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Carta ao Papa Francisco | Farian Sabahi | TEDxMilano

  • 0:21 - 0:24
    Santo Padre, comecei a escrever-vos
    há dois anos,
  • 0:24 - 0:27
    numa manhã de primavera
    numa aldeia das Langhe,
  • 0:27 - 0:30
    com as ruas de calçada
    que sobem em espiral até à praça.
  • 0:31 - 0:33
    Na praça, um castelo
    e uma igreja antiga,
  • 0:33 - 0:35
    como tantas outras, em Piamonte.
  • 0:35 - 0:38
    A partir dessa praça,
    o vale abre-se a perder de vista.
  • 0:38 - 0:43
    Ao fundo, colinas cobertas de bosques,
    castanheiros e aveleiras,
  • 0:43 - 0:46
    mais abaixo, vinhedos e campos de milho,
  • 0:46 - 0:48
    a beleza das Langhe.
  • 0:48 - 0:51
    Ali a beleza extraordinária da paisagem
  • 0:51 - 0:55
    convive com o horror de certas famílias,
  • 0:55 - 0:59
    a minha, burguesa, perante
    perante a indiferença dos outros.
  • 1:01 - 1:05
    Santo Padre, chamo-me Ginevra,
    tenho 40 anos, sou de Turim.
  • 1:05 - 1:07
    Ali cresci e frequentei o liceu.
  • 1:07 - 1:11
    Depois conheci o homem
    que viria a ser o meu marido,
  • 1:11 - 1:12
    Foi no outono.
  • 1:12 - 1:17
    Ele era das Langhe, de Cuneo,
    um jovem magricela, de bons modos.
  • 1:17 - 1:21
    Tinha-se inscrito em Medicina,
    em Turim, na rua Massimo d'Azeglio.
  • 1:21 - 1:24
    Naquele dia, a neblina do Pó
    inundava o parque,
  • 1:24 - 1:28
    o ar embriagava-nos,
    éramos felizes só por nos olharmos.
  • 1:29 - 1:31
    Um sonho difícil de esquecer.
  • 1:32 - 1:34
    Formou-se, especializou-se.
  • 1:34 - 1:37
    Casámos, uma boda sumptuosa.
  • 1:37 - 1:39
    Mudei-me para a aldeia dele.
  • 1:41 - 1:43
    O primeiro filho: Matteo,
    um presente de Deus.
  • 1:43 - 1:45
    Depois Pietro e Luca, gémeos.
  • 1:45 - 1:48
    Pedro é a pedra sobre a qual
    Jesus fundou a sua Igreja.
  • 1:48 - 1:52
    Lucas é a luz, o preferido
    de Nossa Senhora.
  • 1:52 - 1:54
    São Lucas é o patrono dos médicos.
  • 1:54 - 2:00
    Francesca: olhos verdes e risos dourados,
    olhos salientes... parecida comigo.
  • 2:00 - 2:02
    Os meus filhos são formosos.
  • 2:02 - 2:04
    Têm a cor sã de quem vive no campo.
  • 2:04 - 2:10
    Aos pés das Langhe, onde confluem
    dois rios, 300 m acima do nível do mar,
  • 2:11 - 2:14
    outrora, paragem de viajantes
    e de peregrinos,
  • 2:14 - 2:18
    na antiga rota do sal
    que unia Albenga e Alba.
  • 2:18 - 2:21
    Vivemos numa grande quinta.
  • 2:21 - 2:24
    De dia, os miúdos brincam descalços
    na erva e saltam de alegria,
  • 2:24 - 2:26
    de noite, cantam os grilos.
  • 2:26 - 2:28
    Andrea é herdeiro duma família rica,
  • 2:28 - 2:32
    donos de um prédio na cidade
    e de uma bela moradia em San Remo.
  • 2:32 - 2:35
    A sua família é conhecida na aldeia,
  • 2:36 - 2:38
    faz muitos donativos para a igreja
  • 2:38 - 2:40
    e, aos domingos, Andrea assiste à missa
  • 2:40 - 2:44
    no banco da primeira fila,
    que tem escrito o nome de família.
  • 2:44 - 2:47
    Em jovem, teve tempo para viajar,
  • 2:48 - 2:50
    mas, em vez de casar
    com uma rapariga da aldeia,
  • 2:50 - 2:53
    uma rapariga habituada
    à vida no campo,
  • 2:53 - 2:55
    escolheu-me a mim,
  • 2:55 - 2:58
    uma rapariga de Turim,
    estrangeira para os de Cuneo,
  • 2:58 - 3:02
    delgada e loira, como outras
    que conhecera pelo mundo.
