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A gratidão que qualifica | José J. Camargo | TEDxUnisinosSalon

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    Bom dia a todos.
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    É uma alegria pra mim estar aqui,
  • 0:18 - 0:20
    e vocês podem estar se perguntando
  • 0:20 - 0:23
    o que gratidão tem a ver
    com os sons da nossa vida.
  • 0:23 - 0:24
    Eu espero que, no final, vocês descubram
  • 0:24 - 0:29
    que gratidão é um desses sentimentos
    que pode-se expressar de várias maneiras,
  • 0:29 - 0:32
    desde o estardalhaço,
  • 0:32 - 0:36
    o exagero na apresentação do sentimento,
  • 0:36 - 0:42
    até no silêncio, que às vezes
    é o melhor de todos os sons.
  • 0:42 - 0:45
    Eu gosto de falar de gratidão
    porque ela é a mais nobre das virtudes
  • 0:45 - 0:52
    e, sem dúvida, ela é uma marca
    implacável no caráter das pessoas.
  • 0:52 - 0:56
    Como é muito improvável
    que alguém passe pela vida
  • 0:56 - 1:00
    sem que, em algum momento,
    alguém lhe tenha estendido a mão,
  • 1:01 - 1:05
    nós podemos dizer com certeza,
    sem nenhuma margem de erro,
  • 1:05 - 1:08
    que o mal-agradecido não presta
  • 1:09 - 1:12
    e não é possível ser generoso
    com esse tipo de gente.
  • 1:12 - 1:17
    O nosso primeiro sentimento de gratidão
    deve estar lá na infância
  • 1:18 - 1:24
    com o nosso pai que, travestido de herói,
    nos socorreu numa situação de temor,
  • 1:24 - 1:29
    e nós o amamos naquele momento
    mais do que em qualquer outra situação;
  • 1:30 - 1:35
    ou a nossa mãe que varou a noite,
    sem sono e sem fome,
  • 1:35 - 1:38
    pra vigiar uma febrezinha vagabunda.
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    Uma coisa interessante
    é que esse sentimento pelos pais
  • 1:42 - 1:46
    frequentemente só é percebido
    quando nós temos filhos.
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    Quando o meu filho tinha 1,5 ano,
    ele teve uma crise convulsiva.
  • 1:51 - 1:54
    Isso coincidiu com um surto
    de meningite em Porto Alegre,
  • 1:54 - 1:57
    e eu me lembro do pânico na família
  • 1:57 - 2:02
    até provar que aquela crise
    era uma crise convulsiva febril,
  • 2:02 - 2:06
    sem nenhuma relação com epilepsia,
    que era o grande fantasma,
  • 2:06 - 2:08
    ou com meningite.
  • 2:09 - 2:12
    O problema é que, depois daquilo,
    a cada vez em que ele tinha febre,
  • 2:12 - 2:16
    nós ficávamos sobressaltados,
    com receio de outra convulsão.
  • 2:16 - 2:19
    Eu me lembro duma noite
    em que ele estava com febre
  • 2:19 - 2:22
    e tentei de várias maneiras
    baixar a febre e não conseguia
  • 2:22 - 2:25
    - parece que [médico] consegue
    menos quando o paciente é filho -
  • 2:25 - 2:29
    e não conseguia baixar a febre
    e eu passei a noite vigiando.
  • 2:30 - 2:31
    Quando estava amanhecendo o dia,
  • 2:31 - 2:35
    eu me dei conta de que o jeito
    como eu amava meu filho, que era muito...
  • 2:35 - 2:36
    eu o achava tão bonito...
  • 2:36 - 2:39
    Depois ele piorou,
    mas ele era realmente muito bonito.
  • 2:40 - 2:43
    O jeito como eu amava meu filho
    não devia ser original,
  • 2:43 - 2:47
    não havia nenhuma razão
    pra eu ter uma forma nova de amar,
  • 2:47 - 2:51
    e meu pai devia ter me amado
    da mesma maneira.
  • 2:51 - 2:55
    Eu me lembro da surpresa e do susto
    que eu provoquei no meu pai
  • 2:55 - 2:59
    quando lhe fiz uma declaração de amor
    inesperada às seis da manhã
  • 2:59 - 3:02
    e ele quis saber, naturalmente,
    o que é que estava muito errado.
  • 3:03 - 3:06
    Depois, nós vamos
    nos lembrar, com certeza,
  • 3:06 - 3:10
    do nosso colega que nos socorreu
    numa briga de adolescentes,
  • 3:10 - 3:13
    ou da primeira namorada
    que fez de conta que não percebia
  • 3:13 - 3:17
    o quanto nós dançávamos mal
    no baile do clube.
