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Uma forma mais prática de falar sobre aborto

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    Estávamos a meio do verão
    e já passava da hora de fecho,
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    num bar em Berkeley, onde eu
    e a minha amiga Polly servíamos à mesa.
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    Normalmente, no final do turno,
    bebíamos um copo,
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    mas não naquela noite.
  • 0:14 - 0:15
    "Estou grávida."
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    "Ainda não sei o que vou fazer",
    disse eu à Polly.
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    Sem hesitar, ela respondeu:
    "Eu fiz um aborto".
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    Antes da Polly, nunca ninguém
    me dissera que fizera um aborto.
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    Acabara a licenciatura
    há poucos meses
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    e estava num novo relacionamento,
    quando descobri que estava grávida.
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    Quando pensei nas minhas escolhas,
    não sabia mesmo como decidir,
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    que critérios usar.
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    Como poderia saber
    qual seria a decisão certa?
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    Tinha medo de me arrepender
    do aborto mais tarde.
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    Tendo sido criada nas praias
    do Sul da Califórnia,
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    cresci no meio das guerras
    antiaborto da nossa nação.
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    Nasci numa "roulotte",
    no 3.º aniversário de Roe contra Wade.
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    A nossa comunidade
    era de surfistas cristãos.
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    As nossas preocupações eram Deus,
    os desfavorecidos e o mar.
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    Éramos todos pró-vida.
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    Em miúda,
    a ideia de abortar deixava-me tão triste
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    que, se alguma vez engravidasse,
    nunca o faria.
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    E engravidei.
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    Era um passo rumo ao desconhecido.
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    Mas a Polly tinha-me dado
    um presente especial:
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    a consciência
    de que não estava sozinha
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    e o reconhecimento
    de que o aborto não é um assunto tabu.
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    O aborto é algo comum.
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    Segundo o Instituto Guttmacher,
    uma em cada três mulheres, na América,
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    fará um aborto na vida.
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    Mas, nas últimas décadas,
    o diálogo em torno do aborto, nos EUA,
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    não deixou margem para mais
    do que a pró-vida e a pró-escolha.
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    É político e polarizado.
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    Mas embora o aborto
    seja um tema polémico,
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    continua a ser raro, quer para
    as mulheres quer para os outros,
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    falar uns com os outros
    sobre os abortos que fazemos.
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    Há uma lacuna
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    entre o que acontece na política
    e o que acontece na vida real.
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    E, nessa lacuna,
    há uma mentalidade de guerra,
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    uma postura enraizada
    de "estás connosco ou contra nós?"
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    Não se trata apenas do aborto.
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    Há muitos temas importantes
    de que podemos falar.
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    Arranjar maneiras de mover o conflito
    para um ambiente de diálogo
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    é o meu trabalho.
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    Há duas maneiras de começar.
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    Uma é ouvir com atenção
    e a outra é partilhar histórias.
  • 2:51 - 2:55
    Há 15 anos, fundei
    uma organização chamada Exhale,
  • 2:55 - 2:57
    para começar a ouvir
    pessoas que fizeram abortos.
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    Primeiramente,
    criámos uma linha de apoio,
  • 3:01 - 3:04
    para onde homens e mulheres
    podiam ligar para ter apoio emocional.
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    Livre de julgamentos e política.
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    Acreditem ou não,
    ainda não existia nada parecido.
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    Precisávamos de uma nova abordagem
    que pudesse abarcar todas as experiências
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    que ouvíamos na linha de apoio.
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    A feminista que se arrependeu do aborto.
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    A católica que está grata pelo dela.
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    As experiências pessoais
    que não encaixavam em nenhuma categoria.
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    Não achávamos correto
    pedir às mulheres que escolhessem um lado.
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    Queríamos mostrar-lhes
    que o mundo inteiro estava do lado delas,
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    enquanto passavam
    por esta experiência carregada de emoções.
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    Então, inventámos o "pró-voz".
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    Para além do aborto,
    o pró-voz aborda assuntos delicados
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    com os quais nos debatemos há anos,
  • 3:52 - 3:55
    tais como a imigração,
    a tolerância religiosa,
  • 3:55 - 3:57
    a violência contra as mulheres.
  • 3:57 - 4:01
    Também aborda temas pessoais
    que possam ser importantes só para vocês
  • 4:01 - 4:03
    e para a vossa família e amigos.
  • 4:04 - 4:08
    Têm uma doença terminal,
    a mãe acabou de morrer,
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    têm um filho com necessidades especiais
    e não conseguem falar sobre isso.
