
  • 133:42 - 133:46
    e o braço bélico do Presidente Bush, passa
    directamente
  • 133:47 - 133:51
    do Ministério da Defesa americano
    para a direcção do Banco Mundial. Esta nomeação,
  • 133:51 - 133:57
    que põe fim a toda e qualquer ambiguidade
    acerca dos verdadeiros objectivos
  • 133:57 - 134:03
    do Banco Mundial, revela o verdadeiro rosto
    das instituições de Bretton Woods.
  • 134:12 - 134:15
    Conferência de Bretton Woods,
    Hotel Mount Washington, 1944
  • 134:15 - 134:18
    Apôs a guerra,
    deu-se naturalmente a criação
  • 134:20 - 134:23
    do FMI e do Banco Mundial
  • 134:23 - 134:25
    e, no espírito de John M. Keynes,
  • 134:25 - 134:28
    o arquitecto das duas instituições,
  • 134:28 - 134:32
    fazia falta uma terceira organização,
  • 134:32 - 134:34
    que seria a organização
  • 134:34 - 134:37
    internacional do comércio.
  • 134:38 - 134:41
    Não chegou a existir,
    os americanos não quiseram,
  • 134:41 - 134:44
    mas em sua substituição
    criou-se o GATT,
  • 134:45 - 134:49
    General Agreement
    on Tariffs and Trade,
  • 134:50 - 134:54
    criado em 1947
  • 134:54 - 134:57
    e que deveria tentar fazer baixar
  • 134:57 - 135:00
    os direitos alfandegàrios
    dos produtos industriais.
  • 135:00 - 135:02
    O GATT até funcionou bem,
  • 135:03 - 135:06
    pois durante os seus cinquenta anos
  • 135:06 - 135:08
    de existência
  • 135:08 - 135:12
    houve reduções importantes
  • 135:12 - 135:15
    dos direitos, que passaram dos
  • 135:15 - 135:18
    40%-50%
  • 135:18 - 135:20
    a 4%-5%.
  • 135:20 - 135:25
    Mas isso apenas se aplicava
    aos bens industriais, aos produtos,
  • 135:25 - 135:29
    portanto sentiu-se necessidade,
  • 135:29 - 135:31
    sobretudo por parte das companhias
  • 135:32 - 135:35
    financeiras transnacionais,
  • 135:35 - 135:39
    de criar uma organização
  • 135:39 - 135:42
    que abarcasse outros domínios
  • 135:42 - 135:45
    e não simplesmente
    os produtos industriais.
  • 135:45 - 135:50
    Foi por isso
    que na Ronda do Uruguai,
  • 135:50 - 135:54
    o ûltimo ciclo
    de negociações do GATT,
  • 135:54 - 135:59
    se decidiu criar
    a Organização Mundial do Comércio,
  • 136:00 - 136:05
    que se torna realidade
    a 1 de Janeiro de 1995
  • 136:05 - 136:10
    e que abarca
    uma multiplicidade de acordos.
  • 136:10 - 136:13
    Não sô o GATT,
    que ainda vigora,
  • 136:13 - 136:17
    mas o acordo sobre a agricultura,
    sobre a propriedade intelectual,
  • 136:17 - 136:21
    o TRlPPS, o acordo geral sobre
    o comércio e serviços,
  • 136:21 - 136:25
    uma coisa enorme que abarca
    11 grandes domínios e 160 subdomínios,
  • 136:26 - 136:30
    cobrindo todas as outras
    actividades humanas,
  • 136:30 - 136:32
    incluindo a educação, a saûde,
  • 136:32 - 136:36
    a cultura e o ambiente.
  • 136:37 - 136:41
    E hà ainda outros acordos técnicos,
  • 136:42 - 136:45
    que até parecem ser técnicos,
    mas são extremamente políticos,
  • 136:45 - 136:49
    o acordo sobre as barreiras
    técnicas ao comércio
  • 136:49 - 136:52
    e sobre as medidas sanitàrias
    e fitossanitàrias,
  • 136:53 - 136:56
    que são acordos sobre as normas
    que os diferentes membros,
  • 136:57 - 136:58
    ou seja, os estados,
  • 136:58 - 137:00
    podem activar
  • 137:00 - 137:03
    e que declaram que certas normas
    são, na verdade,
  • 137:03 - 137:06
    barreiras técnicas ao comércio.
