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Estas feridas que não se veem | Edith Bouvier ! TEDxToulouse

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    Desejo revelar as falhas
    dos jornalistas de hoje.
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    Não vou falar de histórias, de intrigas,
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    de comentários sobre a vida privada,
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    ou de histórias de censura,
    mesmo do "Fígaro",
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    porque acho que conhecem
    essas coisas melhor do que eu.
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    Do que desejo falar
    é das feridas que não se veem.
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    É das falhas do interior.
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    É sobre reportagens,
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    sobre os olhares que se fixam,
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    sobre a necessidade de nos isolarmos,
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    sobre as dificuldades em comunicar.
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    É a impossibilidade de exprimir
    o que temos cá dentro.
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    E desejo falar-vos disso
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    porque, a 22 de fevereiro de 2012,
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    eu encontrava-me na Síria,
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    num centro de imprensa da cidade Baba Amr,
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    na Síria, em Homs.
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    A cidade foi bombardeada
    de novo nessa altura
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    e, tal como hoje,
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    as bombas começaram
    a visar-nos às 8:20 em ponto,
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    a aproximar-se de nós, incessantemente,
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    até matar Rémi Ochlik,
    que era um ótimo fotógrafo,
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    talentoso, lindo como um anjo.
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    Até matar Marie Colvin,
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    que, para mim, era "A Heroína",
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    a grande repórter que já passara por tudo.
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    Até ferir gravemente Paul Conroy,
    o fotógrafo dela.
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    Dois miraculados:
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    Javier Espinosa e Williams Daniels,
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    os fotógrafos com quem
    eu tentava trabalhar
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    salvaram-se sem qualquer ferimento.
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    Quanto a mim, imensos estilhaços de obus
    perfuraram-me uma perna, as coxas,
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    e reduziram-me o fémur a migalhas.
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    Conseguimos sair dali,
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    graças à coragem dos sírios,
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    graças à coragem de Williams Daniels.
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    Chegámos a França a 2 de março de 2012.
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    Passei semanas no hospital,
    fechada, bloqueada
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    num hospital militar.
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    No que se refere a detenção,
    eles são mesmo bons.
  • 2:29 - 2:31
    Tive sorte
  • 2:31 - 2:34
    porque havia lá médicos
    que salvaram a minha perna.
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    Graças a eles, hoje estou aqui
    de pé à vossa frente.
  • 2:37 - 2:40
    Também salvaram a minha cabeça,
    porque me forçaram a falar.
  • 2:40 - 2:43
    - houve uma vez que adormeci,
    mas não digam nada a ninguém.
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    Obrigaram-me a falar,
    fizeram-me falar da morte,
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    fizeram-me falar do que é
    ver um amigo morto,
  • 2:47 - 2:50
    fizeram-me falar do que eu tinha vivido
  • 2:50 - 2:51
    e isso ajudou-me imenso.
  • 2:51 - 2:53
    Ao princípio, eu não queria falar,
  • 2:53 - 2:55
    mas penso que isso me ajudou imenso.
  • 2:57 - 3:00
    Na minha profissão, não se fala nisso.
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    Na minha profissão,
    não falamos destas feridas.
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    Na minha profissão, somos fortes
    e partimos para a luta,
  • 3:06 - 3:07
    nunca estamos fatigados.
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    Estamos sujos, cheiramos mal,
    mas partimos para a luta.
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    Então, vou fazer
    um paralelo com o exército,
  • 3:14 - 3:17
    porque são as mesmas situações,
    infelizmente demasiadas vezes.
  • 3:17 - 3:23
    Oficialmente há 15% dos soldados
    que regressam de conflitos
  • 3:23 - 3:25
    traumatizados psicologicamente.
  • 3:25 - 3:28
    É muito, e são apenas os números oficiais,
  • 3:28 - 3:31
    quer dizer que há muitos
    que se sentem mal interiormente
  • 3:31 - 3:33
    mas que nunca o dirão.
  • 3:34 - 3:39
    Todos os dias, há 18 veteranos americanos
  • 3:39 - 3:44
    que tentam pôr fim à vida
  • 3:45 - 3:47
    e que se suicidam.
  • 3:47 - 3:53
    É muito pior que o total oficial
    dos combates no Afeganistão e no Iraque.
  • 3:54 - 3:57
    Gostava de vos dar números
    sobre a minha profissão,
  • 3:57 - 4:00
    mas o grande silêncio
    não é o exército, somos nós.
