O que o nosso médico não revela
-
0:01 - 0:05Eles disseram-me que eu traíra
a minha profissão, -
0:06 - 0:09que eu devia ser despedida,
-
0:09 - 0:10ser-me retirada a licença médica,
-
0:11 - 0:14que devia voltar para o meu país.
-
0:15 - 0:17Sabotaram o meu e-mail.
-
0:17 - 0:19Num fórum de discussão
para outros médicos, -
0:19 - 0:23alguém gabou-se de ter bombardeado
a minha conta no Twitter. -
0:24 - 0:26Eu não sabia se isso era bom ou mau,
-
0:26 - 0:28até que recebi a resposta:
-
0:29 - 0:31"É pena não ter sido
uma bomba de verdade." -
0:33 - 0:35Nunca pensei que eu faria uma coisa
-
0:35 - 0:39que provocasse tanta fúria
aos outros médicos. -
0:39 - 0:41Ser médica era o meu sonho.
-
0:41 - 0:44Cresci na China,
e as minhas primeiras lembranças -
0:44 - 0:46são as de me levarem à pressa
para o hospital -
0:46 - 0:49porque sofria tanto de asma
que ia lá quase todas as semanas. -
0:50 - 0:53Era sempre a Dra. Sam
que tratava de mim. -
0:53 - 0:55Ela teria mais ou menos
a idade da minha mãe. -
0:55 - 0:57Tinha um cabelo rebelde,
encaracolado, -
0:57 - 1:00e vestia-se sempre com
vestidos amarelos às florzinhas. -
1:01 - 1:02Era daquelas médicas que,
-
1:02 - 1:05se caíssemos e partíssemos um braço,
-
1:05 - 1:07ela perguntava porque é que não nos ríamos
-
1:07 - 1:10porque era o nosso úmero [humor].
Perceberam? -
1:11 - 1:13Portanto, nós gemeríamos de dor,
-
1:13 - 1:16mas ela far-nos-ia sentir melhor
depois de a vermos. -
1:16 - 1:18Todos temos um herói de infância
-
1:18 - 1:20que queremos imitar
quando formos grandes, não é? -
1:21 - 1:23Eu queria ser como a Dra. Sam.
-
1:24 - 1:25Quando eu tinha oito anos,
-
1:25 - 1:27os meus pais e eu
mudámo-nos para os EUA. -
1:27 - 1:30A nossa história foi a típica
de uma família de imigrantes -
1:30 - 1:34Os meus pais limpavam quartos de hotéis,
lavavam pratos -
1:34 - 1:35e trabalhavam nos postos de gasolina
-
1:35 - 1:38para eu poder realizar o meu sonho.
-
1:38 - 1:40Por fim, aprendi suficiente inglês
-
1:40 - 1:42e os meus pais ficaram muito felizes
-
1:42 - 1:46no dia em que eu entrei em medicina
e prestei o juramento de curar e servir. -
1:47 - 1:49Até que um dia, tudo mudou.
-
1:49 - 1:53A minha mãe telefonou-me
a dizer que não se sentia bem, -
1:53 - 1:56tinha uma tosse que não passava,
sentia dificuldade em respirar e cansaço. -
1:56 - 2:00Eu sabia que a minha mãe era uma pessoa
que nunca se queixava de nada. -
1:59 - 2:04Para ela me dizer aquilo,
eu sabia que seria uma coisa muito grave. -
2:05 - 2:06E era mesmo.
-
2:06 - 2:09Ficámos a saber que
ela tinha cancro da mama na fase IV, -
2:09 - 2:13um cancro que já se tinha espalhado
aos pulmões, aos ossos e ao cérebro. -
2:14 - 2:16Mas a minha mãe era corajosa
e manteve a esperança. -
2:16 - 2:19Fez cirurgia e rádio.
-
2:19 - 2:21Na terceira sessão de quimioterapia
-
2:21 - 2:23perdeu a sua agenda telefónica.
-
2:23 - 2:27Procurou o número do seu oncologista
na Internet e encontrou-o, -
2:27 - 2:29mas acabou por descobrir outra coisa.
-
2:29 - 2:31Em diversas páginas online, ele era citado
-
2:31 - 2:34como porta-voz, muito bem pago,
duma empresa farmacêutica. -
2:34 - 2:37E, de facto, ele promovia
o regime de quimioterapia -
2:37 - 2:39que lhe tinha receitado.
