Por que a privacidade é importante
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0:01 - 0:04Há uma série de vídeos no YouTube
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0:04 - 0:05dedicados a uma experiência
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0:05 - 0:08que tenho certeza
de que todos aqui já tiveram. -
0:08 - 0:10Eles mostram algum indivíduo
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0:10 - 0:12que, pensando estar sozinho,
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0:12 - 0:15começa a agir de forma expressiva,
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0:15 - 0:18cantando vorazmente, dançando, rodopiando,
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0:18 - 0:20ou em alguma atividade sexual leve,
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0:20 - 0:23e aí descobre que, na verdade,
não está sozinho, -
0:23 - 0:26que há alguém observando escondido,
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0:26 - 0:28o que faz com que o indivíduo
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0:28 - 0:30pare imediatamente de fazer
o que estava fazendo, -
0:30 - 0:31apavorado.
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0:31 - 0:34A sensação de vergonha e vexame
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0:34 - 0:36em seu rosto fica evidente.
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0:36 - 0:37É uma sensação assim:
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0:37 - 0:39"Isso é algo que só faço
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0:39 - 0:43se ninguém estiver observando".
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0:43 - 0:45Esse é o ponto chave do trabalho
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0:45 - 0:49a que tenho particularmente me dedicado
nos últimos dezesseis meses, -
0:49 - 0:51a questão: por que
a privacidade é importante, -
0:51 - 0:53uma questão que surgiu
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0:53 - 0:56num contexto de debate global,
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0:56 - 0:59em razão das revelações
feitas por Edward Snowden, -
0:59 - 1:01de que os Estados Unidos e seus parceiros,
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1:01 - 1:03sem o conhecimento
de todo o restante do mundo, -
1:03 - 1:05transformaram a internet,
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1:05 - 1:08antes conhecida como uma ferramenta ímpar
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1:08 - 1:11de liberdade e democracia,
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1:11 - 1:17em uma zona de vigilância indiscriminada
e em massa sem precedentes. -
1:17 - 1:20O sentimento que surge
desse debate é muito comum, -
1:20 - 1:24até entre pessoas que sentem-se
incomodadas com a vigilância em massa: -
1:24 - 1:27o de que essa invasão em escala
-
1:27 - 1:30na verdade não é prejudicial,
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1:30 - 1:33porque apenas pessoas envolvidas
em atividades delituosas -
1:33 - 1:35têm razão para querer se enconder
-
1:35 - 1:37e se preocupar com sua privacidade.
-
1:37 - 1:40Essa mentalidade
está implicitamente enraizada -
1:40 - 1:42na premissa de que há
dois tipos de pessoas no mundo: -
1:42 - 1:44pessoas boas e pessoas más.
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1:44 - 1:47Pessoas más seriam aquelas
que tramam ataques terroristas -
1:47 - 1:49ou que se envolvem em crimes violentos
-
1:49 - 1:52e que, portanto, teriam razões
para querer esconder o que fazem, -
1:52 - 1:54para se importar com sua privacidade.
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1:54 - 1:58Por outro lado, pessoas boas
seriam aquelas que vão para o trabalho, -
1:58 - 2:01voltam para casa,
cuidam de seus filhos, assistem à TV. -
2:01 - 2:04Elas não usam a internet
para tramar ataques a bomba, -
2:04 - 2:07mas para ler as notícias, trocar receitas,
-
2:07 - 2:09ou planejar as atividades
esportivas de seus filhos, -
2:09 - 2:12e essas pessoas não estão
fazendo nada de errado. -
2:12 - 2:14Por isso, não teriam nada a esconder
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2:14 - 2:16nem razão alguma para temer
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2:16 - 2:18o fato de o governo as monitorar.
