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Há um rio sobre nós

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    O que acham?
  • 0:03 - 0:07
    Para quem viu a palestra de Sir Ken,
    memorável, no TED,
  • 0:07 - 0:10
    eu sou um típico exemplar
    do que ele descreve:
  • 0:10 - 0:13
    "um corpo a carregar uma cabeça".
  • 0:13 - 0:16
    Professor universitário, não é?
  • 0:16 - 0:19
    Poderiam achar que é uma cobardia
  • 0:19 - 0:22
    colocar-me, depois destas duas
    primeiras apresentações,
  • 0:22 - 0:24
    a falar de ciência.
  • 0:25 - 0:28
    Não consigo balançar
    o meu corpo num ritmo.
  • 0:28 - 0:31
    E depois de um cientista
    que se tornou filósofo,
  • 0:31 - 0:33
    eu tinha que falar da ciência dura.
  • 0:33 - 0:36
    Poderia ser um tema muito árido
  • 0:36 - 0:40
    e, no entanto, sinto-me agraciado.
  • 0:40 - 0:41
    Nunca, na minha carreira,
  • 0:41 - 0:43
    e já vai longa a minha carreira,
  • 0:43 - 0:46
    eu tive a oportunidade
    de começar uma palestra
  • 0:46 - 0:48
    com tamanha inspiração, como esta.
  • 0:48 - 0:52
    Normalmente, falar de ciência
  • 0:52 - 0:55
    é como fazer exercício numa terra árida.
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    No entanto, tive a felicidade
  • 1:00 - 1:03
    de ser convidado
    para vir cá falar sobre água.
  • 1:04 - 1:07
    E "água" e "árido" não combinam.
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    Melhor ainda,
    vim falar sobre água na Amazónia,
  • 1:11 - 1:16
    que é um berço esplêndido
    de vida. Fresca.
  • 1:16 - 1:18
    Então, foi o que me inspirou.
  • 1:18 - 1:20
    Por isso estou aqui, apesar de carregar
  • 1:20 - 1:22
    a minha cabeça, mais ou menos,
  • 1:22 - 1:26
    eu estou aqui a tentar, vou tentar,
    transmitir essa inspiração.
  • 1:26 - 1:30
    Espero que a história os inspire,
    que vocês a multipliquem.
  • 1:31 - 1:36
    Sabemos que há controvérsia
  • 1:36 - 1:38
    — a Amazónia é o pulmão do mundo, não é? —
  • 1:39 - 1:44
    pelo poder que tem
    de trocar massivamente gases vitais
  • 1:44 - 1:46
    — a floresta com a atmosfera.
  • 1:46 - 1:50
    Também ouvimos falar
    do celeiro da biodiversidade.
  • 1:50 - 1:55
    Embora muitos acreditem nisso,
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    poucos conhecem.
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    Se forem aqui fora, à floresta alagada,
    vão-se maravilhar com a...
  • 2:02 - 2:04
    Quase não conseguem ver os bichos.
  • 2:04 - 2:08
    Os índios dizem: "Na floresta,
    há mais olhos do que folhas."
  • 2:08 - 2:11
    É verdade, e eu vou tentar mostrar
    algumas coisas.
  • 2:11 - 2:14
    Mas hoje,
    trouxe uma outra abordagem,
  • 2:14 - 2:17
    uma abordagem que,
    inspirado por estas duas iniciativas,
  • 2:17 - 2:20
    uma harmónica e a outra filosófica,
  • 2:20 - 2:24
    vou tentar usar a abordagem
    que é um pouco material,
  • 2:24 - 2:27
    mas tenta transmitir também
    que existe, na natureza,
  • 2:27 - 2:30
    uma filosofia
    e uma harmonia extraordinárias.
  • 2:30 - 2:32
    Não vai haver música
    na minha apresentação,
  • 2:32 - 2:36
    mas espero que vejam a música
    da realidade que vou mostrar.
  • 2:36 - 2:39
    Vou falar de fisiologia — não é do pulmão,
  • 2:39 - 2:43
    é de outras analogias
    com a fisiologia humana
  • 2:43 - 2:45
    e, principalmente, com o coração.
  • 2:45 - 2:47
    Começamos...
  • 2:49 - 2:54
    por pensar que a água é como o sangue.
  • 2:54 - 2:59
    A circulação no nosso corpo
    leva o sangue fresco,
  • 2:59 - 3:02
    que alimenta, que nutre e que sustenta,
  • 3:02 - 3:06
    e traz de volta o sangue usado,
    para ser renovado.