-
2:40 - 2:43Ela telefonou-me em pânico
e eu não sabia no que acreditar. -
2:43 - 2:45Talvez esta fosse
a quimioterapia certa para ela, -
2:45 - 2:47ou talvez não.
-
2:47 - 2:50Fê-la ficar assustada e desconfiada.
-
2:50 - 2:54No que toca à medicina,
é essencial haver confiança. -
2:55 - 2:59Quando essa confiança deixa de existir,
só resta o medo. -
2:59 - 3:02E há uma outra face desse medo.
-
3:02 - 3:05Enquanto estudante de medicina,
assisti um paciente de 19 anos -
3:05 - 3:07que regressava de bicicleta
ao seu dormitório -
3:07 - 3:11quando foi atropelado por um monovolume.
-
3:11 - 3:13Tinha sete costelas partidas,
-
3:13 - 3:15os ossos da bacia despedaçados,
-
3:15 - 3:18tinha hemorragias internas na barriga
e no interior do cérebro. -
3:18 - 3:20Agora, imaginem ser os pais dele
-
3:20 - 3:22que viajaram 3000 km, desde Seattle,
-
3:22 - 3:24para encontrarem o filho em coma.
-
3:24 - 3:27É natural que queiram saber
o que se passa com ele, não é? -
3:27 - 3:29Pediram para ficarem à sua cabeceira,
-
3:29 - 3:31para saberem o seu estado
e o plano de tratamento. -
3:31 - 3:33Pareceu-me um pedido
bastante razoável, -
3:33 - 3:35e também nos dava a hipótese
de lhes mostrar -
3:35 - 3:38até que ponto nos estávamos
a esforçar e a dedicar. -
3:38 - 3:40Mas o médico responsável recusou.
-
3:41 - 3:42Apresentou todo o tipo de razões.
-
3:42 - 3:44"Podem atrapalhar a enfermeira."
-
3:44 - 3:48"Podem impedir os alunos
de fazerem perguntas". -
3:48 - 3:50E até disse:
-
3:50 - 3:53"E se os pais virem algum erro
e decidirem processar-nos?" -
3:54 - 3:57O que eu vi por de trás de cada desculpa
foi um medo profundo. -
3:58 - 4:00O que eu aprendi foi que,
para se ser médico, -
4:00 - 4:02temos que vestir a bata branca,
-
4:02 - 4:04erguer uma parede
e escondermo-nos por detrás dela. -
4:06 - 4:08Há uma epidemia oculta na medicina.
-
4:08 - 4:11É claro que os doentes têm medo
quando vão ao médico. -
4:11 - 4:13Imaginem acordar com
uma terrível dor de barriga, -
4:13 - 4:15vamos ao hospital,
-
4:15 - 4:18estamos deitados nesse sítio estranho,
numa maca do hospital, -
4:18 - 4:19vestidos com uma bata fina,
-
4:19 - 4:22estranhos a aproximarem-se
a examinarem-nos e a darem injeções. -
4:22 - 4:24Nunca sabemos o que vai acontecer.
-
4:24 - 4:27Nem sabemos se nos irão dar o cobertor
que pedimos há meia hora. -
4:28 - 4:30Mas não são só os pacientes que têm medo,
-
4:31 - 4:32os médicos também têm medo.
-
4:32 - 4:35Nós temos medo que os doentes
descubram quem somos -
4:35 - 4:37e em que consiste a medicina.
-
4:37 - 4:39Então o que é que fazemos?
-
4:39 - 4:41Vestimos as batas brancas
e escondemo-nos atrás delas. -
4:41 - 4:43Claro que, quanto mais nos escondermos,
-
4:43 - 4:46mais as pessoas quererão saber
o que é que estamos a esconder, -
4:46 - 4:50maior será a falta de confiança
e numa assistência médica deficiente. -
4:50 - 4:52Não sofremos apenas
com o medo da doença, -
4:52 - 4:54mas também com a doença do medo.
