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O que aprendi com meus fracassos | Felipe Pena | TEDxUnisinos

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    Vocês sabem por que eu fico
    parado aqui, olhando pra vocês?
  • 0:19 - 0:21
    Carência.
  • 0:22 - 0:23
    É verdade.
  • 0:23 - 0:26
    Todo escritor é carente,
    porque o escritor é solitário.
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    Ele fica ali, em frente
    à página em branco,
  • 0:28 - 0:31
    olhando pra ver se consegue
    tirar uma frase.
  • 0:31 - 0:33
    No fundo, ele tem uma carência.
  • 0:33 - 0:35
    Ele chega aqui
    num auditório desse, lotado,
  • 0:35 - 0:37
    e vê uma porção de gente aplaudindo...
  • 0:37 - 0:41
    ele quer ficar aqui parado e esperar
    que as pessoas continuem aplaudindo.
  • 0:41 - 0:44
    Porque ninguém aplaude um livro.
    Você já viu isso acontecer?
  • 0:44 - 0:46
    Você pega um livro,
    você gosta, adorou o livro.
  • 0:46 - 0:50
    Aí, coloca o livro em cima da mesa
    e começa a aplaudir o livro.
  • 0:50 - 0:52
    Ninguém faz isso.
  • 0:52 - 0:56
    Quando eu estava no ensino médio,
    eu tinha um amigo; João, o nome dele.
  • 0:56 - 0:59
    Aí, teve aquele negócio
    de teste vocacional,
  • 0:59 - 1:02
    e aí, a psicóloga perguntou pra ele:
    "O que você quer ser, João?"
  • 1:02 - 1:04
    Ele falou: "Qual é a profissão
    que tem mais aplauso?"
  • 1:04 - 1:08
    Ela falou: "Palhaço."
    Ele falou: "Eu quero ser isso."
  • 1:08 - 1:10
    E ele é um ótimo palhaço hoje em dia;
  • 1:10 - 1:14
    consegue ter o seu índice de sucesso.
  • 1:14 - 1:17
    Mas eu não sei se avisaram a vocês:
    o nosso assunto é o contrário.
  • 1:17 - 1:20
    O nosso assunto é "fracasso".
  • 1:20 - 1:22
    Você sabe a diferença
    entre fracasso e derrota?
  • 1:22 - 1:25
    Não vamos confundir, tá?
  • 1:25 - 1:29
    Derrota é quando você sai
    na "night", pra uma balada,
  • 1:29 - 1:32
    e aquela menina não te dá nenhum mole.
    É uma tremenda derrota.
  • 1:32 - 1:34
    Você volta pra casa frustrado.
    O fracasso é muito pior.
  • 1:34 - 1:36
    O fracasso depende de um projeto,
  • 1:36 - 1:39
    você gasta tempo com ele
    e, depois de gastar um tempo,
  • 1:39 - 1:42
    você tenta executar e não consegue.
  • 1:42 - 1:45
    O fracasso é muito solitário.
  • 1:45 - 1:47
    O fracasso te leva a uma tela negra
  • 1:47 - 1:50
    quando você pensa
    que vai aparecer alguma coisa.
  • 1:51 - 1:52
    "O fracasso não tem amigos."
  • 1:52 - 1:57
    Essa frase é do ex-presidente JFK.
  • 1:57 - 1:59
    Quando ele se referia
    a "o fracasso não tem amigos",
  • 1:59 - 2:02
    ele queria falar exatamente
    o que acabei de dizer a vocês:
  • 2:02 - 2:05
    que o fracasso está recheado de solidão,
  • 2:05 - 2:07
    diferentemente do sucesso.
  • 2:07 - 2:09
    Vamos prestar atenção nisso.
  • 2:09 - 2:12
    Quando um projeto nosso tem sucesso,
  • 2:12 - 2:16
    o sucesso é de todos
    que participaram daquele projeto,
  • 2:16 - 2:19
    mas, quando tem fracasso,
    o fracasso é só seu.
  • 2:19 - 2:24
    O fracasso não tem amigos.
    O fracasso também é solitário.
  • 2:24 - 2:26
    O sucesso a gente deve dividir com todos.