  • 3:06 - 3:11
    Na Amazónia,
    ocorrem coisas muito semelhantes.
  • 3:11 - 3:16
    Começamos por falar
    sobre o poder de todos esses processos.
  • 3:16 - 3:20
    Esta é uma imagem,
  • 3:20 - 3:23
    em movimento, das chuvas.
  • 3:23 - 3:27
    E o que veem ali
    são os anos a passar a cada segundo.
  • 3:27 - 3:30
    As chuvas no mundo inteiro.
    E o que é que veem?
  • 3:30 - 3:32
    Que a região equatorial, em geral,
  • 3:32 - 3:34
    a Amazónia em particular,
  • 3:34 - 3:37
    é enormemente importante
    para o clima do mundo.
  • 3:37 - 3:39
    É um motor poderoso.
  • 3:39 - 3:44
    Existe aqui uma atividade frenética
    em relação à evaporação.
  • 3:44 - 3:47
    Se virmos outra imagem,
  • 3:47 - 3:50
    que mostra os fluxos de vapor de água,
  • 3:50 - 3:53
    o que é preto ali é ar seco,
    o que é cinza é ar húmido
  • 3:53 - 3:54
    e o que é branco são nuvens.
  • 3:54 - 4:00
    Veem ali um ressurgimento
    extraordinário na Amazónia.
  • 4:00 - 4:02
    Que fenómeno
    — se não é um deserto, —
  • 4:02 - 4:07
    que fenómeno faz com que a água
    jorre do solo para a atmosfera,
  • 4:07 - 4:10
    com tamanho poder,
    que se vê do espaço?
  • 4:10 - 4:12
    Que fenómeno é este?
  • 4:12 - 4:15
    Poderia ser um gêiser.
  • 4:15 - 4:19
    O gêiser é a água subterrânea
    aquecida pelo calor do magma,
  • 4:19 - 4:20
    que explode para a atmosfera,
  • 4:20 - 4:24
    transfere essa água para a atmosfera.
  • 4:24 - 4:27
    Não temos gêiseres na Amazónia,
    a menos que eu me engane.
  • 4:27 - 4:29
    Não sei se alguém conhece algum.
  • 4:29 - 4:33
    Mas temos algo que faz o mesmo papel,
  • 4:33 - 4:36
    mas com muito mais elegância:
  • 4:36 - 4:39
    são as amigas e benfazejas árvores,
  • 4:39 - 4:42
    que, assim como os gêiseres,
  • 4:42 - 4:47
    conseguem transferir uma quantidade
    enorme de água do solo para a atmosfera.
  • 4:47 - 4:53
    São 600 mil milhões de árvores
    na Amazónia, 600 mil milhões de gêiseres.
  • 4:53 - 4:57
    E isto com uma sofisticação
    extraordinária.
  • 4:57 - 4:58
    Não precisam do calor do magma.
  • 4:58 - 5:01
    Usam a luz do Sol
    para este processo.
  • 5:01 - 5:05
    Então, num dia,
    um dia típico ensolarado na Amazónia,
  • 5:05 - 5:08
    uma árvore grande
    chega a transferir mil litros de água
  • 5:08 - 5:10
    através da evaporação.
  • 5:10 - 5:11
    Mil litros.
  • 5:11 - 5:17
    Se pegarem em toda a Amazónia,
  • 5:17 - 5:19
    que é uma área muito grande,
  • 5:19 - 5:22
    e somarem toda esta água
    que está a ser evaporada,
  • 5:22 - 5:24
    — é o suor da floresta, —
  • 5:24 - 5:27
    chegam a um número extraordinário:
  • 5:27 - 5:30
    20 mil milhões de toneladas de água.
  • 5:30 - 5:31
    Sabem — isto é num dia.
  • 5:31 - 5:34
    Sabem quanto é isto?
  • 5:34 - 5:36
    O rio Amazonas, o maior rio da Terra,
  • 5:36 - 5:38
    um quinto de toda a água doce
  • 5:38 - 5:41
    que sai dos continentes no mundo inteiro
    e que chega aos oceanos,
  • 5:41 - 5:46
    despeja 17 mil milhões de toneladas
    de água por dia no Oceano Atlântico.
  • 5:46 - 5:47
    Este rio de vapor,
  • 5:47 - 5:50
    que sai da floresta
    e vai para a atmosfera,
  • 5:50 - 5:51
    é maior do que o rio Amazonas.
  • 5:51 - 5:53
    Só para terem uma ideia.
