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A nossa história de violação e reconciliação

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    [Esta palestra contém imagens
    e descrições de violência sexual
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    [Destina-se a um público avisado]
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    Tom Stranger: Em 1996,
    quando eu tinha 18 anos,
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    tive a oportunidade de ouro de entrar
    num programa internacional de intercâmbio.
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    Ironicamente, sou um australiano
    que prefere um tempo gélido,
  • 0:16 - 0:19
    por isso, estava animado e triste
    ao mesmo tempo,
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    quando entrei num avião para a Islândia,
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    logo depois de ter dito adeus
    aos meus pais e irmãos.
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    Fui acolhido em casa
    de uma linda família islandesa
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    que me levou em caminhadas,
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    e que me ajudou a compreender
    a melódica língua islandesa
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    De início, tive problemas
    com saudades de casa.
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    Fazia "snowboard" depois da escola,
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    e dormia muito.
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    Duas horas de química numa língua
    que ainda não compreende totalmente
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    pode ser um bom sedativo.
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    (Risos)
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    O meu professor recomendou-me
    que tentasse o teatro da escola,
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    para me tornar um pouco
    mais activo socialmente.
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    Acabei por não fazer parte da peça,
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    mas através dela conheci Thordis.
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    Partilhámos um encantador romance juvenil,
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    e encontrávamo-nos à hora do almoço
    para andar de mãos dadas
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    e passear pelo centro antigo de Reykjavík.
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    Conheci a família de acolhimento dela
    e ela conheceu os meus amigos.
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    Estávamos numa relação crescente
    há pouco mais de um mês
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    quando se realizou
    o Baile de Natal da escola.
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    Thordis Elva: Eu tinha 16 anos
    e estava apaixonada pela primeira vez.
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    Irmos juntos ao baile de Natal
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    era a oficialização da nossa relação,
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    e eu sentia-me a rapariga
    mais sortuda do mundo.
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    Já não era uma criança,
    mas uma jovem adolescente.
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    Feliz com a minha maturidade
    recém-descoberta,
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    decidi que seria natural experimentar rum
    pela primeira vez naquela noite.
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    Foi uma má ideia.
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    Senti-me muito mal,
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    com perdas de consciência
  • 1:45 - 1:48
    e espasmos de vómitos compulsivos.
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    Os seguranças queriam chamar
    uma ambulância,
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    mas o Tom fez de cavaleiro andante,
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    e disse-lhes que me levaria a casa.
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    Foi como um conto de fadas,
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    os seus braços fortes à minha volta,
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    deitando-me no conforto da minha cama.
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    Mas a gratidão que senti por ele,
    transformou-se em terror
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    assim que ele começou a tirar
    a minha roupa e a pôr-se em cima de mim.
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    A minha cabeça estava melhor,
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    mas o meu corpo estava ainda muito fraco
    para conseguir lutar
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    e a dor cegava-me.
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    Parecia que estava a ser cortada em duas.
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    Para me manter lúcida,
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    contei, silenciosamente,
    os segundos no meu relógio.
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    E desde aquela noite,
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    sei que duas horas têm 7200 segundos.
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    Apesar de coxear durante dias
    e chorar durante semanas,
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    este incidente não correspondia
    às violações que eu tinha visto na TV.
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    O Tom não era um lunático armado,
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    era o meu namorado.
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    E não aconteceu num beco deteriorado,
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    aconteceu na minha própria cama.
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    Quando entendi que o que me aconteceu
    foi uma violação,
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    ele já tinha acabado o programa
    de intercâmbio
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    e regressado à Austrália.
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    Então, disse a mim própria que
    não valia a pena falar no que acontecera.
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    Além disso, de certo modo,
    tinha sido culpa minha.
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    Nasci num mundo em que
    as raparigas são ensinadas
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    que são violadas por alguma razão.
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    Têm uma saia era demasiado curta,
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    estavam demasiado sorridente,
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    o seu hálito cheirava a álcool.
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    E eu era a culpada de todas essas coisas,
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    por isso, a culpa tinha de ser minha.
  • 3:32 - 3:33
    Demorei anos a entender
  • 3:33 - 3:37
    que apenas uma coisa podia ter impedido
    que eu fosse violada naquela noite,
  • 3:37 - 3:39
    e não era a minha saia,
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    não era o meu sorriso,
  • 3:41 - 3:44
    não era a minha confiança infantil.