  • 3:04 - 3:08
    Infelizmente, a nossa bela história
    acaba aqui.
  • 3:08 - 3:10
    O meu marido não tem
    as virtudes morais do Rei Artur,
  • 3:10 - 3:13
    quando voltou à sua aldeia,
    estava mudado.
  • 3:14 - 3:18
    Talvez pela cultura da aldeia, machista,
    talvez pelos amigos do bar,
  • 3:18 - 3:22
    para eles as mulheres não contam,
    são feitas para os servirem,
  • 3:23 - 3:26
    O certo é que Andrea ficou violento,
    bate-me há 12 anos.
  • 3:26 - 3:29
    Também é violento com os nossos filhos.
  • 3:29 - 3:32
    Mas não há nenhum Lancelote
    que nos possa salvar,
  • 3:32 - 3:36
    a nossa situação não é uma situação
    degradada, como em certos subúrbios,
  • 3:36 - 3:38
    pelo contrário.
  • 3:38 - 3:41
    Andrea é médico-chefe, ganha bem.
  • 3:41 - 3:44
    Claro que comigo não é generoso,
    dá-me só alguns euros
  • 3:44 - 3:47
    e de noite, exige
    os recibos do merceeiro.
  • 3:47 - 3:49
    Paga o talho no fim do mês
  • 3:49 - 3:52
    mas, no geral, o dinheiro não falta.
  • 3:54 - 3:56
    A noite passada, Andrea
    começou-me aos pontapés.
  • 3:56 - 3:59
    Eu estava muito cansada,
    não suportei a dor e gritei.
  • 3:59 - 4:03
    A nossa filha acordou
    sobressaltada e assomou à escada,
  • 4:03 - 4:05
    viu-me estendida no chão,
    enquanto o pai me batia.
  • 4:05 - 4:08
    No dia seguinte, na escola,
    desatou a chorar.
  • 4:08 - 4:10
    A professora abraçou-a,
    pediu-lhe que contasse tudo.
  • 4:10 - 4:13
    Foi uma surpresa.
    Conhece Andrea desde sempre.
  • 4:13 - 4:16
    Nunca podia imaginar
    que era violento.
  • 4:16 - 4:18
    Mas as crianças não mentem.
  • 4:19 - 4:22
    A professora chamou-me,
    disse-me que ia falar com ele.
  • 4:23 - 4:24
    Pedi-lhe que não o fizesse,
  • 4:24 - 4:27
    ele era capaz de nos matar,
    a mim e à minha filha.
  • 4:28 - 4:33
    Por agora, não me atrevo a revoltar-me,
    não posso deixar esta bela casa,
  • 4:33 - 4:37
    para me mudar com os meus quatro filhos
    para um pequeno apartamento.
  • 4:37 - 4:40
    Além disso, o meu marido é católico,
    não quer separar-se.
  • 4:40 - 4:43
    Os meus pais também são
    católicos praticantes.
  • 4:43 - 4:46
    Vivem na cidade,
    não os vejo muitas vezes.
  • 4:46 - 4:48
    A minha mãe desconfia
    de alguma coisa
  • 4:48 - 4:50
    mas não quero entristecê-la
    com os meus problemas.
  • 4:50 - 4:55
    Sei que não gostaria
    de ter uma filha divorciada.
  • 4:55 - 4:58
    Na realidade, não quero deixar Andrea,
    não quero ir à polícia,
  • 4:58 - 5:02
    como me aconselha uma colega de estudos,
    a única com quem mantenho contacto.
  • 5:02 - 5:04
    Seria como uma traição.
  • 5:05 - 5:08
    Talvez me engane,
    tudo me parece tão estranho.
  • 5:08 - 5:11
    Quando o conheci,
    Andrea era amável e ainda é.
  • 5:11 - 5:15
    Enche-me de pancada,
    depois abraça-me, diz que me ama.
  • 5:15 - 5:16
    Acontece muitas vezes.
  • 5:16 - 5:18
    Se sangro, ele trata de mim,
  • 5:19 - 5:22
    não quer que eu vá às urgências,
    ali todos o conhecem.
