A gratidão que qualifica | José J. Camargo | TEDxUnisinosSalon
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0:13 - 0:14Bom dia a todos.
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0:14 - 0:18É uma alegria pra mim estar aqui,
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0:18 - 0:20e vocês podem estar se perguntando
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0:20 - 0:23o que gratidão tem a ver
com os sons da nossa vida. -
0:23 - 0:24Eu espero que, no final, vocês descubram
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0:24 - 0:29que gratidão é um desses sentimentos
que pode-se expressar de várias maneiras, -
0:29 - 0:32desde o estardalhaço,
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0:32 - 0:36o exagero na apresentação do sentimento,
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0:36 - 0:42até no silêncio, que às vezes
é o melhor de todos os sons. -
0:42 - 0:45Eu gosto de falar de gratidão
porque ela é a mais nobre das virtudes -
0:45 - 0:52e, sem dúvida, ela é uma marca
implacável no caráter das pessoas. -
0:52 - 0:56Como é muito improvável
que alguém passe pela vida -
0:56 - 1:00sem que, em algum momento,
alguém lhe tenha estendido a mão, -
1:01 - 1:05nós podemos dizer com certeza,
sem nenhuma margem de erro, -
1:05 - 1:08que o mal-agradecido não presta
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1:09 - 1:12e não é possível ser generoso
com esse tipo de gente. -
1:12 - 1:17O nosso primeiro sentimento de gratidão
deve estar lá na infância -
1:18 - 1:24com o nosso pai que, travestido de herói,
nos socorreu numa situação de temor, -
1:24 - 1:29e nós o amamos naquele momento
mais do que em qualquer outra situação; -
1:30 - 1:35ou a nossa mãe que varou a noite,
sem sono e sem fome, -
1:35 - 1:38pra vigiar uma febrezinha vagabunda.
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1:38 - 1:42Uma coisa interessante
é que esse sentimento pelos pais -
1:42 - 1:46frequentemente só é percebido
quando nós temos filhos. -
1:46 - 1:51Quando o meu filho tinha 1,5 ano,
ele teve uma crise convulsiva. -
1:51 - 1:54Isso coincidiu com um surto
de meningite em Porto Alegre, -
1:54 - 1:57e eu me lembro do pânico na família
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1:57 - 2:02até provar que aquela crise
era uma crise convulsiva febril, -
2:02 - 2:06sem nenhuma relação com epilepsia,
que era o grande fantasma, -
2:06 - 2:08ou com meningite.
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2:09 - 2:12O problema é que, depois daquilo,
a cada vez em que ele tinha febre, -
2:12 - 2:16nós ficávamos sobressaltados,
com receio de outra convulsão. -
2:16 - 2:19Eu me lembro duma noite
em que ele estava com febre -
2:19 - 2:22e tentei de várias maneiras
baixar a febre e não conseguia -
2:22 - 2:25- parece que [médico] consegue
menos quando o paciente é filho - -
2:25 - 2:29e não conseguia baixar a febre
e eu passei a noite vigiando. -
2:30 - 2:31Quando estava amanhecendo o dia,
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2:31 - 2:35eu me dei conta de que o jeito
como eu amava meu filho, que era muito... -
2:35 - 2:36eu o achava tão bonito...