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    A única coisa que me podia ter impedido
    de ser violada naquela noite
  • 3:48 - 3:50
    era o homem que me violara
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    — se ele tivesse parado.
  • 3:53 - 3:55
    TS: Tenho memórias vagas do dia seguinte:
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    os efeitos da ressaca,
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    um certo vazio que eu tentei esconder.
  • 4:02 - 4:03
    Nada mais.
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    Mas não apareci à porta da Thordis.
  • 4:07 - 4:09
    É importante agora referir
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    que eu não vi a minha acção
    como o que realmente era.
  • 4:13 - 4:16
    A palavra "violação" não ressoava
    na minha mente como deveria,
  • 4:17 - 4:20
    e não me estava a massacrar-me
    com a memória da noite anterior.
  • 4:22 - 4:24
    Não era uma negação consciente,
  • 4:24 - 4:27
    era como se qualquer reconhecimento
    da realidade fosse proibido.
  • 4:28 - 4:33
    A minha definição das minhas acções
    refutou totalmente qualquer reconhecimento
  • 4:33 - 4:35
    do trauma imenso que causara à Thordis.
  • 4:36 - 4:38
    Para ser honesto,
  • 4:38 - 4:43
    rejeitei o acto nos dias a seguir
  • 4:43 - 4:45
    e quando o estava a praticar.
  • 4:45 - 4:50
    Neguei a verdade, convencendo-me
    que era sexo e não uma violação.
  • 4:51 - 4:55
    Esta é uma mentira da qual
    sinto uma imensa culpa.
  • 4:56 - 4:58
    Acabei com a Thordis uns dias depois,
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    e vi-a algumas vezes
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    durante o resto do meu ano na Islândia,
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    sentindo uma facada no coração
    de cada vez que a via.
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    No fundo, sabia que tinha feito algo
    de muito errado.
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    Mas sem planear, afoguei as memórias,
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    e atei-as a uma rocha.
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    O que se passou nos nove anos a seguir
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    pode ser descrito como "negação e fuga".
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    Quando tinha hipótese de entender
    o tormento que causara,
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    não ficava parado tempo suficiente
    para o fazer.
  • 5:32 - 5:34
    Quer fosse por distracção,
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    pelo uso de substâncias,
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    pela busca de emoções
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    ou pelo controlo escrupuloso
    da minha consciência,
  • 5:41 - 5:43
    recusei-me a estar parado e calado.
  • 5:45 - 5:46
    E com este barulho,
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    também me apoiei
    noutras partes da minha vida,
  • 5:49 - 5:52
    para construir uma imagem de quem eu era.
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    Eu era surfista,
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    um estudante de ciências sociais,
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    um amigo de boa gente,
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    um irmão e filho amado,
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    um guia de recreação
    ao ar livre,
  • 6:02 - 6:04
    e, por fim, um jovem trabalhador.
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    Agarrei-me à noção de que não era
    uma pessoa má.
  • 6:09 - 6:12
    Não pensava que tinha isto dentro de mim.
  • 6:12 - 6:14
    Pensava que era feito
    de outra coisa.
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    Na minha educação,
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    na minha adorada família
    e exemplos a seguir,
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    as pessoas próximas de mim
    eram gentis e genuínas
  • 6:22 - 6:24
    no seu respeito em relação às mulheres.
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    Levei muito tempo para conseguir encarar
    este meu lado sombrio,
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    e fazer-lhe perguntas.
  • 6:34 - 6:36
    TE: Nove anos depois do Baile de Natal,
  • 6:36 - 6:38
    eu tinha 25 anos,
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    e estava à beira
    de um esgotamento nervoso.
  • 6:41 - 6:45
    O meu amor-próprio estava enterrado
    num silêncio esmagador
  • 6:45 - 6:48
    que me isolava de toda a gente
    de quem gostava,
  • 6:48 - 6:51
    e eu estava consumida
    pelo ódio e pela raiva
  • 6:51 - 6:53
    que depositava em mim mesma.
  • 6:54 - 6:56
    Um dia, saí pela porta em lágrimas
  • 6:56 - 6:59
    depois de uma discussão
    com uma pessoa de quem gostava
  • 6:59 - 7:02
    e entrei num café,
    onde pedi uma caneta.
  • 7:03 - 7:04
    Tinha sempre um bloco de notas comigo,
  • 7:05 - 7:08
    dizendo que era para anotar ideias
    em momentos de inspiração,
  • 7:08 - 7:13
    mas a verdade é que precisava
    de estar constantemente ocupada,
  • 7:13 - 7:15
    porque, em momentos de silêncio,
  • 7:15 - 7:17
    começava a contar os segundos outra vez.