-
4:55 - 4:57Será possível harmonizar
-
4:57 - 5:01as necessidades dos doentes
com o que os médicos fazem? -
5:01 - 5:04Será que conseguimos ultrapassar
esta doença do medo? -
5:04 - 5:06Vou fazer a pergunta de outra maneira:
-
5:06 - 5:10Se esconder não é a solução,
que tal fazermos o contrário? -
5:10 - 5:13Como seria se, os médicos fossem
transparentes com os seus doentes? -
5:15 - 5:17No passado outono,
realizei uma pesquisa -
5:17 - 5:19para saber o que é
que as pessoas querem saber -
5:19 - 5:21sobre a sua assistência médica.
-
5:21 - 5:23Esse estudo não se baseou apenas
em doentes num hospital, -
5:23 - 5:25mas nas pessoas em geral.
-
5:25 - 5:27Dois alunos meus,
Suhavi Tucker e Laura Johns, -
5:27 - 5:30levaram a investigação para a rua.
-
5:30 - 5:33Foram a bancos, cafés, centros de idosos,
-
5:33 - 5:36restaurantes chineses
e estações de comboios. -
5:37 - 5:39O que é que eles ficaram a saber?
-
5:39 - 5:40Perguntámos às pessoas:
-
5:40 - 5:43"O que é que quer saber
sobre a sua assistência médica?" -
5:43 - 5:46e as pessoas respondiam o que queriam
saber sobre os seus médicos, -
5:46 - 5:49porque as pessoas consideram
a assistência médica -
5:49 - 5:51como uma interação entre elas
e os seus médicos. -
5:52 - 5:55À pergunta: "O que é que gostaria
de saber sobre o seu médico?" -
5:55 - 5:57obtivemos três respostas diferentes.
-
5:57 - 6:00Uns querem ter a certeza
que o médico é competente -
6:00 - 6:02e tem licença para exercer medicina.
-
6:02 - 6:05Outros preferem estar seguros
de que o médico não é preconceituoso -
6:05 - 6:08e toma decisões com base
em exames e na ciência -
6:08 - 6:09e não em quem lhes paga.
-
6:10 - 6:11Foi uma surpresa para nós
-
6:11 - 6:15muitas pessoas quererem saber
outra coisa sobre os seus médicos. -
6:15 - 6:17Jonathan, um estudante de direito
de 28 anos, -
6:17 - 6:22diz que quer encontrar alguém
que se sinta bem com doentes homossexuais -
6:22 - 6:24e que seja especialista
em saúde de homossexuais. -
6:25 - 6:27Serena, uma contabilista de 32 anos,
-
6:27 - 6:30diz que, para ela, é importante
que o médico partilhe os valores dela -
6:30 - 6:33quando se trata de direito à reprodução
e direitos da mulher. -
6:34 - 6:36Frank, de 59 anos, dono de uma
loja de ferragens, -
6:36 - 6:38nem sequer gosta de ir ao médico
-
6:38 - 6:41e gostaria de encontrar alguém
que acredite na prevenção, -
6:42 - 6:44mas que não tenha problemas
com tratamentos alternativos. -
6:45 - 6:47Um atrás de outro,
os nossos entrevistados -
6:47 - 6:51disseram-nos que a relação entre médico
e doente é profundamente íntima -
6:51 - 6:53— que, para mostrarem o corpo ao médico
-
6:53 - 6:55e lhe contarem os segredos mais íntimos,
-
6:55 - 6:58querem saber, primeiro,
quais os valores do médico. -
6:58 - 7:00Lá porque os médicos
têm de ver todos os doentes, -
7:00 - 7:03não significa que os doentes
tenham de ver um médico qualquer. -
7:03 - 7:06As pessoas querem conhecer
os seus médicos primeiro, -
7:06 - 7:08para poderem fazer uma escolha
mais bem informada. -
7:09 - 7:11Por isso, lancei uma campanha,
-
7:11 - 7:13"Quem é o meu médico?",
-
7:13 - 7:15que apela à total transparência
na medicina. -
7:16 - 7:18Os médicos que aderirem,
revelarão, voluntariamente, -
7:18 - 7:20numa página pública na Internet,
-
7:20 - 7:22informações sobre a escola
de medicina onde andaram, -
7:22 - 7:24qual é a sua especialidade,
-
7:24 - 7:26e também, os seus
conflitos de interesses. -
7:26 - 7:28Vamos para além da Lei
Government in the Sunshine -
7:28 - 7:31quanto às afiliações
com empresas farmacêuticas -
7:31 - 7:33e dizemos como somos pagos.
-
7:33 - 7:35Os incentivos são importantes.
