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O surpreendente declínio da violência

  • 0:01 - 0:05
    Imagens como esta,
    do campo de concentração de Auschwitz,
  • 0:05 - 0:09
    foram gravadas na nossa consciência
    durante o século XX
  • 0:09 - 0:14
    e permitiram-nos uma nova compreensão
    sobre quem somos,
  • 0:14 - 0:18
    de onde viemos
    e os tempos em que vivemos.
  • 0:18 - 0:22
    Durante o século XX,
    assistimos às atrocidades
  • 0:22 - 0:26
    de Estaline, Hitler, Mao, Pol Pot,
    Ruanda e outros genocídios,
  • 0:26 - 0:31
    e embora o século XXI
    tenha apenas sete anos,
  • 0:31 - 0:34
    já assistimos a um genocídio em Darfur
  • 0:34 - 0:37
    e aos horrores diários do Iraque.
  • 0:37 - 0:41
    Isto levou a uma perceção comum
    da nossa situação,
  • 0:41 - 0:44
    a saber: que a modernidade desencadeou
    uma violência terrível,
  • 0:44 - 0:47
    e talvez ainda que os povos nativos
    viviam num estado de harmonia
  • 0:47 - 0:50
    do qual nos temos afastado,
    para nosso mal.
  • 0:51 - 0:54
    Eis um exemplo de um artigo de opinião,
  • 0:54 - 0:56
    sobre o Dia de Ação de Graças,
    no jornal Boston Globe
  • 0:56 - 0:59
    há alguns anos, onde o autor escreveu:
  • 0:59 - 1:02
    "A vida dos índios era difícil,
    mas não havia problemas de emprego,
  • 1:02 - 1:05
    "a harmonia da comunidade era forte,
    a violência abusiva desconhecida,
  • 1:05 - 1:09
    "a criminalidade quase inexistente,
    a guerra que havia entre as tribos
  • 1:09 - 1:11
    "era em grande parte ritualística
  • 1:11 - 1:14
    "e raramente conduzia
    a um massacre indiscriminado."
  • 1:14 - 1:17
    Bom, todos nós conhecemos
    bem esta história.
  • 1:17 - 1:20
    Ensinamo-la aos nossos filhos,
    ouvimo-la na televisão
  • 1:20 - 1:22
    e em livros de histórias.
  • 1:23 - 1:25
    O título original desta sessão era:
  • 1:25 - 1:27
    "Tudo o que você sabe está errado".
  • 1:27 - 1:30
    Eu vou apresentar provas
    de que esta parte específica
  • 1:30 - 1:32
    do nosso conhecimento geral está errada,
  • 1:32 - 1:35
    que os nossos antepassados eram
    muito mais violentos do que nós,
  • 1:35 - 1:39
    que a violência tem sofrido
    um declínio desde há muito tempo,
  • 1:39 - 1:41
    e que hoje estamos a viver, provavelmente,
  • 1:41 - 1:44
    a época mais pacífica da existência
    da nossa espécie.
  • 1:44 - 1:48
    Bom, na década de Darfur e do Iraque,
  • 1:48 - 1:51
    uma declaração como esta
    pode parecer algo alucinante ou obsceno.
  • 1:52 - 1:57
    Mas eu vou tentar convencer-vos
    de que essa é a imagem correta.
  • 1:58 - 2:01
    O declínio da violência
    é um fenómeno fractal.
  • 2:01 - 2:03
    Podemos constatá-lo ao longo de milénios,
  • 2:03 - 2:06
    ao longo de séculos, ao longo de décadas
    e ao longo de vários anos,
  • 2:06 - 2:09
    embora pareça ter ocorrido
    um ponto de viragem
  • 2:09 - 2:12
    no início da Idade da Razão,
    no século XVI.
  • 2:12 - 2:16
    É visível em todo o mundo,
    embora não de forma homogénea.
  • 2:16 - 2:18
    É especialmente evidente no Ocidente,
  • 2:18 - 2:22
    a começar na Inglaterra e na Holanda
    na época do Iluminismo.