  • 4:00 - 4:02
    Nós não falamos disso, já o referi.
  • 4:02 - 4:05
    Há um psicólogo, um psiquiatra americano
  • 4:05 - 4:07
    que tentou trabalhar nisso,
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    que tentou interrogar jornalistas,
    de guerra ou não,
  • 4:11 - 4:14
    e o número já é bastante terrível.
  • 4:14 - 4:19
    Há 28% da primeira categoria,
    repórteres de guerra,
  • 4:19 - 4:23
    que sofrem do que se chama PTSD:
    uma síndroma pós-traumática
  • 4:23 - 4:25
    — depois, vou voltar a isto —
  • 4:25 - 4:28
    e 24% que sofrem de grave depressão.
  • 4:30 - 4:35
    Então, o que é esse PTSD?
  • 4:36 - 4:39
    Costuma-se dizer PTSD, é o nome em inglês,
  • 4:39 - 4:42
    Não vou traduzir, porque é ridículo,
  • 4:42 - 4:45
    mas em português quer dizer,
    síndroma pós-traumática,
  • 4:45 - 4:47
    SPT,
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    mas só os americanos trabalham nisso,
  • 4:49 - 4:50
    nós estamo-nos nas tintas,
  • 4:50 - 4:53
    isso não nos interessa, somos mais fortes.
  • 4:54 - 4:55
    Então, o que é?
  • 4:55 - 4:57
    Assim, aprendi de cor
    a frase psicológica
  • 4:57 - 5:00
    — fiz três sessões de psicanálise,
    tanto quanto me lembro.
  • 5:00 - 5:04
    O PTSD é uma reação psicológica
  • 5:04 - 5:07
    que surge na sequência de...
  • 5:07 - 5:09
    — ah, é isto que me está sempre a falhar —
  • 5:10 - 5:12
    ... dum atentado físico ou psicológico
  • 5:12 - 5:16
    que aconteceu ou não,
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    que pôs em perigo a integridade
    física ou psicológica do paciente.
  • 5:25 - 5:27
    Isso significa que são todas as coisas
  • 5:27 - 5:30
    que vemos, nas reportagens,
    e que não devíamos ter visto.
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    Esses corpos mortos ao nosso lado.
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    Essas crianças que vão morrer
    à fome dentro em breve.
  • 5:36 - 5:38
    Essas pessoas doentes,
    essas pessoas queimadas,
  • 5:38 - 5:40
    essas mulheres violadas,
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    essas mulheres que os maridos
    tentaram matar,
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    porque elas agarraram no telefone
    e não deviam tê-lo feito,
  • 5:45 - 5:49
    ou por outras razões, frequentemente
    igualmente obscuras.
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    É um conjunto de coisas
    que, entre nós, ridicularizamos,
  • 5:52 - 5:54
    com um pouco de ironia,
  • 5:54 - 5:56
    escondendo o facto de que, cá dentro,
  • 5:56 - 6:00
    ficámos lixados por ouvir
    todos esses relatos.
  • 6:00 - 6:04
    Continuamos como se nada fosse,
    como se fôssemos mais fortes do que isso.
  • 6:04 - 6:07
    Continuamos a ouvir histórias atrozes,
    durante todo o dia,
  • 6:07 - 6:11
    a ouvir bombas, a ouvir tiros e a avançar,
  • 6:11 - 6:13
    a tropeçar nessas histórias atrozes
    durante todo o dia,
  • 6:13 - 6:16
    a fazer como se nada fosse.
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    Quero contar-vos a história de Lionel.
  • 6:20 - 6:22
    Lionel é um amigo meu do hospital.
  • 6:22 - 6:26
    Reparei imediatamente no Leonel
  • 6:26 - 6:29
    porque era o único que não tinha sido
    amputado, não usava muletas,
  • 6:29 - 6:31
    nem cadeira de rodas.
  • 6:31 - 6:35
    O que era estranho num hospital militar
    que só tinha soldados.
  • 6:36 - 6:38
    Perguntei-lhe o que é que ele tinha.
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    Com uma sinceridade e, ao mesmo tempo,
    com a cara transtornada, disse-me:
  • 6:42 - 6:46
    "Eu ando nos malucos".
  • 6:46 - 6:48
    É muito bizarro, quando
    um tipo de 2,20 metros,
  • 6:48 - 6:50
    com mãos do tamanho de coxas,
  • 6:50 - 6:53
    olha para nós e diz que anda nos malucos.