-
7:35 - 7:37Se formos ao médico
com uma dor nas costas, -
7:37 - 7:40talvez queiramos saber
que ele recebe 5000 dólares -
7:40 - 7:41para realizar uma cirurgia à coluna,
-
7:41 - 7:44contra 25 dólares, por nos
recomendar a um fisioterapeuta, -
7:44 - 7:48ou se recebe o mesmo,
seja o que nos recomendar. -
7:49 - 7:51Depois, damos mais um passo em frente.
-
7:51 - 7:54Adicionamos os nossos valores
no que se refere à saúde das mulheres, -
7:54 - 7:57à saúde dos homossexuais,
à medicina alternativa, -
7:57 - 7:59à saúde preventiva e às decisões
de fim de vida. -
7:59 - 8:03Comprometemo-nos
a servir os nossos doentes, -
8:03 - 8:05por isso eles têm o direito
de saber quem somos. -
8:06 - 8:09Acreditamos que a transparência
pode ser a cura para o medo. -
8:10 - 8:12Eu pensava que uns médicos
iam aderir e outros não, -
8:12 - 8:17mas não tinha a menor ideia
da repercussão que iria desencadear. -
8:18 - 8:20Na primeira semana da campanha
Quem é o Meu Médico? -
8:20 - 8:24o fórum público da Medscape
e outras comunidades de médicos online -
8:24 - 8:27receberam milhares de comentários
sobre este assunto. -
8:27 - 8:29Eis alguns exemplos.
-
8:29 - 8:31Um gastroenterologista
de Portland disse: -
8:31 - 8:34"Dediquei 12 anos da minha vida
a ser um escravo. -
8:34 - 8:36"Tenho empréstimos e hipotecas....
-
8:36 - 8:40"Dependo dos almoços das empresas
farmacêuticas para tratar os doentes". -
8:40 - 8:43Claro, há tempos difíceis
para toda a gente, -
8:43 - 8:45mas experimentem dizer ao vosso doente
-
8:45 - 8:47que ganha 35 000 dólares/ano
para sustentar quatro pessoas -
8:47 - 8:50que precisam de um almoço gratuito!
-
8:51 - 8:54De um cirurgião ortopédico em Charlotte:
-
8:54 - 8:58"É uma invasão da minha privacidade
revelar de onde provêm as minhas receitas. -
8:58 - 9:01"Os meus doentes não me revelam
quais são as suas receitas". -
9:01 - 9:05Mas a origem das receitas
dos doentes não afeta a nossa saúde. -
9:06 - 9:08De um psiquiatra em Nova Iorque:
-
9:08 - 9:11"Em breve, vamos ter que revelar
se preferimos cães ou gatos, -
9:11 - 9:13"qual o modelo de carro que temos,
-
9:13 - 9:15"e que papel higiénico usamos".
-
9:16 - 9:18Aquilo que ele sente
quanto a Toyotas ou papel higiénico -
9:18 - 9:20não afetará a saúde dos doentes
-
9:20 - 9:23mas as opiniões dele sobre
o direito de uma mulher escolher, -
9:23 - 9:27sobre a medicina preventiva
e as decisões de fim-de-vida, podem afetar. -
9:27 - 9:29O meu preferido, de um
cardiologista de Kansas City: -
9:30 - 9:32"Mais m*** impostas pelo governo?
-
9:33 - 9:36"A Dra. Wen devia era voltar
para o seu país". -
9:36 - 9:39Vamos lá a ver se nos entendemos.
-
9:39 - 9:42Primeiro, isto é voluntário,
não é obrigatório. -
9:42 - 9:45Segundo, eu sou americana e já cá estou.
-
9:45 - 9:47(Risos)
-
9:47 - 9:50(Aplausos)
-
9:53 - 9:57Ao fim de um mês, os meus patrões
estavam a receber chamadas -
9:57 - 9:59pedindo que eu fosse despedida.
-
9:59 - 10:02Recebi correspondência
para a minha morada confidencial -
10:02 - 10:05com ameaças de contactar
a Ordem dos Médicos para eu ser punida. -
10:06 - 10:09Os meus amigos e a minha família
aconselharam-me a acabar com a campanha. -
10:09 - 10:12Depois da ameaça da bomba,
fiquei arrumada. -
10:13 - 10:15Mas depois comecei a ouvir os doentes.