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    Ouvir e contar
    são as marcas distintivas da pró-voz.
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    Ouvir e contar.
    Parece agradável.
  • 4:23 - 4:27
    Fácil, talvez?
    Todos podemos fazer isso.
  • 4:27 - 4:30
    Não é fácil, é muito difícil.
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    A pró-voz é difícil
    porque falamos sobre as coisas
  • 4:35 - 4:39
    contra as quais toda a gente luta
    ou sobre as quais ninguém quer falar.
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    Gostava de poder dizer-vos
    que quando decidirem ser pró-voz,
  • 4:45 - 4:50
    descobrirão lindos momentos de superação
    e jardins cheios de flores,
  • 4:50 - 4:55
    onde ouvir e contar criam
    momentos fantásticos de descobertas.
  • 4:55 - 4:59
    Gostava de vos poder dizer que terão
    uma festa feminista de boas-vindas
  • 4:59 - 5:05
    ou que há uma irmandade esquecida
    de pessoas preparadas para vos amparar.
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    Mas pode ser debilitante e cansativo
    contar as nossas histórias
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    quando parece que ninguém quer saber.
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    Se nos ouvirmos verdadeiramente
    uns aos outros,
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    ouviremos coisas que exigem
    que mudemos as nossas visões.
  • 5:26 - 5:29
    Não existe uma altura
    nem um sítio perfeitos
  • 5:29 - 5:31
    para iniciar um conversa difícil.
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    Nunca haverá uma altura
    em que estaremos todos de acordo,
  • 5:36 - 5:40
    partilharemos as mesmas visões
    ou conheceremos a mesma história.
  • 5:43 - 5:46
    Falemos de ouvir
    e de como ser um bom ouvinte.
  • 5:47 - 5:51
    Há muitas formas de ser um bom ouvinte
    e vou ensinar-vos algumas.
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    Uma é fazer perguntas abertas.
  • 5:53 - 5:57
    Podem perguntar a vocês mesmos
    ou a alguém que conheçam:
  • 5:57 - 5:59
    "Como te sentes?"
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    "Como foi passar por isso?"
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    "O que esperas, agora?"
  • 6:06 - 6:10
    Outra forma de ser um bom ouvinte
    é usar linguagem reflexiva.
  • 6:10 - 6:14
    Se alguém está a falar
    de uma experiência pessoal,
  • 6:14 - 6:16
    usem as palavras
    que esse alguém usa.
  • 6:16 - 6:19
    Se alguém está a falar de um aborto
    e usa a palavra "bebé",
  • 6:19 - 6:21
    podem dizer "bebé".
  • 6:21 - 6:24
    Se diz "feto", podem dizer "feto".
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    Se alguém se descrever
    como "assexuado",
  • 6:27 - 6:29
    podem dizer "assexuado".
  • 6:30 - 6:34
    Se alguém parece um homem,
    mas diz que é mulher... tudo bem.
  • 6:34 - 6:36
    Tratem-na no feminino.
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    Quando refletimos a linguagem da pessoa
    que está a partilhar a sua história,
  • 6:40 - 6:45
    mostramos que estamos interessados
    em perceber quem ela é
  • 6:45 - 6:47
    e pelo que está a passar.
  • 6:47 - 6:52
    Da mesma forma que esperamos
    que as pessoas se interessem em nós.
  • 6:53 - 6:56
    Nunca me esqueço do dia
    em que estava numa reunião da Exhale,
  • 6:56 - 7:01
    a ouvir uma voluntária a dizer
    que recebia muitas chamadas
  • 7:01 - 7:03
    de mulheres cristãs
    que falavam sobre Deus.
  • 7:04 - 7:08
    Alguns dos nossos voluntários
    são religiosos, mas esta não era.
  • 7:08 - 7:12
    No início, pareceu-lhe estranho
    falar com as pessoas sobre Deus.
  • 7:13 - 7:15
    Então, decidiu habituar-se.
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    Pôs-se em frente ao espelho,
    em casa, e disse a palavra "Deus".
  • 7:20 - 7:21
    "Deus".
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    "Deus. Deus. Deus".
  • 7:24 - 7:25
    "Deus. Deus."
  • 7:26 - 7:30
    Uma e outra vez, até a palavra
    deixar de ser estranha ao pronunciá-la.
  • 7:31 - 7:35
    Dizer a palavra "Deus" não converteu
    esta voluntária ao cristianismo,
  • 7:36 - 7:40
    mas tornou-a muito melhor ouvinte
    de mulheres cristãs.