  • 137:07 - 137:11
    Talvez o menos conhecido,
    mas mais importante de todos,
  • 137:11 - 137:14
    seja o Entendimento sobre
    a Resolução de Litígios,
  • 137:15 - 137:20
    o braço jurídico poderosíssimo
  • 137:20 - 137:22
    da OMC, que lhe permite
  • 137:22 - 137:27
    resolver conflitos entre membros
  • 137:28 - 137:29
    e fazer jurisprudência.
  • 137:30 - 137:32
    Então, quem são os juízes?
  • 137:33 - 137:34
    Não se sabe bem,
  • 137:34 - 137:38
    pois hà especialistas
    que são escolhidos por listas
  • 137:39 - 137:44
    e os países podem recomendar
    quem quiserem para as listas.
  • 137:44 - 137:47
    Geralmente são cidadãos,
    advogados,
  • 137:47 - 137:52
    ou antigos gestores,
  • 137:52 - 137:56
    mas não se sabe quem são.
    Reûnem em segredo,
  • 137:56 - 137:58
    geralmente a três.
  • 137:59 - 138:01
    Tomam decisões rapidamente.
  • 138:01 - 138:05
    Existe a possibilidade
    de recorrer da decisão,
  • 138:05 - 138:09
    mas as condições
    são as mesmas.
  • 138:10 - 138:12
    Constitui-se um novo painel,
    que decide em segredo.
  • 138:12 - 138:14
    O que é importante compreender
    acerca do ERL,
  • 138:14 - 138:18
    o Entendimento
    sobre a Resolução de Litígios,
  • 138:18 - 138:23
    é que é simultaneamente
  • 138:24 - 138:26
    é que é simultaneamente
    legislador, jurista e executivo,
  • 138:26 - 138:28
    pois delibera
  • 138:29 - 138:32
    e estabelece uma jurisprudência.
  • 138:33 - 138:36
    Coloca-se acima de todas as leis
  • 138:36 - 138:39
    promulgadas pelas legislaturas
  • 138:39 - 138:43
    promulgadas pelas legislaturas
    dos diversos países,
  • 138:43 - 138:45
    mas também acima
    do direito internacional,
  • 138:46 - 138:48
    penosamente estabelecido
    ao longo de cinquenta anos.
  • 138:49 - 138:50
    Os direitos do homem,
  • 138:50 - 138:55
    as convenções multilaterais
    sobre o ambiente,
  • 138:55 - 138:58
    as convenções da Organização
  • 138:58 - 139:00
    Internacional do Trabalho,
  • 139:00 - 139:05
    esquece-se tudo isso
    e tomam-se decisões na OMC.
  • 139:05 - 139:08
    “O comércio tem primazia
    sobre tudo.”
  • 139:09 - 139:14
    “Não queremos ouvir falar
    em convenções sobre o ambiente.”
  • 139:14 - 139:19
    E é executivo porque tem o poder
    de impor sanções.
  • 139:20 - 139:25
    E quando um país
    não concorda com o veredicto, dizem:
  • 139:25 - 139:29
    “Muito bem, não adeqûe
    a legislação às nossas resoluções,”
  • 139:29 - 139:31
    “mas tem de pagar,
    e paga todos os anos.”
  • 139:32 - 139:36
    “Paga através
    dos direitos alfandegàrios,”
  • 139:36 - 139:39
    “a decidir pelo seu adversàrio
  • 139:39 - 139:40
    neste litígio”.
  • 139:41 - 139:43
    Portanto, quando os EUA
  • 139:43 - 139:46
    decidem impor direitos à Europa,
  • 139:46 - 139:51
    no caso de França sobre o “foie
    gras”, a mostarda e o Roquefort,
  • 139:51 - 139:54
    estão no seu direito.
  • 139:54 - 139:56
    lsso sai caro,
  • 139:57 - 140:01
    e poucos países podem dar-se
    ao luxo dessa extorsão anual.
  • 140:02 - 140:03
    Na OMC, existem diferentes
  • 140:03 - 140:08
    negociações em simultâneo.
  • 140:09 - 140:13
    Um país que não tenha
    um embaixador em Genebra
  • 140:13 - 140:16
    ou que partilhe o embaixador
    com outros países,
  • 140:17 - 140:19
    que é o caso dos africanos
  • 140:19 - 140:22
    e de muitos micro-estados,
  • 140:25 - 140:28
    vê-se na impossibilidade
  • 140:30 - 140:32
    de seguir as negociações.