-
10:15 - 10:17Nas redes sociais, um TweetChat,
-
10:17 - 10:20que só naquela altura
vim a saber o que era, -
10:20 - 10:23gerou 4,3 milhões de comentários
-
10:23 - 10:27e milhares de pessoas escreveram
a encorajar-me a prosseguir. -
10:27 - 10:29Escreveram coisas como estas:
-
10:29 - 10:32"Se os médicos estão a fazer
coisas de que se sentem envergonhados, -
10:32 - 10:34"não deviam fazê-las".
-
10:34 - 10:37"Os eleitos têm que revelar
as contribuições para as suas campanhas. -
10:37 - 10:40"Os advogados têm que revelar
conflitos de interesses. -
10:40 - 10:42"Porque é que os médicos não?"
-
10:42 - 10:45Por fim, muita gente escreveu e disse:
-
10:45 - 10:48"Os doentes que decidam
o que é importante, -
10:48 - 10:50"quando escolherem um médico".
-
10:50 - 10:52Na nossa tentativa inicial,
-
10:52 - 10:56mais de 300 médicos assumiram
o compromisso de total transparência. -
10:56 - 10:59Uma louca ideia nova, não foi?
-
10:59 - 11:02Mas, na verdade, não é
um conceito assim tão novo. -
11:02 - 11:04Lembram-se da Dra. Sam,
a minha médica na China, -
11:04 - 11:07com as piadas patetas e o cabelo rebelde?
-
11:07 - 11:08Ela era a minha médica
-
11:08 - 11:10mas também era nossa vizinha
-
11:10 - 11:12que vivia no edifício do outro lado da rua.
-
11:12 - 11:15Eu andava na escola com a filha dela.
-
11:15 - 11:16Os meus pais e eu confiávamos nela
-
11:16 - 11:19porque sabíamos quem ela era
e o que é que ela defendia. -
11:19 - 11:21Ela não precisava de se esconder de nós.
-
11:22 - 11:25Na geração passada,
isto também era vulgar nos EUA. -
11:26 - 11:29Vocês sabiam que o médico da família
tinha dois filhos adolescentes, -
11:29 - 11:31que tinha deixado de fumar já há uns anos,
-
11:31 - 11:33que dizia que ia à igreja regularmente,
-
11:33 - 11:35mas só o viam duas vezes por ano:
-
11:35 - 11:38uma pela Páscoa e outra quando
a sogra vinha à cidade. -
11:39 - 11:42Sabiam o que ele era e ele não precisava
de se esconder de vocês. -
11:43 - 11:46Mas a doença do medo instalou-se
-
11:46 - 11:48e são os doentes que sofrem
com as consequências. -
11:48 - 11:50Sei isto, por experiência própria.
-
11:50 - 11:53A minha mãe lutou contra o cancro
durante oito anos. -
11:53 - 11:56Era uma planificadora e pensou muito
-
11:56 - 11:58sobre como queria viver
e como queria morrer. -
11:59 - 12:01Não só deixou instruções,
com antecedência, -
12:01 - 12:05como escreveu um documento de 12 páginas,
sobre como já tinha sofrido o suficiente, -
12:05 - 12:07Já era altura de partir.
-
12:08 - 12:10Um dia, quando eu era médica residente,
-
12:10 - 12:14recebi uma chamada a dizer que ela
estava na unidade de cuidados intensivos. -
12:14 - 12:17Quando lá cheguei, iam entubá-la
-
12:17 - 12:19e ligá-la a uma máquina respiratória.
-
12:20 - 12:24"Não é isso o que ela quer", disse eu,
"temos documentos". -
12:24 - 12:27O médico da UCI olhou-me nos olhos
-
12:27 - 12:30apontou para a minha irmã,
de 16 anos e disse: -
12:31 - 12:34"Lembra-se de quando tinha esta idade?
-
12:34 - 12:36"Gostava de crescer sem a sua mãe?"
-
12:38 - 12:40O oncologista também estava lá e disse:
-
12:41 - 12:43"Esta é a sua mãe.
-
12:43 - 12:45"Pode olhar para o espelho
durante o resto da sua vida -
12:45 - 12:48"se não fizer tudo
o que é possível por ela?" -
12:49 - 12:51Eu conhecia tão bem a minha mãe.
-
12:51 - 12:54Compreendia tão bem
as suas últimas vontades -
12:54 - 12:56mas era médica.