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2:18 - 2:20Na verdade, as pessoas que dizem isso
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2:20 - 2:24estão tendo uma atitude extrema
de autodepreciação. -
2:24 - 2:26Na verdade, o que estão dizendo é:
-
2:26 - 2:29"Concordei em me tornar
-
2:29 - 2:33uma pessoa tão inofensiva,
inocente e sem graça -
2:33 - 2:38que, na verdade, não tenho medo
de que o governo saiba o que faço". -
2:38 - 2:42Esse tipo de pensamento teve o que
julgo ser a sua mais pura expressão -
2:42 - 2:47numa entrevista feita com Eric Smith,
CEO da Google, de longa data, -
2:47 - 2:49que, ao ser questionado
sobre como sua empresa -
2:49 - 2:52está possibilitando invasões à privacidade
-
2:52 - 2:54de milhões de pessoas em todo o mundo,
-
2:54 - 2:56disse o seguinte:
-
2:56 - 3:00"Se estiver fazendo algo que não quer
que os outros saibam, -
3:00 - 3:04talvez nem devesse fazer".
-
3:04 - 3:08Bem, há várias coisas a se dizer
sobre essa mentalidade. -
3:08 - 3:11A primeira é que as pessoas
que dizem isso, -
3:11 - 3:14que dizem que privacidade
não é importante, -
3:14 - 3:16na verdade não acreditam nisso.
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3:16 - 3:18Sabemos que elas não acreditam nisso
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3:18 - 3:21porque, embora digam
que privacidade não é importante, -
3:21 - 3:24elas tomam diversas precauções
-
3:24 - 3:27visando a proteger sua privacidade.
-
3:27 - 3:31Usam senhas em suas contas
de e-mail e de redes sociais, -
3:31 - 3:34usam fechaduras nas portas
de seus quartos e banheiros, -
3:34 - 3:37tudo para evitar que outras pessoas
-
3:37 - 3:39entrem naquilo que consideram seu espaço
-
3:39 - 3:43e vejam aquilo que elas não querem
que os outros vejam. -
3:43 - 3:46O mesmo Eric Schmidt, CEO da Google,
-
3:46 - 3:49mandou que seus subordinados na empresa
-
3:49 - 3:53deixassem de se comunicar
com a revista online CNET, -
3:53 - 3:55depois que ela publicou um artigo
-
3:55 - 4:00cheio de informações pessoais
e particulares de Eric Schmidt, -
4:00 - 4:03que ela obteve exclusivamente
em buscas no Google -
4:03 - 4:06e utilizando outros produtos
da Google. (Risos) -
4:06 - 4:11Essa mesma contradição ocorreu
com Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, -
4:11 - 4:14que, numa entrevista infame, em 2010,
-
4:14 - 4:19anunciou que a privacidade não é mais
uma "norma social". -
4:19 - 4:22No ano passado, Mark Zuckerberg
e sua nova esposa -
4:22 - 4:24compraram não só sua própria casa,
-
4:24 - 4:28mas também todas as quatro
casas próximas, em Palo Alto, -
4:28 - 4:30por um total de 30 milhões de dólares,
-
4:30 - 4:33para garantir que tivessem
uma zona de privacidade, -
4:33 - 4:39evitando que outras pessoas
monitorassem sua rotina privada. -
4:39 - 4:42Nos últimos 16 meses, discutindo
essa questão em todo o mundo, -
4:42 - 4:44todas as vezes que alguém me disse:
-
4:44 - 4:47"Não ligo se invadirem minha privacidade,
pois não tenho nada a esconder", -
4:47 - 4:49sempre faço o seguinte:
-
4:49 - 4:53pego minha caneta, anoto meu e-mail
e digo: "Aqui está meu e-mail. -
4:53 - 4:55Quando você chegar em casa,
-
4:55 - 4:58envie as senhas de todas
as suas contas de e-mail para mim, -
4:58 - 5:01não só a daquela conta legal,
respeitável e de trabalho, -
5:01 - 5:02mas de todas,
-
5:02 - 5:06porque quero poder fuxicar
o que você anda fazendo online, -
5:06 - 5:09ler o que quiser ler e publicar
tudo que for interessante. -
5:09 - 5:12Afinal, já que você não é uma pessoa má
e não faz nada de errado, -
5:12 - 5:15não terá nada a temer".
