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Fotografar a complexidade do mundo | Véronique de Viguerie | TEDxParis

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    Escolhi uma profissão que me permite
    ir onde vocês não podem ir.
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    Sou fotojornalista.
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    A minha profissão também é mostrar
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    o que, por vezes, não têm vontade de ver.
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    Paradoxalmente, a minha profissão
    é de mostrar-vos os cinzentos.
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    Tudo começou para mim
    no Afeganistão, em 2004.
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    Cheguei lá com a cabeça
    cheia de preconceitos
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    e, francamente, sentia-me bem com isso.
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    Um ano depois, assisti
    a um atentado suicida.
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    Fiquei ilesa, milagrosamente,
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    mas encarei finalmente a realidade.
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    Em 2006, embarquei com os soldados
    norte-americanos.
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    Não os conhecia,
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    mas não os podia ver, detestava-os.
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    Para mim, eram brutamontes
    que maltratavam os afegãos.
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    Depois, cercado juntos,
    esperamos.
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    Esperamos que se passe alguma coisa
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    e, por força, começo
    a achá-los simpáticos, divertidos,
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    começo mesmo a ligar-me a eles.
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    Mas uma noite, Mike, de 19 anos,
    conta-me divertido:
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    "Um dia, disparei um foguete a um tipo.
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    "Creio que era um talibã.
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    "Transformou-se numa tocha viva
    e correu como uma galinha desvairada".
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    Toda a gente achou piada,
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    mas a mim não me fez rir.
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    Eu compreendo que, obviamente,
    a guerra desumaniza o inimigo
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    e que o adversário já não é ninguém.
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    No entanto, eu encontrei esse adversário.
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    Com Eric de la Varenne e Claire Billet,
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    fomos os primeiros ocidentais
    a encontrar talibãs.
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    Com Claire, tivemos de vestir
    a nossa "burka".
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    Então, eu, para fazer passar
    a visão quadriculada
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    tenho um pequeno truque.
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    Ponho o meu iPod aos gritos
    com "Like a Virgin" da Madonna.
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    É a minha vingança.
  • 2:22 - 2:25
    Depois de uma longa estrada
    percorrida em silêncio
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    e com um calor abrasador,
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    ei-los enfim, estão ali, são eles.
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    Os jovens combatentes
    precipitam-se para nós
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    e recebem-nos com bolos
    e sumo de frutos,
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    depois põem-se a fazer "selfies"
    connosco, divertidos.
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    Usam o seu pequeno reportório de inglês,
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    acabamos por nos descontrair
    e, de repente...
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    (Música)
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    o toque de um dos telemóveis deles.
  • 2:56 - 2:57
    (Risos)
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    Eram aqueles os talibãs?
  • 3:00 - 3:05
    Na verdade, fiquei mais chocada
    com os pontos comuns que existiam
  • 3:05 - 3:09
    entre os jovens soldados americanos
    e os jovens combatentes rebeldes.
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    Assim, optei, talvez de forma
    chocante, perturbante,
  • 3:13 - 3:16
    mas que considero pertinente,
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    de destacar as semelhanças
    desses inimigos,
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    desses inimigos que, no entanto,
  • 3:21 - 3:23
    nem se consideram como homens.
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    Mas é uma guerra
    e, numa guerra, há vítimas.
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    A 18 de agosto de 2008,
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    dez soldados franceses e o seu intérprete
    foram mortos numa emboscada em Uzbin.
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    Fui enviada para cobrir o lado afegão.
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    Por experiência, sei que,
    depois de cada ataque,
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    há uma resposta aérea.
  • 3:49 - 3:53
    Três aldeias perto do local
    da emboscada foram bombardeadas.
  • 3:53 - 3:57
    Houve vítimas civis.
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    Preciso de ir ao local
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    mas a zona está controlada
    pelos talibãs.
  • 4:05 - 4:08
    Por isso, preciso
    de lhes pedir autorização.
  • 4:09 - 4:10
    E lá fomos.
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    Uma "burka",
    uma longa estrada, uma escolta
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    e o nervosismo, tenho medo.
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    De súbito, silhuetas descem a colina.
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    São eles.
  • 4:24 - 4:28
    Explico ao chefe o meu projeto,
    mas ele recusa.
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    Insisto e, depois, reparo que um deles
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    tem uma arma que me parece
    muito moderna.
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    Pergunto-lhe o que é que ela é.
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    Responde-me que tiraram essa arma
    do corpo de um dos soldados mortos.
  • 4:47 - 4:50
    Com efeito, sem o saber,
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    encontro-me em frente dos rebeldes
    responsáveis pela emboscada.
  • 4:58 - 5:01
    Então, por ter feito estas fotos
    que acabaram de ver,
  • 5:02 - 5:04
    ameaçaram-me de morte.