  • 140:32 - 140:35
    O Sul não sabe o que se passa
  • 140:36 - 140:39
    em todos os domínios.
  • 140:39 - 140:40
    E di-lo abertamente.
  • 140:40 - 140:43
    Houve um embaixador do Sul
    que disse:
  • 140:43 - 140:46
    “A OMC é como
    um cinema com vàrias salas.”
  • 140:46 - 140:51
    “É preciso escolher o filme,
    porque não podemos vê-los todos.”
  • 140:51 - 140:56
    Portanto, escolhem o que lhes parece
    mais importante para o seu país
  • 140:56 - 140:59
    e quanto ao resto...
    Portanto, quem é que toma as decisões?
  • 140:59 - 141:03
    Diz-se que é por consenso.
    Na OMC, nunca houve nenhuma votação.
  • 141:04 - 141:06
    E o embaixador dos EUA disse
  • 141:06 - 141:09
    Eque o voto seria um mau precedente,
  • 141:10 - 141:13
    portanto jà estamos a ver
    o que pensa da democracia.
  • 141:13 - 141:17
    Mas na realidade é o Quad,
  • 141:17 - 141:22
    os quatro países,
    Canadà, Estados Unidos,
  • 141:22 - 141:26
    União Europeia e Japão, que se encontram amiûde,
  • 141:27 - 141:28
    com grande nûmero
    de funcionàrios na OMC,
  • 141:28 - 141:31
    e que chegam, eles sim,
    a um consenso,
  • 141:32 - 141:35
    para depois declararem à Assembleia Geral:
  • 141:35 - 141:38
    “Estão de acordo, não é verdade?”
  • 141:39 - 141:42
    Para os países do Sul,
  • 141:42 - 141:46
    é muito difícil dizer que não.
  • 141:46 - 141:49
    É preciso ter muita coragem
    e muitas certezas,
  • 141:49 - 141:54
    pois existem
    meios de pressão sobre eles,
  • 141:54 - 141:56
    e não vale a pena iludirmo-nos.
  • 141:57 - 141:59
    Quem està dependente do FMI
  • 142:00 - 142:03
    ou tem problemas com os EUA,
  • 142:03 - 142:07
    sabe que é melhor
    não pisar muito o risco.
  • 142:08 - 142:13
    Na verdade, os mercados financeiros
    e as instituições de Bretton Woods
  • 142:13 - 142:19
    tornaram-se
    os instrumentos privilegiados
  • 142:19 - 142:22
    da conquista neoliberal.
    Mas continua a haver países
  • 142:22 - 142:27
    que se recusam obstinadamente
    a entrar nesta marcha forçada.
  • 142:27 - 142:31
    É nessas alturas que o colonialismo
    deixa as suas vestes novas
  • 142:31 - 142:35
    e se apresenta com o velho
    fardamento de combate.
  • 142:35 - 142:40
    Desde o desmembramento
    da Jugoslàvia
  • 142:40 - 142:43
    à guerra no Afeganistão,
    passando pelo Darfur,
  • 142:43 - 142:47
    os conflitos apôs a Guerra Fria
  • 142:47 - 142:51
    articulam-se à volta
    de questões muito diferentes
  • 142:51 - 142:54
    das que nos apresenta
    a propaganda ocidental,
  • 142:55 - 142:58
    sob a capa de um novo
    “humanismo militar”.
  • 142:58 - 143:03
    O controlo dos recursos,
    mas também do fluxo financeiro
  • 143:03 - 143:06
    e dos espaços geoestratégicos,
  • 143:06 - 143:11
    tal como os ditames do FMI,
    do Banco Mundial ou da OMC,
  • 143:11 - 143:15
    garantem o domínio
    das grandes empresas
  • 143:16 - 143:18
    e dos grandes detentores de capital
  • 143:18 - 143:20
    sobre todo o planeta.
  • 143:20 - 143:25
    Além disso, os governos coloniais
    instalados pelos conquistadores
  • 143:26 - 143:30
    apressaram-se a adoptar os dogmas
    da ideologia neoliberal.
  • 143:30 - 143:34
    E assim se termina o cerco.
  • 143:35 - 143:35
    10. neoliberalismo
    ou neocolonialismo?
  • 143:35 - 143:43
    10. neoliberalismo
    ou neocolonialismo?