-
5:15 - 5:19Nenhuma dessas pessoas
aceitou minha proposta. -
5:19 - 5:23Eu verifico... (Aplausos)
-
5:23 - 5:26Eu verifico religiosamente
essa conta de e-mail, a toda hora. -
5:26 - 5:29Está sempre vazia.
-
5:29 - 5:32E a razão é a seguinte:
-
5:32 - 5:35nós, seres humanos,
mesmo aqueles que, verbalmente, -
5:35 - 5:37negam a importância
de sua própria privacidade, -
5:37 - 5:42compreendemos instintivamente
a profunda importância dela. -
5:42 - 5:45É verdade que, enquanto humanos,
somos seres sociais, -
5:45 - 5:47temos a necessidade de que os outros
-
5:47 - 5:50saibam o que fazemos, dizemos e pensamos,
-
5:50 - 5:54razão pela qual voluntariamente publicamos
nossas informações pessoais na internet. -
5:54 - 5:57Porém, igualmente essencial
para o que significa -
5:57 - 5:59ser uma pessoa livre e realizada
-
5:59 - 6:01é ter um lugar aonde possamos ir
-
6:01 - 6:05e estar livres dos olhares
de julgamento dos outros. -
6:05 - 6:07A razão pela qual buscamos isso
-
6:07 - 6:10é o fato de que todos nós --
-
6:10 - 6:14não apenas terroristas e criminosos,
mas todos nós -- -
6:14 - 6:16temos algo a esconder.
-
6:16 - 6:18Há diversas coisas que fazemos e pensamos,
-
6:18 - 6:23que contaríamos ao nosso médico,
ao nosso advogado, -
6:23 - 6:26ao nosso psicólogo, ao nosso cônjuge,
ao nosso melhor amigo, -
6:26 - 6:29mas que teríamos pavor
de que todo mundo soubesse. -
6:29 - 6:34Todos os dias, ponderamos as coisas
que dizemos, pensamos e fazemos, -
6:34 - 6:35que contaríamos a outras pessoas,
-
6:35 - 6:38e coisas que dizemos, pensamos e fazemos
-
6:38 - 6:40que queremos que ninguém mais saiba.
-
6:40 - 6:43É muito fácil as pessoas dizerem
-
6:43 - 6:45que não ligam para sua privacidade,
-
6:45 - 6:50mas suas atitudes negam
a veracidade dessa afirmação. -
6:50 - 6:54Bem, há uma razão
de a privacidade ser tão desejada -
6:54 - 6:56instintiva e universalmente.
-
6:56 - 6:58Não é apenas uma necessidade básica,
-
6:58 - 7:00como respirar ou beber água.
-
7:00 - 7:03É porque, quando estamos em uma situação
-
7:03 - 7:05em que podemos
ser monitorados, observados, -
7:05 - 7:08nosso comportamento muda radicalmente.
-
7:08 - 7:11As possibilidades de comportamento
que poderíamos ter -
7:11 - 7:15se reduzem drasticamente ao acharmos
que estamos sendo observados. -
7:15 - 7:17Essa é uma característica
da natureza humana, -
7:17 - 7:22que foi identificada na sociologia,
na literatura, na religião -
7:22 - 7:24e em praticamente todas
as áreas de conhecimento. -
7:24 - 7:28Há dezenas de estudos
de psicologia que provam -
7:28 - 7:31que, quando uma pessoa sabe
que pode estar sendo observada, -
7:31 - 7:36demonstra um comportamento
muito mais conformista e submisso. -
7:36 - 7:39A vergonha humana é um fator
motivador muito poderoso, -
7:39 - 7:42bem como o desejo de evitá-la.