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    Os meus pais receberam
    cartas muito desagradáveis
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    e perderam amigos.
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    Acusaram-me de ter pago
    50 000 euros aos talibãs.
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    Bom, obviamente é estúpido
    e totalmente irrealista.
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    Por um lado, nunca pagamos
    às pessoas que fotografamos
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    por uma questão de ética.
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    Por outro lado,
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    os nossos repórteres nunca andariam
    a passear com tanto dinheiro.
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    Também me acusaram
    de fazer a propaganda deles.
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    Não nos deixemos enganar.
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    A partir do momento
    em que um grupo,
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    sejam os talibãs, seja o exército,
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    decide consagrar tempo a uma jornalista,
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    é porque têm uma mensagem
    que querem transmitir.
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    Também me acusaram de ser antipatriota
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    ou de trair o meu país.
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    Porquê? Porque ousei mostrar
    a cara do inimigo?
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    Penso que não faltei ao respeito
    para com os soldados caídos,
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    mesmo que compreenda
    ter sido difícil para as famílias deles.
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    Mas alguns dos pais até me agradeceram
    porque tinham sede da verdade,
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    por dolorosa que fosse.
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    Não pretendo, de modo nenhum,
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    justificar os atos ignóbeis
    praticados pelos talibãs.
  • 6:17 - 6:20
    Apenas quero dar o máximo de informações
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    para vocês poderem julgar
    com conhecimento de causa.
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    É verdade que seria muito mais simples
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    um mundo em que só houvesse
    pessoas gentis e pessoas más.
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    Mas trata-se duma guerra
    e, numa guerra, isso não acontece.
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    Uma guerra não é nem branca nem preta,
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    é suja,
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    é cinzenta.
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    Aliás, encontrei estas zonas cinzentas
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    em muitos outros países,
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    nomeadamente, no delta do Níger,
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    uma zona poluída pelo petróleo.
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    Já não cresce lá nada,
    já não há nada para pescar,
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    enquanto os potentados locais
    se marimbam, de bolsos cheios.
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    Foi ali que surgiu o MEND:
  • 7:04 - 7:07
    Movimento de Emancipação
    do Delta do Níger.
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    Escondem-se nos pântanos
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    e a estratégia deles é o rapto,
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    os ataques às plataformas petrolíferas
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    e o controlo do mercado negro do petróleo.
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    Com Manon Quérouil,
    a jornalista com que trabalho,
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    tínhamos vontade de conhecer Ateke,
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    um dos grandes chefes desses pretensos
    Robins dos Bosques dos tempos modernos.
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    Mas, em vez de um Robim dos Bosques,
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    encontrámos um gorducho
    sem qualquer carisma.
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    Esparramado num sofá, recebeu-nos
    com uma garrafa de Veuve Clicquot morno.
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    Na verdade, ao fim de uns tempos,
  • 7:47 - 7:49
    é muito mais simples para eles,
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    porque são pagos diretamente
    pelas empresas petrolíferas
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    para não as atacarem.
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    De súbito, estão cheios de dinheiro.
  • 7:56 - 7:59
    Mas aborrecem-se, e é tudo.
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    As raparigas das vizinhanças,
    atraídas pela galinha dos ovos de ouro,
  • 8:02 - 8:04
    vêm distrair esses cavalheiros.
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    Aliás, aquele gorducho
    deitou os olhos à minha colega.
  • 8:10 - 8:11
    Tive de fazer de irmã mais velha.
  • 8:11 - 8:15
    Expliquei-lhe que, em França,
    antes de dormir juntos, casamo-nos.
  • 8:15 - 8:18
    Ele ficou um bocado desconfiado
  • 8:18 - 8:20
    mas, por fim, aceitou
    que voltássemos para a cidade
  • 8:20 - 8:22
    para irmos fazer as compras
    necessárias.
  • 8:22 - 8:26
    O mesmo é dizer que Ateke continua
    à espera da sua noiva desaparecida.
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    Ateke, durante muito tempo
    o inimigo público número um
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    é hoje um dos amigos íntimos
    do novo presidente, Jonathan Goodluck,
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    e, segundo parece, um dos homens
    mais ricos do país.
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    Então, em vez de Robins dos Bosques
  • 8:44 - 8:46
    são bandidos como os outros?
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    O preto e o branco, só nas histórias.
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    A vida real é às cores.
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    É mais perturbadora, é mais complicada,
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    mas é mais interessante.
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    Aliás, a Nigéria conhece muitas
    da complexidade das situações.
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    Pude dar-me conta disso
    numa reportagem no norte
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    seguindo a pista dos Boko Haram.