  • 2:26 - 2:30
    O fracasso a gente deve assumir,
    porque o fracasso é só nosso.
  • 2:30 - 2:33
    Eu tive muitos durante a vida.
    Continuo tendo, diariamente.
  • 2:33 - 2:36
    Em quase todos os projetos
    da minha vida, eu fracassei,
  • 2:36 - 2:40
    mas eu sigo fracassando, de fracasso
    em fracasso, com muito entusiasmo.
  • 2:40 - 2:42
    Eu fracasso com vontade.
    Eu fracasso com força.
  • 2:42 - 2:46
    Eu volto ali pra fracassar de novo.
    Eu sou um teimoso danado.
  • 2:47 - 2:49
    E volto pra uma tela preta.
  • 2:50 - 2:53
    Esse cara muda um pouco
    o nosso conceito de fracasso,
  • 2:53 - 2:55
    vocês não acham não?
  • 2:55 - 2:57
    Porque seria muito fácil
    eu dizer pra vocês aqui: "Olha,
  • 2:57 - 2:59
    o que eu aprendi com o fracasso?"
  • 2:59 - 3:01
    Aliás, é a pergunta dessa palestra:
  • 3:01 - 3:03
    o que vocês aprenderam com o fracasso?
  • 3:03 - 3:06
    É possível aprender
    alguma coisa com o fracasso?
  • 3:06 - 3:08
    Esse senhor... Onde ele está?
  • 3:09 - 3:13
    Aqui atrás? Ali? Eu não vejo.
  • 3:13 - 3:16
    Esse senhor muda
    o nosso conceito de fracasso.
  • 3:16 - 3:20
    Vocês já viram alguém fracassado
    no Facebook? Fala sério, né.
  • 3:20 - 3:23
    Todo mundo tem sucesso no Facebook.
    Eu fico impressionado!
  • 3:23 - 3:26
    Todo mundo parece o rei da Inglaterra.
  • 3:26 - 3:28
    Está todo mundo em festa, não é?
  • 3:28 - 3:30
    Está todo mundo com iate, carro...
  • 3:30 - 3:33
    Tudo bem que tem uns carros
    roubados aí por políticos...
  • 3:33 - 3:35
    Mas está todo mundo
    sempre feliz no Facebook.
  • 3:35 - 3:39
    Na rede social, ninguém tem fracasso.
    Nunca vi ninguém postar foto do dentista.
  • 3:39 - 3:41
    "'Selfie' da minha cárie número quatro."
  • 3:41 - 3:43
    Vocês já viram isso?
  • 3:43 - 3:46
    Ninguém posta selfie
    do dentista no Facebook.
  • 3:46 - 3:48
    O aplauso não vem de pé.
  • 3:48 - 3:52
    Não existe aplauso porque todo mundo
    está sendo aplaudido.
  • 3:52 - 3:55
    O Facebook muda essa nossa noção
    e nos dá a falsa ilusão
  • 3:55 - 3:56
    de que todo mundo tem sucesso.
  • 3:56 - 4:00
    Ninguém coloca os seus fracassos.
    Ninguém os divide nas redes sociais.
  • 4:00 - 4:03
    Isso era o que a gente deveria
    começar a fazer.
  • 4:03 - 4:08
    A vida não é o que o nosso querido
    Mark Zuckerberg traçou para nós;
  • 4:08 - 4:11
    infelizmente, porque os fracassos
    são muito mais presentes.
  • 4:11 - 4:15
    É uma questão neurológica, gente.
    "Tristeza não tem fim; felicidade, sim."
  • 4:15 - 4:16
    Vocês já ouviram esses versos.
  • 4:16 - 4:21
    Esses versos definem que os fracassos
    são muito mais importantes
  • 4:21 - 4:23
    pra nossa vida que o sucesso.
  • 4:23 - 4:25
    Se a gente pode aprender com os fracassos?
  • 4:25 - 4:28
    Não sei. O pessoal da autoajuda
    vai dizer que sim.
  • 4:28 - 4:31
    O Paulo Coelho ia ter orgasmos com isso.
  • 4:31 - 4:33
    Ele ia dizer: "Não!
    Tudo conspira para você!
