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Meu pai, preso em seu corpo, mas subindo, livre

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    Conheço um homem que vai
    até o alto da cidade toda noite.
  • 0:06 - 0:09
    Em seus sonhos, ele gira e rodopia
  • 0:09 - 0:12
    com seus dedos dos pés beijando a Terra.
  • 0:12 - 0:15
    Tudo tem movimento, ele diz,
  • 0:15 - 0:20
    mesmo um corpo
    tão paralisado quanto o dele.
  • 0:20 - 0:25
    Esse homem é meu pai.
  • 0:25 - 0:27
    Três anos atrás, quando descobri
  • 0:27 - 0:29
    que meu pai havia sofrido
    um grave derrame
  • 0:29 - 0:31
    em seu tronco cerebral,
  • 0:31 - 0:35
    entrei em seu quarto na UTI,
  • 0:35 - 0:38
    no Instituto Neurológico de Montreal,
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    e o encontrei deitado
    morbidamente paralisado,
  • 0:41 - 0:43
    preso a um respirador.
  • 0:43 - 0:48
    A paralisia havia parado
    o seu corpo lentamente:
  • 0:48 - 0:50
    primeiro os dedos do pé, depois pernas,
  • 0:50 - 0:52
    tronco, dedos das mãos e braços.
  • 0:52 - 0:55
    A paralisia chegou ao seu pescoço,
  • 0:55 - 0:57
    fazendo-o perder a capacidade de respirar,
  • 0:57 - 1:01
    e chegou até pouco abaixo dos olhos.
  • 1:01 - 1:04
    Ele nunca perdeu a consciência.
  • 1:04 - 1:06
    Na verdade, ele assistia imóvel,
  • 1:06 - 1:08
    enquanto seu corpo se paralisava,
  • 1:08 - 1:11
    membro após membro,
  • 1:11 - 1:14
    músculo após músculo.
  • 1:14 - 1:18
    Naquele quarto de UTI,
    eu me aproximei do corpo do meu pai
  • 1:18 - 1:22
    e, com a voz trêmula e em meio a lágrimas,
  • 1:22 - 1:25
    comecei a recitar o alfabeto.
  • 1:25 - 1:31
    A, B, C, D, E, F, G,
  • 1:31 - 1:35
    H, I, J, K.
  • 1:35 - 1:38
    Na letra K, ele piscou os olhos.
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    Eu recomecei.
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    A, B, C, D, E, F, G,
  • 1:45 - 1:47
    H, I.
  • 1:47 - 1:50
    Ele piscou novamente na letra I,
  • 1:50 - 1:54
    e depois na T, depois na R, e então na A:
  • 1:54 - 1:56
    "Kitra".
  • 1:56 - 2:00
    Ele disse: "Kitra, minha linda, não chore.
  • 2:00 - 2:04
    Isso é uma bênção".
  • 2:04 - 2:07
    Sua voz não era audível, mas meu pai
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    disse meu nome poderosamente.
  • 2:10 - 2:13
    Apenas 72 horas após o derrame,
  • 2:13 - 2:15
    ele já havia aceitado
  • 2:15 - 2:18
    totalmente sua condição.
  • 2:18 - 2:21
    Apesar de seu estado físico crítico,
  • 2:21 - 2:24
    ele estava totalmente presente comigo,
  • 2:24 - 2:26
    orientando, cuidando
  • 2:26 - 2:29
    e sendo meu pai da mesma forma,
  • 2:29 - 2:32
    e talvez até mais do que antes.
  • 2:32 - 2:33
    A síndrome do encarceramento
  • 2:33 - 2:37
    é o pior pesadelo de muitas pessoas.
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    Em francês, às vezes ela é chamada
  • 2:39 - 2:41
    de "maladie de l'emmuré vivant",
  • 2:41 - 2:47
    o que significa, literalmente,
    "doença do enterrado vivo".
  • 2:47 - 2:48
    Para muitos, talvez a maioria,
  • 2:48 - 2:52
    a paralisia é um horror indescritível,
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    mas a experiência do meu pai,
  • 2:54 - 2:57
    perdendo cada função de seu corpo,
  • 2:57 - 3:00
    não era uma experiência
    de se sentir preso,
  • 3:00 - 3:04
    mas de voltar sua psiquê
    para dentro de si,
  • 3:04 - 3:07
    diminuindo o ruído exterior,
  • 3:07 - 3:10
    encarando o secreto de sua própria mente
  • 3:10 - 3:12
    e, nesse lugar,
  • 3:12 - 3:16
    apaixonando-se por uma vida
    e um corpo novos.