-
7:42 - 7:45É por isso que as pessoas,
quando estão sendo observadas, -
7:45 - 7:49tomam decisões que não são produto
de sua própria vontade, -
7:49 - 7:53mas que têm a ver com o que
os outros esperam delas, -
7:53 - 7:57ou com aquilo
que a tradição social determina. -
7:57 - 8:01Essa percepção foi usada
mais poderosamente, com fins pragmáticos, -
8:01 - 8:04por Jeremy Bentham, filósofo do século 18,
-
8:04 - 8:08que buscou resolver um problema importante
trazido pela era industrial. -
8:08 - 8:13Pela primeira vez, as instituições haviam
se tornado tão grandes e centralizadas -
8:13 - 8:16que não conseguiam mais monitorar
e, portanto, controlar -
8:16 - 8:17cada um de seus membros individualmente.
-
8:17 - 8:21A solução que ele criou
foi um design estrutural, -
8:21 - 8:24originalmente criado
para ser usado em prisões, -
8:24 - 8:26e que ele chamou de "panóptico".
-
8:26 - 8:30Sua principal característica
era uma enorme torre, -
8:30 - 8:32construída no centro da instituição,
-
8:32 - 8:35de onde quem controlasse a instituição
pudesse, a qualquer momento, -
8:35 - 8:37observar qualquer interno,
-
8:37 - 8:40embora não pudesse observar
todos o tempo todo. -
8:40 - 8:42A essência desse design
-
8:42 - 8:44era que os internos, na verdade,
não podiam ver -
8:44 - 8:47o interior do panóptico,
o interior da torre. -
8:47 - 8:51Assim, eles nunca sabiam se estavam
sendo observados, nem quando. -
8:51 - 8:54O que deixou Bentham tão empolgado
com essa descoberta -
8:54 - 8:58é que ela significava que os prisioneiros
teriam de presumir -
8:58 - 9:01que estavam sendo observados
a todo instante, -
9:01 - 9:06o que seria a tentativa máxima de impor
obediência e submissão. -
9:06 - 9:09Michel Foucault, filósofo do século 20,
-
9:09 - 9:12percebeu que esse modelo poderia ser usado
não somente em prisões, -
9:12 - 9:16mas em qualquer instituição que quisesse
controlar o comportamento humano: -
9:16 - 9:19escolas, hospitais, fábricas,
ambientes de trabalho. -
9:19 - 9:24Ele disse que essa mentalidade,
essa estrutura criada por Bentham, -
9:24 - 9:29era o principal meio de controle social
para as sociedades modernas ocidentais, -
9:29 - 9:33que não precisam mais
das armas ostensivas da tirania -- -
9:33 - 9:35punições, prisões ou morte de dissidentes,
-
9:35 - 9:38ou forçar legalmente a lealdade
a um determinado grupo -- -
9:38 - 9:43porque a vigilância em massa cria
uma prisão mental, -
9:43 - 9:47que é uma forma muito mais sutil,
porém muito mais eficaz, -
9:47 - 9:52de promover submissão a normas sociais
ou à tradição social, -
9:52 - 9:56muito mais eficaz que a força bruta.
-
9:56 - 10:00A obra literária mais icônica
sobre vigilância e privacidade -
10:00 - 10:03é o romance "1984", de George Orwell,
-
10:03 - 10:06que todos lemos na escola e que,
por isso, já é quase um clichê. -
10:06 - 10:08Sempre que ele vem à tona
num debate sobre vigilância, -
10:08 - 10:13as pessoas instantaneamente falam
que não tem nada a ver, dizendo: -
10:13 - 10:16"Ah, em "1984", havia monitores
nas casas das pessoas. -
10:16 - 10:18Elas eram observadas a todo instante,
-
10:18 - 10:22e isso não tem nada a ver com o estado
de vigilância em que vivemos". -
10:22 - 10:25Essa é uma interpretação
fundamentalmente equivocada -
10:25 - 10:28das advertências que Orwell
deixou em "1984". -
10:28 - 10:31As advertências que ele deu eram
a respeito de um estado de vigilância -
10:31 - 10:33que não monitorava todos a todo instante,
-
10:33 - 10:35mas um em que as pessoas sabiam
-
10:35 - 10:37que poderiam ser monitoradas
a qualquer momento. -
10:37 - 10:40Foi assim que Winston Smith,
o narrador de Orwell, -
10:40 - 10:44descreveu o sistema de vigilância
em que eles estavam: -
10:44 - 10:46"É claro que não havia como saber
-
10:46 - 10:48quando você estava sendo vigiado".