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2:36 - 2:39Depois ele piorou,
mas ele era realmente muito bonito. -
2:40 - 2:43O jeito como eu amava meu filho
não devia ser original, -
2:43 - 2:47não havia nenhuma razão
pra eu ter uma forma nova de amar, -
2:47 - 2:51e meu pai devia ter me amado
da mesma maneira. -
2:51 - 2:55Eu me lembro da surpresa e do susto
que eu provoquei no meu pai -
2:55 - 2:59quando lhe fiz uma declaração de amor
inesperada às seis da manhã -
2:59 - 3:02e ele quis saber, naturalmente,
o que é que estava muito errado. -
3:03 - 3:06Depois, nós vamos
nos lembrar, com certeza, -
3:06 - 3:10do nosso colega que nos socorreu
numa briga de adolescentes, -
3:10 - 3:13ou da primeira namorada
que fez de conta que não percebia -
3:13 - 3:17o quanto nós dançávamos mal
no baile do clube. -
3:18 - 3:22Mais adiante, é provável
que nos lembremos, e eu me lembro, -
3:22 - 3:27da professora de português
que disse pra toda a classe -
3:27 - 3:31que aquela redação devia servir
de modelo para os outros, -
3:31 - 3:36e eu me senti como um gênio da literatura,
finalmente reconhecido. -
3:37 - 3:41Será uma maravilha
se a nossa atividade profissional -
3:41 - 3:47for capaz de modificar a vida das pessoas,
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3:47 - 3:49porque essa é a vida que vale a pena,
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3:49 - 3:55a vida que é capaz de modificar
a qualidade da vida dos outros. -
3:55 - 4:01Eu estou convencido de que nós podemos
contabilizar a qualidade de uma vida -
4:01 - 4:05pelo número de vezes em que nós
suscitamos em outras pessoas -
4:05 - 4:07o sentimento de gratidão.
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4:07 - 4:09Quem trabalha como médico,
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4:09 - 4:14e o médico é uma pessoa
que convive com as pobrezas, -
4:14 - 4:17os temores e as fantasias da morte,
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4:17 - 4:20acaba viciado em gratidão.
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4:20 - 4:21É fácil de entender, né?
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4:21 - 4:25A nossa atividade está sempre margeando
o sofrimento e o desespero, -
4:25 - 4:29e nós definitivamente
nunca nos esquecemos das pessoas -
4:29 - 4:32que foram solidárias
com o nosso sofrimento, -
4:32 - 4:37da mesma maneira que é um instrumento
de aversão poderosíssimo -
4:37 - 4:39a desconsideração do sofrimento.
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4:39 - 4:41Nós podemos esquecer um favor,
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4:41 - 4:46mas jamais esqueceremos
uma desconsideração. -
4:46 - 4:48Na atividade médica,
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4:48 - 4:53nós aprendemos que as pessoas
mais simples, as pessoas mais toscas, -
4:53 - 4:56têm muito mais facilidade
de expressar gratidão -
4:56 - 5:00porque elas nunca exercitaram
a hipocrisia do convívio social. -
5:00 - 5:04Elas nunca tiveram que aparentar
serem o que não eram -
5:04 - 5:07e, sendo o que sempre foram,
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5:07 - 5:12elas conseguem ser
mais espontâneas e mais generosas. -
5:12 - 5:16Eu me lembro de uma tarde
em que chegou no hospital a Maria Emília. -
5:16 - 5:19A Maria Emília era uma negra
duns 40 anos, uma cara bonita, -
5:19 - 5:23tinha sofrido um atropelamento,
foi atropelada por uma bicicleta, -
5:23 - 5:24e quebrou uma costela.
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5:25 - 5:28Eu lembro que, quando eu sentei
com ela e o marido, -
5:28 - 5:34que era um negro com uma cara
muito enfarruscada e muito desconfiado, -
5:34 - 5:36eu, pra amenizar o encontro,
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5:36 - 5:39disse que nós, no futuro,
ainda íamos falar daquele atropelamento -
5:39 - 5:42como um atropelamento "abençoado",
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5:42 - 5:46porque ele permitira descobrir
um nódulo de pulmão, -
5:46 - 5:49que era um câncer de dois centímetros
do qual ela devia se curar -
5:49 - 5:51pela sorte que tivera de ser atropelada.
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5:51 - 5:55Ele achou muito estranha essa associação,
mas o certo é que funcionou: -
5:55 - 5:58ela foi operada, curou-se
e nós ficamos muito amigos. -
5:58 - 6:02Ele era dono duma tenda de frutas,
dessas de beira de calçada, -
6:02 - 6:05e fizeram várias consultas comigo
nos anos que se seguiram. -
6:05 - 6:09Nunca foram a uma consulta
sem me levar alguma coisa de presente, -
6:09 - 6:13nem que fosse uma maçã, uma pera.