  • 3:16 - 3:19
    Como rabino e homem religioso,
  • 3:19 - 3:23
    pendendo entre mente e corpo,
    vida e morte,
  • 3:23 - 3:28
    a paralisia lhe trouxe
    uma nova consciência.
  • 3:28 - 3:30
    Ele percebeu que não precisava mais olhar
  • 3:30 - 3:33
    além do mundo corpóreo
  • 3:33 - 3:36
    para encontrar o divino.
  • 3:36 - 3:40
    "O paraíso está neste corpo.
  • 3:40 - 3:44
    Neste mundo", ele disse.
  • 3:44 - 3:48
    Dormi ao lado do meu pai
    nos primeiros quatro meses,
  • 3:48 - 3:50
    atenta o máximo que podia
  • 3:50 - 3:53
    a cada desconforto dele,
  • 3:53 - 3:56
    compreendendo o profundo
    medo psicológico humano
  • 3:56 - 4:00
    de não conseguir pedir ajuda.
  • 4:00 - 4:03
    Minha mãe, irmãs, irmão e eu
  • 4:03 - 4:08
    o envolvemos em um casulo de cura.
  • 4:08 - 4:10
    Nós nos tornamos seus porta-vozes,
  • 4:10 - 4:14
    passando horas recitando o alfabeto,
    todos os dias,
  • 4:14 - 4:16
    enquanto ele sussurrava sermões
  • 4:16 - 4:20
    e poesia com o piscar de seus olhos.
  • 4:20 - 4:25
    O quarto dele tornou-se
    nosso templo de cura.
  • 4:25 - 4:28
    A cabeceira de sua cama
    tornou-se um lugar para aqueles
  • 4:28 - 4:32
    que buscavam aconselhamento
    espiritual e, por meio de nós,
  • 4:32 - 4:34
    meu pai conseguia falar
  • 4:34 - 4:37
    e soerguer-se,
  • 4:37 - 4:39
    letra a letra,
  • 4:39 - 4:41
    piscadela a piscadela.
  • 4:41 - 4:45
    Tudo em nosso mundo
    tornou-se lento e suave,
  • 4:45 - 4:48
    enquanto o barulho, o drama e a morte
    da enfermaria do hospital
  • 4:48 - 4:52
    desapareciam ao fundo.
  • 4:52 - 4:54
    Quero ler para vocês
    uma das primeiras coisas
  • 4:54 - 4:58
    que transcrevemos
    na semana após o derrame.
  • 4:58 - 5:01
    Ele fez uma carta
  • 5:01 - 5:03
    para os membros de sua sinagoga,
  • 5:03 - 5:07
    encerrando-a da seguinte forma:
  • 5:07 - 5:09
    "Quando a minha nuca parou,
  • 5:09 - 5:12
    eu entrei em outra dimensão:
  • 5:12 - 5:17
    incipiente, subplanetária, protozoária.
  • 5:17 - 5:21
    Universos se abrem e se fecham
    continuamente.
  • 5:21 - 5:23
    Muitos, quando estão mal,
  • 5:23 - 5:25
    deixam de crescer.
  • 5:25 - 5:28
    Na semana passada, fiquei muito mal,
  • 5:28 - 5:31
    mas senti a mão de meu pai me acolher,
  • 5:31 - 5:34
    e ele me trouxe de volta".
  • 5:34 - 5:37
    Quando não éramos a voz dele,
  • 5:37 - 5:40
    éramos suas pernas e braços.
  • 5:40 - 5:43
    Eu os movia como sabia que iria querer
  • 5:43 - 5:45
    que movessem os meus braços e pernas,
  • 5:45 - 5:49
    caso estivessem imóveis o dia inteiro.
  • 5:49 - 5:53
    Lembro-me que segurava
    os dedos dele perto do meu rosto,
  • 5:53 - 5:57
    dobrando cada junta,
    para mantê-los flexíveis.