  • 5:53 - 5:57
    Se pudéssemos pegar
    numa chaleira bastante grande,
  • 5:57 - 6:00
    daquelas de ligar na tomada,
    chaleira elétrica,
  • 6:00 - 6:02
    e colocássemos estes 20 mil milhões
    de toneladas dentro,
  • 6:02 - 6:05
    de quanta eletricidade precisaríamos
    para evaporar essa água?
  • 6:05 - 6:08
    Alguém faz ideia?
    Uma chaleira bem grande mesmo.
  • 6:08 - 6:10
    Chaleira dos gigantes, não é?
  • 6:10 - 6:13
    50 mil Itaipus.
  • 6:13 - 6:16
    Itaipu, para quem não sabe,
    é a maior hidroelétrica do mundo, ainda,
  • 6:16 - 6:18
    e é um orgulho brasileiro
  • 6:18 - 6:20
    porque fornece mais de 30% da energia
  • 6:20 - 6:22
    que é consumida no Brasil.
  • 6:22 - 6:27
    E a Amazónia está aqui,
    a fazer isso de graça.
  • 6:27 - 6:32
    É uma poderosíssima e viva usina
    de serviços ambientais.
  • 6:34 - 6:36
    Ligado a este tema,
  • 6:36 - 6:39
    vamos falar sobre o que eu chamo
    "paradoxo da sorte",
  • 6:39 - 6:41
    que é uma curiosidade.
  • 6:41 - 6:42
    Se virem o mapa-múndi
  • 6:42 - 6:44
    — é fácil de perceber —
  • 6:44 - 6:47
    veem que, na zona equatorial,
    têm as florestas,
  • 6:47 - 6:50
    e os desertos estão organizados
    a 30º de latitude norte,
  • 6:50 - 6:53
    30º de latitude sul, alinhados.
  • 6:53 - 6:56
    Vejam ali, no hemisfério sul, o Atacama,
  • 6:56 - 6:59
    Namíbia e Calaári na África,
    o deserto da Austrália.
  • 6:59 - 7:02
    No hemisfério norte,
    o Saara, o Sonora e etc.
  • 7:02 - 7:06
    Há uma exceção, e é uma curiosidade:
  • 7:06 - 7:10
    é o quadrilátero que vai
    de Cuiabá a Buenos Aires,
  • 7:10 - 7:11
    de São Paulo aos Andes.
  • 7:11 - 7:14
    Este quadrilátero era para ser deserto.
  • 7:14 - 7:17
    Está na linha dos desertos.
  • 7:17 - 7:20
    Porque não o é? É por isso
    que lhe chamo o "paradoxo da sorte".
  • 7:20 - 7:23
    O que é que existe na América do Sul
    de diferente?
  • 7:24 - 7:26
    Se pudermos usar a analogia
  • 7:26 - 7:31
    da circulação sanguínea no corpo,
    e do sangue,
  • 7:31 - 7:34
    com a circulação da água na paisagem,
  • 7:34 - 7:38
    vemos nos rios, que eles são veias,
  • 7:38 - 7:42
    drenam a paisagem,
    drenam o tecido da natureza.
  • 7:42 - 7:44
    E onde estão as artérias?
  • 7:44 - 7:46
    Algum palpite?
  • 7:46 - 7:48
    O que leva...
  • 7:48 - 7:53
    Como é que a água chega
    a irrigar os tecidos da natureza
  • 7:53 - 7:57
    e trazer de volta tudo pelos rios?
  • 7:57 - 8:00
    Há um novo tipo de rio,
  • 8:00 - 8:03
    que nasce no oceano azul,
  • 8:03 - 8:06
    que flui pelo oceano verde
  • 8:06 - 8:09
    — não só flui, mas é bombeado
    pelo oceano verde —
  • 8:09 - 8:12
    e cuja foz é a nossa terra.
  • 8:12 - 8:15
    Toda a nossa economia,
    aquele quadrilátero,
  • 8:15 - 8:19
    70% do PIB da América do Sul
    sai daquela região.
  • 8:19 - 8:21
    Depende deste rio.
  • 8:21 - 8:23
    E este rio flui, invisível, acima de nós.
  • 8:23 - 8:25
    Estamos a flutuar aqui nesta plataforma,
  • 8:25 - 8:28
    num dos maiores rios da Terra,
    que é o rio Negro.
  • 8:28 - 8:31
    Está meio seco, meio bravo,
    mas estamos a flutuar aqui,
  • 8:31 - 8:34
    e por cima de nós
    há um rio invisível a passar.
  • 8:34 - 8:38
    E este rio, ele pulsa.