  • 143:43 - 143:51
    A capacidade de imposição
    do humanismo militar
  • 143:51 - 143:53
    ou
  • 143:53 - 143:58
    “a guerra é a paz”
  • 144:02 - 144:05
    Os Acordos de Dayton
    foram assinados em 1995
  • 144:06 - 144:08
    numa base militar americana.
  • 144:08 - 144:13
    Se consultarmos
    o texto desses acordos,
  • 144:13 - 144:16
    vemos que a Constituição
    da Bôsnia-Herzegovina
  • 144:17 - 144:20
    aparece em apêndice
    aos Acordos.
  • 144:20 - 144:22
    Foi redigida por consultores
  • 144:22 - 144:26
    e advogados americanos,
  • 144:26 - 144:31
    que se reuniram e redigiram
    um documento fundamental
  • 144:31 - 144:35
    sem ter havido
    uma assembleia constituinte
  • 144:35 - 144:38
    dos cidadãos da Bôsnia-Herzegovina.
  • 144:38 - 144:41
    Nessa constituição
  • 144:41 - 144:46
    redigida pelos EUA
  • 144:47 - 144:51
    lê-se o seguinte:
  • 144:52 - 144:55
    “Artigo x: o banco central
    da Bôsnia-Herzegovina
  • 144:56 - 144:59
    não poderà funcionar
    como banco central,
  • 144:59 - 145:03
    deverà funcionar como comité
    monetàrio, ‘currency board’”.
  • 145:03 - 145:08
    Ou seja, um banco colonial
  • 145:08 - 145:12
    sem possibilidade
    de emissão monetària,
  • 145:12 - 145:17
    ou seja, totalmente nas mãos
    dos seus credores externos.
  • 145:17 - 145:22
    É o modelo que existe actualmente
    na Argentina, por exemplo.
  • 145:22 - 145:24
    Mais ainda, na constituição
  • 145:24 - 145:28
    da Bôsnia-Herzegovina,
  • 145:29 - 145:31
    redigida em Dayton,
  • 145:31 - 145:34
    afirma-se que o FMI nomearà
  • 145:34 - 145:37
    o presidente do banco central
    da Bôsnia-Herzegovina
  • 145:37 - 145:41
    e que este não poderà ser um cidadão
  • 145:41 - 145:46
    da Bôsnia-Herzegovina nem de nenhum país
    vizinho.
  • 145:46 - 145:51
    Por outras palavras,
  • 145:51 - 145:53
    vemos que esta constituição,
    que é totalmente fabricada
  • 145:53 - 145:58
    e sem qualquer intervenção
    dos cidadãos da Bôsnia-Herzegovina,
  • 145:59 - 146:01
    instala um governo colonial.
  • 146:02 - 146:04
    Chama-se-lhe outra coisa,
  • 146:04 - 146:07
    “comunidade internacional”,
  • 146:07 - 146:10
    mas vemos que todas
  • 146:10 - 146:14
    as estruturas administrativas
  • 146:14 - 146:17
    ficam sob o domínio estrangeiro.
  • 146:17 - 146:19
    Os orçamentos
    estão na mão de estrangeiros
  • 146:20 - 146:23
    e a política monetària é inexistente,
  • 146:26 - 146:29
    mas os Acordos de Dayton
  • 146:29 - 146:33
    são apresentados pela dita
    comunidade internacional
  • 146:34 - 146:37
    como sendo a resposta
  • 146:37 - 146:39
    aos problemas de diferentes países.
  • 146:40 - 146:44
    Também queríamos ter instalado
    o mesmo modelo de gestão,
  • 146:47 - 146:51
    de gestão colonial,
  • 146:51 - 146:55
    na Macedônia ou na Jugoslàvia.
  • 146:55 - 146:59
    Aliàs, até se fala em mosaico,
  • 146:59 - 147:01
    num mosaico de protectorados.
  • 147:01 - 147:05
    Humanismo militar
    é uma expressão simpàtica,
  • 147:05 - 147:10
    utilizada para disfarçar coacção,
  • 147:10 - 147:12
    conquista e opressão.
  • 147:12 - 147:14
    A ûnica coisa nova
    é a expressão em si.
  • 147:15 - 147:17
    Se recuarmos na histôria,
  • 147:17 - 147:20
    a histôria da conquista,
    do imperialismo,
  • 147:20 - 147:22
    da opressão e da violência
  • 147:23 - 147:26
    é quase sempre apresentada
    em termos humanistas.
