Há um rio sobre nós
-
0:00 - 0:02O que acham?
-
0:03 - 0:07Para quem viu a palestra de Sir Ken,
memorável, no TED, -
0:07 - 0:10eu sou um típico exemplar
do que ele descreve: -
0:10 - 0:13"um corpo a carregar uma cabeça".
-
0:13 - 0:16Professor universitário, não é?
-
0:16 - 0:19Poderiam achar que é uma cobardia
-
0:19 - 0:22colocar-me, depois destas duas
primeiras apresentações, -
0:22 - 0:24a falar de ciência.
-
0:25 - 0:28Não consigo balançar
o meu corpo num ritmo. -
0:28 - 0:31E depois de um cientista
que se tornou filósofo, -
0:31 - 0:33eu tinha que falar da ciência dura.
-
0:33 - 0:36Poderia ser um tema muito árido
-
0:36 - 0:40e, no entanto, sinto-me agraciado.
-
0:40 - 0:41Nunca, na minha carreira,
-
0:41 - 0:43e já vai longa a minha carreira,
-
0:43 - 0:46eu tive a oportunidade
de começar uma palestra -
0:46 - 0:48com tamanha inspiração, como esta.
-
0:48 - 0:52Normalmente, falar de ciência
-
0:52 - 0:55é como fazer exercício numa terra árida.
-
0:56 - 1:00No entanto, tive a felicidade
-
1:00 - 1:03de ser convidado
para vir cá falar sobre água. -
1:04 - 1:07E "água" e "árido" não combinam.
-
1:07 - 1:11Melhor ainda,
vim falar sobre água na Amazónia, -
1:11 - 1:16que é um berço esplêndido
de vida. Fresca. -
1:16 - 1:18Então, foi o que me inspirou.
-
1:18 - 1:20Por isso estou aqui, apesar de carregar
-
1:20 - 1:22a minha cabeça, mais ou menos,
-
1:22 - 1:26eu estou aqui a tentar, vou tentar,
transmitir essa inspiração. -
1:26 - 1:30Espero que a história os inspire,
que vocês a multipliquem. -
1:31 - 1:36Sabemos que há controvérsia
-
1:36 - 1:38— a Amazónia é o pulmão do mundo, não é? —
-
1:39 - 1:44pelo poder que tem
de trocar massivamente gases vitais -
1:44 - 1:46— a floresta com a atmosfera.
-
1:46 - 1:50Também ouvimos falar
do celeiro da biodiversidade. -
1:50 - 1:55Embora muitos acreditem nisso,
-
1:55 - 1:56poucos conhecem.
-
1:56 - 2:01Se forem aqui fora, à floresta alagada,
vão-se maravilhar com a... -
2:02 - 2:04Quase não conseguem ver os bichos.
-
2:04 - 2:08Os índios dizem: "Na floresta,
há mais olhos do que folhas." -
2:08 - 2:11É verdade, e eu vou tentar mostrar
algumas coisas. -
2:11 - 2:14Mas hoje,
trouxe uma outra abordagem, -
2:14 - 2:17uma abordagem que,
inspirado por estas duas iniciativas, -
2:17 - 2:20uma harmónica e a outra filosófica,
-
2:20 - 2:24vou tentar usar a abordagem
que é um pouco material, -
2:24 - 2:27mas tenta transmitir também
que existe, na natureza, -
2:27 - 2:30uma filosofia
e uma harmonia extraordinárias. -
2:30 - 2:32Não vai haver música
na minha apresentação, -
2:32 - 2:36mas espero que vejam a música
da realidade que vou mostrar. -
2:36 - 2:39Vou falar de fisiologia — não é do pulmão,
-
2:39 - 2:43é de outras analogias
com a fisiologia humana -
2:43 - 2:45e, principalmente, com o coração.
-
2:45 - 2:47Começamos...
-
2:49 - 2:54por pensar que a água é como o sangue.