  • 2:22 - 2:26
    Vou levar-vos numa viagem
    de diferentes escalas,
  • 2:26 - 2:28
    — desde a escala de milénios
    até à escala de anos —
  • 2:28 - 2:30
    para tentar persuadir-vos disso.
  • 2:30 - 2:34
    Até há 10 000 anos, todos os seres humanos
    viviam como caçadores-recoletores,
  • 2:34 - 2:37
    sem povoações permanentes nem governos.
  • 2:37 - 2:40
    É assim que normalmente se imagina
  • 2:40 - 2:42
    uma situação de harmonia primordial.
  • 2:42 - 2:48
    Mas o arqueólogo Lawrence Keeley,
    ao observar as taxas de acidentes
  • 2:48 - 2:51
    entre os caçadores-recoletores
    contemporâneos
  • 2:51 - 2:54
    — que são a nossa melhor fonte de provas
    sobre este modo de vida —
  • 2:54 - 2:57
    chegou a uma conclusão bem diferente.
  • 2:57 - 3:00
    Eis um gráfico que ele concebeu
  • 3:00 - 3:04
    mostrando a percentagem de mortalidade
    masculina causada por guerras
  • 3:04 - 3:08
    em várias sociedades de forrageamento,
    ou de caça e recoleção.
  • 3:08 - 3:14
    As barras vermelhas correspondem
    à probabilidade de um homem morrer
  • 3:14 - 3:18
    às mãos de outro homem, em vez de morrer
    de causas naturais,
  • 3:18 - 3:22
    numa variedade de sociedades
    de forrageamento
  • 3:22 - 3:25
    nas montanhas da Nova Guiné
    e na Floresta Amazónica.
  • 3:25 - 3:28
    E elas variam de uma taxa
    de quase 60% de probabilidade
  • 3:28 - 3:30
    de um homem morrer às mãos de outro homem
  • 3:30 - 3:34
    para, no caso dos Gebusi,
    apenas 15% de probabilidade.
  • 3:34 - 3:37
    A barrinha azul no canto inferior esquerdo
  • 3:37 - 3:42
    mostra a estatística correspondente dos EUA
    e da Europa, no século XX,
  • 3:42 - 3:46
    e inclui todas as mortes
    das duas Guerras Mundiais.
  • 3:46 - 3:49
    Se a taxa de mortes em guerras tribais
  • 3:49 - 3:51
    tivesse prevalecido durante o século XX,
  • 3:51 - 3:55
    teria havido dois mil milhões de mortes
    em vez de cem milhões.
  • 3:56 - 4:00
    Também à escala milenar,
    podemos observar o modo de vida
  • 4:00 - 4:05
    das civilizações antigas tais como
    as que são descritas na Bíblia.
  • 4:04 - 4:08
    Nesta suposta fonte
    dos nossos valores morais
  • 4:08 - 4:12
    podemos ler as descrições
    do que era esperado na guerra,
  • 4:12 - 4:15
    como a seguinte — de Números 31:
  • 4:15 - 4:18
    "E pelejaram contra os madianitas,
    como o Senhor ordenara a Moisés,
  • 4:18 - 4:21
    "e mataram todos os varões.
  • 4:21 - 4:22
    "E disse-lhes Moisés:
  • 4:22 - 4:24
    "Porque deixastes com vida
    todas as mulheres?
  • 4:24 - 4:26
    "Matai, agora, todos os rapazes
  • 4:26 - 4:29
    "e todas as mulheres
    que coabitaram com um homem.
  • 4:29 - 4:32
    "Mas deixai viver as crianças
    que não coabitaram com homem algum.
  • 4:32 - 4:35
    "deixem-nas viver e fiquem com elas."
  • 4:35 - 4:40
    Por outras palavras,
    matem os homens, matem os filhos,
  • 4:40 - 4:43
    se encontrarem alguma virgem,
    deixem-na viver para que possam violá-la.
  • 4:43 - 4:47
    Podemos encontrar quatro ou cinco passagens
    deste tipo na Bíblia.
  • 4:47 - 4:50
    Também na Bíblia podemos ver
    que a pena de morte
  • 4:50 - 4:55
    era a punição aceite para crimes
    como a homossexualidade,
  • 4:55 - 5:00
    o adultério, a blasfémia, a idolatria,
    responder torto aos pais...