  • 8:38 - 8:40
    E aqui está a pulsação dele.
  • 8:40 - 8:42
    Por isso falamos de coração também.
  • 8:42 - 8:45
    Veem ali as estações do ano.
  • 8:45 - 8:48
    Chove uma época... Na Amazónia,
    costumávamos ter duas estações,
  • 8:48 - 8:50
    a húmida e a mais húmida.
  • 8:50 - 8:52
    Agora temos a estação seca.
  • 8:52 - 8:55
    E veem ali ele a lamber esta região
  • 8:55 - 8:58
    que deveria, de outra forma,
    ser um deserto e não é.
  • 9:02 - 9:05
    Nós, cientistas... veem
    que estou com dificuldade
  • 9:05 - 9:08
    para levar a minha cabeça
    de um lado para o outro.
  • 9:08 - 9:13
    Os cientistas estudam
    como funciona, porquê, etc.,
  • 9:13 - 9:18
    e esses estudos estão a gerar
    uma série de descobertas
  • 9:18 - 9:19
    absolutamente extraordinárias
  • 9:19 - 9:22
    para nos trazerem
    a consciência da riqueza,
  • 9:22 - 9:25
    da complexidade e da maravilha
    que nós temos,
  • 9:25 - 9:28
    da sinfonia que temos
    neste funcionamento.
  • 9:28 - 9:30
    Um deles é: como é que se forma a chuva?
  • 9:30 - 9:34
    Por cima da Amazónia, há ar limpo,
  • 9:34 - 9:36
    tal como por cima do oceano.
  • 9:36 - 9:38
    O oceano azul tem ar limpo
    e forma muito poucas nuvens,
  • 9:38 - 9:40
    quase não chove.
  • 9:40 - 9:44
    No oceano verde, há ar limpo igual,
    e forma-se muita chuva.
  • 9:44 - 9:47
    O que é que acontece aqui,
    que é diferente?
  • 9:47 - 9:48
    A floresta emite cheiros,
  • 9:48 - 9:51
    e esses cheiros
    são núcleos de condensação,
  • 9:51 - 9:54
    que formam gotas na atmosfera,
  • 9:54 - 9:59
    e nela formam-se as nuvens
    que chovem torrencialmente.
  • 9:59 - 10:01
    O regador do Jardim do Éden.
  • 10:02 - 10:07
    Esta relação de uma entidade viva,
    que é a floresta,
  • 10:07 - 10:10
    com uma entidade não viva,
    que é a atmosfera,
  • 10:10 - 10:12
    é virtuosa na Amazónia,
  • 10:12 - 10:17
    porque a floresta joga água
    e joga sementinhas,
  • 10:17 - 10:20
    a atmosfera forma chuva e devolve,
  • 10:20 - 10:24
    e assim garante
    a sobrevivência da floresta.
  • 10:25 - 10:26
    Há outros fatores também.
  • 10:26 - 10:27
    Falámos um pouco do coração,
  • 10:27 - 10:31
    agora vamos falar
    de uma outra função: o fígado!
  • 10:31 - 10:36
    Quando o ar húmido, uma alta humidade
    e radiação, são combinados
  • 10:36 - 10:38
    em conjunto com estes compostos orgânicos,
  • 10:38 - 10:43
    que eu chamo "Vitamina C Exógena",
    generosa vitamina C gasosa,
  • 10:43 - 10:46
    as plantas libertam antioxidantes
  • 10:46 - 10:49
    que reagem com os poluentes.
  • 10:49 - 10:50
    Podem estar tranquilos
  • 10:50 - 10:54
    porque estão a respirar
    o ar mais puro da Terra aqui na Amazónia,
  • 10:54 - 10:57
    porque as plantas estão a tomar conta
    dessa característica também.
  • 10:57 - 11:00
    E isso favorece o próprio
    funcionamento das plantas,
  • 11:00 - 11:02
    outro ciclo virtuoso.
  • 11:02 - 11:06
    Falando de fractais,
  • 11:06 - 11:08
    e da relação com o nosso funcionamento,
  • 11:08 - 11:10
    vemos outras comparações.
  • 11:10 - 11:14
    Como nas vias superiores do pulmão,
  • 11:14 - 11:18
    o ar da Amazónia é limpo
    do excesso de poeira.
  • 11:18 - 11:22
    O ar que respiramos é limpo
    da poeira pelas vias respiratórias.
  • 11:22 - 11:26
    Isto impede que o excesso
    de poeira prejudique a chuva.