-
2:54 - 2:59A circulação no nosso corpo
leva o sangue fresco, -
2:59 - 3:02que alimenta, que nutre e que sustenta,
-
3:02 - 3:06e traz de volta o sangue usado,
para ser renovado. -
3:06 - 3:11Na Amazónia,
ocorrem coisas muito semelhantes. -
3:11 - 3:16Começamos por falar
sobre o poder de todos esses processos. -
3:16 - 3:20Esta é uma imagem,
-
3:20 - 3:23em movimento, das chuvas.
-
3:23 - 3:27E o que veem ali
são os anos a passar a cada segundo. -
3:27 - 3:30As chuvas no mundo inteiro.
E o que é que veem? -
3:30 - 3:32Que a região equatorial, em geral,
-
3:32 - 3:34a Amazónia em particular,
-
3:34 - 3:37é enormemente importante
para o clima do mundo. -
3:37 - 3:39É um motor poderoso.
-
3:39 - 3:44Existe aqui uma atividade frenética
em relação à evaporação. -
3:44 - 3:47Se virmos outra imagem,
-
3:47 - 3:50que mostra os fluxos de vapor de água,
-
3:50 - 3:53o que é preto ali é ar seco,
o que é cinza é ar húmido -
3:53 - 3:54e o que é branco são nuvens.
-
3:54 - 4:00Veem ali um ressurgimento
extraordinário na Amazónia. -
4:00 - 4:02Que fenómeno
— se não é um deserto, — -
4:02 - 4:07que fenómeno faz com que a água
jorre do solo para a atmosfera, -
4:07 - 4:10com tamanho poder,
que se vê do espaço? -
4:10 - 4:12Que fenómeno é este?
-
4:12 - 4:15Poderia ser um gêiser.
-
4:15 - 4:19O gêiser é a água subterrânea
aquecida pelo calor do magma, -
4:19 - 4:20que explode para a atmosfera,
-
4:20 - 4:24transfere essa água para a atmosfera.
-
4:24 - 4:27Não temos gêiseres na Amazónia,
a menos que eu me engane. -
4:27 - 4:29Não sei se alguém conhece algum.
-
4:29 - 4:33Mas temos algo que faz o mesmo papel,
-
4:33 - 4:36mas com muito mais elegância:
-
4:36 - 4:39são as amigas e benfazejas árvores,
-
4:39 - 4:42que, assim como os gêiseres,
-
4:42 - 4:47conseguem transferir uma quantidade
enorme de água do solo para a atmosfera. -
4:47 - 4:53São 600 mil milhões de árvores
na Amazónia, 600 mil milhões de gêiseres. -
4:53 - 4:57E isto com uma sofisticação
extraordinária. -
4:57 - 4:58Não precisam do calor do magma.
-
4:58 - 5:01Usam a luz do Sol
para este processo. -
5:01 - 5:05Então, num dia,
um dia típico ensolarado na Amazónia, -
5:05 - 5:08uma árvore grande
chega a transferir mil litros de água -
5:08 - 5:10através da evaporação.
-
5:10 - 5:11Mil litros.
-
5:11 - 5:17Se pegarem em toda a Amazónia,
-
5:17 - 5:19que é uma área muito grande,
-
5:19 - 5:22e somarem toda esta água
que está a ser evaporada, -
5:22 - 5:24— é o suor da floresta, —
-
5:24 - 5:27chegam a um número extraordinário:
-
5:27 - 5:3020 mil milhões de toneladas de água.
-
5:30 - 5:31Sabem — isto é num dia.
-
5:31 - 5:34Sabem quanto é isto?
-
5:34 - 5:36O rio Amazonas, o maior rio da Terra,
-
5:36 - 5:38um quinto de toda a água doce
-
5:38 - 5:41que sai dos continentes no mundo inteiro
e que chega aos oceanos, -
5:41 - 5:46despeja 17 mil milhões de toneladas
de água por dia no Oceano Atlântico. -
5:46 - 5:47Este rio de vapor,
-
5:47 - 5:50que sai da floresta
e vai para a atmosfera, -
5:50 - 5:51é maior do que o rio Amazonas.