  • 5:00 - 5:01
    (Risos)
  • 5:01 - 5:03
    ... e apanhar lenha no sábado.
  • 5:03 - 5:06
    Bem, vamos fazer zoom
  • 5:06 - 5:09
    para uma ordem de grandeza abaixo
    e observar a escala de séculos.
  • 5:09 - 5:12
    Embora não tenhamos dados estatísticos
  • 5:12 - 5:16
    para as guerras de toda Idade Média
    até os tempos modernos
  • 5:16 - 5:18
    — sabemos apenas
    pela história convencional —
  • 5:18 - 5:21
    as evidências estiveram sempre
    debaixo do nosso nariz,
  • 5:21 - 5:25
    revelando que houve uma redução em formas
    socialmente sancionadas de violência.
  • 5:26 - 5:28
    Por exemplo,
    qualquer história social revela
  • 5:28 - 5:32
    que a mutilação e a tortura eram
    formas rotineiras de punição criminal.
  • 5:32 - 5:35
    O tipo de infração
    que hoje em dia daria uma multa,
  • 5:35 - 5:39
    naqueles dias resultaria
    em cortar a língua,
  • 5:39 - 5:42
    cortar as orelhas, cegar,
    cortar uma mão, e assim por diante.
  • 5:43 - 5:47
    Havia inúmeras formas engenhosas
    de penas capitais sádicas:
  • 5:47 - 5:50
    queimar na fogueira, estripar,
    quebrar o corpo na roda,
  • 5:50 - 5:53
    ser dilacerado por cavalos,
    e assim por diante.
  • 5:53 - 5:57
    A pena de morte era uma punição para
    uma longa lista de crimes não-violentos:
  • 5:57 - 6:01
    criticar o rei, roubar um pedaço de pão.
  • 6:01 - 6:05
    A escravidão, é claro, era o dispositivo
    preferido para poupar trabalho,
  • 6:05 - 6:08
    e a crueldade era uma forma popular
    de entretenimento.
  • 6:08 - 6:11
    Talvez o exemplo mais expressivo
    fosse a prática de queimar gatos,
  • 6:11 - 6:16
    em que um gato era içado para um palco
    e lançado a uma fogueira,
  • 6:16 - 6:21
    enquanto os espetadores riam histericamente
    ao ver o gato uivar de dor,
  • 6:21 - 6:23
    e a ser queimado até a morte.
  • 6:23 - 6:26
    E que dizer dos homicídios individuais?
  • 6:26 - 6:28
    Neste caso existem boas estatísticas,
  • 6:28 - 6:32
    pois muitos municípios
    registavam a causa da morte.
  • 6:33 - 6:37
    O criminologista Manuel Eisner
  • 6:37 - 6:40
    consultou todos os registos históricos
    em toda a Europa
  • 6:40 - 6:42
    para verificar as taxas de homicídio
  • 6:42 - 6:44
    em todas as aldeias, vilas,
    cidades e condados
  • 6:44 - 6:48
    que conseguiu encontrar,
    e complementou-as com dados nacionais,
  • 6:48 - 6:50
    quando as nações começaram
    a registar dados estatísticos.
  • 6:50 - 6:54
    Usou uma escala logarítmica,
  • 6:54 - 7:01
    a partir de 100 mortes
    por 100 mil pessoas por ano,
  • 7:01 - 7:05
    que era aproximadamente
    a taxa de homicídios na Idade Média.
  • 7:05 - 7:10
    E o valor decai para menos de 1 homicídio
  • 7:10 - 7:13
    por cada 100 mil pessoas por ano
  • 7:13 - 7:16
    em sete ou oito países europeus.
  • 7:16 - 7:19
    Depois, há um ligeiro aumento
    nos anos 60.
  • 7:19 - 7:23
    As pessoas que diziam que o rock 'n' roll
    levaria à decadência dos valores morais,
  • 7:23 - 7:25
    afinal tinham alguma razão.