  • 6:53 - 6:55
    O Lionel é o meu herói.
  • 6:55 - 6:58
    É o tipo que todos vocês
    adorariam ter ao jantar,
  • 6:58 - 7:00
    porque ele faz a geopolítica do mundo
  • 7:00 - 7:02
    e dos 20 anos passados, em cinco minutos.
  • 7:02 - 7:03
    Porque já viveu tudo.
  • 7:03 - 7:05
    Lionel é o Rambo.
  • 7:05 - 7:07
    Lionel esteve em Djibuti,
    esteve na Somália,
  • 7:07 - 7:10
    esteve no Iraque, esteve no Ruanda.
  • 7:10 - 7:14
    É um livro de geopolítica,
    para os professores, é genial.
  • 7:14 - 7:18
    Um dia Lionel estava no Afeganistão
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    e uma bomba explodiu mesmo ao lado dele.
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    Lionel teve sorte, salvou-se.
  • 7:23 - 7:25
    Não teve nem um arranhão.
  • 7:25 - 7:28
    Morreram muitos colegas
    mas Lionel não sofreu nada.
  • 7:28 - 7:32
    Por isso ficou no terreno,
    por isso continuou.
  • 7:32 - 7:35
    Mas, no regresso,
    Lionel não estava nada bem.
  • 7:36 - 7:38
    De súbito, explodiu.
  • 7:38 - 7:40
    De súbito, era incapaz de sair de casa.
  • 7:40 - 7:43
    De súbito, sentia uma bola no estômago
  • 7:43 - 7:45
    e insultava os filhos e a mulher.
  • 7:45 - 7:47
    Mas não podia dizer-lhes o que tinha,
  • 7:47 - 7:50
    porque, por um lado, também não sabia
  • 7:50 - 7:53
    e, por outro, ele só fazia
    operações secretas,
  • 7:53 - 7:56
    totalmente secretas,
  • 7:56 - 7:58
    e não podia contar-lhes o que tinha visto,
  • 7:58 - 8:01
    o que tinha vivido, o que tinha suportado
  • 8:01 - 8:03
    e o que tinha sofrido.
  • 8:03 - 8:05
    Lionel é um homem,
  • 8:05 - 8:09
    não refletiu muito, voltou
    para o Afeganistão, dizendo:
  • 8:09 - 8:10
    "Vou curar o mal com o mal.
  • 8:10 - 8:11
    "Vou voltar para a guerra,
  • 8:11 - 8:14
    "De qualquer modo,
    é a única coisa que sei fazer".
  • 8:14 - 8:17
    O que não é verdade, é só o que ele pensa.
  • 8:17 - 8:21
    Voltou para o Afeganistão,
    passou lá mais sete anos,
  • 8:21 - 8:23
    a fazer a guerra, a ver as bombas a cair,
  • 8:23 - 8:24
    a ver os colegas morrer,
  • 8:24 - 8:27
    a ficar ferido, a ver as bombas a cair,
  • 8:27 - 8:28
    a ver os colegas morrer.
  • 8:28 - 8:30
    Depois regressou e apercebeu-se
  • 8:30 - 8:32
    de que as coisas não iam nada melhor.
  • 8:32 - 8:34
    E explodiu.
  • 8:34 - 8:36
    Encontrei-o no hospital militar de Percy
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    porque já não sofria de pesadelos.
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    Porque Lionel nunca dorme,
  • 8:39 - 8:43
    recusa-se a dormir porque,
    quando dorme, tem pesadelos.
  • 8:43 - 8:44
    Porque já não tem vida.
  • 8:44 - 8:47
    Porque, como ele diz,
    lá por dentro está morto.
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    Estamos a vê-lo, mas ele já não existe,
  • 8:49 - 8:52
    já não está no nosso mundo.
  • 8:53 - 8:56
    O problema é que Lionel não é o único.
  • 8:56 - 8:57
    No exército francês, atualmente,
  • 8:57 - 8:59
    sabemos que há outros.
  • 8:59 - 9:00
    No exército americano,
  • 9:00 - 9:02
    há muitos filmes a falar disso,
  • 9:02 - 9:05
    portanto sabemos que há outros.
  • 9:05 - 9:07
    E nos jornalistas também.