-
5:51 - 5:53Só para terem uma ideia.
-
5:53 - 5:57Se pudéssemos pegar
numa chaleira bastante grande, -
5:57 - 6:00daquelas de ligar na tomada,
chaleira elétrica, -
6:00 - 6:02e colocássemos estes 20 mil milhões
de toneladas dentro, -
6:02 - 6:05de quanta eletricidade precisaríamos
para evaporar essa água? -
6:05 - 6:08Alguém faz ideia?
Uma chaleira bem grande mesmo. -
6:08 - 6:10Chaleira dos gigantes, não é?
-
6:10 - 6:1350 mil Itaipus.
-
6:13 - 6:16Itaipu, para quem não sabe,
é a maior hidroelétrica do mundo, ainda, -
6:16 - 6:18e é um orgulho brasileiro
-
6:18 - 6:20porque fornece mais de 30% da energia
-
6:20 - 6:22que é consumida no Brasil.
-
6:22 - 6:27E a Amazónia está aqui,
a fazer isso de graça. -
6:27 - 6:32É uma poderosíssima e viva usina
de serviços ambientais. -
6:34 - 6:36Ligado a este tema,
-
6:36 - 6:39vamos falar sobre o que eu chamo
"paradoxo da sorte", -
6:39 - 6:41que é uma curiosidade.
-
6:41 - 6:42Se virem o mapa-múndi
-
6:42 - 6:44— é fácil de perceber —
-
6:44 - 6:47veem que, na zona equatorial,
têm as florestas, -
6:47 - 6:50e os desertos estão organizados
a 30º de latitude norte, -
6:50 - 6:5330º de latitude sul, alinhados.
-
6:53 - 6:56Vejam ali, no hemisfério sul, o Atacama,
-
6:56 - 6:59Namíbia e Calaári na África,
o deserto da Austrália. -
6:59 - 7:02No hemisfério norte,
o Saara, o Sonora e etc. -
7:02 - 7:06Há uma exceção, e é uma curiosidade:
-
7:06 - 7:10é o quadrilátero que vai
de Cuiabá a Buenos Aires, -
7:10 - 7:11de São Paulo aos Andes.
-
7:11 - 7:14Este quadrilátero era para ser deserto.
-
7:14 - 7:17Está na linha dos desertos.
-
7:17 - 7:20Porque não o é? É por isso
que lhe chamo o "paradoxo da sorte". -
7:20 - 7:23O que é que existe na América do Sul
de diferente? -
7:24 - 7:26Se pudermos usar a analogia
-
7:26 - 7:31da circulação sanguínea no corpo,
e do sangue, -
7:31 - 7:34com a circulação da água na paisagem,
-
7:34 - 7:38vemos nos rios, que eles são veias,
-
7:38 - 7:42drenam a paisagem,
drenam o tecido da natureza. -
7:42 - 7:44E onde estão as artérias?
-
7:44 - 7:46Algum palpite?
-
7:46 - 7:48O que leva...
-
7:48 - 7:53Como é que a água chega
a irrigar os tecidos da natureza -
7:53 - 7:57e trazer de volta tudo pelos rios?
-
7:57 - 8:00Há um novo tipo de rio,
-
8:00 - 8:03que nasce no oceano azul,
-
8:03 - 8:06que flui pelo oceano verde
-
8:06 - 8:09— não só flui, mas é bombeado
pelo oceano verde — -
8:09 - 8:12e cuja foz é a nossa terra.
-
8:12 - 8:15Toda a nossa economia,
aquele quadrilátero, -
8:15 - 8:1970% do PIB da América do Sul
sai daquela região. -
8:19 - 8:21Depende deste rio.
-
8:21 - 8:23E este rio flui, invisível, acima de nós.
-
8:23 - 8:25Estamos a flutuar aqui nesta plataforma,
-
8:25 - 8:28num dos maiores rios da Terra,
que é o rio Negro. -
8:28 - 8:31Está meio seco, meio bravo,
mas estamos a flutuar aqui, -
8:31 - 8:34e por cima de nós
há um rio invisível a passar. -
8:34 - 8:38E este rio, ele pulsa.