  • 4:33 - 4:35
    Você vai aprender e vai ter sucesso,
  • 4:35 - 4:37
    e, de fracasso em fracasso,
    você terá sucesso."
  • 4:37 - 4:41
    Eu não sei, não sei mesmo,
    e não vou enganar vocês com isso.
  • 4:41 - 4:44
    Vocês estão vendo
    essa figura aí em vermelho?
  • 4:44 - 4:46
    Sou eu.
  • 4:46 - 4:49
    Não parece, mas sou eu, no ensino médio.
  • 4:49 - 4:52
    Sabe o cara que está
    com o champanhe lá, em cima?
  • 4:52 - 4:55
    Meu amigo João, o que virou palhaço.
  • 4:55 - 4:58
    Festinha de final de ano,
    final do ensino médio,
  • 4:58 - 5:00
    e ele está com um champanhe.
  • 5:00 - 5:03
    Eu olho pra essa foto e eu fico pensando:
  • 5:03 - 5:05
    acho que o primeiro caminho
    para o fracasso
  • 5:05 - 5:07
    é você ter muitas expectativas;
  • 5:07 - 5:09
    é você pensar, como pensou
    o meu amigo João -
  • 5:09 - 5:11
    embora ele tenha conseguido -
  • 5:11 - 5:13
    que, no final das contas,
    as pessoas vão te aplaudir,
  • 5:13 - 5:16
    e vão te aplaudir de pé.
    E o João tinha outro sonho.
  • 5:16 - 5:19
    Ele dizia o seguinte:
    "Minha meta não é só ser aplaudido.
  • 5:19 - 5:21
    Eu tenho que ser aplaudido,
    no mínimo, por 30 segundos,
  • 5:21 - 5:25
    porque aplauso por menos de 30 segundos
    não é aplauso, gente; é palminha.
  • 5:25 - 5:28
    Então, eu quero ser um palhaço
    que vai ser aplaudido."
  • 5:28 - 5:30
    E esse é um grande problema.
  • 5:30 - 5:35
    O princípio do fracasso é a ansiedade,
    e o fracasso é repleto de ansiedade.
  • 5:35 - 5:39
    A gente sempre projeta aquilo
    que a gente quer como recompensa,
  • 5:39 - 5:42
    e, se você parte de um projeto
    querendo a recompensa,
  • 5:42 - 5:44
    você começa errado.
  • 5:44 - 5:46
    A única maneira de você acertar
  • 5:46 - 5:50
    é saber que o aplauso verdadeiro,
    aquele aplauso de pé,
  • 5:50 - 5:52
    está presente na caminhada;
  • 5:52 - 5:54
    não é no final.
  • 5:54 - 5:58
    Não existe caminho.
    Existe só a caminhada, meus amigos.
  • 5:58 - 6:01
    Não é o objetivo
    que vocês têm que perseguir.
  • 6:01 - 6:03
    É na caminhada pra esse objetivo
  • 6:03 - 6:06
    que se localiza o aplauso
    do meu amigo João.
  • 6:07 - 6:11
    Aí, vocês estão vendo quase todos
    os livros que eu já publiquei na vida,
  • 6:11 - 6:14
    todos eles um grande fracasso.
  • 6:14 - 6:15
    Eu nunca ganhei um prêmio Jabuti;
  • 6:15 - 6:18
    fui finalista duas vezes,
    mas nunca me deram prêmio.
  • 6:18 - 6:21
    Eu nunca mereci elogios da crítica.
  • 6:21 - 6:23
    Esse livrinho vermelho
    que está aí na ponta
  • 6:23 - 6:27
    é um livro sobre separações.
    São os meus fracassos amorosos.
  • 6:27 - 6:31
    O nome do livro é "Beijo na Testa
    é Pior do que Separação".
  • 6:31 - 6:32
    Mas não é? Você imagina!
  • 6:32 - 6:36
    Teu marido está lá, te deu aquele
    beijinho na testa: "Tchau, amor."...
  • 6:36 - 6:38
    Esquece, que ele tem outra, filha.
  • 6:40 - 6:44
    Ninguém sai de casa
    e dá um beijo na testa, né?