  • 3:18 - 3:22
    Mais adiante, é provável
    que nos lembremos, e eu me lembro,
  • 3:22 - 3:27
    da professora de português
    que disse pra toda a classe
  • 3:27 - 3:31
    que aquela redação devia servir
    de modelo para os outros,
  • 3:31 - 3:36
    e eu me senti como um gênio da literatura,
    finalmente reconhecido.
  • 3:37 - 3:41
    Será uma maravilha
    se a nossa atividade profissional
  • 3:41 - 3:47
    for capaz de modificar a vida das pessoas,
  • 3:47 - 3:49
    porque essa é a vida que vale a pena,
  • 3:49 - 3:55
    a vida que é capaz de modificar
    a qualidade da vida dos outros.
  • 3:55 - 4:01
    Eu estou convencido de que nós podemos
    contabilizar a qualidade de uma vida
  • 4:01 - 4:05
    pelo número de vezes em que nós
    suscitamos em outras pessoas
  • 4:05 - 4:07
    o sentimento de gratidão.
  • 4:07 - 4:09
    Quem trabalha como médico,
  • 4:09 - 4:14
    e o médico é uma pessoa
    que convive com as pobrezas,
  • 4:14 - 4:17
    os temores e as fantasias da morte,
  • 4:17 - 4:20
    acaba viciado em gratidão.
  • 4:20 - 4:21
    É fácil de entender, né?
  • 4:21 - 4:25
    A nossa atividade está sempre margeando
    o sofrimento e o desespero,
  • 4:25 - 4:29
    e nós definitivamente
    nunca nos esquecemos das pessoas
  • 4:29 - 4:32
    que foram solidárias
    com o nosso sofrimento,
  • 4:32 - 4:37
    da mesma maneira que é um instrumento
    de aversão poderosíssimo
  • 4:37 - 4:39
    a desconsideração do sofrimento.
  • 4:39 - 4:41
    Nós podemos esquecer um favor,
  • 4:41 - 4:46
    mas jamais esqueceremos
    uma desconsideração.
  • 4:46 - 4:48
    Na atividade médica,
  • 4:48 - 4:53
    nós aprendemos que as pessoas
    mais simples, as pessoas mais toscas,
  • 4:53 - 4:56
    têm muito mais facilidade
    de expressar gratidão
  • 4:56 - 5:00
    porque elas nunca exercitaram
    a hipocrisia do convívio social.
  • 5:00 - 5:04
    Elas nunca tiveram que aparentar
    serem o que não eram
  • 5:04 - 5:07
    e, sendo o que sempre foram,
  • 5:07 - 5:12
    elas conseguem ser
    mais espontâneas e mais generosas.
  • 5:12 - 5:16
    Eu me lembro de uma tarde
    em que chegou no hospital a Maria Emília.
  • 5:16 - 5:19
    A Maria Emília era uma negra
    duns 40 anos, uma cara bonita,
  • 5:19 - 5:23
    tinha sofrido um atropelamento,
    foi atropelada por uma bicicleta,
  • 5:23 - 5:24
    e quebrou uma costela.
  • 5:25 - 5:28
    Eu lembro que, quando eu sentei
    com ela e o marido,
  • 5:28 - 5:34
    que era um negro com uma cara
    muito enfarruscada e muito desconfiado,
  • 5:34 - 5:36
    eu, pra amenizar o encontro,
  • 5:36 - 5:39
    disse que nós, no futuro,
    ainda íamos falar daquele atropelamento
  • 5:39 - 5:42
    como um atropelamento "abençoado",
  • 5:42 - 5:46
    porque ele permitira descobrir
    um nódulo de pulmão,
  • 5:46 - 5:49
    que era um câncer de dois centímetros
    do qual ela devia se curar
  • 5:49 - 5:51
    pela sorte que tivera de ser atropelada.
  • 5:51 - 5:55
    Ele achou muito estranha essa associação,
    mas o certo é que funcionou:
  • 5:55 - 5:58
    ela foi operada, curou-se
    e nós ficamos muito amigos.
  • 5:58 - 6:02
    Ele era dono duma tenda de frutas,
    dessas de beira de calçada,
  • 6:02 - 6:05
    e fizeram várias consultas comigo
    nos anos que se seguiram.