-
8:38 - 8:40E aqui está a pulsação dele.
-
8:40 - 8:42Por isso falamos de coração também.
-
8:42 - 8:45Veem ali as estações do ano.
-
8:45 - 8:48Chove uma época... Na Amazónia,
costumávamos ter duas estações, -
8:48 - 8:50a húmida e a mais húmida.
-
8:50 - 8:52Agora temos a estação seca.
-
8:52 - 8:55E veem ali ele a lamber esta região
-
8:55 - 8:58que deveria, de outra forma,
ser um deserto e não é. -
9:02 - 9:05Nós, cientistas... veem
que estou com dificuldade -
9:05 - 9:08para levar a minha cabeça
de um lado para o outro. -
9:08 - 9:13Os cientistas estudam
como funciona, porquê, etc., -
9:13 - 9:18e esses estudos estão a gerar
uma série de descobertas -
9:18 - 9:19absolutamente extraordinárias
-
9:19 - 9:22para nos trazerem
a consciência da riqueza, -
9:22 - 9:25da complexidade e da maravilha
que nós temos, -
9:25 - 9:28da sinfonia que temos
neste funcionamento. -
9:28 - 9:30Um deles é: como é que se forma a chuva?
-
9:30 - 9:34Por cima da Amazónia, há ar limpo,
-
9:34 - 9:36tal como por cima do oceano.
-
9:36 - 9:38O oceano azul tem ar limpo
e forma muito poucas nuvens, -
9:38 - 9:40quase não chove.
-
9:40 - 9:44No oceano verde, há ar limpo igual,
e forma-se muita chuva. -
9:44 - 9:47O que é que acontece aqui,
que é diferente? -
9:47 - 9:48A floresta emite cheiros,
-
9:48 - 9:51e esses cheiros
são núcleos de condensação, -
9:51 - 9:54que formam gotas na atmosfera,
-
9:54 - 9:59e nela formam-se as nuvens
que chovem torrencialmente. -
9:59 - 10:01O regador do Jardim do Éden.
-
10:02 - 10:07Esta relação de uma entidade viva,
que é a floresta, -
10:07 - 10:10com uma entidade não viva,
que é a atmosfera, -
10:10 - 10:12é virtuosa na Amazónia,
-
10:12 - 10:17porque a floresta joga água
e joga sementinhas, -
10:17 - 10:20a atmosfera forma chuva e devolve,
-
10:20 - 10:24e assim garante
a sobrevivência da floresta. -
10:25 - 10:26Há outros fatores também.
-
10:26 - 10:27Falámos um pouco do coração,
-
10:27 - 10:31agora vamos falar
de uma outra função: o fígado! -
10:31 - 10:36Quando o ar húmido, uma alta humidade
e radiação, são combinados -
10:36 - 10:38em conjunto com estes compostos orgânicos,
-
10:38 - 10:43que eu chamo "Vitamina C Exógena",
generosa vitamina C gasosa, -
10:43 - 10:46as plantas libertam antioxidantes
-
10:46 - 10:49que reagem com os poluentes.
-
10:49 - 10:50Podem estar tranquilos
-
10:50 - 10:54porque estão a respirar
o ar mais puro da Terra aqui na Amazónia, -
10:54 - 10:57porque as plantas estão a tomar conta
dessa característica também. -
10:57 - 11:00E isso favorece o próprio
funcionamento das plantas, -
11:00 - 11:02outro ciclo virtuoso.
-
11:02 - 11:06Falando de fractais,
-
11:06 - 11:08e da relação com o nosso funcionamento,
-
11:08 - 11:10vemos outras comparações.