  • 7:25 - 7:29
    Mas houve uma queda de,
    pelo menos, duas ordens de grandeza
  • 7:29 - 7:32
    em homicídios desde a Idade Média
    até ao presente,
  • 7:32 - 7:37
    e a curva ocorreu no início do século XVI.
  • 7:37 - 7:39
    Vamos clicar na escala de décadas.
  • 7:39 - 7:42
    De acordo com organizações
    não-governamentais
  • 7:42 - 7:46
    que registam estas estatísticas,
    desde 1945, na Europa e nas Américas,
  • 7:46 - 7:51
    tem-se verificado um declínio acentuado
    nas guerras interestatais,
  • 7:51 - 7:55
    nos tumultos étnicos mortais ou em pogrons,
    bem como em golpes militares,
  • 7:55 - 7:57
    mesmo na América do Sul.
  • 7:57 - 8:00
    Mundialmente, tem havido
    um declínio acentuado de mortes
  • 8:00 - 8:02
    em guerras interestatais.
  • 8:02 - 8:06
    As barras amarelas aqui mostram o número
    de mortes, por guerra, por ano,
  • 8:06 - 8:09
    a partir de 1950 até ao presente.
  • 8:09 - 8:11
    E, como podem ver, a taxa de mortalidade
  • 8:11 - 8:16
    cai de 65 mil mortes, por conflito,
    por ano, nos anos 50,
  • 8:16 - 8:20
    para menos de 2 mil mortes, por conflito,
    por ano, nesta década,
  • 8:20 - 8:22
    mesmo sendo horrível como é.
  • 8:22 - 8:25
    Mesmo na escala de anos,
    pode-se constatar um declínio da violência.
  • 8:25 - 8:28
    Desde o fim da Guerra Fria
    houve menos guerras civis,
  • 8:28 - 8:30
    menos genocídios
  • 8:30 - 8:32
    — de facto, houve uma redução de 90%
  • 8:32 - 8:35
    desde os números elevados
    do pós-II Guerra Mundial —
  • 8:35 - 8:38
    e até mesmo uma reversão
    do aumento dos anos 60
  • 8:38 - 8:40
    em homicídios e crimes violentos.
  • 8:40 - 8:45
    Estes dados são retirados das Estatísticas
    Criminais Uniformes do FBI.
  • 8:45 - 8:47
    Verificamos que há uma taxa
    relativamente baixa de violência
  • 8:47 - 8:49
    nos anos 50 e 60.
  • 8:49 - 8:52
    Em seguida, dispara para cima
    durante várias décadas
  • 8:52 - 8:55
    e inicia um rápido declínio
    a partir dos anos 90,
  • 8:55 - 9:00
    até voltar quase ao nível
    em que estava em 1960.
  • 9:00 - 9:03
    Presidente Clinton,
    se está aqui presente, obrigado.
  • 9:03 - 9:05
    (Risos)
  • 9:04 - 9:07
    Então a questão é:
    porque será que há tanta gente errada
  • 9:07 - 9:09
    sobre uma coisa tão importante?
  • 9:09 - 9:11
    Eu acho que há uma série de razões.
  • 9:11 - 9:13
    Uma delas é que possuímos
    mais informações.
  • 9:13 - 9:18
    A Associated Press é melhor cronista
    de guerras em todo o planeta
  • 9:18 - 9:21
    do que os monges do século XVI.
  • 9:22 - 9:23
    Há uma ilusão cognitiva.
  • 9:23 - 9:28
    Nós, os psicólogos cognitivos, sabemos
    que, quanto mais facilmente
  • 9:28 - 9:30
    se memorizam detalhes específicos
    de qualquer coisa,
  • 9:30 - 9:33
    maior probabilidade lhes é atribuída.
  • 9:33 - 9:37
    As coisas que lemos no jornal,
    com fotos sangrentas,
  • 9:37 - 9:41
    ficam mais gravadas na memória
    do que relatos sobre a morte
  • 9:41 - 9:44
    de muito mais pessoas
    na cama por velhice.