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6:13 - 6:15Uma vez, eu ganhei uma banana,
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6:15 - 6:18com todo o simbolismo de ganhar
uma banana do paciente, -
6:18 - 6:21mas era a expressão de gratidão
possível naquele momento. -
6:21 - 6:25E, muitas vezes, eu comprei frutas azedas,
comprei frutas vencidas, -
6:25 - 6:27na tentativa de ajudá-los,
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6:27 - 6:30porque a condição
econômica deles era ruim. -
6:30 - 6:33No ano passado, 15 anos depois,
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6:33 - 6:37eu paro na calçada, do lado da tenda dele,
pergunto como é que estão as coisas -
6:37 - 6:39e ele me disse: "Ah, doutor, muito mal,
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6:39 - 6:41porque parece que as pessoas
estão convencidas -
6:41 - 6:44de que só se deve comprar frutas
no supermercado. -
6:44 - 6:45Só pra o senhor ter uma ideia,
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6:45 - 6:48eu não estou conseguindo
comprar antibiótico pra negra velha -
6:48 - 6:50que está muito encatarrada".
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6:50 - 6:53Eu lhe dei uma nota de R$ 50
pra ele comprar o antibiótico, -
6:53 - 6:55o sinal abriu e eu fui embora.
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6:56 - 6:58Um mês depois, eu estou
de novo parado na esquina -
6:58 - 7:01e ele corre lá e diz: "Doutor,
aquele dia o senhor saiu apressado -
7:01 - 7:03e nem pude lhe agradecer.
-
7:03 - 7:06O senhor é uma pessoa boa,
eu não quero passar por mal-agradecido -
7:06 - 7:08e então eu queria lhe dizer uma coisa.
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7:08 - 7:12A minha especialidade está mais
para o lado da bandidagem, -
7:13 - 7:16de modo que, se tiver alguém
lhe incomodando, -
7:16 - 7:18o senhor só me diga quem é...
-
7:18 - 7:20(Risos)
-
7:20 - 7:22que um susto a gente garante.
-
7:22 - 7:24(Risos)
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7:24 - 7:27O senhor só tem que me dizer
o tamanho do susto". -
7:27 - 7:28(Risos)
-
7:28 - 7:32E eu fiquei muito assustado
porque eu não tenho ideia -
7:32 - 7:34de como é que ele classifica "susto", né.
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7:34 - 7:35(Risos)
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7:35 - 7:37Como é que é um "susto médio"
ou um "susto grande"? -
7:37 - 7:40Eu contei essa história
na minha coluna "Zero Hora" -
7:40 - 7:43e terminei dizendo
que "ficamos combinados", -
7:44 - 7:47que era pra dar um recado
aos meus potenciais desafetos... -
7:47 - 7:48(Risos)
-
7:48 - 7:51que eu não sou um pobre
médico desprotegido; -
7:51 - 7:53eu tenho lá minha retaguarda.
-
7:53 - 7:54(Risos)
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7:54 - 7:56O certo é que funcionou.
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7:56 - 8:03A gratidão pode, algumas vezes,
ser exagerada, ser ruidosa, -
8:03 - 8:07mas eu aprendi que a verdadeira gratidão
não precisa de tambores. -
8:09 - 8:11Um pediatra amigo meu me contou
-
8:11 - 8:13que ele recebeu uma criança
em parada cardíaca, -
8:13 - 8:16numa grande emergência
de um hospital público -
8:16 - 8:20e, iniciadas as manobras de ressuscitação,
em uma situação extremamente tensa -
8:20 - 8:25porque é uma fronteira
muito estreita com a morte, -
8:25 - 8:28ele percebeu que, enquanto eles tomavam
as medidas de ressuscitação, -
8:28 - 8:33uma senhora assistia à cena
encostada numa coluna. -
8:33 - 8:36Depois de uma hora e meia
de tentativa frustrada -
8:36 - 8:38de fazer aquele coraçãozinho
voltar a bater, -
8:38 - 8:42a criança foi considerada
tecnicamente morta -
8:42 - 8:43e cada um voltou a sua atividade.