-
11:10 - 11:14Como nas vias superiores do pulmão,
-
11:14 - 11:18o ar da Amazónia é limpo
do excesso de poeira. -
11:18 - 11:22O ar que respiramos é limpo
da poeira pelas vias respiratórias. -
11:22 - 11:26Isto impede que o excesso
de poeira prejudique a chuva. -
11:26 - 11:27Quando há queimadas na Amazónia,
-
11:27 - 11:30o fumo acaba com a chuva,
para de chover, -
11:30 - 11:32a floresta seca e o fogo entra.
-
11:32 - 11:35Há uma outra analogia fractal.
-
11:35 - 11:37Tal como nas veias e artérias,
-
11:37 - 11:40têm um retorno na água que chove
-
11:40 - 11:42e volta para a atmosfera.
-
11:42 - 11:46Tal como nas glândulas endócrinas
e nas hormonas, -
11:46 - 11:49têm aqueles gases,
que vos expliquei, -
11:49 - 11:52que se formam, como se fossem
hormonas soltadas na atmosfera, -
11:52 - 11:55que promovem a formação da chuva.
-
11:55 - 11:59Tal como o fígado e os rins,
fazem a limpeza do ar. -
11:59 - 12:01E, por fim, tal como um coração:
-
12:01 - 12:06o bombeamento da água
que vem de fora, do oceano, -
12:06 - 12:08para dentro da floresta.
-
12:08 - 12:12Estamos a chamar a isto
"A Bomba Biótica de Humidade". -
12:12 - 12:16É uma teoria nova, que é explicada
de uma maneira muito simples. -
12:16 - 12:18Se tiverem um deserto no continente,
-
12:18 - 12:21e tiverem um oceano contíguo,
-
12:21 - 12:22a evaporação no oceano é maior,
-
12:22 - 12:25produz uma sucção
e puxa o ar de cima do deserto. -
12:25 - 12:29O deserto está preso nessa condição.
Vai ser sempre seco. -
12:29 - 12:32Se têm uma condição
inversa, com floresta, -
12:32 - 12:35a evaporação, como mostrámos,
é muito maior, pelas árvores, -
12:35 - 12:37e essa relação inverte-se.
-
12:37 - 12:39Então, o ar é puxado de cima do oceano
-
12:39 - 12:42e aí têm a importação da humidade.
-
12:42 - 12:46Esta é uma imagem feita
há um mês, de satélite, -
12:46 - 12:49— Manaus está ali em baixo,
nós estamos ali em baixo — -
12:49 - 12:50que mostra este processo.
-
12:50 - 12:53Não é um riozinho bonitinho,
daqueles que fluem num canal, -
12:53 - 12:58mas é um rio poderoso,
que irriga a América do Sul -
12:58 - 13:00e tem outras finalidades.
-
13:00 - 13:02Esta imagem mostra,
naquelas trajetórias ali, -
13:02 - 13:06todos os furacões
de que temos registo. -
13:06 - 13:10E veem que, no quadrado vermelho,
quase não há furacões. -
13:10 - 13:12Isto não é por acaso.
-
13:12 - 13:15Esta bomba, que puxa humidade
para dentro do continente, -
13:15 - 13:17também acelera o ar sobre o oceano
-
13:17 - 13:20e isso impede a organização dos furacões.
-
13:21 - 13:26Para encerrar esta parte, numa síntese,
-
13:26 - 13:28queria dizer uma coisa
um pouco controversa. -
13:28 - 13:30Tenho várias colegas que participaram
-
13:30 - 13:33no desenvolvimento destas teorias,
-
13:33 - 13:36que são da opinião, eu inclusive,
-
13:36 - 13:39de que podemos
recuperar o planeta Terra. -
13:39 - 13:42Eu não estou a falar hoje aqui
só da Amazónia. -
13:42 - 13:44A Amazónia dá-nos uma lição
-
13:44 - 13:48de como a natureza pristina funciona.
-
13:48 - 13:50Não entendíamos estes processos antes
-
13:50 - 13:53porque o resto do mundo
está todo detonado. -
13:53 - 13:55Aqui nós pudemos entender.
-
13:55 - 13:58Então, estes colegas dizem:
"Nós podemos, sim, -
13:58 - 14:00"recuperar as outras áreas,
-
14:00 - 14:02"inclusive desertos".