  • 9:45 - 9:49
    Há uma dinâmica na opinião
    e nos mercados de advocacia:
  • 9:49 - 9:54
    Nunca ninguém atraiu observadores,
    advogados e doadores, por dizer:
  • 9:54 - 9:56
    "As coisas parecem estar
    cada vez melhores."
  • 9:56 - 9:58
    (Risos)
  • 9:58 - 10:01
    Há um sentimento de culpa quanto
    ao tratamento dos povos indígenas
  • 10:01 - 10:04
    na vida intelectual moderna,
    e uma relutância em reconhecer
  • 10:04 - 10:06
    que poderá haver algo de bom
    na cultura ocidental.
  • 10:06 - 10:10
    E, claro, a nossa mudança
    a nível de padrões
  • 10:10 - 10:12
    pode superar a mudança
    a nível de comportamento.
  • 10:12 - 10:14
    Uma das razões por que a violência caiu
  • 10:14 - 10:18
    foi que as pessoas se enjoaram
    da carnificina e crueldade do seu tempo.
  • 10:18 - 10:20
    Isto é um processo
    que parece ser contínuo,
  • 10:20 - 10:24
    mas se ultrapassa o comportamento
    segundo a perspetiva dos padrões da época,
  • 10:24 - 10:27
    as coisas parecem sempre mais bárbaras
    do que seriam se vistas
  • 10:27 - 10:29
    da perspetiva dos padrões históricos.
  • 10:29 - 10:32
    Pelo que hoje em dia
    ficamos perturbados, e com razão,
  • 10:32 - 10:38
    se um punhado de assassinos
    são executados por injeção letal,
  • 10:38 - 10:41
    no Texas, após um processo
    de recurso durante 15 anos.
  • 10:41 - 10:46
    Não consideramos que, há 200 anos,
    eles podiam ter sido queimados na fogueira
  • 10:46 - 10:50
    por criticar o rei depois de um julgamento
    com a duração de 10 minutos
  • 10:50 - 10:53
    e de facto, isso repetia-se
    vezes sem conta.
  • 10:54 - 10:56
    Hoje olhamos para a pena capital
  • 10:56 - 11:00
    como prova de quão baixo podemos descer
    em termos de comportamento,
  • 11:00 - 11:02
    em vez de pensarmos em como
    os nossos padrões subiram.
  • 11:03 - 11:05
    Bom, por que terá a violência diminuído?
  • 11:06 - 11:10
    Ninguém sabe realmente,
    mas eu li quatro explicações,
  • 11:10 - 11:14
    e penso que todas elas
    têm alguma plausibilidade.
  • 11:14 - 11:17
    A primeira é:
    talvez Thomas Hobbes estivesse certo.
  • 11:17 - 11:19
    Foi ele quem disse
    que a vida num estado de natureza
  • 11:19 - 11:23
    era "solitária, pobre, sórdida,
    embrutecida e curta".
  • 11:24 - 11:26
    "Não porque", argumenta,
  • 11:26 - 11:29
    "os seres humanos tenham
    uma sede primordial de sangue,
  • 11:29 - 11:33
    "ou um instinto agressivo
    ou um imperativo territorial,
  • 11:33 - 11:35
    mas por causa da lógica da anarquia.
  • 11:35 - 11:38
    Num estado de anarquia
    há uma tentação constante
  • 11:38 - 11:40
    de invadir os vizinhos preventivamente,
  • 11:40 - 11:42
    antes que eles nos invadam primeiro.
  • 11:42 - 11:45
    Mais recentemente,
    Thomas Schelling propôs a analogia
  • 11:45 - 11:47
    de um proprietário
    que ouve um ruído na cave.
  • 11:47 - 11:50
    Como bom americano,
    tem uma pistola na mesa de cabeceira,
  • 11:50 - 11:52
    pega na arma e desce as escadas.
  • 11:52 - 11:55
    E que vê ele senão um assaltante
    com uma arma na mão?
  • 11:55 - 11:57
    Cada um deles está a pensar:
  • 11:57 - 12:00
    "Eu não quero matar este gajo,
    mas ele vai matar-me.