  • 9:09 - 9:12
    O problema é que nós,
  • 9:12 - 9:16
    tal como as feridas que não se veem,
    temos dificuldade em diagnosticá-las.
  • 9:16 - 9:18
    Pensamos que é um pouco de fadiga,
  • 9:18 - 9:19
    pensamos que vai passar,
  • 9:19 - 9:25
    dizemos que devíamos ter visto,
    que devíamos ter percebido.
  • 9:26 - 9:29
    O problema é que nunca se sabe
    quando é que as coisas rebentam.
  • 9:29 - 9:33
    O problema é que podem rebentar
    quando regressamos duma reportagem.
  • 9:33 - 9:35
    Mas basta uma fagulha,
  • 9:35 - 9:37
    um momento, um conflito com a mulher,
  • 9:37 - 9:40
    um conflito com o automóvel da frente,
  • 9:40 - 9:41
    para que as coisas estoirem.
  • 9:41 - 9:43
    Porque explodimos cá por dentro.
  • 9:44 - 9:47
    Vou falar-vos de mais um colega,
  • 9:47 - 9:49
    — eu tenho muitos heróis na profissão.
  • 9:49 - 9:52
    É fotógrafo,
  • 9:52 - 9:55
    também fez a cobertura
    de todos os conflitos,
  • 9:55 - 9:59
    desde a Bósnia ao Ruanda, ao Kosovo,
  • 9:59 - 10:01
    ao Iraque.
  • 10:02 - 10:04
    Esteve em todo o lado,
    é fotógrafo de guerra,
  • 10:04 - 10:06
    portanto viu tudo isso durante anos
  • 10:06 - 10:09
    Depois, em outubro passado,
  • 10:09 - 10:11
    foi assaltado.
  • 10:11 - 10:13
    É uma coisa vulgar,
  • 10:13 - 10:15
    talvez já vos tenha acontecido,
  • 10:15 - 10:16
    é sempre desagradável.
  • 10:16 - 10:19
    Mas, dessa vez, a violência entrou
  • 10:19 - 10:22
    no que ele tinha de mais íntimo,
    na casa dele.
  • 10:22 - 10:23
    Já não era no terreno,
  • 10:23 - 10:26
    não tinha a máquina fotográfica
    a escondê-lo.
  • 10:27 - 10:33
    Foi em casa dele, foi o cão dele
    que foi ferido pelo assaltante,
  • 10:33 - 10:35
    foram as coisas dele
    que foram remexidas,
  • 10:35 - 10:38
    foi a sua integridade pessoal
    que foi violada.
  • 10:39 - 10:43
    A partir daí, tinha pesadelos,
  • 10:43 - 10:46
    a partir daí, não conseguia dormir,
    nem estar só,
  • 10:46 - 10:50
    tinha sempre necessidade
    de um amigo que o recebesse,
  • 10:50 - 10:52
    que o ajudasse, que o escutasse.
  • 10:54 - 10:58
    Depois, teve sorte,
    está em vias de se recompor,
  • 10:58 - 11:01
    encontrou um psicanalista
    para falar disso.
  • 11:01 - 11:03
    Conseguiu perceber o que se passava,
  • 11:03 - 11:08
    porque, a certa altura,
    depois de ver muitas imagens,
  • 11:08 - 11:12
    pôs o dedo na imagem
    que mais o tinha traumatizado.
  • 11:12 - 11:15
    Lembrou-se dos seus colegas mortos
    no terreno na Bósnia.
  • 11:15 - 11:17
    — a coisa vinha de longe.
  • 11:17 - 11:21
    Lembrou-se daquela mulher
    que estava morta na neve,
  • 11:21 - 11:24
    da sua incapacidade em ajudá-la,
    em fazer fosse o que fosse.
  • 11:24 - 11:26
    Ficara ali, impotente, ao lado dela.
  • 11:27 - 11:31
    Julgava que isso pertencia ao passado,
  • 11:31 - 11:33
    mas, na verdade, estava lá escondido.
  • 11:33 - 11:36
    Tinha sido há 30 anos
    que estivera ao lado dela
  • 11:36 - 11:38
    e nem sequer se apercebera disso.
  • 11:39 - 11:42
    De repente, os demónios libertam-se.
  • 11:44 - 11:46
    Ser jornalista de guerra
  • 11:46 - 11:51
    parece sempre a toda a gente
  • 11:51 - 11:53
    uma coisa muito estranha.