-
14:02 - 14:06Se conseguirmos estabelecer florestas
nessas outras áreas, -
14:06 - 14:08podemos reverter o clima.
-
14:08 - 14:10Inclusive, o aquecimento global.
-
14:10 - 14:13E eu tenho uma colega
muito querida na Índia, -
14:13 - 14:16chamada Suprabha Seshan, que tem um lema.
-
14:16 - 14:21O lema dela em inglês é:
"Gardening back the biosphere", -
14:21 - 14:22Reajardinar a biosfera.
-
14:22 - 14:25Ela faz um trabalho maravilhoso
de reconstrução de ecossistemas. -
14:25 - 14:28Precisamos de fazer isso.
-
14:28 - 14:32Concluída esta introdução rápida,
-
14:32 - 14:36chegamos à realidade
que estamos a ver aqui fora, -
14:36 - 14:39que é a seca, essa mudança climática,
-
14:39 - 14:41e coisas que já sabíamos.
-
14:41 - 14:43E aqui, eu queria contar-vos
uma pequena história. -
14:45 - 14:48Eu, uma vez, ouvi, há quatro anos,
-
14:48 - 14:52uma declamação
de um texto do Davi Copenaua, -
14:52 - 14:55um sábio representante do povo ianomâmi,
-
14:55 - 14:57que dizia mais ou menos o seguinte:
-
14:57 - 15:00"Será que o homem branco não sabe
-
15:00 - 15:04"que, se ele tirar a floresta,
vai acabar a chuva? -
15:04 - 15:06"E se acabar a chuva,
ele não vai ter o que beber, -
15:06 - 15:08"nem o que comer?"
-
15:08 - 15:11E eu ouvi aquilo,
cheguei às lágrimas, -
15:11 - 15:13porque disse: "Nossa!
-
15:13 - 15:16"Estou há 20 anos estudando isso,
supercomputador, -
15:17 - 15:19"dezenas, milhares de cientistas,
-
15:19 - 15:23"e a gente está começando a chegar
a essa conclusão, e ele já sabe!" -
15:23 - 15:28Uma agravante: os ianomâmis
nunca desmataram. -
15:28 - 15:30Como é que eles podem saber
que acaba a chuva? -
15:30 - 15:34Fiquei com isso na cabeça
e fiquei completamente chocado. -
15:34 - 15:36Como é que ele podia saber?
-
15:36 - 15:40Alguns meses depois, encontrei-o,
num outro evento, e disse-lhe: -
15:40 - 15:45"Davi, como é que você sabia que
tirando a floresta, acaba a chuva?" -
15:45 - 15:50Ele disse:
"O espírito da floresta nos contou". -
15:50 - 15:55E isto, para mim,
alterou as coisas. -
15:55 - 15:56Foi uma mudança total,
-
15:56 - 15:58porque eu disse: "Poxa!
-
15:58 - 16:02"Então, por que eu estou
fazendo toda a ciência, -
16:02 - 16:05"para chegar à conclusão
do que ele já sabe?" -
16:05 - 16:11E aí, bateu-me algo absolutamente crítico,
-
16:11 - 16:13que é...
-
16:16 - 16:19"o que os olhos não veem
o coração não sente". -
16:20 - 16:23"Out of sight, out of mind", não é?
-
16:23 - 16:28E isso é uma necessidade
que o meu antecessor colocou, -
16:28 - 16:31que nós temos de ver as coisas
-
16:31 - 16:33— nós, quando eu digo,
é a sociedade ocidental -
16:33 - 16:35que se está a tornar
global, civilizada, — -
16:35 - 16:37nós precisamos de ver.
-
16:37 - 16:39Se não vemos, não registamos.
-
16:39 - 16:41Vivemos na ignorância.
-
16:41 - 16:43Então, faço a seguinte proposta:
-
16:43 - 16:45Vamos — claro que os astrónomos
não vão gostar — -
16:45 - 16:48mas vamos virar o Hubble ao contrário.