  • 6:45 - 6:49
    Eu escrevi livros sobre jornalismo,
    escrevi três romances,
  • 6:49 - 6:51
    escrevi uma biografia.
  • 6:51 - 6:53
    Nenhum deles teve sucesso.
  • 6:53 - 6:55
    Provavelmente, vocês nem sabiam
    que eu era escritor.
  • 6:55 - 7:00
    Não deve ter nenhuma pessoa aqui nesse
    auditório que tenha lido um livro meu.
  • 7:00 - 7:01
    Aliás, quem lê no Brasil?
  • 7:01 - 7:03
    Ser escritor é um trabalho solitário,
  • 7:03 - 7:07
    o que nos volta ao nosso
    querido [John] Kennedy:
  • 7:07 - 7:10
    "O fracasso não tem amigos."
    A gente vive na solidão.
  • 7:10 - 7:15
    Se bem que eu acho que ele, Kennedy,
    teve muitos amigos, não teve?
  • 7:15 - 7:19
    Tudo bem, mas... Tudo bem não.
    Tudo mal. Uma morte trágica.
  • 7:19 - 7:23
    Mas uma morte trágica
    de um homem que serviu o seu país.
  • 7:23 - 7:26
    Mas sabe do que
    eu me lembro mais do Kennedy?
  • 7:26 - 7:29
    Eu não; o meu amigo João, o palhaço.
    Sabe o que o João me dizia?
  • 7:29 - 7:31
    "Olha, Felipe,
  • 7:31 - 7:36
    o que mais me faz lembrar
    [John] Kennedy é Marilyn Monroe."
  • 7:37 - 7:41
    Vocês se lembram daquela cena:
    "Happy birthday, Mr. President."
  • 7:41 - 7:42
    Vocês se lembram dessa cena?
  • 7:42 - 7:46
    É uma cena em que ela canta
    "Parabéns pra você" para o presidente.
  • 7:46 - 7:48
    E aí, sabe por que
    o João gostava dessa cena?
  • 7:48 - 7:50
    Ele dizia: "Pensa bem, Felipe!
  • 7:50 - 7:54
    Parabéns pra você!
    As pessoas já estão aplaudindo!
  • 7:54 - 7:57
    E não precisam nem levantar,
    porque já está todo mundo de pé!
  • 7:57 - 7:58
    É isso que eu quero ser na vida.
  • 7:58 - 8:02
    Eu quero ser palhaço pra Marilyn Monroe
    cantar 'Happy Birthday' pra mim."
  • 8:02 - 8:04
    De novo, o mesmo erro.
  • 8:04 - 8:07
    A gente quer a recompensa
    antes da caminhada,
  • 8:07 - 8:10
    e é na caminhada que está a recompensa.
  • 8:10 - 8:14
    Isso aí que vocês estão vendo
    é uma foto deste que vos fala,
  • 8:14 - 8:17
    um pouquinho feliz -
    eu acho que vocês podem reparar -
  • 8:17 - 8:21
    com as crianças da favela
    do Alemão, no Rio de Janeiro.
  • 8:21 - 8:26
    Essas crianças estão no lançamento
    de um livro que eu fiz pra eles em 2012,
  • 8:26 - 8:29
    e o lançamento foi na Biblioteca Nacional.
  • 8:29 - 8:32
    Essas crianças nunca
    tinham visto um palácio
  • 8:32 - 8:35
    tão grande quanto a Biblioteca Nacional.
  • 8:35 - 8:38
    Eu fiz um livro cuja renda foi revertida
  • 8:38 - 8:41
    pra uma biblioteca itinerante,
    que seria construída no Morro do Alemão,
  • 8:41 - 8:43
    pra que essas crianças pudessem ler.
  • 8:43 - 8:45
    Só que o livro foi um grande fracasso
  • 8:45 - 8:48
    e a gente não teve dinheiro
    pra construir a biblioteca.
  • 8:49 - 8:51
    Mas essa foto está aí.
  • 8:51 - 8:53
    Então, fica uma lição do fracasso:
  • 8:53 - 8:56
    mesmo nos maiores fracassos,
    você tem momentos de sucesso.