  • 7:18 - 7:23
    Mas naquele dia, vi com admiração
    as palavras que saíam da caneta,
  • 7:23 - 7:26
    formando a carta mais importante
    que alguma vez escrevi,
  • 7:26 - 7:28
    endereçada ao Tom.
  • 7:28 - 7:32
    Juntamente com o relato da violência
    a que ele me submetera,
  • 7:32 - 7:35
    as palavras, "quero encontrar o perdão"
  • 7:35 - 7:37
    olharam de volta para mim,
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    não surpreendendo ninguém,
    para além de mim.
  • 7:40 - 7:44
    Mas, no fundo, entendi que era esta
    a saída para o meu sofrimento,
  • 7:44 - 7:48
    porque, quer ele merecesse ou não
    o meu perdão,
  • 7:48 - 7:51
    eu merecia ter paz.
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    Os meus dias de vergonha acabaram.
  • 7:56 - 7:58
    Antes de enviar a carta,
  • 7:58 - 8:00
    preparei-me para todos os tipos
    de respostas negativas,
  • 8:00 - 8:04
    ou para o que achei mais provável:
    nenhuma resposta.
  • 8:05 - 8:08
    A única opção para a qual não me preparei
  • 8:08 - 8:10
    foi a que recebi
  • 8:10 - 8:15
    — uma confissão do Tom, cheia de remorsos.
  • 8:16 - 8:20
    Afinal, ele também estava prisioneiro
    do silêncio.
  • 8:20 - 8:24
    Isso marcou o começo de oito anos
    de troca de correspondência
  • 8:24 - 8:27
    que, só Deus sabe, não foi fácil,
  • 8:27 - 8:29
    mas foi sempre honesta.
  • 8:30 - 8:33
    Livrei-me de pesos
    que, erradamente, suportara
  • 8:33 - 8:37
    e ele, por sua vez, aceitou o que tinha
    feito, com todo o seu coração.
  • 8:37 - 8:40
    As nossas trocas tornaram-se
    uma plataforma
  • 8:40 - 8:42
    para dissecar as consequências
    daquela noite,
  • 8:42 - 8:45
    e foram tudo,
    desde perturbadoras
  • 8:45 - 8:47
    a uma terapêutica indescritível.
  • 8:48 - 8:52
    Mesmo assim, este capítulo
    ainda não estava encerrado para mim.
  • 8:52 - 8:56
    Talvez porque o formato email
    não me parecesse muito pessoal,
  • 8:56 - 8:58
    talvez porque é fácil sermos corajosos
  • 8:58 - 9:02
    quando estamos atrás de um ecrã
    no outro lado do planeta.
  • 9:02 - 9:04
    Mas começámos um diálogo
  • 9:04 - 9:08
    que senti que era necessário
    explorar ao máximo.
  • 9:08 - 9:10
    Então, depois de oito anos de escrita,
  • 9:10 - 9:14
    e quase 16 anos depois
    daquela terrível noite,
  • 9:14 - 9:18
    ganhei coragem e propus uma ideia louca:
  • 9:18 - 9:20
    encontrarmo-nos pessoalmente
  • 9:20 - 9:22
    e enfrentar o nosso passado
    de uma vez por todas.
  • 9:25 - 9:29
    TS: A Islândia e a Austrália
    são geograficamente assim.
  • 9:29 - 9:31
    No meio das duas está a África do Sul.
  • 9:32 - 9:35
    Escolhemos a Cidade do Cabo,
  • 9:35 - 9:37
    e estivemos lá durante uma semana.
  • 9:38 - 9:42
    A cidade em si era uma lindíssima
    e poderosa paisagem
  • 9:42 - 9:45
    para nos focarmos na reconciliação
    e no perdão.
  • 9:46 - 9:48
    Nunca antes o alívio e a aproximação
    foram testados
  • 9:49 - 9:50
    como foram na África do Sul.
  • 9:51 - 9:55
    Como uma nação, a África do Sul procurou
    entrar na verdade do seu passado,
  • 9:55 - 9:57
    e ouvir os detalhes da sua história.
  • 9:59 - 10:03
    Saber isso apenas aumentou o efeito
    que a Cidade do Cabo teve em nós.