  • 5:57 - 6:00
    Eu pedia a ele várias vezes
  • 6:00 - 6:02
    que visualizasse o movimento,
  • 6:02 - 6:06
    para que visse, de dentro,
    seus dedos se dobrarem
  • 6:06 - 6:10
    e se estenderem, e para que
    acompanhasse o movimento
  • 6:10 - 6:13
    em sua mente.
  • 6:13 - 6:15
    Um dia, pelo canto do meu olho,
  • 6:15 - 6:18
    vi o corpo dele se contorcer
    como o de uma cobra,
  • 6:18 - 6:24
    num espasmo involuntário
    que atravessava seus membros.
  • 6:24 - 6:26
    Naquele momento, achei que estava
    tendo alucinações,
  • 6:26 - 6:30
    depois de passar tanto tempo
    cuidando do corpo dele,
  • 6:30 - 6:34
    desesperada para ver
    qualquer coisa se mexer sozinha.
  • 6:34 - 6:37
    Mas ele me disse
    que havia sentido formigamentos,
  • 6:37 - 6:41
    faíscas elétricas,
  • 6:41 - 6:44
    logo abaixo da superfície de sua pele.
  • 6:44 - 6:48
    Na semana seguinte,
    ele começou levemente
  • 6:48 - 6:50
    a mostrar força muscular.
  • 6:50 - 6:53
    Conexões estavam se formando.
  • 6:53 - 6:58
    O corpo estava despertando lentamente,
  • 6:58 - 7:02
    membro após membro, músculo após músculo,
  • 7:02 - 7:05
    contração a contração.
  • 7:05 - 7:07
    Como fotógrafa documental,
  • 7:07 - 7:09
    senti a necessidade de fotografar
  • 7:09 - 7:11
    cada um de seus primeiros movimentos,
  • 7:11 - 7:14
    como uma mãe e seu recém-nascido.
  • 7:14 - 7:18
    Eu o fotografei dando
    seu primeiro suspiro sem aparelhos,
  • 7:18 - 7:21
    o momento de celebração quando ele mostrou
  • 7:21 - 7:25
    força muscular pela primeira vez,
  • 7:25 - 7:28
    as novas tecnologias adaptadas
    que permitiram
  • 7:28 - 7:32
    que ele ganhasse
    cada vez mais independência.
  • 7:32 - 7:34
    Fotografei o cuidado e o amor
  • 7:34 - 7:36
    que o cercavam.
  • 7:45 - 7:48
    Mas as minhas fotos contavam
    apenas a história exterior,
  • 7:48 - 7:52
    de um homem deitado
    em uma cama de hospital,
  • 7:52 - 7:54
    ligado a um respirador.
  • 7:54 - 7:57
    Eu não tinha como retratar
    a história interior dele.
  • 7:57 - 8:00
    Então, comecei a buscar
    por uma nova linguagem visual,
  • 8:00 - 8:04
    uma que lutasse para expressar
    a qualidade efêmera
  • 8:04 - 8:07
    de sua experiência espiritual.
  • 8:26 - 8:28
    Por fim, quero compartilhar com vocês
  • 8:28 - 8:32
    um vídeo de uma série
    na qual tenho trabalhado,
  • 8:32 - 8:35
    que tenta mostrar a existência
    lenta e interior
  • 8:35 - 8:38
    que meu pai tem vivido.
  • 8:38 - 8:41
    Conforme ele foi recuperando
    sua capacidade de respirar,
  • 8:41 - 8:44
    comecei a gravar seus pensamentos.
  • 8:44 - 8:46
    Então, a voz que vocês ouvem nesse vídeo
  • 8:46 - 8:48
    é a voz dele.
  • 8:48 - 8:51
    (Vídeo) Ronnie Cahana:
    Você tem de acreditar
  • 8:51 - 8:54
    que está paralisado
  • 8:54 - 8:57
    para saber o que é
  • 8:57 - 9:02
    ser tetraplégico.
  • 9:02 - 9:04
    Eu não.
  • 9:04 - 9:07
    Em minha mente
  • 9:07 - 9:09
    e em meus sonhos,
  • 9:09 - 9:12
    toda noite,
  • 9:12 - 9:20
    eu flutuo pela cidade, como Chagall,
  • 9:20 - 9:24
    girando e rodopiando,
  • 9:24 - 9:30
    com meus dedos beijando o chão.
  • 9:31 - 9:38
    Não sei nada
  • 9:38 - 9:44
    sobre um homem que fica sem movimento.