  • 8:56 - 8:58
    Esse é o meu momento de sucesso.
  • 8:58 - 9:01
    Essa foto com essas crianças,
    essa minha alegria,
  • 9:01 - 9:04
    é algo que eu vou levar pra sempre,
    e eu nunca vou esquecer.
  • 9:04 - 9:06
    E, toda vez que vou ao Morro do Alemão,
  • 9:06 - 9:09
    subo o Morro do Alemão
    e leio pra essas crianças,
  • 9:09 - 9:11
    eu tenho esses mesmos sorrisos
    e eles me satisfazem,
  • 9:11 - 9:14
    apesar do meu fracasso
    e do fracasso do nosso projeto,
  • 9:14 - 9:18
    com um livro que não rendeu
    a biblioteca itinerante pra eles.
  • 9:18 - 9:22
    Há momentos de sucesso
    nos maiores fracassos.
  • 9:22 - 9:23
    Isso aí que vocês estão vendo
  • 9:23 - 9:26
    foi um documentário
    que eu lancei no ano passado.
  • 9:26 - 9:28
    Chama-se "Se Essa Vila Não Fosse Minha".
  • 9:28 - 9:30
    É um documentário sobre
    uma comunidade, a Vila Autódromo,
  • 9:30 - 9:33
    que fica ao lado do Parque Olímpico
    do Rio de Janeiro.
  • 9:33 - 9:36
    E todos nós fazemos festas
    por causa da Olimpíada do Rio,
  • 9:36 - 9:38
    mas esquecemos as milhares de pessoas
  • 9:38 - 9:40
    que estão sendo expulsas
    de suas casas na cidade
  • 9:40 - 9:42
    pra que os jogos olímpicos aconteçam.
  • 9:42 - 9:45
    Essa comunidade, que fica
    bem ao lado ali do parque,
  • 9:45 - 9:47
    tinha 583 famílias.
  • 9:47 - 9:49
    Elas foram expulsas
  • 9:49 - 9:51
    para que se fizessem os jogos olímpicos.
  • 9:51 - 9:54
    Será que isso é sucesso?
  • 9:54 - 9:58
    Será que o fracasso de pessoas que estão
    abandonando o lugar onde moram há 40 anos,
  • 9:58 - 10:00
    porque estão sendo expulsas pelo prefeito,
  • 10:00 - 10:03
    vai causar o sucesso dos jogos,
    de milhões de pessoas,
  • 10:03 - 10:06
    bilhões de pessoas
    que vão assistir pelo mundo?
  • 10:06 - 10:08
    Não haveria outra alternativa?
  • 10:08 - 10:11
    Não poderia ter um legado social,
    deixando essas pessoas ali?
  • 10:11 - 10:14
    Eu fiz esse filme, dirigi esse filme,
  • 10:14 - 10:18
    financiei o filme, chamei três amigos
    pra o fazerem comigo -
  • 10:18 - 10:21
    diretor de fotografia, som, edição.
  • 10:21 - 10:26
    A gente foi à China com esse filme,
    esse filme foi a festivais na Europa;
  • 10:26 - 10:28
    em Pequim, venceu o festival;
  • 10:28 - 10:32
    mas não passou em lugar nenhum
    aqui no Brasil. Foi um grande fracasso.
  • 10:32 - 10:34
    Não conseguimos mobilizar
    nenhuma parte da sociedade,
  • 10:34 - 10:37
    e essas pessoas estão
    prestes a ser expulsas.
  • 10:37 - 10:42
    Das 583 famílias, 530 já saíram de lá.
  • 10:42 - 10:46
    O poder público e o prefeito massacram
    a parte pobre da população do Rio,
  • 10:46 - 10:49
    enquanto o país e o mundo
    festejam uma olimpíada.
  • 10:49 - 10:52
    Isso é sucesso ou é fracasso?
  • 10:53 - 10:57
    Essas são as pessoas.
    Eu fracassei com essas pessoas.
  • 10:57 - 10:59
    São os moradores da Vila Autódromo.
  • 10:59 - 11:02
    São os moradores que estão no filme
    "Se Essa Vila Não Fosse Minha".