-
10:48 - 10:49Ele continua:
-
10:49 - 10:53"Em todo caso, eles podiam grampear
sua casa sempre que quisessem. -
10:53 - 10:56Você tinha de viver, vivia,
-
10:56 - 10:58num cotidiano alienante,
-
10:58 - 11:00supondo que qualquer som que fizesse
-
11:00 - 11:03era alto demais e que,
exceto na escuridão, -
11:03 - 11:06cada movimento era observado".
-
11:06 - 11:09As religiões abraâmicas
igualmente postulam -
11:09 - 11:12que existe uma autoridade
invisível, que tudo sabe, -
11:12 - 11:15e que, por causa de sua onisciência,
sempre observa tudo o que você faz, -
11:15 - 11:18o que significa que você nunca
tem um momento de privacidade: -
11:18 - 11:23a tentativa máxima de imposição
à obediência a suas ordens: -
11:23 - 11:27O que todas essas obras
aparentemente diferentes reconhecem, -
11:27 - 11:29a conclusão a que todas chegam,
-
11:29 - 11:31é a de que uma sociedade em que as pessoas
-
11:31 - 11:34podem ser monitoradas o tempo todo
-
11:34 - 11:38é uma sociedade que alimenta
a passividade, a obediência e a submissão, -
11:38 - 11:42razão pela qual todo tirano,
do mais declarado ao mais sutil, -
11:42 - 11:44deseja esse sistema.
-
11:44 - 11:47Em contrapartida, e principalmente,
-
11:47 - 11:49é um estado de privacidade
-
11:49 - 11:52podermos ir a qualquer lugar
onde possamos pensar, -
11:52 - 11:56debater, interagir e falar
-
11:56 - 11:59sem o olhar inquisitivo
de outras pessoas sobre nós, -
11:59 - 12:06onde só a criatividade, a pesquisa
e a divergência de opiniões existam, -
12:06 - 12:07e é por essa razão
-
12:07 - 12:10que, quando permitimos
a existência de uma sociedade -
12:10 - 12:12em que estejamos sujeitos
a monitoramento constante, -
12:12 - 12:15permitimos que a essência
da liberdade humana -
12:15 - 12:19seja gravemente danificada.
-
12:19 - 12:21Minha última observação
sobre essa mentalidade, -
12:21 - 12:24a ideia de que só pessoas
que fazem algo de errado -
12:24 - 12:27têm coisas a esconder e, portanto,
motivos para quererem privacidade, -
12:27 - 12:31reforça duas mensagens
bastante destrutivas, -
12:31 - 12:33duas lições destrutivas.
-
12:33 - 12:37A primeira é que as únicas pessoas
que se preocupam com a privacidade, -
12:37 - 12:39as únicas pessoas que buscam privacidade,
-
12:39 - 12:43são necessariamente pessoas más.
-
12:43 - 12:48Esta é uma conclusão que deveríamos
evitar por diversas razões. -
12:48 - 12:51A mais importante dessas razões
é que, quando você diz -
12:51 - 12:53"alguém que faz coisas erradas",
-
12:53 - 12:56provavelmente se refere a coisas
como tramar um ataque terrorista, -
12:56 - 12:58ou envolvimento com crimes violentos,
-
12:58 - 13:00uma concepção bem mais limitada
-
13:00 - 13:03do que aquela a que pessoas
que detêm o poder se referem -
13:03 - 13:05ao dizerem "fazer coisas erradas".
-
13:05 - 13:07Para elas, "fazer coisas erradas"
geralmente significa -
13:07 - 13:10"fazer algo que representa
obstáculos significativos -
13:10 - 13:13ao exercício do nosso próprio poder".