  • 11:53 - 11:56
    "Porque é que fazes isso?"
  • 11:56 - 11:58
    É preciso explicar-vos uma coisa,
  • 11:58 - 12:00
    é que eu não gosto da guerra,
  • 12:00 - 12:01
    não vejo filmes de guerra,
  • 12:01 - 12:03
    detesto a violência.
  • 12:05 - 12:07
    Não gosto nada do barulho e das balas,
  • 12:07 - 12:10
    detesto aquela espécie de "clique"
  • 12:10 - 12:16
    da espingarda quando destrava,
  • 12:17 - 12:20
    detesto ouvir as rajadas
    a aproximarem-se de mim.
  • 12:20 - 12:21
    Ainda detesto mais
  • 12:21 - 12:24
    ouvir as bombas a aproximarem-se de mim,
  • 12:24 - 12:26
    é muito desagradável.
  • 12:26 - 12:29
    Detesto ser obrigada a baixar-me
  • 12:29 - 12:31
    e a não parar de correr
    para fugir aos tiros,
  • 12:31 - 12:34
    sem ter tempo para
    perceber o que se passa.
  • 12:34 - 12:35
    É preciso ter olhos na nuca,
  • 12:35 - 12:38
    porque temos que estar sempre vigilantes
  • 12:38 - 12:42
    do que se passa à nossa volta,
    controlar, ter cuidado com tudo.
  • 12:42 - 12:44
    É fatigante, é uma tensão permanente
  • 12:44 - 12:47
    e, ao mesmo tempo,
    uma espécie de adrenalina incrível.
  • 12:47 - 12:49
    Sentimos uma bola no estômago,
  • 12:49 - 12:51
    ficamos fartos, não aguentamos mais.
  • 12:51 - 12:54
    Ficamos com lágrimas nos olhos,
    só temos vontade de regressar
  • 12:54 - 12:56
    mas, quando estamos em casa,
  • 12:56 - 12:57
    temos vontade de voltar a partir.
  • 12:58 - 13:04
    Depois, também há o prazer deste trabalho,
  • 13:04 - 13:07
    o prazer e o sentimento
    de ter um trabalho interessante
  • 13:07 - 13:10
    e de contar histórias
    que é preciso contar.
  • 13:11 - 13:14
    Mas também há aquela adrenalina,
    não podemos iludir-nos.
  • 13:16 - 13:20
    O problema é que isso não acontece
    só com os jornalistas de guerra
  • 13:20 - 13:22
    acontece com todo o tipo de jornalistas.
  • 13:22 - 13:25
    Infelizmente, somos confrontados
    regularmente
  • 13:25 - 13:27
    com cenas a que não deveríamos assistir
  • 13:27 - 13:30
    e a coisas que não acontecem
    no dia-a-dia de toda a gente.
  • 13:30 - 13:33
    Não é normal encontrarmo-nos
    num campo de refugiados
  • 13:33 - 13:35
    com crianças de dois anos
    que morrem em grande número.
  • 13:35 - 13:39
    Não é normal falar o dia inteiro
    com mulheres violadas.
  • 13:39 - 13:41
    Não é normal falar com mulheres
  • 13:41 - 13:43
    que foram queimadas pelo marido.
  • 13:43 - 13:48
    É todo um conjunto de cenas
    e de histórias que nos assombram
  • 13:48 - 13:50
    quando regressamos.
  • 13:50 - 13:53
    Tenho uma amiga
  • 13:53 - 13:56
    que é jornalista de cultura,
  • 13:56 - 13:59
    que frequenta um pouco a sociedade,
    que às vezes vai a África.
  • 13:59 - 14:03
    O ano passado, por acaso,
    encontrou-se na Líbia.
  • 14:03 - 14:04
    E, por acaso, em Trípoli,
  • 14:04 - 14:06
    encontrou-se no meio duma vala comum.
  • 14:08 - 14:10
    Há nisso uma coisa
    ainda mais indescritível:
  • 14:10 - 14:12
    é o odor da morte.
  • 14:12 - 14:16
    É a visão de corpos em decomposição
    de mulheres, homens e crianças
  • 14:16 - 14:18
    já há dias, semanas,
  • 14:18 - 14:23
    É o sentimento de recuo que temos.
  • 14:23 - 14:26
    Ela fez o seu trabalho,
    fez as suas reportagens,
  • 14:26 - 14:27
    regressou, pensou que estava tudo bem,
  • 14:27 - 14:29
    que tinha gerido.