  • 5:23 - 5:26
    Com frequência, a família,
    em vez de ser uma imagem de amor,
  • 5:26 - 5:29
    torna-se num lugar de tranquila crueldade.
  • 5:29 - 5:33
    Quando voltei a casa, noutro dia,
    encontrei-me com a mãe de Andrea
  • 5:33 - 5:36
    que, em jovem, era violenta,
    batia no marido, nos filhos,
  • 5:36 - 5:39
    Em casa não fala italiano,
    usa o dialeto.
  • 5:40 - 5:44
    Nessa linguagem áspera, há uns dias,
    incitou Andrea a bater-me.
  • 5:44 - 5:47
    Depois foi ela, a minha sogra,
    que me expulsou de casa.
  • 5:47 - 5:49
    As crianças olhavam, atónitas.
  • 5:50 - 5:54
    Talvez porque aqui bois e pessoas
    são todos da mesma raça.
  • 5:54 - 5:57
    Eu sou de Turim,
    duma boa família burguesa.
  • 5:57 - 6:00
    Ela devia preferir uma rapariga daqui,
  • 6:00 - 6:03
    dessas que ficam em casa
    e não dizem nada.
  • 6:05 - 6:06
    No domingo, fui confessar-me.
  • 6:06 - 6:09
    Don Paolo diz que eu tenho
    de ter paciência, aguentar.
  • 6:09 - 6:12
    As pessoas que mais sofrem
  • 6:12 - 6:14
    são as que Deus mais ama, diz Jesus.
  • 6:14 - 6:16
    Não devo queixar-me,
  • 6:16 - 6:19
    a família é sagrada,
    não se pode separar.
  • 6:19 - 6:21
    Claro que é difícil
    permanecermos unidos,
  • 6:21 - 6:24
    se não houver respeito mútuo,
  • 6:24 - 6:29
    mas aqui não se trata só de respeito,
    há violência e a violência mata o amor.
  • 6:29 - 6:32
    Depois de me bater,
    Andrea vai confessar-se,
  • 6:32 - 6:35
    arrepende-se e o pároco
    dá-lhe a absolvição.
  • 6:35 - 6:40
    Depois recai, bate-me de novo
    e Don Paolo volta a perdoar.
  • 6:40 - 6:42
    É um pároco da aldeia.
  • 6:42 - 6:46
    A minha sogra oferece-lhe galinhas
    e coelhos, como é a tradição.
  • 6:47 - 6:49
    Andrea quer dizer "homem".
  • 6:50 - 6:52
    Santo Padre, na vossa primeira
    missa como Papa,
  • 6:53 - 6:57
    dissestes que o homem deve ser
    o guardião de si mesmo e dos outros.
  • 6:57 - 7:00
    Andrea estava a ver a missa na TV
    e bastou uma desculpa
  • 7:00 - 7:03
    para me bater de novo,
    em frente dos nossos filhos.
  • 7:03 - 7:06
    Já é uma coisa normal,
    até para mim.
  • 7:06 - 7:10
    Fico em silêncio, esgotada,
    olhando fixamente para o meu marido.
  • 7:10 - 7:13
    Temos quatro filhos, mas aqui
    as mulheres são como antigamente,
  • 7:13 - 7:15
    servem para ter filhos e nada mais.
  • 7:16 - 7:20
    Estou cheia de nódoas negras,
    disfarço-as com maquilhagem.
  • 7:20 - 7:23
    Tenho de fazer qualquer coisa
    pelos meus filhos.
  • 7:23 - 7:25
    O mais velho já começou
    a levantar a mão.
  • 7:25 - 7:29
    Santo Padre, escutei-vos na rádio,
    quando falastes das primeiras crentes,
  • 7:29 - 7:31
    Quero pedir ajuda.
  • 7:31 - 7:34
    Talvez uma só palavra vossa bastasse
    para pôr fim a tanta violência,
  • 7:34 - 7:37
    uma violência disfarçada de amor,
    ouvi dizer.
  • 7:37 - 7:39
    Mas talvez não servisse.
  • 7:39 - 7:43
    Que mais posso dizer
    que ainda não tenha sido dito?
  • 7:43 - 7:46
    A não ser que vós, Santo Padre,
    queirais falar com os párocos,
  • 7:46 - 7:48
    com aqueles como Don Paolo,
  • 7:48 - 7:53
    para não concederem com tanta facilidade
    o perdão a homens como o meu marido.