-
13:13 - 13:17A outra lição realmente destrutiva
e, acredito, ainda mais pérfida, -
13:17 - 13:20advinda da aceitação dessa mentalidade,
-
13:20 - 13:23é que há uma barganha implícita
-
13:23 - 13:26que as pessoas que têm
essa mentalidade aceitaram. -
13:26 - 13:27A barganha é a seguinte:
-
13:27 - 13:29se você está disposto a se tornar
-
13:29 - 13:32suficientemente inofensivo,
-
13:32 - 13:34suficientemente não perigoso
-
13:34 - 13:36para quem detêm o poder político,
-
13:36 - 13:39então, e somente então,
você pode estar livre -
13:39 - 13:41dos perigos da vigilância.
-
13:41 - 13:45Somente os dissidentes,
aqueles que desafiam o poder, -
13:45 - 13:47têm que se preocupar.
-
13:47 - 13:50Também há diversas razões
pelas quais deveríamos evitar essa lição. -
13:50 - 13:52Talvez você seja uma pessoa que, agora,
-
13:52 - 13:54não queira ter esse tipo de comportamento,
-
13:54 - 13:57mas talvez, em algum momento
no futuro, você queira. -
13:57 - 14:00Mesmo que você decida
que nunca vai querer, -
14:00 - 14:04o fato de haver outras pessoas
capazes e dispostas a resistir -
14:04 - 14:06e divergir dos que estão no poder --
-
14:06 - 14:10dissidentes, jornalistas,
ativistas e diversas outras -- -
14:10 - 14:12é algo que nos traz todo tipo
de bem coletivo -
14:12 - 14:15e que deveríamos querer preservar.
-
14:15 - 14:16É igualmente fundamental
-
14:16 - 14:20o fato de que o nível
de liberdade de um sociedade -
14:20 - 14:24não está em como ela trata seus cidadãos
bons, obedientes e submissos, -
14:24 - 14:26mas em como ela trata seus dissidentes
-
14:26 - 14:29e aqueles que resistem ao ortodoxo.
-
14:29 - 14:31Mas a razão mais importante
-
14:31 - 14:33é que um sistema de vigilância em massa
-
14:33 - 14:36inibe nossa própria liberdade
de diversas formas. -
14:36 - 14:40Ele torna proibidos diversos
tipos de comportamento, -
14:40 - 14:43sem que sequer saibamos
que isso aconteceu. -
14:43 - 14:46Rosa Luxemburg, renomada ativista social,
-
14:46 - 14:48disse uma vez: "Quem não se move
-
14:48 - 14:51não se dá conta de que tem correntes".
-
14:51 - 14:54Podemos tentar tornar as correntes
da vigilância em massa -
14:54 - 14:56invisíveis ou indetectáveis,
-
14:56 - 14:59mas as restrições que ela nos impõe
-
14:59 - 15:01não deixam de ser poderosas.
-
15:01 - 15:03Muito obrigado.
-
15:03 - 15:04(Aplausos)
-
15:04 - 15:05Obrigado.
-
15:05 - 15:11(Aplausos)
-
15:11 - 15:13Obrigado.
-
15:13 - 15:18(Aplausos)
-
15:19 - 15:21Bruno Giussani: Glenn, obrigado.
-
15:21 - 15:24Foi bastante convincente, tendo de dizer,
-
15:24 - 15:29mas quero voltar aos últimos
16 meses e a Edward Snowden, -
15:29 - 15:31e fazer algumas perguntas,
se não se importar. -
15:31 - 15:33A primeira é pessoal.
-
15:33 - 15:36Todos lemos sobre a prisão
de seu companheiro, -
15:36 - 15:40David Miranda, em Londres,
e sobre outros problemas, -
15:40 - 15:45mas presumo que, em termos
de envolvimento pessoal e risco, -
15:45 - 15:48a pressão sobre você
não seja tão fácil de aguentar, -
15:48 - 15:50vinda das organizações
mais soberanas do mundo. -
15:50 - 15:52Fale um pouquinho sobre isso.