  • 10:04 - 10:05
    Durante essa semana,
  • 10:05 - 10:08
    contámos um ao outro
    as histórias da nossa vida,
  • 10:08 - 10:10
    do princípio ao fim.
  • 10:11 - 10:15
    E isto era analisar
    a nossa própria história.
  • 10:16 - 10:18
    Seguimos regras estritas
    de sermos honestos,
  • 10:18 - 10:21
    e, com isto, veio uma certa exposição,
  • 10:21 - 10:24
    e uma vulnerabilidade de coração aberto.
  • 10:24 - 10:26
    Houve confissões íntimas,
  • 10:26 - 10:29
    e momentos em que simplesmente
    não pudemos compreender
  • 10:29 - 10:31
    a experiência da outra pessoa.
  • 10:32 - 10:37
    Os efeitos sísmicos da violência sexual
    foram falados em alto e bom som,
  • 10:37 - 10:39
    cara a cara.
  • 10:40 - 10:42
    Noutras vezes, no entanto,
  • 10:42 - 10:44
    encontrámos uma enorme clareza,
  • 10:45 - 10:50
    e um riso totalmente inesperado,
    mas libertador.
  • 10:51 - 10:53
    Quando chegou o momento certo,
  • 10:53 - 10:57
    demos o nosso melhor
    para nos ouvirmos com atenção.
  • 10:57 - 11:03
    E as nossas realidades individuais
    foram para o ar com uma pureza natural
  • 11:03 - 11:06
    que não podia fazer menos
    do que aliviar a alma.
  • 11:09 - 11:13
    TE: Querer vingança
    é uma emoção muito humana,
  • 11:13 - 11:14
    instintiva, até.
  • 11:15 - 11:17
    Tudo o que eu queria fazer,
    durante anos,
  • 11:17 - 11:21
    era magoar o Tom,
    tanto como ele me tinha magoado a mim.
  • 11:22 - 11:25
    Mas se eu não tivesse encontrado
    uma saída para o ódio e para a raiva,
  • 11:25 - 11:27
    não tenho a certeza se estaria aqui hoje.
  • 11:28 - 11:32
    Isto não é para dizer que não tive
    as minhas dúvidas ao longo do caminho.
  • 11:33 - 11:36
    Quando o avião poisou na pista
    de aterragem na Cidade do Cabo,
  • 11:36 - 11:38
    lembro-me de pensar:
  • 11:38 - 11:42
    "Porque é que não arranjei um terapeuta
    e uma garrafa de vodka
  • 11:42 - 11:44
    "como uma pessoa normal faria?"
  • 11:45 - 11:47
    (Risos)
  • 11:47 - 11:51
    Por vezes, a nossa procura
    da compreensão, na Cidade do Cabo,
  • 11:51 - 11:53
    parecia uma missão impossível,
  • 11:53 - 11:55
    e só me apetecia desistir
  • 11:55 - 11:57
    e ir para casa para o meu marido, Vidir,
  • 11:57 - 11:59
    e para o nosso filho.
  • 12:00 - 12:02
    Mas, apesar das nossas dificuldades,
  • 12:02 - 12:07
    esta viagem resultou
    num sentimento vitorioso
  • 12:07 - 12:10
    de que o bem triunfara sobre o mal,
  • 12:11 - 12:15
    que algo construtivo
    podia nascer das ruínas.
  • 12:17 - 12:18
    Li algures
  • 12:18 - 12:20
    que devemos tentar ser a pessoa
    de que precisávamos
  • 12:20 - 12:22
    quando éramos mais novos.
  • 12:22 - 12:24
    E quando eu era adolescente,
  • 12:24 - 12:28
    eu devia saber que a vergonha
    não era minha,
  • 12:27 - 12:30
    que há esperança depois da violação,
  • 12:30 - 12:32
    que se pode encontrar a felicidade,
  • 12:32 - 12:34
    como a que partilho hoje com o meu marido.
  • 12:34 - 12:38
    Foi por isso que comecei a escrever
    quando saí da Cidade do Cabo,
  • 12:38 - 12:42
    o que resultou num livro
    em que o Tom é co-autor,
  • 12:41 - 12:44
    que esperamos seja útil
    para pessoas dos dois lados
  • 12:44 - 12:47
    da escala abusador-sobrevivente.
  • 12:47 - 12:49
    Quanto mais não seja,
  • 12:49 - 12:54
    é uma história que gostaríamos
    de ter ouvido quando éramos mais novos.