  • 7:53 - 7:58
    Que a Igreja só perdoe, se sentir
    que o arrependimento é sincero,
  • 7:58 - 8:03
    porque um arrependimento formal
    serve para recuperar os sacramentos
  • 8:03 - 8:05
    e para voltar à violência.
  • 8:05 - 8:09
    É necessário demonstrar arrependimento,
    ter intenção de mudar.
  • 8:09 - 8:15
    Se o arrependimento é fingido,
    o pároco não pode nem deve absolver.
  • 8:19 - 8:21
    {Dois anos depois, 18 de abril de 2015]
  • 8:22 - 8:24
    Santo Padre, escrevi-vos há dois anos,
  • 8:24 - 8:26
    mas acabáveis de subir
    à cadeira pontifical,
  • 8:26 - 8:28
    não era o momento apropriado.
  • 8:28 - 8:30
    Já o sabeis, chamo-me Ginevra,
    sou de Piemonte,
  • 8:30 - 8:33
    como o vosso avô Giovanni
    e o vosso bisavô Francesco.
  • 8:33 - 8:35
    Vivo em Turim, bela e antiga.
  • 8:35 - 8:38
    Quando a noite se enche de estrelas
    há uma multidão de pessoas.
  • 8:38 - 8:40
    Turim é como Nápoles,
    mas com montanhas.
  • 8:40 - 8:44
    Turim, com as suas ruas direitas,
    é a outra cara da mesma Roma.
  • 8:44 - 8:48
    Turim, cidade doente de melancolia,
    como canta Venditti,
  • 8:49 - 8:52
    Vivemos num condomínio
    da Avenida Francia, em linha reta,
  • 8:52 - 8:57
    que vai da Plaza Statuto, porta Susa
    até Chambéry, em França.
  • 8:57 - 9:02
    Assim o quis Vítor Amadeu II
    de Saboia, em 1711.
  • 9:02 - 9:05
    Unia o Palácio Real
    com a residência de Rivoli.
  • 9:05 - 9:08
    Durante a II Guerra Mundial,
  • 9:08 - 9:10
    quando a Itália entrou
    em guerra com a França,
  • 9:10 - 9:14
    as autoridades locais mudaram-lhe
    o nome para avenida Gabriele D'Annunzio.
  • 9:14 - 9:17
    Depois da guerra, voltou a ser
    a Avenida Francia.
  • 9:17 - 9:21
    Hoje passa o metro por baixo dela,
    nove estações.
  • 9:21 - 9:25
    No início da Avenida Francia,
    há vivendas formosas
  • 9:25 - 9:27
    estilo Liberty, no início do século XX.
  • 9:28 - 9:32
    Nós vivemos um pouco mais adiante,
    em Rivoli, nos arredores de Turim.
  • 9:32 - 9:37
    No meu condomínio, vivem empregados
    que correm para o trabalho, de manhã cedo.
  • 9:37 - 9:39
    A casa onde vivo não é minha.
  • 9:40 - 9:43
    É a casa em que cresci,
    é dos meus pais.
  • 9:43 - 9:47
    São velhos, deixaram-me
    o apartamento mobilado
  • 9:47 - 9:50
    e mudaram-se para o campo.
  • 9:51 - 9:54
    Agora, deixai-me contar
    como arranjei coragem
  • 9:54 - 9:56
    para ir à polícia
    e fazer queixa de Andrea.
  • 9:56 - 9:58
    A princípio, não queria.
  • 9:58 - 10:00
    Francesca ainda estava na escola primária
  • 10:00 - 10:02
    quando o pai me deu uma sova
    até me fazer cair.
  • 10:02 - 10:04
    Na manhã seguinte,
    contou tudo à professora.
  • 10:04 - 10:07
    Preocupada, a docente
    queria falar com Andrea.
  • 10:08 - 10:11
    Não estava bem que a criança
    andasse a contar essas coisas.
  • 10:12 - 10:15
    Pedi-lhe que não dissesse nada,
    podia matar-nos à pancada,
  • 10:15 - 10:17
    a mim e à minha filha.
  • 10:17 - 10:19
    Aí tomei uma decisão.
  • 10:19 - 10:22
    Pela Francesca.
    Hoje está no 6.º ano.
  • 10:23 - 10:27
    Depois de falar com a professora,
    fui à polícia e às urgências.
  • 10:27 - 10:28
    Viram as nódoas negras.