  • 11:02 - 11:04
    Cada um desses moradores,
    eu olho pra eles,
  • 11:04 - 11:08
    e olho para as famílias deles,
    e me olho no espelho e percebo:
  • 11:08 - 11:10
    "Felipe Pena, você é um fracasso.
  • 11:10 - 11:13
    Você não conseguiu
    ajudar essas pessoas com o filme."
  • 11:13 - 11:15
    Mesmo que ele tenha passado
    no mundo inteiro,
  • 11:15 - 11:18
    essas pessoas continuam sofrendo
    o mesmo problema.
  • 11:18 - 11:22
    Essas pessoas continuam passando
    pela mesma ditadura
  • 11:22 - 11:27
    do poder público do Rio de Janeiro,
    que as expulsa em nome de uma olimpíada.
  • 11:27 - 11:30
    Se você fosse um atleta olímpico,
    acha que isso valeria a pena?
  • 11:30 - 11:33
    Será que vale a pena
    ter uma medalha no peito
  • 11:33 - 11:37
    à custa do sofrimento de pessoas
    como o que vocês estão vendo?
  • 11:37 - 11:38
    Eu me faço sempre essa pergunta.
  • 11:38 - 11:41
    Esse que vocês estão vendo na tela aí
  • 11:42 - 11:46
    foi diretor da quarta
    maior emissora do país.
  • 11:46 - 11:48
    Sou eu, embora não pareça.
  • 11:48 - 11:50
    Claro que eu fracassei
    como diretor da TV Globo.
  • 11:50 - 11:54
    Sabe quanto tempo
    eu fiquei no cargo? Cinco meses.
  • 11:54 - 11:58
    Eu e o ministro da educação. Eu estou
    lembrando agora. "Pátria educadora."
  • 11:59 - 12:03
    O ministro Janine ficou cinco meses.
    Onde é que nós erramos, ministro? Me diga.
  • 12:03 - 12:07
    Eu posso dizer:
    acho que erramos na política,
  • 12:07 - 12:12
    porque, agora que temos uma política
    muito defenestrada pela corrupção,
  • 12:12 - 12:15
    nós acreditamos que a política
    não vale a pena, mas ela vale sim!
  • 12:15 - 12:18
    E, se você não encontrar em quem votar,
    você mesmo deve se candidatar.
  • 12:18 - 12:22
    Política não significa só voto.
    Política não significa só Brasília.
  • 12:22 - 12:24
    Política significa falar com as pessoas.
  • 12:24 - 12:26
    No meu cargo de diretor
    de análise de conteúdo,
  • 12:26 - 12:31
    eu devia dizer aos novelistas
    da TV Globo onde eles haviam errado.
  • 12:31 - 12:33
    Só que eu fazia isso
    com relatórios altamente técnicos.
  • 12:33 - 12:35
    Eu fiz um pós-doutorado na Sorbonne.
  • 12:35 - 12:38
    Achava que tinha conhecimento
    técnico pra fazer isso.
  • 12:38 - 12:41
    Mas eu tinha que fazer mais, eu tinha
    que conversar, eu não conversei
  • 12:41 - 12:43
    e, por isso, deixei de ser
    diretor em cinco meses.
  • 12:43 - 12:46
    Fui derrubado com a maior
    facilidade; eu e o ministro.
  • 12:46 - 12:49
    É fácil se derrubar
    quando você não sabe fazer política.
  • 12:49 - 12:51
    Façam política. É preciso fazer.
  • 12:51 - 12:54
    Sucesso e fracasso também dependem disso.
  • 12:56 - 12:59
    Eu também fui roteirista
    da TV Globo durante três anos.
  • 12:59 - 13:01
    Apresentei sinopse de uma novela das 19h.
  • 13:01 - 13:06
    Apresentei dez projetos de seriados.
    Sabe quantos foram ao ar?
  • 13:06 - 13:08
    Zero.
  • 13:08 - 13:10
    Nenhum deles foi ao ar.
  • 13:10 - 13:13
    Mas aí, vem outra lição do fracasso.
    Todo fracasso serve pra alguma coisa.
  • 13:13 - 13:17
    O meu serviu pra fazer esse livro
    que vocês estão vendo.