-
16:48 - 16:51E vamos fazer o Hubble olhar para cá.
-
16:51 - 16:53Não para os confins do universo.
-
16:53 - 16:55Maravilhosos os confins do universo,
-
16:55 - 16:57mas, agora, temos
uma realidade prática, -
16:57 - 17:01que é: vivemos
num cosmos desconhecido, -
17:01 - 17:02e somos ignorantes.
-
17:02 - 17:06Estamos a tripudiar
sobre este cosmos maravilhoso -
17:06 - 17:08que nos dá morada e abrigo.
-
17:08 - 17:09Conversem com um astrofísico:
-
17:09 - 17:13a Terra é uma improbabilidade estatística.
-
17:13 - 17:15A estabilidade e o conforto
que apreciamos, -
17:15 - 17:17com todas as secas do rio Negro,
-
17:17 - 17:20com todos os calores e frios,
tufões, etc., -
17:20 - 17:23não existe nada igual no universo,
nada conhecido. -
17:23 - 17:25Então, viremos o Hubble para cá
-
17:25 - 17:29e vamos ver a Terra.
-
17:29 - 17:32Vamos começar pela Amazónia!
-
17:32 - 17:33Vamos dar um mergulho,
-
17:33 - 17:37vamos chegar à realidade
em que vivemos quotidianamente, -
17:37 - 17:41e vê-la bem de perto,
já que precisamos disso. -
17:41 - 17:43O Davi Copenaua não precisa.
-
17:43 - 17:45Ele já tem algo que eu acho que perdi.
-
17:45 - 17:47Eu fui educado pela televisão.
-
17:47 - 17:49Acho que perdi esse algo,
-
17:49 - 17:50que é um registo ancestral,
-
17:50 - 17:55que é uma valorização daquilo
que não conheço, que não vi. -
17:55 - 17:57Ele não precisa da prova de São Tomé.
-
17:57 - 18:00Ele acredita com veneração e reverência
-
18:00 - 18:04naquilo que os antepassados
lhe ensinaram, e os espíritos. -
18:04 - 18:06Já que não conseguimos,
então vamos ver a floresta. -
18:06 - 18:10Mas mesmo quando estamos
com o Hubble lá, a olhar para o céu -
18:10 - 18:12— esta é a visão do pássaro, não é?
-
18:12 - 18:14Mesmo quando isto acontece,
-
18:14 - 18:17vemos algo que também desconhecemos.
-
18:17 - 18:19Os espanhóis chamaram-lhe inferno verde.
-
18:19 - 18:22Se andarem aqui,
neste mato, e se perderem, -
18:22 - 18:24e forem, por acaso, para o oeste,
-
18:24 - 18:26são 900km para chegar à Colômbia.
-
18:26 - 18:28Mais mil para chegar a algum sítio.
-
18:28 - 18:31Então, entende-se porque é que
eles lhe chamavam inferno verde. -
18:31 - 18:35Mas vão ver o que há ali dentro.
-
18:35 - 18:36É um tapete vivo.
-
18:36 - 18:38Cada cor ali é uma espécie de árvore.
-
18:38 - 18:40Cada árvore, cada copa,
-
18:40 - 18:45chega a ter 10 mil espécies
de insetos dentro, -
18:45 - 18:49sem falar nos milhões de espécies
de fungos, bactérias, etc. -
18:49 - 18:50Tudo invisível.
-
18:50 - 18:54Tudo um cosmos mais estranho para nós
-
18:54 - 18:57do que as galáxias distantes, a milhares
de milhões de anos-luz da Terra, -
18:57 - 19:00que o Hubble nos trás
todos os dias nos jornais. -
19:01 - 19:03E eu encerro a minha apresentação
-
19:03 - 19:05— eu tenho só poucos segundos —
-
19:05 - 19:07mostrando este ser maravilhoso,
-
19:07 - 19:10que quando vemos
— a borboleta "morpho" — na floresta, -
19:10 - 19:13temos a sensação de que alguém
se esqueceu da porta do paraíso aberta -
19:13 - 19:16e esta criatura escapou de lá,
porque é muito bonita. -
19:16 - 19:18Mas, não posso terminar
-
19:18 - 19:21sem mostrar um lado tecnológico.