  • 6:05 - 6:09
    Nunca foram a uma consulta
    sem me levar alguma coisa de presente,
  • 6:09 - 6:13
    nem que fosse uma maçã, uma pera.
  • 6:13 - 6:15
    Uma vez, eu ganhei uma banana,
  • 6:15 - 6:18
    com todo o simbolismo de ganhar
    uma banana do paciente,
  • 6:18 - 6:21
    mas era a expressão de gratidão
    possível naquele momento.
  • 6:21 - 6:25
    E, muitas vezes, eu comprei frutas azedas,
    comprei frutas vencidas,
  • 6:25 - 6:27
    na tentativa de ajudá-los,
  • 6:27 - 6:30
    porque a condição
    econômica deles era ruim.
  • 6:30 - 6:33
    No ano passado, 15 anos depois,
  • 6:33 - 6:37
    eu paro na calçada, do lado da tenda dele,
    pergunto como é que estão as coisas
  • 6:37 - 6:39
    e ele me disse: "Ah, doutor, muito mal,
  • 6:39 - 6:41
    porque parece que as pessoas
    estão convencidas
  • 6:41 - 6:44
    de que só se deve comprar frutas
    no supermercado.
  • 6:44 - 6:45
    Só pra o senhor ter uma ideia,
  • 6:45 - 6:48
    eu não estou conseguindo
    comprar antibiótico pra negra velha
  • 6:48 - 6:50
    que está muito encatarrada".
  • 6:50 - 6:53
    Eu lhe dei uma nota de R$ 50
    pra ele comprar o antibiótico,
  • 6:53 - 6:55
    o sinal abriu e eu fui embora.
  • 6:56 - 6:58
    Um mês depois, eu estou
    de novo parado na esquina
  • 6:58 - 7:01
    e ele corre lá e diz: "Doutor,
    aquele dia o senhor saiu apressado
  • 7:01 - 7:03
    e nem pude lhe agradecer.
  • 7:03 - 7:06
    O senhor é uma pessoa boa,
    eu não quero passar por mal-agradecido
  • 7:06 - 7:08
    e então eu queria lhe dizer uma coisa.
  • 7:08 - 7:12
    A minha especialidade está mais
    para o lado da bandidagem,
  • 7:13 - 7:16
    de modo que, se tiver alguém
    lhe incomodando,
  • 7:16 - 7:18
    o senhor só me diga quem é...
  • 7:18 - 7:20
    (Risos)
  • 7:20 - 7:22
    que um susto a gente garante.
  • 7:22 - 7:24
    (Risos)
  • 7:24 - 7:27
    O senhor só tem que me dizer
    o tamanho do susto".
  • 7:27 - 7:28
    (Risos)
  • 7:28 - 7:32
    E eu fiquei muito assustado
    porque eu não tenho ideia
  • 7:32 - 7:34
    de como é que ele classifica "susto", né.
  • 7:34 - 7:35
    (Risos)
  • 7:35 - 7:37
    Como é que é um "susto médio"
    ou um "susto grande"?
  • 7:37 - 7:40
    Eu contei essa história
    na minha coluna "Zero Hora"
  • 7:40 - 7:43
    e terminei dizendo
    que "ficamos combinados",
  • 7:44 - 7:47
    que era pra dar um recado
    aos meus potenciais desafetos...
  • 7:47 - 7:48
    (Risos)
  • 7:48 - 7:51
    que eu não sou um pobre
    médico desprotegido;
  • 7:51 - 7:53
    eu tenho lá minha retaguarda.
  • 7:53 - 7:54
    (Risos)
  • 7:54 - 7:56
    O certo é que funcionou.
  • 7:56 - 8:03
    A gratidão pode, algumas vezes,
    ser exagerada, ser ruidosa,
  • 8:03 - 8:07
    mas eu aprendi que a verdadeira gratidão
    não precisa de tambores.
  • 8:09 - 8:11
    Um pediatra amigo meu me contou
  • 8:11 - 8:13
    que ele recebeu uma criança
    em parada cardíaca,
  • 8:13 - 8:16
    numa grande emergência
    de um hospital público
  • 8:16 - 8:20
    e, iniciadas as manobras de ressuscitação,
    em uma situação extremamente tensa
  • 8:20 - 8:25
    porque é uma fronteira
    muito estreita com a morte,
  • 8:25 - 8:28
    ele percebeu que, enquanto eles tomavam
    as medidas de ressuscitação,
  • 8:28 - 8:33
    uma senhora assistia à cena
    encostada numa coluna.