  • 12:00 - 12:04
    "Talvez seja melhor disparar sobre ele
    antes que ele dispare sobre mim,
  • 12:04 - 12:07
    "até porque, mesmo que ele
    não me queira matar,
  • 12:07 - 12:10
    "deve estar preocupado
    com a possibilidade de eu o matar
  • 12:10 - 12:11
    "antes que ele me mate."
  • 12:12 - 12:17
    Os povos caçadores-recoletores passam
    explicitamente por este raciocínio,
  • 12:17 - 12:21
    e atacam frequentemente os seus vizinhos
    com medo de serem atacados primeiro.
  • 12:22 - 12:26
    Uma maneira de lidar com este problema
    é pela dissuasão:
  • 12:26 - 12:30
    não atacando primeiro, mas possuindo
    uma política anunciada publicamente
  • 12:30 - 12:33
    de que haverá uma feroz retaliação
    se ocorrer uma invasão.
  • 12:33 - 12:36
    O único problema é que essa política
  • 12:36 - 12:39
    pode ser considerada como uma bazófia,
  • 12:39 - 12:42
    e, portanto, só pode funcionar
    se for credível.
  • 12:42 - 12:45
    Para torná-la credível,
    é necessário vingar todos os insultos
  • 12:45 - 12:50
    e acertar todas as contas, o que leva
    a ciclos de vinganças sangrentas.
  • 12:50 - 12:53
    A vida torna-se um episódio
    dos "Sopranos".
  • 12:53 - 12:56
    A solução de Hobbes, o "Leviatã", era que,
  • 12:56 - 12:59
    se a autoridade
    para o uso legítimo de violência
  • 12:59 - 13:04
    for atribuída a um único
    órgão democrático — um leviatã —
  • 13:04 - 13:08
    então um tal estado poderá reduzir
    a tentação de ataque,
  • 13:08 - 13:10
    porque qualquer tipo de agressão
    será punido,
  • 13:10 - 13:14
    anulando assim o seu proveito.
  • 13:14 - 13:17
    Isso eliminaria a tentação
    de invadir preventivamente
  • 13:17 - 13:20
    por medo de se ser atacado primeiro.
  • 13:20 - 13:23
    E elimina a necessidade de um estado
    de prontidão avançada para a retaliação
  • 13:23 - 13:26
    para tornar credível
    a sua ameaça dissuasiva.
  • 13:26 - 13:29
    Por conseguinte, isso conduziria
    a um estado de paz.
  • 13:29 - 13:35
    Eisner — que mostrou as taxas de homicídio
    que não conseguiram ver no slide há pouco —
  • 13:35 - 13:39
    argumentou que o momento
    da queda de homicídios na Europa
  • 13:39 - 13:43
    coincidiu com o surgimento
    de estados centralizados,
  • 13:43 - 13:46
    o que corrobora em parte
    a teoria do Leviatã.
  • 13:46 - 13:50
    Outro elemento que corrobora a teoria
    é vermos hoje em dia explosões de violência
  • 13:50 - 13:55
    em zonas de anarquia:
    em estados falhados, impérios em ruínas,
  • 13:55 - 13:59
    regiões fronteiriças, máfias,
    gangues de rua, etc.
  • 14:00 - 14:03
    A segunda explicação é que,
    em muitas épocas e lugares,
  • 14:03 - 14:07
    há um sentimento generalizado
    de que a vida não vale nada.
  • 14:07 - 14:11
    Antigamente, quando o sofrimento
    e a morte precoce eram comuns
  • 14:11 - 14:16
    na vida das pessoas, havia menos escrúpulos
    em infligi-los a outras pessoas.
  • 14:16 - 14:19
    E à medida que a tecnologia
    e a eficácia económica
  • 14:19 - 14:21
    tornam a vida mais longa e agradável,
  • 14:21 - 14:24
    dá-se um valor maior à vida em geral.
  • 14:24 - 14:27
    Este foi um argumento
    do cientista político James Payne.
  • 14:27 - 14:32
    Uma terceira explicação invoca o conceito
    de um "jogo de soma não-zero",
  • 14:32 - 14:36
    e foi elaborada no livro "Não Zero",
    escrito pelo jornalista Robert Wright.