  • 11:26 - 11:27
    Quando há queimadas na Amazónia,
  • 11:27 - 11:30
    o fumo acaba com a chuva,
    para de chover,
  • 11:30 - 11:32
    a floresta seca e o fogo entra.
  • 11:32 - 11:35
    Há uma outra analogia fractal.
  • 11:35 - 11:37
    Tal como nas veias e artérias,
  • 11:37 - 11:40
    têm um retorno na água que chove
  • 11:40 - 11:42
    e volta para a atmosfera.
  • 11:42 - 11:46
    Tal como nas glândulas endócrinas
    e nas hormonas,
  • 11:46 - 11:49
    têm aqueles gases,
    que vos expliquei,
  • 11:49 - 11:52
    que se formam, como se fossem
    hormonas soltadas na atmosfera,
  • 11:52 - 11:55
    que promovem a formação da chuva.
  • 11:55 - 11:59
    Tal como o fígado e os rins,
    fazem a limpeza do ar.
  • 11:59 - 12:01
    E, por fim, tal como um coração:
  • 12:01 - 12:06
    o bombeamento da água
    que vem de fora, do oceano,
  • 12:06 - 12:08
    para dentro da floresta.
  • 12:08 - 12:12
    Estamos a chamar a isto
    "A Bomba Biótica de Humidade".
  • 12:12 - 12:16
    É uma teoria nova, que é explicada
    de uma maneira muito simples.
  • 12:16 - 12:18
    Se tiverem um deserto no continente,
  • 12:18 - 12:21
    e tiverem um oceano contíguo,
  • 12:21 - 12:22
    a evaporação no oceano é maior,
  • 12:22 - 12:25
    produz uma sucção
    e puxa o ar de cima do deserto.
  • 12:25 - 12:29
    O deserto está preso nessa condição.
    Vai ser sempre seco.
  • 12:29 - 12:32
    Se têm uma condição
    inversa, com floresta,
  • 12:32 - 12:35
    a evaporação, como mostrámos,
    é muito maior, pelas árvores,
  • 12:35 - 12:37
    e essa relação inverte-se.
  • 12:37 - 12:39
    Então, o ar é puxado de cima do oceano
  • 12:39 - 12:42
    e aí têm a importação da humidade.
  • 12:42 - 12:46
    Esta é uma imagem feita
    há um mês, de satélite,
  • 12:46 - 12:49
    — Manaus está ali em baixo,
    nós estamos ali em baixo —
  • 12:49 - 12:50
    que mostra este processo.
  • 12:50 - 12:53
    Não é um riozinho bonitinho,
    daqueles que fluem num canal,
  • 12:53 - 12:58
    mas é um rio poderoso,
    que irriga a América do Sul
  • 12:58 - 13:00
    e tem outras finalidades.
  • 13:00 - 13:02
    Esta imagem mostra,
    naquelas trajetórias ali,
  • 13:02 - 13:06
    todos os furacões
    de que temos registo.
  • 13:06 - 13:10
    E veem que, no quadrado vermelho,
    quase não há furacões.
  • 13:10 - 13:12
    Isto não é por acaso.
  • 13:12 - 13:15
    Esta bomba, que puxa humidade
    para dentro do continente,
  • 13:15 - 13:17
    também acelera o ar sobre o oceano
  • 13:17 - 13:20
    e isso impede a organização dos furacões.
  • 13:21 - 13:26
    Para encerrar esta parte, numa síntese,
  • 13:26 - 13:28
    queria dizer uma coisa
    um pouco controversa.
  • 13:28 - 13:30
    Tenho várias colegas que participaram
  • 13:30 - 13:33
    no desenvolvimento destas teorias,
  • 13:33 - 13:36
    que são da opinião, eu inclusive,
  • 13:36 - 13:39
    de que podemos
    recuperar o planeta Terra.
  • 13:39 - 13:42
    Eu não estou a falar hoje aqui
    só da Amazónia.
  • 13:42 - 13:44
    A Amazónia dá-nos uma lição
  • 13:44 - 13:48
    de como a natureza pristina funciona.
  • 13:48 - 13:50
    Não entendíamos estes processos antes
  • 13:50 - 13:53
    porque o resto do mundo
    está todo detonado.
  • 13:53 - 13:55
    Aqui nós pudemos entender.
  • 13:55 - 13:58
    Então, estes colegas dizem:
    "Nós podemos, sim,
  • 13:58 - 14:00
    "recuperar as outras áreas,
  • 14:00 - 14:02
    "inclusive desertos".
  • 14:02 - 14:06
    Se conseguirmos estabelecer florestas
    nessas outras áreas,
  • 14:06 - 14:08
    podemos reverter o clima.