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    Com Manon, não conseguimos encontrá-los,
  • 9:13 - 9:16
    mas conseguimos aperceber-nos
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    de que as raízes do Boko Haram
    eram muito mais complexas
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    e muito mais antigas do que parecia.
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    Com efeito, de há mais
    de 10 anos a esta parte,
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    grassa uma verdadeira guerra
    entre o exército nigeriano
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    e o Boko Haram.
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    É uma guerra sem quartel,
    é olho por olho, dente por dente.
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    O exército nigeriano
    incendeia as madraças,
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    os Boko Haram queimam as escolas.
  • 9:40 - 9:43
    O exército nigeriano detém
    mulheres e crianças,
  • 9:43 - 9:46
    suspeitas de estarem ligadas
    aos membros da seita.
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    os Boko Haram raptam raparigas.
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    A verdade é que o norte do país
  • 9:52 - 9:55
    foi totalmente abandonado
    pelo governo do sul.
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    Os do norte, entregues a si mesmos,
    acabaram por ficar amargos.
  • 10:01 - 10:05
    O Boko Haram soube utilizar
    esse rancor para atrair os jovens
  • 10:06 - 10:11
    e o comportamento quase criminoso
    deste exército corrompido
  • 10:11 - 10:13
    levou a uma série de atos abomináveis
  • 10:13 - 10:15
    cada vez mais trágicos,
  • 10:16 - 10:20
    até ao rapto, como se recordam,
    de 219 estudantes liceais
  • 10:20 - 10:23
    o que acabou por atrair
    a nossa atenção.
  • 10:24 - 10:27
    É preciso que nos entendamos.
  • 10:27 - 10:29
    Nada do que descobrimos
  • 10:29 - 10:33
    justifica o rapto e a escravização
    dessas raparigas.
  • 10:34 - 10:37
    Ir ao encontro do inimigo
    não é desculpá-lo.
  • 10:39 - 10:42
    Não quero ser porta-voz dos talibãs,
  • 10:42 - 10:44
    do MEND ou do Boko-Haram.
  • 10:44 - 10:46
    Não quero, de modo algum,
    tentar justificar ou desculpar
  • 10:46 - 10:48
    essas ações ignóbeis.
  • 10:49 - 10:52
    Só quero que os conheçam melhor
  • 10:52 - 10:57
    para poderem pensar,
    com conhecimento de causa.
  • 10:57 - 10:59
    Porque creio que, por vezes,
  • 10:59 - 11:03
    conhecer melhor, compreender melhor,
    ajuda a resolver
  • 11:04 - 11:07
    e muitos erros podiam ter sido evitados
  • 11:07 - 11:10
    com um melhor conhecimento
    das pessoas e do terreno.
  • 11:10 - 11:13
    Vemos que o preto e o branco
    não funcionam
  • 11:14 - 11:15
    porque, no Afeganistão,
  • 11:15 - 11:20
    os jovens que se batem dos dois lados
    não são assim tão diferentes.
  • 11:21 - 11:23
    Porque o MEND
    e outros Robins dos Bosques
  • 11:23 - 11:26
    são tão facínoras como os outros.
  • 11:26 - 11:30
    Porque as raízes do Boko Haram
    são muito mais complexas.
  • 11:31 - 11:34
    É verdade que o preto e o branco
    é mais bonito,
  • 11:34 - 11:36
    é mais elegante,
  • 11:36 - 11:39
    mas é simplista e, sobretudo, é falso.
  • 11:39 - 11:42
    A cor é menos absoluta, é mais fluida,
  • 11:42 - 11:45
    mas é mais verdadeira.
  • 11:45 - 11:48
    Assim, vou continuar a dar-vos
    a conhecer os rebeldes,
  • 11:49 - 11:52
    os revolucionários, os terroristas,
  • 11:52 - 11:57
    para poderem fazer uma ideia
    com conhecimento de causa.
  • 11:59 - 12:03
    Nós, os repórteres,
    estamos ali para isso
  • 12:03 - 12:05
    e, por vezes, correndo risco da vida.
  • 12:06 - 12:09
    Ir onde vocês não podem ir,
  • 12:09 - 12:12
    fazer-vos ver aquilo que, por vezes,
    vocês não têm vontade de ver.
  • 12:14 - 12:17
    Vocês têm direito à verdade,
    por isso, exijam-na.
  • 12:18 - 12:21
    (Aplausos)
Title:
Fotografar a complexidade do mundo | Véronique de Viguerie | TEDxParis
Description:

Do Afeganistão ao delta do Níger, Véronique de Viguerie percorreu os teatros de conflito do mundo inteiro para compreender a sua complexidade. Com efeito, para ela, o mundo não pode ser visto só a preto e branco.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
French
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
12:25

Portuguese subtitles

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