  • 12:55 - 12:57
    Dada a natureza da nossa história,
  • 12:57 - 12:59
    sei que as palavras
    que inevitavelmente a acompanham
  • 13:00 - 13:02
    — vítima, violador —
  • 13:02 - 13:05
    e os rótulos são uma maneira
    de organizar conceitos,
  • 13:05 - 13:09
    mas podem também ser desumanizadores
    nas suas conotações.
  • 13:10 - 13:12
    Quando alguém é considerado uma vítima,
  • 13:12 - 13:17
    é muito fácil rotulá-la
    como alguém diminuído,
  • 13:17 - 13:19
    desonrado,
  • 13:19 - 13:20
    inferior aos outros.
  • 13:21 - 13:23
    Da mesma forma, quando alguém
    é considerado um violador,
  • 13:23 - 13:27
    é muito fácil chamar-lhe monstro
  • 13:27 - 13:28
    desumano.
  • 13:29 - 13:32
    Mas como podemos entender
    o que é que, nas sociedades humanas,
  • 13:32 - 13:33
    produz a violência
  • 13:33 - 13:38
    se nos recusamos a reconhecer
    a humanidade daqueles que a praticam?
  • 13:40 - 13:42
    (Aplausos)
  • 13:42 - 13:47
    E como podemos ajudar sobreviventes
    se os estamos a fazer sentir inferiores?
  • 13:48 - 13:51
    Como podemos discutir soluções
    a uma das maiores ameaças
  • 13:52 - 13:55
    às vidas de mulheres e crianças
    em todo o mundo,
  • 13:55 - 13:59
    se as palavras que usamos
    fazem parte do problema?
  • 14:02 - 14:04
    TS: Do que eu aprendi,
  • 14:04 - 14:09
    as minhas acções naquela noite de 1996
    foram egoístas.
  • 14:10 - 14:13
    Senti que merecia o corpo da Thordis.
  • 14:14 - 14:17
    Tivera influências sociais positivas
  • 14:17 - 14:20
    e exemplos de comportamentos justos
    à minha volta.
  • 14:20 - 14:21
    Mas naquela ocasião,
  • 14:21 - 14:23
    escolhi aproveitar os negativos:
  • 14:24 - 14:27
    os que vêem as mulheres
    como tendo menos valor intrínseco,
  • 14:28 - 14:32
    e os homens como tendo algum direito
    simbólico sobre os corpos delas.
  • 14:34 - 14:37
    No entanto, estas influências
    de que falo são exteriores a mim.
  • 14:38 - 14:40
    Fui só eu naquele quarto
    a tomar decisões,
  • 14:40 - 14:42
    mais ninguém.
  • 14:43 - 14:45
    Quando possuímos alguma coisa
  • 14:45 - 14:48
    e realmente estamos preparados
    para enfrentar a nossa culpa,
  • 14:48 - 14:51
    acho que pode acontecer
    algo surpreendente.
  • 14:51 - 14:54
    É aquilo a que eu chamo
    paradoxo da propriedade.
  • 14:55 - 14:58
    Pensei que fosse ceder
    sob o peso da responsabilidade.
  • 14:58 - 15:01
    Pensei que o meu certificado de humanidade
    fosse queimado.
  • 15:02 - 15:06
    Em vez disso, ofereceram-me
    a possibilidade de reconhecer o que fiz,
  • 15:07 - 15:11
    e descobri que isso não possuía
    a totalidade de quem eu sou.
  • 15:11 - 15:13
    Em palavras simples,
  • 15:13 - 15:18
    algo que fizemos não tem de constituir
    tudo o que somos.
  • 15:19 - 15:21
    O barulho na minha cabeça diminuiu.
  • 15:21 - 15:25
    A pena de mim próprio
    estava sem oxigénio
  • 15:25 - 15:30
    e foi substituída pelo ar puro
    da aceitação,
  • 15:31 - 15:35
    a aceitação de que eu magoei esta pessoa
    maravilhosa que está aqui ao meu lado,
  • 15:35 - 15:41
    a aceitação de que eu faço parte
    de um grande e chocante grupo de homens
  • 15:41 - 15:44
    que foi violento sexualmente
    para com as suas companheiras.
  • 15:45 - 15:48
    Não subestimemos o poder das palavras.
  • 15:48 - 15:53
    Dizer à Thordis que a violei
    mudou o meu acordo comigo próprio,
  • 15:53 - 15:55
    assim como com ela.