  • 13:17 - 13:20
    Eu coloquei aí roteiro,
    a sinopse da novela das 19h,
  • 13:20 - 13:23
    e mais um seriado de terror
    e um seriado policial.
  • 13:23 - 13:26
    E aí, os meus alunos
    podem se aproveitar disso
  • 13:26 - 13:29
    e entender onde foi que eu errei,
    porque, na margem de cada roteiro,
  • 13:29 - 13:33
    tem as observações
    das pessoas que me criticaram
  • 13:33 - 13:35
    e por que os roteiros não foram ao ar.
  • 13:35 - 13:37
    Aí, os alunos podem aprender
    com os meus erros.
  • 13:37 - 13:40
    Os meus fracassos na TV
    estão disponíveis pra todos vocês
  • 13:40 - 13:42
    que queiram ser roteiristas, por exemplo,
  • 13:42 - 13:45
    ou que queiram trabalhar
    numa emissora de televisão.
  • 13:45 - 13:47
    Por último, essa foto aí.
  • 13:47 - 13:50
    Essa foto é dos moradores
    da Vila Autódromo,
  • 13:50 - 13:53
    assistindo ao filme
    lá na igreja da comunidade,
  • 13:53 - 13:56
    junto com alguns repórteres
    da imprensa internacional
  • 13:56 - 14:00
    que eu trouxe pra que eles sentissem
    o drama daquela comunidade.
  • 14:00 - 14:02
    Hoje, alguns órgãos
    da imprensa internacional
  • 14:02 - 14:04
    já falam daquela comunidade.
  • 14:04 - 14:09
    E aqui vai a minha
    última lembrança pra vocês.
  • 14:09 - 14:11
    Não sei se vocês conhecem
    a "fábula dos cotovelos",
  • 14:11 - 14:16
    mas, na minha opinião, é ela que define
    a diferença entre o sucesso e o fracasso.
  • 14:16 - 14:19
    A fábula dos cotovelos é a seguinte:
  • 14:19 - 14:23
    existia um jornalista que queria
    conhecer o céu e o inferno.
  • 14:23 - 14:25
    Então, primeiro, ele foi ao inferno.
  • 14:25 - 14:28
    Ele pediu lá licença ao assessor
    de imprensa do diabo,
  • 14:28 - 14:31
    e disse: "Posso conhecer o inferno?"
    Ele falou: "Vem, filhinho. Pode vir."
  • 14:31 - 14:35
    Ele entrou por um portão
    de fogo, passou à direita
  • 14:35 - 14:37
    e olhou para as pessoas
    do meio do inferno,
  • 14:37 - 14:41
    e reparou que as pessoas
    no inferno eram todas felizes,
  • 14:41 - 14:46
    todas só rindo, e ninguém trabalhava.
    Era uma maravilha no inferno.
  • 14:46 - 14:49
    Só que ele olhou mais de perto
    e viu aquelas pessoas felizes,
  • 14:49 - 14:54
    rindo, se divertindo, e reparou
    que elas tinham os cotovelos invertidos
  • 14:54 - 14:58
    e, por terem os cotovelos invertidos,
    elas acabavam morrendo de fome
  • 14:58 - 15:00
    porque não conseguiam
    trazer comida até a boca.
  • 15:00 - 15:02
    Então, ele saiu correndo de lá.
  • 15:02 - 15:04
    "Não quero ficar aqui não!
    Não quero morrer de fome!",
  • 15:04 - 15:06
    e ligou pra São Pedro e falou:
  • 15:06 - 15:08
    "São Pedro, eu posso ir aí?
    Eu quero conhecer o céu."
  • 15:08 - 15:12
    Foi, subiu, passou por um portão
    de nuvens à direita e entrou no céu.
  • 15:12 - 15:16
    Quando ele chega no céu,
    ele repara que é o mesmo tipo de pessoa.
  • 15:16 - 15:18
    As pessoas também estão todas felizes,
  • 15:18 - 15:21
    ninguém trabalha,
    todo mundo só se diverte,
  • 15:21 - 15:24
    todo mundo só ri,
    está todo mundo só contando piada.
  • 15:24 - 15:26
    O que ele vai fazer?