  • 7:42 - 7:47
    Outra forma de ser pró-voz
    é partilhar histórias.
  • 7:47 - 7:50
    E um risco que corremos
    quando partilhamos a nossa história
  • 7:50 - 7:54
    é que,
    dadas as mesmas circunstâncias,
  • 7:54 - 7:57
    outra pessoa
    talvez fizesse outra escolha.
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    Por exemplo, se estão a contar
    uma história sobre um aborto,
  • 8:01 - 8:05
    apercebem-se de que essa pessoa
    talvez tivesse tido o bebé.
  • 8:06 - 8:08
    Talvez o tivesse dado para adoção.
  • 8:09 - 8:14
    Talvez tenha dito aos pais
    e ao parceiro ou não.
  • 8:14 - 8:20
    Talvez se tenha sentido aliviada,
    embora vocês se sintam tristes e perdidos.
  • 8:21 - 8:22
    Não há problema.
  • 8:24 - 8:29
    A empatia consiste em imaginar-nos
    na pele de outra pessoa.
  • 8:30 - 8:33
    Não quer dizer que todos
    tenhamos de acabar no mesmo sítio.
  • 8:34 - 8:38
    Não é o consentimento
    nem a semelhança
  • 8:38 - 8:40
    que a pró-voz procura.
  • 8:41 - 8:47
    Cria uma cultura e uma sociedade
    que valoriza o que nos torna especiais,
  • 8:47 - 8:53
    que valoriza o que nos torna humanos,
    os nossos defeitos e imperfeições.
  • 8:53 - 8:57
    E esta maneira de pensar
    permite-nos ver as nossas diferenças
  • 8:57 - 9:02
    com respeito em vez de medo
    e gera a empatia de que precisamos
  • 9:02 - 9:06
    para ultrapassar as formas
    como tentamos magoar-nos uns aos outros.
  • 9:06 - 9:12
    Os estigmas, a vergonha,
    o preconceito, a discriminação, etc.
  • 9:13 - 9:16
    A pró-voz é contagiosa
  • 9:16 - 9:19
    e quanto mais se pratica,
    mais se espalha.
  • 9:23 - 9:26
    No ano passado,
    voltei a engravidar.
  • 9:26 - 9:30
    Desta vez, estava ansiosa
    pelo nascimento do meu filho.
  • 9:30 - 9:35
    E perguntaram-me mais vezes
    como me sentia durante a gravidez
  • 9:35 - 9:36
    do que na vida toda.
  • 9:36 - 9:38
    (Risos)
  • 9:38 - 9:42
    E sempre que respondia
    que me sentia fantástica e entusiasmada
  • 9:42 - 9:45
    ou assustada e completamente neurótica,
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    havia sempre alguém
    que já tinha passado pelo mesmo.
  • 9:50 - 9:51
    Foi espetacular!
  • 9:51 - 9:56
    Foi um distanciamento acolhedor,
    mas dramático do que vivi,
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    quando falei dos meus sentimentos
    quanto ao meu aborto.
  • 10:02 - 10:05
    A pró-voz trata de histórias verdadeiras
    de pessoas verdadeiras,
  • 10:05 - 10:10
    causando um impacto na forma
    como o aborto e tantos outros assuntos
  • 10:10 - 10:14
    politizados e estigmatizados
    são compreendidos e discutidos,
  • 10:14 - 10:18
    desde a sexualidade e a saúde mental
    à pobreza e ao cativeiro.
  • 10:19 - 10:23
    Muito para além da definição
    de decisões certas ou erradas,
  • 10:23 - 10:26
    as nossas experiências
    existem num espectro.
  • 10:28 - 10:33
    A pró-voz centra esse diálogo
    na experiência humana.
  • 10:33 - 10:38
    E possibilita
    o apoio e o respeito a todos.
  • 10:39 - 10:40
    Obrigada.
  • 10:42 - 10:44
    (Aplausos)
Title:
Uma forma mais prática de falar sobre aborto
Speaker:
Aspen Baker
Description:

O aborto é extremamente comum. Na América, por exemplo, uma em cada três mulheres faz um aborto durante a sua vida, embora as fortes emoções despertadas pelo assunto — e a grande retórica politizada à sua volta — deixem pouco espaço para um debate aberto e profundo. Nesta conversa pessoal e séria, Aspen Baker explica que não é "pró-vida" e nem "pró-escolha" — mas sim "pró-voz" — e fala sobre como escutar e contar histórias desempenha uma função importante quando se trata de falar de tópicos difíceis.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
10:58

Portuguese subtitles

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