  • 8:33 - 8:36
    Depois de uma hora e meia
    de tentativa frustrada
  • 8:36 - 8:38
    de fazer aquele coraçãozinho
    voltar a bater,
  • 8:38 - 8:42
    a criança foi considerada
    tecnicamente morta
  • 8:42 - 8:43
    e cada um voltou a sua atividade.
  • 8:43 - 8:46
    No fim do dia, ele saiu
    pelos fundos do hospital
  • 8:46 - 8:49
    e percebeu que,
    no meio de um pátio que havia,
  • 8:49 - 8:52
    aquela senhora estava sentada
    num banco de pedra, chorando,
  • 8:52 - 8:56
    e ele teve certeza de que aquela mulher
    era a mãe da criança morta.
  • 8:56 - 9:03
    Ele se aproximou, abraçou-a pelos ombros
    e caminharam juntos até o portão de saída,
  • 9:03 - 9:06
    quanto ela lhe tomou a mão, a beijou,
  • 9:06 - 9:09
    ele ficou meio sem jeito,
    lhe beijou a mão de volta,
  • 9:09 - 9:12
    e ele foi pra esquerda
    em direção ao estacionamento
  • 9:12 - 9:15
    e ela foi pra direita,
    para o ponto de ônibus.
  • 9:15 - 9:17
    Nenhuma palavra,
  • 9:17 - 9:21
    mas é provável que nunca tenha havido
    um silêncio mais eloquente.
  • 9:21 - 9:26
    Existem situações em que não há
    necessidade de palavras.
  • 9:31 - 9:37
    É muito importante perceber que gratidão
    tem várias formas de apresentação
  • 9:37 - 9:39
    e, às vezes, ela tem algum requinte
  • 9:39 - 9:43
    que permite que ela seja lembrada
    de maneira definitiva e curiosa.
  • 9:43 - 9:45
    Aconteceu isso com o Eduardo.
  • 9:45 - 9:50
    Eduardo era um bancário
    de 49 anos, da Bahia,
  • 9:50 - 9:54
    que tinha fibrose pulmonar
    e veio pra cá pra transplantar o pulmão,
  • 9:54 - 9:58
    e toda a preocupação do Eduardo
    antes do transplante
  • 9:58 - 9:59
    não era só com o fôlego.
  • 9:59 - 10:02
    Ele queria saber o quanto,
    com o fôlego novo,
  • 10:02 - 10:05
    a sua atividade sexual voltaria ao normal.
  • 10:06 - 10:10
    Eu lhe disse que sim, que nós nunca
    teríamos um atleta sexual com falta de ar
  • 10:10 - 10:12
    e que ele ia ficar bem,
  • 10:12 - 10:14
    mas ele várias vezes insistia com isso:
  • 10:14 - 10:19
    "Meu irmão, me diga de novo como é que é.
    Volta ou não volta? Me garanta".
  • 10:19 - 10:21
    A preocupação dele era essa.
  • 10:21 - 10:23
    Ele foi transplantado.
  • 10:23 - 10:25
    Dois meses e meio depois que foi embora,
  • 10:25 - 10:28
    toca o telefone na minha casa
    no meio da madrugada.
  • 10:28 - 10:31
    Eu levei aquele sobressalto
    de quem está habituado ao fato
  • 10:31 - 10:34
    de que telefone no meio da madrugada
    significa que você vai ter que sair
  • 10:34 - 10:36
    porque tem algum problema cirúrgico
  • 10:36 - 10:41
    e, quando eu atendi,
    aquele sotaque inconfundível:
  • 10:41 - 10:45
    "Camargo, é Eduardo. Consegui!"
  • 10:45 - 10:47
    (Risos)
  • 10:48 - 10:50
    E eu voltei a dormir muito feliz
  • 10:50 - 10:57
    porque eu tinha de alguma maneira
    participado dessa orgia virtual,
  • 10:57 - 11:02
    e eu tinha, na verdade, aprendido
    com o Eduardo um modelo novo de gratidão,
  • 11:02 - 11:04
    que é a gratidão com urgência,
  • 11:04 - 11:06
    (Risos)
  • 11:06 - 11:09
    porque ele não fora capaz de esperar
    que amanhecesse pra me telefonar.
  • 11:09 - 11:12
    Ele ainda estava ofegante da sua proeza,
  • 11:12 - 11:13
    (Risos)
  • 11:13 - 11:16
    mas ele precisava compartilhar
    com quem ele achava
  • 11:16 - 11:19
    que tinha uma parte importante nisso.