    Olhar para os cotovelos, não é?
  • 15:26 - 15:29
    Ele olha para os cotovelos
    das pessoas e repara
  • 15:29 - 15:33
    que as pessoas também têm
    os cotovelos invertidos.
  • 15:33 - 15:37
    A única diferença é que, no céu,
    as pessoas não morrem de fome
  • 15:37 - 15:41
    porque uma leva a comida
    até a boca do outro.
  • 15:41 - 15:44
    É isso que aprenderam
    os moradores da Vila Autódromo,
  • 15:44 - 15:49
    que juntos eles são fortes
    e que só a solidariedade funciona.
  • 15:49 - 15:53
    Hoje, 57 famílias ainda resistem,
    com os cotovelos invertidos,
  • 15:53 - 15:56
    dando comida um na boca do outro,
  • 15:56 - 16:00
    e eu junto com eles, tentando
    essa missão de solidariedade.
  • 16:00 - 16:03
    Fracassei com o filme,
    fracassei com os livros,
  • 16:03 - 16:05
    fracassei no cinema,
    fracassei na TV Globo.
  • 16:05 - 16:08
    Posso fracassar com eles,
    mas vou fracassar junto.
  • 16:08 - 16:11
    Só existe fracasso na desunião.
  • 16:11 - 16:15
    Na união, o fracasso se torna um sucesso,
    ainda que você fracasse.
  • 16:15 - 16:19
    Então, tudo que eu desejo a vocês
    é que vocês tenham solidariedade,
  • 16:19 - 16:22
    e que os cotovelos invertidos
    de vocês se juntem
  • 16:22 - 16:23
    e que vocês sejam aplaudidos de pé,
  • 16:23 - 16:28
    durante dez minutos, durante dez segundos,
    durante o tempo que for de suas vidas,
  • 16:28 - 16:30
    desde que as vidas de vocês
    sejam dedicadas
  • 16:30 - 16:32
    a um momento de solidariedade.
  • 16:32 - 16:33
    Muito obrigado.
  • 16:33 - 16:36
    (Aplausos)
  • 17:07 - 17:09
    Trinta segundos. Valeu o meu dia.
  • 17:09 - 17:11
    (Risos)
Title:
O que aprendi com meus fracassos | Felipe Pena | TEDxUnisinos
Description:

Esta palestra foi dada em um evento TEDx local, produzido independentemente das conferências TED.

Autor de 11 livros, o jornalista, psicólogo e apresentador da Globo News, Felipe Pena se apresentou no TEDx como uma pessoa que fracassou. “Nunca ganhei um prêmio, nunca mereci elogio da mídia”. Na trajetória, um punhado de experiências que, em sua visão, resultaram todas em fracasso. Quando era diretor da TV Globo, falhou em debruçar-se sobre relatórios em vez de conversar, olho no olho, com os funcionários. O emprego durou seis meses. Quando se envolveu em projetos sociais, como o documentário sobre famílias expulsas da Vila Autódromo para obras da Olimpíada, que correu festivais internacionais mas sequer foi exibido no Brasil, se sentiu derrotado por não conseguir ajudá-los.

Felipe Pena é jornalista, psicólogo, professor de roteiro na Universidade Federal Fluminense e autor de 14 livros, entre eles três romances — Fábrica de Diplomas (Record, 2010), O Marido Perfeito Mora ao Lado (Record, 2010) e O Verso do Cartão de Embarque (Record, 2011), este último em adaptação para o cinema. Pelo trabalho como escritor, foi duas vezes finalista do Prêmio Jabuti: em 2011, com Seu Adolpho, uma biografia em fractais de Adolpho Bloch, e em 2013, com No Jornalismo Não Há Fibrose. Já na academia, formou-se doutor em literatura, pela PUC-Rio, e cursou pós-doutorado em semiologia da imagem, na Université de Paris/Sorbonne III. Pena atuou como roteirista e diretor na TV Globo, repórter da TV Manchete, coordenador da pós-graduação em telejornalismo da Universidade Estácio de Sá, e foi sub-reitor desta mesma instituição.

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Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
17:16

Portuguese, Brazilian subtitles

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