  • 10:28 - 10:32
    Não foi a pior sova,
    já tinha estado muito pior.
  • 10:32 - 10:34
    Mas foi o suficiente
    para apresentar a queixa.
  • 10:34 - 10:37
    Umas semanas depois,
    fui a um gabinete legal, em Turim,
  • 10:37 - 10:39
    contratei um advogado
    para o processo penal
  • 10:39 - 10:42
    e outro, para o processo civil.
  • 10:42 - 10:46
    Não pedi o patrocínio do estado,
    queria alguém de confiança.
  • 10:46 - 10:51
    Gastei tudo o que tinha em advogados,
    um sacrifício enorme.
  • 10:51 - 10:56
    Agora Andrea dá-me 500 euros por mês
    por cada um dos nossos filhos.
  • 10:56 - 11:01
    Podia dar-me mais, é rico,
    mas as propriedades são da mãe.
  • 11:01 - 11:05
    Não se importa que os filhos
    não tenham as mesmas oportunidades.
  • 11:05 - 11:09
    Não se importa com o sacrifício que faço
    para pagar as aulas de inglês, de violino.
  • 11:10 - 11:12
    As crianças mudaram de vida,
  • 11:12 - 11:16
    renunciaram a muitas coisas,
    frequentam a escola pública,
  • 11:16 - 11:18
    mas não se queixam.
  • 11:18 - 11:22
    Nunca disseram que queriam
    voltar à aldeia do pai.
  • 11:22 - 11:28
    Não estranham aquela residência antiga
    com os tetos abobadados e com frescos,
  • 11:28 - 11:31
    o terraço, as belas arcadas.
  • 11:32 - 11:36
    Trabalho em "part-time", sou secretária
    num museu, 900 euros por mês.
  • 11:36 - 11:39
    Tenho muitas despesas,
    pago 500 euros de aluguer aos meus pais,
  • 11:39 - 11:41
    uma quantia simbólica.
  • 11:41 - 11:44
    São professores jubilados,
    com problemas de saúde,
  • 11:44 - 11:47
    e eu não posso exigir mais.
  • 11:47 - 11:51
    Já nos ajudam muito
    e não têm muito dinheiro.
  • 11:51 - 11:53
    São católicos praticantes.
  • 11:53 - 11:55
    A princípio custou-lhes,
    mas por fim aceitaram
  • 11:55 - 11:58
    que tivesse deixado o meu marido
    e tenha pedido o divórcio.
  • 11:58 - 12:01
    E pensar que, há dois anos,
    me diziam para ser paciente,
  • 12:01 - 12:03
    que desse a outra face.
  • 12:03 - 12:08
    Os meus irmãos, em contrapartida,
    negam-se a aceitar a minha decisão.
  • 12:08 - 12:11
    Vivem longe de Turim, vejo-os raramente.
  • 12:11 - 12:14
    Sei que me resta pouco tempo,
    Santo Padre.
  • 12:15 - 12:18
    Vou contar-vos as reações
    de Andrea e da sua família.
  • 12:18 - 12:21
    Quando me vim embora,
    ele levou muito a mal.
  • 12:21 - 12:24
    Agora, arma-se em grande senhor,
    atraiçoado na sua honra
  • 12:24 - 12:27
    e fazem-me passar por louca.
  • 12:27 - 12:30
    Durante a semana, trabalha
    de bata branca, nas urgências,
  • 12:30 - 12:34
    ao sábado é voluntário na Cruz Verde
    e, de vez em quando, ajuda os velhos.
  • 12:35 - 12:36
    Ao domingo, vai à missa.
  • 12:36 - 12:39
    Eu é que inventei tudo.
  • 12:40 - 12:44
    Fez queixa de mim. Tenho cinco
    processos abertos em tribunais.
  • 12:45 - 12:49
    A minha sogra ainda reagiu pior,
    uma fera, ferida no seu orgulho,
  • 12:49 - 12:52
    pensava que o silêncio os protegeria.
  • 12:52 - 12:55
    Para ela, sou uma bruxa, que devia
    ser levada para um manicómio,
  • 12:55 - 12:57
    não entende como me atrevi
    a levantar a cabeça,
  • 12:57 - 13:00
    renunciar à minha vida de senhora
  • 13:00 - 13:04
    para viver num apartamento
    nos subúrbios, não remodelado.
  • 13:04 - 13:07
    Eu só levei o enxoval,
    ele ficou com tudo o resto.