  • 14:36 - 14:39
    Wright aponta para o facto
    de que, em certas circunstâncias,
  • 14:39 - 14:43
    a cooperação, incluindo a não-violência,
    pode beneficiar ambas as partes
  • 14:43 - 14:46
    numa interação, como os ganhos
    numa troca comercial
  • 14:46 - 14:50
    quando duas entidades negoceiam
    os seus excedentes e ambas saem a ganhar,
  • 14:50 - 14:53
    ou quando ambas as partes baixam as armas
  • 14:53 - 14:56
    e dividem os chamados dividendos da paz
  • 14:56 - 14:59
    cujo resultado leva a que não tenham
    de lutar o tempo todo.
  • 14:59 - 15:01
    Wright argumenta que a tecnologia aumentou
  • 15:01 - 15:06
    o número de jogos de soma positiva em que
    os seres humanos tendem a envolver-se
  • 15:06 - 15:09
    ao permitir o comércio de bens,
    serviços e ideias
  • 15:09 - 15:13
    entre áreas separadas por longas distâncias
    e entre grupos maiores de pessoas.
  • 15:13 - 15:17
    O resultado é que as outras pessoas
    são mais valiosas vivas do que mortas,
  • 15:17 - 15:20
    e a violência diminui
    por motivos egoístas.
  • 15:20 - 15:22
    Tal como diz Wright:
  • 15:22 - 15:25
    "Entre as muitas razões pelas quais
    eu acho que não devemos bombardear
  • 15:25 - 15:28
    "os japoneses é que eles construíram
    o meu monovolume."
  • 15:28 - 15:29
    (Risos)
  • 15:29 - 15:34
    A quarta explicação está bem resumida
    o título de um livro
  • 15:34 - 15:37
    chamado "O Círculo em Expansão",
    do filósofo Peter Singer,
  • 15:37 - 15:41
    que argumenta que a evolução
    legou aos humanos um sentido de empatia:
  • 15:41 - 15:45
    uma capacidade de considerarmos
    os interesses de outras pessoas
  • 15:45 - 15:48
    como sendo comparáveis
    com os nossos próprios interesses.
  • 15:48 - 15:51
    Infelizmente, por defeito,
    apenas aplicamos esta empatia
  • 15:51 - 15:53
    num círculo muito restrito
    de amigos e familiares.
  • 15:53 - 15:57
    As pessoas fora desse círculo
    são tratadas como sub-humanas,
  • 15:57 - 15:59
    e podem ser exploradas com impunidade.
  • 15:59 - 16:03
    Mas ao longo da história,
    o círculo tem-se expandido.
  • 16:03 - 16:05
    Podemos verificar,
    em documentos históricos,
  • 16:05 - 16:08
    que se tem expandido da vila,
    para o clã, para a tribo,
  • 16:08 - 16:11
    para a nação, para outras raças,
    para ambos os sexos
  • 16:11 - 16:14
    e, seguindo os argumentos de Singer,
    é algo que devemos estender
  • 16:14 - 16:16
    a outras espécies conscientes.
  • 16:16 - 16:22
    A questão é: Se isso aconteceu,
    o que tem alimentado essa expansão?
  • 16:22 - 16:24
    Há uma série de possibilidades.
  • 16:24 - 16:29
    Círculos crescentes de reciprocidade
    nos termos que Robert Wright defende.
  • 16:29 - 16:33
    A lógica da regra de ouro:
    quanto mais uma pessoa pensar e interagir
  • 16:33 - 16:37
    com outras pessoas,
    mais ela percebe que é insustentável
  • 16:37 - 16:41
    privilegiar os seus interesses
    sobre os dos outros,
  • 16:41 - 16:43
    pelo menos se se pretende ser ouvido.
  • 16:43 - 16:48
    Não podemos dizer que temos interesses
    mais especiais do que os de outrem,
  • 16:48 - 16:51
    tal como não podemos dizer
    que o ponto específico
  • 16:51 - 16:53
    em que nos encontramos
    é uma parte única do universo
  • 16:53 - 16:56
    só porque por acaso estamos
    neste mesmo ponto, neste mesmo instante.