-
19:21 - 19:24Nós temos a arrogância da tecnologia.
-
19:24 - 19:27Nós desapossamos a natureza
da sua tecnologia. -
19:27 - 19:29Uma mão robótica é tecnológica,
-
19:29 - 19:30a minha mão é biológica;
-
19:30 - 19:32e não pensamos mais no assunto.
-
19:32 - 19:34Então, vamos ver a borboleta "morpho",
-
19:34 - 19:39que é um exemplo de uma
competência tecnológica invisível da vida, -
19:39 - 19:44que está no âmago da nossa possibilidade
de sobrevivência no planeta, -
19:44 - 19:46e vamos ampliá-la.
De novo, o Hubble. -
19:46 - 19:48Vamos entrar na asa da borboleta.
-
19:48 - 19:52E estes estudiosos tentaram explicar:
por que é que ela é azul? -
19:52 - 19:54E vamos ampliar.
-
19:54 - 19:59E o que veem
é que a arquitetura do invisível -
19:59 - 20:02humilha os melhores arquitetos do mundo.
-
20:02 - 20:04Isto tudo numa escala muito pequena.
-
20:04 - 20:08Além da beleza e do funcionamento,
há outro aspeto. -
20:08 - 20:11Tudo o que é, na natureza,
-
20:11 - 20:15organizado em estruturas extraordinárias,
tem uma função. -
20:15 - 20:19E esta função, da borboleta morpho
— ela não é azul, -
20:19 - 20:21não existe pigmento azul nela.
-
20:21 - 20:23Ela tem cristais fotónicos
na superfície -
20:23 - 20:25— segundo quem estudou isso —
-
20:25 - 20:27cristais extremamente sofisticados.
-
20:27 - 20:30Nada igual ao que a nossa tecnologia
tinha ainda na época. -
20:30 - 20:33Agora, a Hitachi
já fez um ecrã de monitor -
20:33 - 20:35que usa esta tecnologia
-
20:35 - 20:37e é usada em fibra ótica
para transmissão de... -
20:37 - 20:41A Janine Benyus, que já veio várias
vezes cá, fala sobre isso: biomimética. -
20:41 - 20:43E já acabou o meu tempo.
-
20:43 - 20:48Então eu vou concluir com o que
está na base desta capacidade, -
20:48 - 20:51desta competência da biodiversidade,
-
20:51 - 20:53de produzir todos aqueles
serviços maravilhosos: -
20:53 - 20:55a célula viva.
-
20:55 - 20:58É uma estrutura de alguns mícrones,
que é uma maravilha interna. -
20:58 - 21:01Há palestras da TED sobre isso,
não vou me alongar, -
21:01 - 21:05mas cada um nesta sala, inclusive eu,
-
21:05 - 21:08tem 100 biliões
destas micromáquinas no corpo, -
21:08 - 21:11para que vocês apreciem esse bem-estar.
-
21:11 - 21:14Imaginem quantos tem a Floresta Amazónica.
-
21:14 - 21:18100 biliões. Isto é mais
do que o número de estrelas no céu. -
21:18 - 21:20E nós não temos consciência.
-
21:20 - 21:21Muito obrigado.
-
21:21 - 21:22(Aplausos)
- Title:
- Há um rio sobre nós
- Speaker:
- Antonio Donato Nobre
- Description:
-
Antonio Donato Nobre estuda as interações entre as florestas e a atmosfera. A sua pesquisa mostrou que há verdadeiros rios de vapor a correr sobre a floresta amazónica e a levar humidade para boa parte do continente. Graças a esses rios, a América do Sul não é um deserto como a África. A sua pesquisa revela a fragilidade das florestas perante mudanças climáticas e o risco que corremos se as perdermos.
- Video Language:
- Portuguese, Brazilian
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 21:35
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