  • 11:20 - 11:25
    Claro que a gente fica contente
    com qualquer expressão de gratidão,
  • 11:25 - 11:29
    mas eu sempre me encantei
    com as pessoas capazes de serem gratas
  • 11:29 - 11:32
    não quando as coisas deram certo,
    porque isso parece quase obrigatório,
  • 11:32 - 11:35
    mas quando as coisas deram muito errado.
  • 11:35 - 11:37
    Eu transplantei, uns anos atrás,
  • 11:38 - 11:42
    um homem de 58 anos,
    de Gravataí, o João Batista.
  • 11:42 - 11:43
    Era um doce de pessoa.
  • 11:43 - 11:46
    Ele sofria muito de falta de ar.
  • 11:46 - 11:49
    Ele foi transplantado,
    teve uma evolução inicial maravilhosa
  • 11:49 - 11:51
    e foi embora.
  • 11:51 - 11:55
    Três semanas depois da alta,
    ele voltou pra o hospital muito mal,
  • 11:55 - 12:00
    com febre, falta de ar
    e com uma combinação terrível,
  • 12:00 - 12:04
    uma rejeição aguda poderosa
    e uma infecção por fungo,
  • 12:04 - 12:07
    que é uma associação
    praticamente sempre mortal,
  • 12:07 - 12:10
    tanto que ele morreu dois dias depois.
  • 12:11 - 12:16
    Mais de dois meses mais tarde,
    eu recebi uma filha querida dele,
  • 12:16 - 12:20
    que tinha uma missão delegada
    pelo pai a caminho do hospital,
  • 12:20 - 12:21
    lá,
  • 12:21 - 12:24
    durante o início da complicação.
  • 12:24 - 12:28
    E o pedido dela era que o pai,
    ao chegar ao hospital, lhe dissera:
  • 12:28 - 12:32
    "Minha filha, eu acho que eu vou morrer,
    porque eu nunca me senti tão mal.
  • 12:32 - 12:37
    Eu queria que, aconteça o que acontecer,
    não deixe de agradecer ao doutor
  • 12:37 - 12:41
    e diga a ele que eu faria tudo outra vez
  • 12:42 - 12:46
    por aquelas três semanas
    em que eu respirei feito gente".
  • 12:46 - 12:49
    Infelizmente, esse tipo de gente é raro.
  • 12:52 - 12:59
    Eu aprendi que nada aproxima
    mais o médico do paciente
  • 12:59 - 13:03
    do que o paciente
    ser tratado com igualdade.
  • 13:03 - 13:09
    E isso é uma coisa que assemelha
    o médico e o professor.
  • 13:09 - 13:16
    Essa sincronia de afetos e sentimentos
    é o que faz com que o médico e o professor
  • 13:16 - 13:20
    sejam figuras que figuram quase sempre
    no imaginário das pessoas
  • 13:20 - 13:23
    com espaço pra idolatria.
  • 13:23 - 13:26
    É comum vocês ouvirem entrevistas
    de pessoas famosas
  • 13:26 - 13:29
    que vão citar lá a professora
    da primeira infância
  • 13:29 - 13:35
    e o médico que lhes salvou duma situação
    provavelmente fantasiosa ou imaginária,
  • 13:35 - 13:38
    da qual elas nunca se esqueceram.
  • 13:38 - 13:43
    Eu aprendi que tratar o paciente
    como um ser igual,
  • 13:43 - 13:48
    revelando até, quando necessário,
    a fragilidade do médico,
  • 13:48 - 13:52
    é a coisa que mais nos aproximará.
  • 13:52 - 13:55
    Eu recebi no hospital, uns anos atrás,
  • 13:55 - 13:57
    uma criança de dez anos
    que tinha caído de uma construção
  • 13:57 - 14:01
    e foi internada em coma profundo.
  • 14:01 - 14:05
    Durante as primeiras 36 horas,
    ela fez três cirurgias
  • 14:05 - 14:07
    - tinha rompido a traqueia,
    rompido brônquio;
  • 14:07 - 14:09
    uma queda de grande altura -
  • 14:09 - 14:12
    e, no dia seguinte, ela foi submetida
    a uma cirurgia de abdômen
  • 14:12 - 14:14
    pra remoção do baço,
  • 14:14 - 14:16
    e ela nunca acordou.
  • 14:16 - 14:19
    Dez dias depois dessa admissão,
  • 14:19 - 14:24
    em que eu tinha ficado muito impressionado
    com o esforço e a proteção daquela mãe
  • 14:24 - 14:28
    que varava dias e noites sem dormir,
    sem sono, sem fome,
  • 14:28 - 14:34
    e cuidando daquela cara linda,
    uns olhos enormes, com cílios virados...