  • 13:07 - 13:12
    Alguns vestidos, joias não tinha,
    ele nunca me ofereceu.
  • 13:12 - 13:14
    O colar de pérolas?
  • 13:14 - 13:16
    Um presente da minha mãe,
    quando fiz 18 anos,
  • 13:16 - 13:18
    como é costume em Piemonte.
  • 13:18 - 13:21
    Nunca mais voltei à aldeia,
    é território de Andrea.
  • 13:21 - 13:23
    Não posso entrar naquela casa,
  • 13:23 - 13:25
    nem sequer para ir buscar
    as minhas coisas.
  • 13:25 - 13:27
    Saí a correr há dois anos,
  • 13:27 - 13:30
    foi em junho, a escola
    estava a terminar.
  • 13:30 - 13:33
    Só consegui retirar os boletins das notas.
  • 13:33 - 13:35
    Uma noite em que Andrea
    estava de serviço no hospital,
  • 13:35 - 13:40
    agarrei nas crianças e fomos para Turim,
    80 km, no carro velho
  • 13:40 - 13:45
    que Andrea recuperou
    depois de meses de litígio.
  • 13:46 - 13:49
    Na aldeia não temos amigos,
    nem eu nem as crianças.
  • 13:49 - 13:53
    Estavam isolados, o pai não queria
    que ninguém fosse lá a casa.
  • 13:54 - 13:58
    Não foi fácil, mas consegui,
    conseguimos.
  • 13:59 - 14:01
    Santo Padre, não vos peço nada,
  • 14:01 - 14:04
    só queria contar
    o que se passou, mais nada.
  • 14:04 - 14:07
    A missa? Vou todos os domingos
    e também levo os meus filhos.
  • 14:07 - 14:11
    Estavam acostumados àquela
    formosa igreja antiga.
  • 14:11 - 14:14
    Depois da missa, enquanto
    os sinos tocavam,
  • 14:14 - 14:17
    saíamos para a praça
    com vista para as Langhe.
  • 14:17 - 14:22
    Agora vamos à paróquia
    do bairro, na Avenida Francia.
  • 14:22 - 14:25
    Não é o mesmo, mas tudo bem.
  • 14:26 - 14:30
    Contei a minha história a um sacerdote
  • 14:30 - 14:33
    que conheci, por acaso,
    no comboio, e me marcou.
  • 14:34 - 14:36
    Chamava-se padre Carlo Caroglio,
  • 14:36 - 14:38
    dizia que não se deve
    suportar a violência.
  • 14:38 - 14:40
    Era um pároco da cidade, moderno,
  • 14:40 - 14:44
    oriundo de Alexandria,
    tinha vivido muito tempo em Novara.
  • 14:44 - 14:48
    Antes de ser pároco,
    tinha estudado química, como vós.
  • 14:50 - 14:55
    Don Carlo não era como o pároco
    da aldeia, o que ainda diz a Andrea:
  • 14:55 - 14:58
    "Não te sintas culpado
    se a tua mulher te deixou.
  • 14:58 - 15:01
    "Uma mulher que te abandona
    não te ama.
  • 15:01 - 15:04
    "É ela que se deve envergonhar,
    não te merece".
  • 15:06 - 15:07
    Andrea batia-me,
  • 15:07 - 15:09
    depois ia ter com o pároco,
  • 15:09 - 15:11
    dizia que estava arrependido
  • 15:11 - 15:13
    e o pároco absolvia-o.
  • 15:13 - 15:16
    Por isso, Andrea sente que tem razão.
  • 15:17 - 15:20
    Vossa Santidade, não tenho
    mais nada a dizer, o tempo escasseia.
  • 15:20 - 15:24
    Confio na vossa bondade e compreensão.
  • 15:24 - 15:27
    Só vos peço uma coisa,
  • 15:27 - 15:32
    fazei com que os párocos não absolvam
    sempre e em qualquer caso
  • 15:32 - 15:34
    os homens violentos.
  • 15:34 - 15:37
    As minhas mais cordiais saudações,
    Ginevra.
  • 15:38 - 15:42
    (Aplausos)
Title:
Carta ao Papa Francisco | Farian Sabahi | TEDxMilano
Description:

Farian Sabahi é escritora, jornalista, docente universitária e especialista em Médio Oriente. Ensina "História dos povos islâmicos" na Universidade de Turim.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
Italian
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
15:47

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