-
12:58 - 13:01Foi a decisão mais difícil
de toda a minha vida, -
13:02 - 13:05deixá-la morrer em paz,
-
13:05 - 13:08e guardo as palavras
daqueles médicos comigo -
13:08 - 13:10todos os dias.
-
13:11 - 13:14Podemos estabelecer a ponte
-
13:14 - 13:18entre o que os médicos fazem
e aquilo de que os doentes precisam. -
13:18 - 13:21Podemos lá chegar,
porque já lá estivemos -
13:21 - 13:24e sabemos que a transparência
nos leva à confiança. -
13:24 - 13:27A investigação mostrou-nos
que a abertura também ajuda os médicos -
13:27 - 13:29que haver registos médicos abertos,
-
13:29 - 13:31estar disposto a falar sobre erros médicos,
-
13:31 - 13:32aumenta a confiança do doente,
-
13:32 - 13:34melhora os resultados da saúde
-
13:34 - 13:36e reduz as más práticas.
-
13:36 - 13:37Essa franqueza, essa confiança,
-
13:37 - 13:39tornar-se-á mais importante
-
13:39 - 13:42à medida que passarmos das doenças
infecciosas para os comportamentos. -
13:43 - 13:46As bactérias podem não se importar muito
com a confiança e a intimidade, -
13:46 - 13:50mas, para as pessoas, lidar com
as opções mais difíceis da vida, -
13:50 - 13:52tratar de questões como deixar de fumar,
-
13:52 - 13:56gerir a tensão arterial
e controlar a diabetes, -
13:56 - 13:58isso exige que haja confiança.
-
13:59 - 14:02Isto é o que outros médicos
da transparência disseram: -
14:02 - 14:04Brandon Combs, interno em Denver:
-
14:04 - 14:08"Isso aproximou-me mais dos meus doentes.
-
14:08 - 14:10"O tipo de relações que estabeleci...
-
14:10 - 14:13"foi aí que comecei a fazer medicina".
-
14:14 - 14:17Aaron Stupple, interno em Denver:
-
14:17 - 14:20"Digo aos meus doentes que sou
totalmente aberto com eles. -
14:20 - 14:22"Não lhes escondo nada.
-
14:22 - 14:25"Este sou eu. Agora fale-me de si.
-
14:25 - 14:27"Estamos nisto juntos".
-
14:28 - 14:30May Nguyen, médica de família em Houston:
-
14:30 - 14:33"Os meus colegas estão estupefactos
com o que eu faço. -
14:33 - 14:36"Perguntam-me como é que eu posso
ser tão corajosa. -
14:37 - 14:40"Eu digo que não estou a ser corajosa,
-
14:40 - 14:42"é a minha tarefa".
-
14:43 - 14:46Deixo-vos agora com um pensamento final.
-
14:47 - 14:50Ser totalmente transparente é assustador.
-
14:50 - 14:53Sentimo-nos nus, expostos e vulneráveis,
-
14:53 - 14:57mas essa vulnerabilidade, essa humildade,
-
14:57 - 15:01pode ser extraordinariamente benéfica
para a prática da medicina. -
15:01 - 15:04Quando os médicos estão dispostos
a descer dos seus pedestais, -
15:04 - 15:05a despir as batas brancas,
-
15:05 - 15:09e a mostrar aos doentes quem são
e de que trata a medicina, -
15:09 - 15:12é quando começamos a ultrapassar
a doença do medo. -
15:12 - 15:14É quando estabelecemos a confiança.
-
15:14 - 15:17É quando alteramos o paradigma da medicina
-
15:17 - 15:19de um paradigma de secretismo e ocultismo
-
15:19 - 15:22para uma abertura total comprometida
com os nossos doentes. -
15:23 - 15:24Obrigada.
-
15:24 - 15:27(Aplausos)
- Title:
- O que o nosso médico não revela
- Speaker:
- Leana Wen
- Description:
-
Não gostariam de saber se o vosso médico é um porta-voz pago por uma empresa de medicamentos? Ou tem crenças pessoais incompatíveis com o tratamento que vocês querem? Neste momento, pelo menos nos EUA, o vosso médico não tem que vos dizer isso. Quando a médica Leana Wen pediu aos seus colegas médicos para o revelarem, a reação que obteve foi... inquietante.
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 15:42
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