-
8:43 - 8:46No fim do dia, ele saiu
pelos fundos do hospital -
8:46 - 8:49e percebeu que,
no meio de um pátio que havia, -
8:49 - 8:52aquela senhora estava sentada
num banco de pedra, chorando, -
8:52 - 8:56e ele teve certeza de que aquela mulher
era a mãe da criança morta. -
8:56 - 9:03Ele se aproximou, abraçou-a pelos ombros
e caminharam juntos até o portão de saída, -
9:03 - 9:06quanto ela lhe tomou a mão, a beijou,
-
9:06 - 9:09ele ficou meio sem jeito,
lhe beijou a mão de volta, -
9:09 - 9:12e ele foi pra esquerda
em direção ao estacionamento -
9:12 - 9:15e ela foi pra direita,
para o ponto de ônibus. -
9:15 - 9:17Nenhuma palavra,
-
9:17 - 9:21mas é provável que nunca tenha havido
um silêncio mais eloquente. -
9:21 - 9:26Existem situações em que não há
necessidade de palavras. -
9:31 - 9:37É muito importante perceber que gratidão
tem várias formas de apresentação -
9:37 - 9:39e, às vezes, ela tem algum requinte
-
9:39 - 9:43que permite que ela seja lembrada
de maneira definitiva e curiosa. -
9:43 - 9:45Aconteceu isso com o Eduardo.
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9:45 - 9:50Eduardo era um bancário
de 49 anos, da Bahia, -
9:50 - 9:54que tinha fibrose pulmonar
e veio pra cá pra transplantar o pulmão, -
9:54 - 9:58e toda a preocupação do Eduardo
antes do transplante -
9:58 - 9:59não era só com o fôlego.
-
9:59 - 10:02Ele queria saber o quanto,
com o fôlego novo, -
10:02 - 10:05a sua atividade sexual voltaria ao normal.
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10:06 - 10:10Eu lhe disse que sim, que nós nunca
teríamos um atleta sexual com falta de ar -
10:10 - 10:12e que ele ia ficar bem,
-
10:12 - 10:14mas ele várias vezes insistia com isso:
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10:14 - 10:19"Meu irmão, me diga de novo como é que é.
Volta ou não volta? Me garanta". -
10:19 - 10:21A preocupação dele era essa.
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10:21 - 10:23Ele foi transplantado.
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10:23 - 10:25Dois meses e meio depois que foi embora,
-
10:25 - 10:28toca o telefone na minha casa
no meio da madrugada. -
10:28 - 10:31Eu levei aquele sobressalto
de quem está habituado ao fato -
10:31 - 10:34de que telefone no meio da madrugada
significa que você vai ter que sair -
10:34 - 10:36porque tem algum problema cirúrgico
-
10:36 - 10:41e, quando eu atendi,
aquele sotaque inconfundível: -
10:41 - 10:45"Camargo, é Eduardo. Consegui!"
-
10:45 - 10:47(Risos)
-
10:48 - 10:50E eu voltei a dormir muito feliz
-
10:50 - 10:57porque eu tinha de alguma maneira
participado dessa orgia virtual, -
10:57 - 11:02e eu tinha, na verdade, aprendido
com o Eduardo um modelo novo de gratidão, -
11:02 - 11:04que é a gratidão com urgência,
-
11:04 - 11:06(Risos)
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11:06 - 11:09porque ele não fora capaz de esperar
que amanhecesse pra me telefonar. -
11:09 - 11:12Ele ainda estava ofegante da sua proeza,
-
11:12 - 11:13(Risos)
-
11:13 - 11:16mas ele precisava compartilhar
com quem ele achava -
11:16 - 11:19que tinha uma parte importante nisso.
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11:20 - 11:25Claro que a gente fica contente
com qualquer expressão de gratidão, -
11:25 - 11:29mas eu sempre me encantei
com as pessoas capazes de serem gratas -
11:29 - 11:32não quando as coisas deram certo,
porque isso parece quase obrigatório, -
11:32 - 11:35mas quando as coisas deram muito errado.
-
11:35 - 11:37Eu transplantei, uns anos atrás,
-
11:38 - 11:42um homem de 58 anos,
de Gravataí, o João Batista. -
11:42 - 11:43Era um doce de pessoa.
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11:43 - 11:46Ele sofria muito de falta de ar.
-
11:46 - 11:49Ele foi transplantado,
teve uma evolução inicial maravilhosa -
11:49 - 11:51e foi embora.