  • 16:57 - 16:59
    A expansão pode também ser alimentada
    pelo cosmopolitismo:
  • 16:59 - 17:05
    por histórias, jornalismo, memórias,
    ficção realista, viagens e alfabetização,
  • 17:05 - 17:09
    que permitem a uma pessoa
    projetar-se na vida de outras pessoas
  • 17:09 - 17:12
    que anteriormente teria talvez tratado
    como sub-humanas,
  • 17:12 - 17:18
    e também perceber a contingência acidental
    da sua própria situação na vida,
  • 17:18 - 17:20
    no sentido de "estou sujeito ao destino".
  • 17:21 - 17:24
    Seja qual for a sua causa,
    o declínio da violência
  • 17:24 - 17:26
    tem profundas implicações.
  • 17:26 - 17:29
    Devemos obrigar-nos
    a não perguntar apenas:
  • 17:29 - 17:33
    "Porque é que há guerra?"
    mas também "Porque é que há paz?"
  • 17:32 - 17:36
    Não só "O que estamos a fazer de errado?"
    mas também "O que fizemos certo?"
  • 17:37 - 17:39
    Porque, de facto,
    temos feito coisas certas,
  • 17:39 - 17:41
    e seria bom descobrir o quê.
  • 17:41 - 17:43
    Muito obrigado.
  • 17:43 - 17:47
    (Aplausos)
  • 17:53 - 17:56
    Chris Anderson:
    Gostei imenso desta palestra.
  • 17:56 - 17:58
    Creio que muitos aqui na sala diriam
  • 17:58 - 18:01
    que essa expansão de que Peter Singer fala
  • 18:01 - 18:04
    também é impulsionada pela tecnologia,
  • 18:04 - 18:07
    por uma maior visibilidade do outro,
    e o sentido de que o mundo
  • 18:07 - 18:09
    se está a tornar mais pequeno.
  • 18:09 - 18:11
    Será que isso também tem
    um fundo de verdade?
  • 18:11 - 18:15
    Steven Pinker: Muito. Isso enquadrar-se-ia
    na teoria de Wright,
  • 18:15 - 18:19
    no sentido em que nos permite desfrutar
    dos benefícios da cooperação
  • 18:19 - 18:21
    em círculos cada vez maiores.
  • 18:21 - 18:26
    Mas creio que nos ajuda igualmente
    a imaginar como é ser outra pessoa.
  • 18:26 - 18:29
    Acho que quando lemos
    sobre as torturas horríveis
  • 18:29 - 18:31
    que eram comuns na Idade Média, pensamos:
  • 18:31 - 18:33
    "Como é que eles eram capazes daquilo,
  • 18:33 - 18:35
    "como é que eram capazes
    de não sentir empatia
  • 18:35 - 18:38
    com a pessoa que estavam a desmembrar?
  • 18:38 - 18:41
    Mas claramente, na opinião deles,
    a pessoa era apenas um ser estranho
  • 18:41 - 18:44
    que não tinha sentimentos como os deles.
  • 18:44 - 18:46
    Qualquer coisa, creio eu,
    que torne mais fácil
  • 18:46 - 18:48
    imaginar trocar de lugar com outra pessoa
  • 18:48 - 18:51
    aumenta logo a consideração moral
    para com essa outra pessoa.
  • 18:51 - 18:54
    CA: Adorava que todos
    os dirigentes da comunicação social
  • 18:54 - 18:56
    ouvissem esta palestra no próximo ano.
  • 18:56 - 18:57
    Obrigado.
  • 18:57 - 18:58
    SP: O prazer é meu.
Title:
O surpreendente declínio da violência
Speaker:
Steven Pinker
Description:

Steven Pinker acompanha o declínio da violência desde os tempos bíblicos até ao presente, e argumenta que, embora possa parecer ilógico e até mesmo obsceno se considerarmos a situação no Iraque e em Darfur, nós estamos a viver o período mais pacífico de toda a existência da nossa espécie.

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English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
18:58
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for The surprising decline in violence
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for The surprising decline in violence
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for The surprising decline in violence
Francisco Dubiela added a translation

Portuguese subtitles

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