  • 14:08 - 14:10
    Inclusive, o aquecimento global.
  • 14:10 - 14:13
    E eu tenho uma colega
    muito querida na Índia,
  • 14:13 - 14:16
    chamada Suprabha Seshan, que tem um lema.
  • 14:16 - 14:21
    O lema dela em inglês é:
    "Gardening back the biosphere",
  • 14:21 - 14:22
    Reajardinar a biosfera.
  • 14:22 - 14:25
    Ela faz um trabalho maravilhoso
    de reconstrução de ecossistemas.
  • 14:25 - 14:28
    Precisamos de fazer isso.
  • 14:28 - 14:32
    Concluída esta introdução rápida,
  • 14:32 - 14:36
    chegamos à realidade
    que estamos a ver aqui fora,
  • 14:36 - 14:39
    que é a seca, essa mudança climática,
  • 14:39 - 14:41
    e coisas que já sabíamos.
  • 14:41 - 14:43
    E aqui, eu queria contar-vos
    uma pequena história.
  • 14:45 - 14:48
    Eu, uma vez, ouvi, há quatro anos,
  • 14:48 - 14:52
    uma declamação
    de um texto do Davi Copenaua,
  • 14:52 - 14:55
    um sábio representante do povo ianomâmi,
  • 14:55 - 14:57
    que dizia mais ou menos o seguinte:
  • 14:57 - 15:00
    "Será que o homem branco não sabe
  • 15:00 - 15:04
    "que, se ele tirar a floresta,
    vai acabar a chuva?
  • 15:04 - 15:06
    "E se acabar a chuva,
    ele não vai ter o que beber,
  • 15:06 - 15:08
    "nem o que comer?"
  • 15:08 - 15:11
    E eu ouvi aquilo,
    cheguei às lágrimas,
  • 15:11 - 15:13
    porque disse: "Nossa!
  • 15:13 - 15:16
    "Estou há 20 anos estudando isso,
    supercomputador,
  • 15:17 - 15:19
    "dezenas, milhares de cientistas,
  • 15:19 - 15:23
    "e a gente está começando a chegar
    a essa conclusão, e ele já sabe!"
  • 15:23 - 15:28
    Uma agravante: os ianomâmis
    nunca desmataram.
  • 15:28 - 15:30
    Como é que eles podem saber
    que acaba a chuva?
  • 15:30 - 15:34
    Fiquei com isso na cabeça
    e fiquei completamente chocado.
  • 15:34 - 15:36
    Como é que ele podia saber?
  • 15:36 - 15:40
    Alguns meses depois, encontrei-o,
    num outro evento, e disse-lhe:
  • 15:40 - 15:45
    "Davi, como é que você sabia que
    tirando a floresta, acaba a chuva?"
  • 15:45 - 15:50
    Ele disse:
    "O espírito da floresta nos contou".
  • 15:50 - 15:55
    E isto, para mim,
    alterou as coisas.
  • 15:55 - 15:56
    Foi uma mudança total,
  • 15:56 - 15:58
    porque eu disse: "Poxa!
  • 15:58 - 16:02
    "Então, por que eu estou
    fazendo toda a ciência,
  • 16:02 - 16:05
    "para chegar à conclusão
    do que ele já sabe?"
  • 16:05 - 16:11
    E aí, bateu-me algo absolutamente crítico,
  • 16:11 - 16:13
    que é...
  • 16:16 - 16:19
    "o que os olhos não veem
    o coração não sente".
  • 16:20 - 16:23
    "Out of sight, out of mind", não é?
  • 16:23 - 16:28
    E isso é uma necessidade
    que o meu antecessor colocou,
  • 16:28 - 16:31
    que nós temos de ver as coisas
  • 16:31 - 16:33
    — nós, quando eu digo,
    é a sociedade ocidental
  • 16:33 - 16:35
    que se está a tornar
    global, civilizada, —
  • 16:35 - 16:37
    nós precisamos de ver.
  • 16:37 - 16:39
    Se não vemos, não registamos.
  • 16:39 - 16:41
    Vivemos na ignorância.
  • 16:41 - 16:43
    Então, faço a seguinte proposta:
  • 16:43 - 16:45
    Vamos — claro que os astrónomos
    não vão gostar —
  • 16:45 - 16:48
    mas vamos virar o Hubble ao contrário.
  • 16:48 - 16:51
    E vamos fazer o Hubble olhar para cá.
  • 16:51 - 16:53
    Não para os confins do universo.