-
11:51 - 11:55Três semanas depois da alta,
ele voltou pra o hospital muito mal, -
11:55 - 12:00com febre, falta de ar
e com uma combinação terrível, -
12:00 - 12:04uma rejeição aguda poderosa
e uma infecção por fungo, -
12:04 - 12:07que é uma associação
praticamente sempre mortal, -
12:07 - 12:10tanto que ele morreu dois dias depois.
-
12:11 - 12:16Mais de dois meses mais tarde,
eu recebi uma filha querida dele, -
12:16 - 12:20que tinha uma missão delegada
pelo pai a caminho do hospital, -
12:20 - 12:21lá,
-
12:21 - 12:24durante o início da complicação.
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12:24 - 12:28E o pedido dela era que o pai,
ao chegar ao hospital, lhe dissera: -
12:28 - 12:32"Minha filha, eu acho que eu vou morrer,
porque eu nunca me senti tão mal. -
12:32 - 12:37Eu queria que, aconteça o que acontecer,
não deixe de agradecer ao doutor -
12:37 - 12:41e diga a ele que eu faria tudo outra vez
-
12:42 - 12:46por aquelas três semanas
em que eu respirei feito gente". -
12:46 - 12:49Infelizmente, esse tipo de gente é raro.
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12:52 - 12:59Eu aprendi que nada aproxima
mais o médico do paciente -
12:59 - 13:03do que o paciente
ser tratado com igualdade. -
13:03 - 13:09E isso é uma coisa que assemelha
o médico e o professor. -
13:09 - 13:16Essa sincronia de afetos e sentimentos
é o que faz com que o médico e o professor -
13:16 - 13:20sejam figuras que figuram quase sempre
no imaginário das pessoas -
13:20 - 13:23com espaço pra idolatria.
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13:23 - 13:26É comum vocês ouvirem entrevistas
de pessoas famosas -
13:26 - 13:29que vão citar lá a professora
da primeira infância -
13:29 - 13:35e o médico que lhes salvou duma situação
provavelmente fantasiosa ou imaginária, -
13:35 - 13:38da qual elas nunca se esqueceram.
-
13:38 - 13:43Eu aprendi que tratar o paciente
como um ser igual, -
13:43 - 13:48revelando até, quando necessário,
a fragilidade do médico, -
13:48 - 13:52é a coisa que mais nos aproximará.
-
13:52 - 13:55Eu recebi no hospital, uns anos atrás,
-
13:55 - 13:57uma criança de dez anos
que tinha caído de uma construção -
13:57 - 14:01e foi internada em coma profundo.
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14:01 - 14:05Durante as primeiras 36 horas,
ela fez três cirurgias -
14:05 - 14:07- tinha rompido a traqueia,
rompido brônquio; -
14:07 - 14:09uma queda de grande altura -
-
14:09 - 14:12e, no dia seguinte, ela foi submetida
a uma cirurgia de abdômen -
14:12 - 14:14pra remoção do baço,
-
14:14 - 14:16e ela nunca acordou.
-
14:16 - 14:19Dez dias depois dessa admissão,
-
14:19 - 14:24em que eu tinha ficado muito impressionado
com o esforço e a proteção daquela mãe -
14:24 - 14:28que varava dias e noites sem dormir,
sem sono, sem fome, -
14:28 - 14:34e cuidando daquela cara linda,
uns olhos enormes, com cílios virados... -
14:34 - 14:37Aliás, aquela cara linda atormentou
muitas das minhas madrugadas, -
14:37 - 14:40depois que tudo terminou.
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14:41 - 14:45Quando eu saí da UTI, completamente
arrasado com essa informação, -
14:45 - 14:46eu encontrei a minha secretária,
-
14:46 - 14:50que me disse que nós tínhamos
nove pacientes pra atender. -
14:50 - 14:52Como eu não tinha condição
de atender ninguém, -
14:52 - 14:56eu tive um impulso e pedi que ela
os passasse todos à minha sala. -
14:56 - 14:59Vocês podem imaginar
o olhar de surpresa deles, -
14:59 - 15:02esses nove desconhecidos,
que entram na sala do médico: -
15:03 - 15:07"A medicina deve ter avançado muito!