  • 147:26 - 147:30
    Os franceses estavam a levar
    a cabo uma missão civilizadora,
  • 147:30 - 147:35
    apesar de o Ministro da Guerra afirmar: “Temos de
    exterminar todos os argelinos.”
  • 147:35 - 147:38
    Os britânicos levaram abnegadamente
  • 147:38 - 147:41
    a civilização aos bàrbaros na Índia,
  • 147:41 - 147:46
    ao conquistarem-na e criarem o maior
    império mundial de narcotràfico, tentando
  • 147:46 - 147:51
    infiltrar-se no mercado chinês,
    ao mesmo tempo que falavam em comércio livre.
  • 147:51 - 147:54
    Nos EUA, chama-se
    “excepcionalismo” americano.
  • 147:54 - 147:57
    Somos tão nobres,
    ninguém consegue ser como nôs.
  • 147:57 - 148:01
    O problema é que todos os sistemas
  • 148:01 - 148:03
    de poder disseram o mesmo.
  • 148:03 - 148:07
    Quando os japoneses conquistaram
    a Manchûria, no norte da China,
  • 148:08 - 148:11
    os documentos de que dispomos,
    pois eles foram conquistados,
  • 148:11 - 148:14
    transbordam de retôrica humanista
  • 148:15 - 148:18
    acerca do modo como vão criar
    um paraíso na terra
  • 148:18 - 148:21
    e como o Japão é altruísta,
  • 148:22 - 148:25
    sô actua para bem dos outros.
  • 148:25 - 148:28
    Aliàs, hà um artigo interessante
  • 148:29 - 148:33
    publicado pelo “Globe and Mail”
  • 148:33 - 148:37
    hà umas semanas, escrito
    por um imigrante russo,
  • 148:38 - 148:42
    um soldado russo que combateu no
    Afeganistão e agora vive no Canadà.
  • 148:42 - 148:46
    E ele comparava o modo
    como a invasão russa do Afeganistão
  • 148:46 - 148:50
    tinha sido descrita
    com a descrição da invasão americana
  • 148:50 - 148:53
    do Iraque e do Afeganistão. Falava das tropas
    canadianas no Afeganistão.
  • 148:53 - 148:58
    Quase igual. Ele tinha sido soldado e dizia
    que todos acreditavam naquilo.
  • 148:58 - 149:01
    “Estamos a tentar ajudar
    o povo do Afeganistão.
  • 149:01 - 149:05
    Somos impedidos pelos terroristas
    apoiados pela CIA.
  • 149:05 - 149:09
    Estamos a sacrificar-nos,
    a levar-lhes ajuda médica,
  • 149:09 - 149:11
    a conceder direitos às mulheres.
  • 149:11 - 149:15
    Tudo por causa dos tarados
    dos terroristas islâmicos.”
  • 149:16 - 149:17
    Por acaso, muita coisa
    até era verdade.
  • 149:18 - 149:21
    Mas é quase igual
  • 149:22 - 149:25
    à descrição que o Canadà faz
    da sua missão no Afeganistão,
  • 149:25 - 149:27
    no Iraque e por aí fora.
  • 149:27 - 149:29
    São questões culturais
    quase universais.
  • 149:29 - 149:32
    Agora, chamam-lhe
    humanismo militar.
  • 149:32 - 149:35
    Supostamente, o neoliberalismo
    é economia pura,
  • 149:35 - 149:40
    mas, mal se olha com atenção,
    é sô um jogo de poder
  • 149:40 - 149:43
    das multinacionais
    e de alguns estados
  • 149:43 - 149:46
    que estão a defender
    os seus interesses.
  • 149:48 - 149:52
    Digamos que é uma espécie
    de neocolonialismo, mas noutros termos.
  • 149:53 - 149:55
    E isto tem acontecido
    ao longo da histôria.
  • 149:55 - 149:59
    Se tivéssemos registos
    do tempo de Àtila,
  • 149:59 - 150:02
    provavelmente transbordariam
    desta nobre retôrica.
  • 153:09 - 153:13
    Tradução
    lsabel Fajardo
  • 153:13 - 153:17
    Ripped & srt:
    Tokadime
Title:
L'Encerclement - La démocratie dans les rets du néolibéralisme
Video Language:
French
Duration:
02:33:30

Portuguese subtitles

Revisions