-
15:52 - 15:54GG: Acho que uma das coisas que acontecem
-
15:54 - 15:58é que a coragem das pessoas
a esse respeito torna-se contagiosa. -
15:58 - 16:00Embora eu e os outros jornalistas
-
16:00 - 16:03com que trabalhei
estivéssemos cientes do risco -- -
16:03 - 16:05os Estados Unidos ainda
são o país mais poderoso do mundo -
16:05 - 16:09e não gostam quando você
divulga milhares de seus segredos -
16:09 - 16:12na internet, à vontade --
-
16:12 - 16:16ver uma pessoa comum, de 29 anos,
-
16:16 - 16:20que cresceu num ambiente bem comum,
-
16:20 - 16:23arriscar-se com tamanha coragem baseada
em princípios, como Edward Snowden, -
16:23 - 16:27sabendo que ficaria preso por toda sua
vida ou que sua vida seria investigada, -
16:27 - 16:29inspirou-me, inspirou outros jornalistas,
-
16:29 - 16:32e pessoas em todo o mundo, eu acho,
inclusive futuros delatores, -
16:32 - 16:36fazendo-os perceber
que podem agir da mesma forma. -
16:36 - 16:39BG: Tenho curiosidade
sobre sua relação com Ed Snowden, -
16:39 - 16:44porque você falou bastante com ele,
e certamente continua falando, -
16:44 - 16:47mas, em seu livro, você nunca
o chama de Edward, nem de Ed. -
16:47 - 16:50Você diz "Snowden". Por quê?
-
16:50 - 16:53GG: Tenho certeza de que é um caso
-
16:53 - 16:55a ser avaliado por uma equipe
de psicólogos. (Risos) -
16:55 - 16:57Não sei por quê.
-
16:57 - 17:02Acho que um dos objetivos
importantes que ele teve, -
17:02 - 17:05uma de suas táticas, creio,
mais importantes, -
17:05 - 17:08é que ele sabia que uma das formas
de tirar a atenção -
17:08 - 17:09da essência das revelações
-
17:09 - 17:12seria tentar pôr o foco nele
-
17:12 - 17:14e, por essa razão,
ele ficou fora da mídia. -
17:14 - 17:16Ele tentou evitar que sua vida pessoal
-
17:16 - 17:18fosse alvo de especulações.
-
17:18 - 17:21Então, acho que chamá-lo de Snowden
-
17:21 - 17:24é só uma forma de identificá-lo
como um personagem histórico importante, -
17:24 - 17:29em vez de tentar caracterizá-lo
de forma a tirar a atenção do essencial. -
17:29 - 17:32BG: As revelações dele, a sua análise,
o trabalho de outros jornalistas, -
17:32 - 17:35realmente desenvolveram o debate,
-
17:35 - 17:37e muitos governos, por exemplo, reagiram,
-
17:37 - 17:40inclusive o Brasil,
com projetos e programas -
17:40 - 17:43que remodelam um pouquinho
a estrutura da internet, etc. -
17:43 - 17:46Há muitas coisas
acontecendo nesse sentido. -
17:46 - 17:48Mas me pergunto: para você,
especificamente, -
17:48 - 17:49qual é o objetivo final?
-
17:49 - 17:51Em que ponto você vai pensar:
-
17:51 - 17:54"Bem, na verdade,
conseguimos o que esperávamos"? -
17:54 - 17:58GG: Bem, meu objetivo
como jornalista é bem simples. -
17:58 - 18:01É garantir que cada documento
que tenha valor de notícia -
18:01 - 18:03e que deva ser tornado público
-
18:03 - 18:04seja tornado público e que segredos
-
18:04 - 18:06que jamais deveriam ter sido segredos
-
18:06 - 18:08sejam descobertos.
-
18:08 - 18:11Para mim, é a essência do jornalismo.