Vamos ter uma consulta coletiva!" -
15:08 - 15:10E aí, eu contei exatamente
o que tinha acontecido: -
15:10 - 15:13"Eu perdi uma criança,
um paciente muito importante, -
15:13 - 15:15estou muito mal e eu preciso saber
-
15:15 - 15:18se algum dos senhores
tem alguma condição de urgência -
15:18 - 15:21que eu possa pedir
a algum colega que os atenda. -
15:21 - 15:25Se não, eu gostaria muito
que vocês voltassem todos amanhã, -
15:25 - 15:31porque agora eu preciso muito
sair do hospital pra chorar". -
15:32 - 15:34E aí, houve uma comoção naquela sala.
-
15:34 - 15:39Eram nove desconhecidos que se abraçaram,
deram as mãos, se tocaram -
15:39 - 15:43e, no dia seguinte,
eles não só voltaram todos, -
15:43 - 15:45como eles estavam claramente fiscalizando
-
15:45 - 15:50pra ver se algum insensível pudesse
não ter percebido o drama do doutor. -
15:51 - 15:55Eles não só estavam lá todos,
como, durante os anos que se seguiram, -
15:55 - 16:01vários daqueles nove pacientes
fizeram consultas desnecessárias comigo -
16:01 - 16:06por causa dessa história que eles achavam
que merecia ser repetida, -
16:06 - 16:09porque isso tinha marcado
tanto a vida deles quanto a minha. -
16:09 - 16:13E, se vocês perguntarem: "Mas o que é
que aconteceu de tão especial?" -
16:13 - 16:14Nada, nada;
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16:14 - 16:18simplesmente o médico admitindo
que, como qualquer pessoa, -
16:18 - 16:22nós todos temos momentos na vida
em que nós não temos nada melhor pra fazer -
16:22 - 16:24do que parar pra chorar.
-
16:26 - 16:32Eu aprendi que essa identidade,
essa sincronia de sentimentos e de afetos, -
16:32 - 16:36é o que mais aproxima pessoas,
em qualquer circunstância, -
16:36 - 16:40alegre, feliz, sofrida, desesperada.
-
16:40 - 16:42A identidade de afetos e sentimentos
-
16:42 - 16:47é o que torna as pessoas
realmente conectadas. -
16:48 - 16:52Igualdade e generosidade
são uma combinação -
16:52 - 16:57que, pra mim, representa a mais
segura fonte geradora de gratidão. -
16:58 - 17:03Pratiquem e depois...
depois contem pra mim. -
17:03 - 17:04Muito obrigado.
-
17:04 - 17:06(Aplausos)
- Title:
- A gratidão que qualifica | José J. Camargo | TEDxUnisinosSalon
- Description:
-
Esta palestra foi dada num evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais, visite: http://ted.com/tedx
Ao falar sobre gratidão, o convidado destacou que esse sentimento se manifesta sob diversas formas sonoras, do estardalhaço ao silêncio, e que consiste na “mais nobre das virtudes, marca implacável no caráter das pessoas”. Com relatos de sua própria experiência enquanto médico, J. J. demonstrou que o som está presente nas sutilezas, nas reações imprevistas, na urgência e mesmo na ausência de palavras, pois a gratidão que cala também é eloquente. “A vida que vale a pena é a vida que é capaz de modificar a vida dos outros”, pontuou. Na visão do palestrante, o sucesso de uma pessoa pode ser medido pelo número de vezes em que ela suscitou nos outros o sentimento de gratidão e, para J. J., isso também quer dizer revelar suas próprias fragilidades quando necessário. “Essa identidade, essa sincronia de sentimentos e afetos, é o que torna as pessoas realmente conectadas”, finalizou.
Nascido em Vacaria (RS), J. J. Camargo é professor de cirurgia torácica na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Pioneiro em transplante de pulmão na América Latina (1989) e na operação com doadores vivos fora dos Estados Unidos (1999), dirige o Centro de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Também é membro titular da Academia Nacional de Medicina e cronista do Caderno Vida, de Zero Hora. Em sua apresentação no TEDxUnisinosSalon, aborda o tema “a gratidão que qualifica”.
- Video Language:
- Portuguese, Brazilian
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 17:18
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