  • 9:44 - 9:48
    Tudo tem movimento.
  • 9:48 - 9:51
    O coração bate.
  • 9:51 - 9:55
    O corpo se agita.
  • 9:55 - 10:00
    A boca se move.
  • 10:00 - 10:04
    Nunca ficamos parados.
  • 10:04 - 10:11
    A vida triunfa, em cima e embaixo.
  • 10:11 - 10:13
    Kitra Cahana: Para a maioria de nós,
  • 10:13 - 10:16
    nossos músculos começam
    a se contrair e a se mover
  • 10:16 - 10:18
    bem antes de termos consciência,
  • 10:18 - 10:21
    mas meu pai me diz que seu privilégio
  • 10:21 - 10:24
    é viver na periferia distante
  • 10:24 - 10:26
    da experiência humana.
  • 10:26 - 10:29
    Como um astronauta que vê uma perspectiva
  • 10:29 - 10:32
    que pouquíssimos de nós um dia verão,
  • 10:32 - 10:35
    ele fica a pensar e observa,
    enquanto respira
  • 10:35 - 10:37
    pela primeira vez
  • 10:37 - 10:41
    e sonha com engatinhar de volta para casa.
  • 10:41 - 10:45
    Assim a vida começa aos 57 anos, diz ele.
  • 10:45 - 10:49
    Uma criança não tem atitude em seu ser,
  • 10:49 - 10:54
    mas um homem insiste
    em seu mundo todos os dias.
  • 10:54 - 10:58
    Poucos terão que enfrentar
    limitações físicas um dia,
  • 10:58 - 11:01
    tão graves quanto as do meu pai,
  • 11:01 - 11:04
    mas todos teremos momentos de paralisia
  • 11:04 - 11:06
    em nossas vidas.
  • 11:06 - 11:10
    Sei que frequentemente enfrento muralhas
  • 11:10 - 11:13
    que parecem completamente insuperáveis,
  • 11:13 - 11:15
    mas meu pai insiste
  • 11:15 - 11:18
    em que becos sem saída não existem.
  • 11:18 - 11:23
    Em vez disso, ele me convida
    ao seu espaço de cura mútua,
  • 11:23 - 11:26
    para que eu dê o meu melhor
  • 11:26 - 11:30
    e ele dê o melhor de si para mim.
  • 11:30 - 11:33
    A paralisia foi uma porta para ele.
  • 11:33 - 11:36
    Foi uma oportunidade de emergir,
  • 11:36 - 11:38
    de reacender a força da vida,
  • 11:38 - 11:40
    de ficar por muito tempo consigo mesmo,
  • 11:40 - 11:43
    para se apaixonar por toda a continuidade
  • 11:43 - 11:45
    da criação.
  • 11:45 - 11:49
    Hoje, meu pai não está mais encarcerado.
  • 11:49 - 11:53
    Ele movimenta o pescoço com facilidade,
  • 11:53 - 11:55
    seu cateter de alimentação foi removido,
  • 11:55 - 11:58
    ele respira sozinho,
  • 11:58 - 12:02
    fala lentamente
    com sua própria voz calma,
  • 12:02 - 12:04
    e trabalha todos os dias
  • 12:04 - 12:09
    para que seu corpo paralisado
    ganhe mais movimento.
  • 12:09 - 12:11
    Mas a obra nunca vai terminar.
  • 12:11 - 12:16
    Como ele diz: "Eu vivo em mundo decadente,
  • 12:16 - 12:19
    e tenho uma obra sagrada a realizar".
  • 12:19 - 12:21
    Obrigada.
  • 12:21 - 12:24
    (Aplausos)
Title:
Meu pai, preso em seu corpo, mas subindo, livre
Speaker:
Kitra Cahana
Description:

Em 2011, Ronnie Cahana sofreu um grave derrame que o deixou num estado conhecido como síndrome de encarceramento: totalmente paralisado, com exceção de seus olhos. Embora isso possa destruir o estado mental de uma pessoa, Cahana encontrou paz na "diminuição do ruído exterior", e "apaixonou-se por uma vida e um corpo novos". Numa palestra triste e emotiva, sua filha Kitra compartilha como ela documentou a experiência espiritual de seu pai, enquanto ele ajudava a guiar outras pessoas, mesmo num estado de aparente impotência.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
12:38

Portuguese, Brazilian subtitles

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