É o que estou comprometido a fazer. -
18:11 - 18:14Eu acho a vigilância em massa odiosa,
-
18:14 - 18:16por todas as razões
que mencionei e tantas outras. -
18:16 - 18:18Vejo isso como algo
que jamais vai terminar -
18:18 - 18:21até que os governos em todo o mundo
-
18:21 - 18:25não possam mais sujeitar populações
inteiras ao monitoramento e à vigilância, -
18:25 - 18:27a não ser que convençam
um tribunal ou outra entidade -
18:27 - 18:31de que determinada pessoa
fez, de fato, algo de errado. -
18:31 - 18:35Para mim, essa é a maneira
de revitalizar a privacidade. -
18:35 - 18:38BG: Bem, como vimos no TED,
Snowden é bem articulado -
18:38 - 18:42ao se apresentar e falar de si,
como defensor de valores democráticos -
18:42 - 18:44e princípios democráticos.
-
18:44 - 18:47Mas muitas pessoas acham
muito difícil acreditar -
18:47 - 18:50que essas sejam suas únicas motivações,
-
18:50 - 18:52que não houve dinheiro
envolvido nisso tudo, -
18:52 - 18:54que ele não vendeu alguns desses segredos
-
18:54 - 18:56até mesmo para a China e para a Rússia,
-
18:56 - 18:59que evidentemente
não são as melhores amigas -
18:59 - 19:01dos Estados Unidos neste momento.
-
19:01 - 19:05E tenho certeza de que muitos aqui
se perguntam a mesma coisa. -
19:05 - 19:07Você acha possível que exista
-
19:07 - 19:09esse lado de Snowden que ainda não vimos?
-
19:09 - 19:13GG: Não. Acho isso
um absurdo e uma idiotice. -
19:13 - 19:15(Risos) Se você quisesse...
-
19:15 - 19:17Sei que está fazendo
o "advogado do diabo"... -
19:17 - 19:22Mas se quisesse vender
segredos a outro país, -
19:22 - 19:26o que ele poderia ter feito
e ficado extremamente rico por isso, -
19:26 - 19:28a última coisa que faria
seria pegar esses segredos -
19:28 - 19:31e cedê-los a jornalistas,
pedindo-lhes que os publicasse, -
19:31 - 19:33porque isso os torna sem valor.
-
19:33 - 19:34Pessoas que querem enriquecer
-
19:34 - 19:36fazem isso secretamente,
vendendo-os ao governo, -
19:36 - 19:40mas acho importante dizer
que essa acusação vem -
19:40 - 19:43de pessoas do governo americano,
de pessoas da mídia, -
19:43 - 19:46que são leais a esses diversos governos,
-
19:46 - 19:49e acho que, geralmente,
quando acusam alguém dessa maneira: -
19:49 - 19:52"Ah, é claro que ele
não faz isso por princípios. -
19:52 - 19:54Ele deve ter alguma razão
corrupta e abominável", -
19:54 - 19:56essas pessoas dizem muito sobre si mesmas
-
19:56 - 19:59e tornam-se alvo de sua
própria acusação, porque... -
19:59 - 20:02(Aplausos)
-
20:02 - 20:05...essas pessoas que fazem essa acusação,
-
20:05 - 20:07elas mesmas nunca agem
-
20:07 - 20:09por nenhuma outra razão
que não seja corrupta. -
20:09 - 20:12Por isso, pressupõem
que todo mundo está infectado -
20:12 - 20:16pela mesma doença da crueldade, como elas.
-
20:16 - 20:17É isso o que acontece.
-
20:17 - 20:19(Aplausos)
-
20:19 - 20:21BG: Glenn, muito orbigado.
GG: Muito obrigado. -
20:21 - 20:23BG: Glenn Greenwald.
-
20:23 - 20:24(Aplausos)
- Title:
- Por que a privacidade é importante
- Speaker:
- Glenn Greenwald
- Description:
-
Glenn Greenwald foi um dos primeiros repórteres a ver e escrever a respeito dos arquivos de Edward Snowden, com suas revelações sobre a ampla vigilância dos Estados Unidos sobre cidadãos comuns. Nesta palestra extremamente intensa, Greenwald defende as razões pelas quais você precisa se importar com a privacidade, mesmo que não esteja "fazendo nada que precise esconder dos outros".
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 20:37
Leonardo Silva edited Portuguese, Brazilian subtitles for Why privacy matters | ||
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