  • 15:56 - 15:58
    Mas mais importante,
  • 15:57 - 16:00
    a culpa transferiu-se da Thordis para mim.
  • 16:01 - 16:03
    Demasiadas vezes,
  • 16:03 - 16:07
    a responsabilidade é atribuída às mulheres
    sobreviventes de violência sexual,
  • 16:07 - 16:10
    e não aos homens que a fazem.
  • 16:11 - 16:12
    Demasiadas vezes,
  • 16:13 - 16:17
    a negação e a fuga deixam todas as partes
    muito distantes da verdade.
  • 16:19 - 16:22
    Definitivamente, há uma conversa pública
    a ocorrer agora,
  • 16:22 - 16:25
    e, como muitas pessoas,
  • 16:25 - 16:27
    estamos contentes que haja menos recuos
  • 16:27 - 16:30
    desta difícil, mas importante discussão.
  • 16:31 - 16:35
    Sinto uma responsabilidade
    de juntar as nossas vozes a isso.
  • 16:38 - 16:43
    TE: O que fizemos não é uma fórmula
    que receitamos para os outros.
  • 16:43 - 16:49
    Ninguém tem o direito de dizer a outrem
    como lidar com a sua dor
  • 16:49 - 16:51
    ou com o seu erro mais grave.
  • 16:51 - 16:54
    Quebrar o silêncio nunca é fácil,
  • 16:54 - 16:56
    e dependendo do local onde estamos,
  • 16:56 - 16:59
    pode ser fatal falar sobre violação.
  • 17:00 - 17:04
    Sei que mesmo o acontecimento
    mais traumático da minha vida
  • 17:04 - 17:07
    continua a ser uma prova
    do meu privilégio,
  • 17:07 - 17:10
    porque posso falar sobre isso
    sem ser ostracizada,
  • 17:10 - 17:12
    ou mesmo morta.
  • 17:12 - 17:15
    Mas com esse privilégio de ter uma voz
  • 17:15 - 17:18
    vem a responsabilidade de usá-la.
  • 17:19 - 17:23
    É o mínimo que posso fazer pelas minhas
    colegas sobreviventes que não podem falar.
  • 17:25 - 17:28
    A história que acabámos de contar é única,
  • 17:28 - 17:33
    e mesmo assim tão comum, com a violência
    sexual a ser uma pandemia global.
  • 17:33 - 17:35
    Mas não tem de ser assim.
  • 17:36 - 17:39
    Uma das coisas que achei mais útil,
    durante a minha jornada,
  • 17:39 - 17:41
    foi educar-me sobre a violência sexual.
  • 17:41 - 17:44
    Como resultado, tenho escrito e lido
  • 17:44 - 17:47
    e falado sobre este assunto
    de há mais de uma década até agora,
  • 17:47 - 17:49
    em conferências em todo o mundo.
  • 17:49 - 17:51
    Na minha experiência,
  • 17:51 - 17:56
    os participantes nestas conferências
    são quase exclusivamente mulheres.
  • 17:57 - 18:04
    Mas é tempo de deixar de tratar a violência
    sexual como um problema das mulheres.
  • 18:04 - 18:07
    (Aplausos)
  • 18:17 - 18:21
    A maior parte da violência sexual
    contra mulheres e homens
  • 18:21 - 18:23
    é feita por homens.
  • 18:23 - 18:28
    Mesmo assim, as suas vozes
    não estão representadas nesta discussão.
  • 18:29 - 18:32
    Mas todos nós somos necessários aqui.
  • 18:34 - 18:38
    Imaginem todo o sofrimento
    que poderia ser aliviado
  • 18:38 - 18:42
    se arriscássemos
    enfrentar este problema juntos.
  • 18:43 - 18:44
    Obrigada.
  • 18:44 - 18:47
    (Aplausos)
Title:
A nossa história de violação e reconciliação
Speaker:
Thordis Elva, Tom Stranger
Description:

Em 1996, Thordis Elva teve um romance com Tom Stranger, um aluno de intercâmbio da Austrália. Depois de um baile, Tom violou Thordis e, depois disso, seguiram caminhos separados durante muitos anos. Nesta conversa extraordinária, Elva e Stranger encaminham-nos para uma longa história de vergonha e silêncio e convidam-nos a discutir o assunto globalmente omnipresente da violência sexual de um modo novo e honesto.
Para um Q&A com os palestrantes, visite go.ted.com/thordisandtom.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
22:48

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