  • 16:53 - 16:55
    Maravilhosos os confins do universo,
  • 16:55 - 16:57
    mas, agora, temos
    uma realidade prática,
  • 16:57 - 17:01
    que é: vivemos
    num cosmos desconhecido,
  • 17:01 - 17:02
    e somos ignorantes.
  • 17:02 - 17:06
    Estamos a tripudiar
    sobre este cosmos maravilhoso
  • 17:06 - 17:08
    que nos dá morada e abrigo.
  • 17:08 - 17:09
    Conversem com um astrofísico:
  • 17:09 - 17:13
    a Terra é uma improbabilidade estatística.
  • 17:13 - 17:15
    A estabilidade e o conforto
    que apreciamos,
  • 17:15 - 17:17
    com todas as secas do rio Negro,
  • 17:17 - 17:20
    com todos os calores e frios,
    tufões, etc.,
  • 17:20 - 17:23
    não existe nada igual no universo,
    nada conhecido.
  • 17:23 - 17:25
    Então, viremos o Hubble para cá
  • 17:25 - 17:29
    e vamos ver a Terra.
  • 17:29 - 17:32
    Vamos começar pela Amazónia!
  • 17:32 - 17:33
    Vamos dar um mergulho,
  • 17:33 - 17:37
    vamos chegar à realidade
    em que vivemos quotidianamente,
  • 17:37 - 17:41
    e vê-la bem de perto,
    já que precisamos disso.
  • 17:41 - 17:43
    O Davi Copenaua não precisa.
  • 17:43 - 17:45
    Ele já tem algo que eu acho que perdi.
  • 17:45 - 17:47
    Eu fui educado pela televisão.
  • 17:47 - 17:49
    Acho que perdi esse algo,
  • 17:49 - 17:50
    que é um registo ancestral,
  • 17:50 - 17:55
    que é uma valorização daquilo
    que não conheço, que não vi.
  • 17:55 - 17:57
    Ele não precisa da prova de São Tomé.
  • 17:57 - 18:00
    Ele acredita com veneração e reverência
  • 18:00 - 18:04
    naquilo que os antepassados
    lhe ensinaram, e os espíritos.
  • 18:04 - 18:06
    Já que não conseguimos,
    então vamos ver a floresta.
  • 18:06 - 18:10
    Mas mesmo quando estamos
    com o Hubble lá, a olhar para o céu
  • 18:10 - 18:12
    — esta é a visão do pássaro, não é?
  • 18:12 - 18:14
    Mesmo quando isto acontece,
  • 18:14 - 18:17
    vemos algo que também desconhecemos.
  • 18:17 - 18:19
    Os espanhóis chamaram-lhe inferno verde.
  • 18:19 - 18:22
    Se andarem aqui,
    neste mato, e se perderem,
  • 18:22 - 18:24
    e forem, por acaso, para o oeste,
  • 18:24 - 18:26
    são 900km para chegar à Colômbia.
  • 18:26 - 18:28
    Mais mil para chegar a algum sítio.
  • 18:28 - 18:31
    Então, entende-se porque é que
    eles lhe chamavam inferno verde.
  • 18:31 - 18:35
    Mas vão ver o que há ali dentro.
  • 18:35 - 18:36
    É um tapete vivo.
  • 18:36 - 18:38
    Cada cor ali é uma espécie de árvore.
  • 18:38 - 18:40
    Cada árvore, cada copa,
  • 18:40 - 18:45
    chega a ter 10 mil espécies
    de insetos dentro,
  • 18:45 - 18:49
    sem falar nos milhões de espécies
    de fungos, bactérias, etc.
  • 18:49 - 18:50
    Tudo invisível.
  • 18:50 - 18:54
    Tudo um cosmos mais estranho para nós
  • 18:54 - 18:57
    do que as galáxias distantes, a milhares
    de milhões de anos-luz da Terra,
  • 18:57 - 19:00
    que o Hubble nos trás
    todos os dias nos jornais.
  • 19:01 - 19:03
    E eu encerro a minha apresentação
  • 19:03 - 19:05
    — eu tenho só poucos segundos —
  • 19:05 - 19:07
    mostrando este ser maravilhoso,
  • 19:07 - 19:10
    que quando vemos
    — a borboleta "morpho" — na floresta,
  • 19:10 - 19:13
    temos a sensação de que alguém
    se esqueceu da porta do paraíso aberta
  • 19:13 - 19:16
    e esta criatura escapou de lá,
    porque é muito bonita.
  • 19:16 - 19:18
    Mas, não posso terminar
  • 19:18 - 19:21
    sem mostrar um lado tecnológico.