  • 14:29 - 14:31
    Mas não tinha gerido.
  • 14:32 - 14:33
    Meses depois,
  • 14:33 - 14:35
    acordou sobressaltada a meio da noite
  • 14:35 - 14:39
    incapaz de perceber
    o que é que a tinha assustado.
  • 14:39 - 14:42
    Foi preciso escavar, foi preciso falar,
  • 14:42 - 14:46
    foi preciso tentar perceber
    de onde vinham os seus demónios.
  • 14:46 - 14:48
    Os seus demónios vinham da Líbia.
  • 14:48 - 14:51
    Hoje já está melhor,
  • 14:51 - 14:55
    mas havia aquele diabinho que ia crescendo
  • 14:55 - 14:56
    na boca do estômago.
  • 14:56 - 14:59
    O problema é que
    não conhecemos as palavras
  • 14:59 - 15:00
    para descrever tudo o que vivemos.
  • 15:00 - 15:03
    É preciso passar
    por esses episódios atrozes
  • 15:03 - 15:06
    de pesadelos, de isolamento, de depressão,
  • 15:06 - 15:09
    para perceber o que temos
    e para o ultrapassarmos.
  • 15:10 - 15:14
    O problema é que, hoje em dia,
    os exércitos francês, americano, inglês,
  • 15:14 - 15:18
    têm o trabalho de envolver,
    enquadrar e formar
  • 15:18 - 15:21
    as suas tropas para este tipo de coisas.
  • 15:21 - 15:24
    E o pessoal humanitário que encontramos
    igualmente no terreno
  • 15:24 - 15:26
    faz o ponto da situação, no regresso,
  • 15:26 - 15:28
    para serem informados antes,
  • 15:28 - 15:33
    para avaliar a possibilidade de PTSD.
  • 15:33 - 15:36
    Mas nós, não fazemos nada,
  • 15:36 - 15:38
    nós gerimos.
  • 15:39 - 15:44
    Atualmente, como não quero
    que haja mais Lionéis,
  • 15:44 - 15:47
    e como há muitos outros
    camaradas que estão reféns...
  • 15:47 - 15:50
    - cujo colega foi morto,
    que foram violados,
  • 15:50 - 15:52
    de que ainda não vos falei,
  • 15:52 - 15:54
    fica para outra vez -
  • 15:54 - 15:55
    como não quero mais Leonéis,
  • 15:55 - 15:57
    não quero que haja tudo isso,
  • 15:57 - 15:59
    estou a tentar montar uma estrutura.
  • 15:59 - 16:02
    Ainda não sei muito bem
    que forma virá a ter,
  • 16:02 - 16:04
    para que, quando regressarmos
    duma reportagem,
  • 16:04 - 16:07
    seja na redação seja independentemente,
  • 16:07 - 16:11
    assim como pomos de lado
    o colete antibala e o capacete,
  • 16:11 - 16:13
    a nossa mala satélite,
  • 16:13 - 16:15
    — coisas em que não devemos
    mexer muitas vezes —
  • 16:15 - 16:18
    a nossa mala satélite
    e o nosso computador,
  • 16:18 - 16:19
    pomos de lado tudo o que temos,
  • 16:19 - 16:21
    o que vimos e não devíamos ter visto,
  • 16:21 - 16:23
    o que sentimos e não devíamos ter sentido,
  • 16:23 - 16:26
    todas essas emoções em demasia,
  • 16:26 - 16:29
    pomo-las no gabinete do psicanalista,
  • 16:29 - 16:32
    damos-lhas, para sair delas e avançar.
  • 16:33 - 16:36
    Mas ainda há muitas outras coisas a fazer,
  • 16:36 - 16:38
    há ainda muitas coisas a trabalhar,
  • 16:38 - 16:43
    Espero voltar ao TEDx na próxima vez
    para vos apresentar a minha estrutura.
  • 16:44 - 16:45
    Obrigada.
  • 16:45 - 16:48
    (Aplausos)
Title:
Estas feridas que não se veem | Edith Bouvier ! TEDxToulouse
Description:

Edith Bouvier fala-nos das feridas invisíveis de que são vítimas os repórteres e da sua vontade em montar uma estrutura que pretende tomar conta psicologicamente dos jornalistas quando eles regressam das reportagens.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
French
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
16:52

Portuguese subtitles

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