  • 19:21 - 19:24
    Nós temos a arrogância da tecnologia.
  • 19:24 - 19:27
    Nós desapossamos a natureza
    da sua tecnologia.
  • 19:27 - 19:29
    Uma mão robótica é tecnológica,
  • 19:29 - 19:30
    a minha mão é biológica;
  • 19:30 - 19:32
    e não pensamos mais no assunto.
  • 19:32 - 19:34
    Então, vamos ver a borboleta "morpho",
  • 19:34 - 19:39
    que é um exemplo de uma
    competência tecnológica invisível da vida,
  • 19:39 - 19:44
    que está no âmago da nossa possibilidade
    de sobrevivência no planeta,
  • 19:44 - 19:46
    e vamos ampliá-la.
    De novo, o Hubble.
  • 19:46 - 19:48
    Vamos entrar na asa da borboleta.
  • 19:48 - 19:52
    E estes estudiosos tentaram explicar:
    por que é que ela é azul?
  • 19:52 - 19:54
    E vamos ampliar.
  • 19:54 - 19:59
    E o que veem
    é que a arquitetura do invisível
  • 19:59 - 20:02
    humilha os melhores arquitetos do mundo.
  • 20:02 - 20:04
    Isto tudo numa escala muito pequena.
  • 20:04 - 20:08
    Além da beleza e do funcionamento,
    há outro aspeto.
  • 20:08 - 20:11
    Tudo o que é, na natureza,
  • 20:11 - 20:15
    organizado em estruturas extraordinárias,
    tem uma função.
  • 20:15 - 20:19
    E esta função, da borboleta morpho
    — ela não é azul,
  • 20:19 - 20:21
    não existe pigmento azul nela.
  • 20:21 - 20:23
    Ela tem cristais fotónicos
    na superfície
  • 20:23 - 20:25
    — segundo quem estudou isso —
  • 20:25 - 20:27
    cristais extremamente sofisticados.
  • 20:27 - 20:30
    Nada igual ao que a nossa tecnologia
    tinha ainda na época.
  • 20:30 - 20:33
    Agora, a Hitachi
    já fez um ecrã de monitor
  • 20:33 - 20:35
    que usa esta tecnologia
  • 20:35 - 20:37
    e é usada em fibra ótica
    para transmissão de...
  • 20:37 - 20:41
    A Janine Benyus, que já veio várias
    vezes cá, fala sobre isso: biomimética.
  • 20:41 - 20:43
    E já acabou o meu tempo.
  • 20:43 - 20:48
    Então eu vou concluir com o que
    está na base desta capacidade,
  • 20:48 - 20:51
    desta competência da biodiversidade,
  • 20:51 - 20:53
    de produzir todos aqueles
    serviços maravilhosos:
  • 20:53 - 20:55
    a célula viva.
  • 20:55 - 20:58
    É uma estrutura de alguns mícrones,
    que é uma maravilha interna.
  • 20:58 - 21:01
    Há palestras da TED sobre isso,
    não vou me alongar,
  • 21:01 - 21:05
    mas cada um nesta sala, inclusive eu,
  • 21:05 - 21:08
    tem 100 biliões
    destas micromáquinas no corpo,
  • 21:08 - 21:11
    para que vocês apreciem esse bem-estar.
  • 21:11 - 21:14
    Imaginem quantos tem a Floresta Amazónica.
  • 21:14 - 21:18
    100 biliões. Isto é mais
    do que o número de estrelas no céu.
  • 21:18 - 21:20
    E nós não temos consciência.
  • 21:20 - 21:21
    Muito obrigado.
  • 21:21 - 21:22
    (Aplausos)
Title:
Há um rio sobre nós
Speaker:
Antonio Donato Nobre
Description:

Antonio Donato Nobre estuda as interações entre as florestas e a atmosfera. A sua pesquisa mostrou que há verdadeiros rios de vapor a correr sobre a floresta amazónica e a levar humidade para boa parte do continente. Graças a esses rios, a América do Sul não é um deserto como a África. A sua pesquisa revela a fragilidade das florestas perante mudanças climáticas e o risco que corremos se as perdermos.

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Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
21:35
Margarida Ferreira approved Portuguese subtitles for Antonio Donato Nobre
Margarida Ferreira accepted Portuguese subtitles for Antonio Donato Nobre
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for Antonio Donato Nobre
Hamilton Abreu edited Portuguese subtitles for Antonio Donato Nobre
Hamilton Abreu edited Portuguese subtitles for Antonio Donato Nobre
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