  • 14:34 - 14:37
    Aliás, aquela cara linda atormentou
    muitas das minhas madrugadas,
  • 14:37 - 14:40
    depois que tudo terminou.
  • 14:41 - 14:45
    Quando eu saí da UTI, completamente
    arrasado com essa informação,
  • 14:45 - 14:46
    eu encontrei a minha secretária,
  • 14:46 - 14:50
    que me disse que nós tínhamos
    nove pacientes pra atender.
  • 14:50 - 14:52
    Como eu não tinha condição
    de atender ninguém,
  • 14:52 - 14:56
    eu tive um impulso e pedi que ela
    os passasse todos à minha sala.
  • 14:56 - 14:59
    Vocês podem imaginar
    o olhar de surpresa deles,
  • 14:59 - 15:02
    esses nove desconhecidos,
    que entram na sala do médico:
  • 15:03 - 15:07
    "A medicina deve ter avançado muito!
    Vamos ter uma consulta coletiva!"
  • 15:08 - 15:10
    E aí, eu contei exatamente
    o que tinha acontecido:
  • 15:10 - 15:13
    "Eu perdi uma criança,
    um paciente muito importante,
  • 15:13 - 15:15
    estou muito mal e eu preciso saber
  • 15:15 - 15:18
    se algum dos senhores
    tem alguma condição de urgência
  • 15:18 - 15:21
    que eu possa pedir
    a algum colega que os atenda.
  • 15:21 - 15:25
    Se não, eu gostaria muito
    que vocês voltassem todos amanhã,
  • 15:25 - 15:31
    porque agora eu preciso muito
    sair do hospital pra chorar".
  • 15:32 - 15:34
    E aí, houve uma comoção naquela sala.
  • 15:34 - 15:39
    Eram nove desconhecidos que se abraçaram,
    deram as mãos, se tocaram
  • 15:39 - 15:43
    e, no dia seguinte,
    eles não só voltaram todos,
  • 15:43 - 15:45
    como eles estavam claramente fiscalizando
  • 15:45 - 15:50
    pra ver se algum insensível pudesse
    não ter percebido o drama do doutor.
  • 15:51 - 15:55
    Eles não só estavam lá todos,
    como, durante os anos que se seguiram,
  • 15:55 - 16:01
    vários daqueles nove pacientes
    fizeram consultas desnecessárias comigo
  • 16:01 - 16:06
    por causa dessa história que eles achavam
    que merecia ser repetida,
  • 16:06 - 16:09
    porque isso tinha marcado
    tanto a vida deles quanto a minha.
  • 16:09 - 16:13
    E, se vocês perguntarem: "Mas o que é
    que aconteceu de tão especial?"
  • 16:13 - 16:14
    Nada, nada;
  • 16:14 - 16:18
    simplesmente o médico admitindo
    que, como qualquer pessoa,
  • 16:18 - 16:22
    nós todos temos momentos na vida
    em que nós não temos nada melhor pra fazer
  • 16:22 - 16:24
    do que parar pra chorar.
  • 16:26 - 16:32
    Eu aprendi que essa identidade,
    essa sincronia de sentimentos e de afetos,
  • 16:32 - 16:36
    é o que mais aproxima pessoas,
    em qualquer circunstância,
  • 16:36 - 16:40
    alegre, feliz, sofrida, desesperada.
  • 16:40 - 16:42
    A identidade de afetos e sentimentos
  • 16:42 - 16:47
    é o que torna as pessoas
    realmente conectadas.
  • 16:48 - 16:52
    Igualdade e generosidade
    são uma combinação
  • 16:52 - 16:57
    que, pra mim, representa a mais
    segura fonte geradora de gratidão.
  • 16:58 - 17:03
    Pratiquem e depois...
    depois contem pra mim.
  • 17:03 - 17:04
    Muito obrigado.
  • 17:04 - 17:06
    (Aplausos)
Title:
A gratidão que qualifica | José J. Camargo | TEDxUnisinosSalon
Description:

Esta palestra foi dada num evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais, visite: http://ted.com/tedx

Ao falar sobre gratidão, o convidado destacou que esse sentimento se manifesta sob diversas formas sonoras, do estardalhaço ao silêncio, e que consiste na “mais nobre das virtudes, marca implacável no caráter das pessoas”. Com relatos de sua própria experiência enquanto médico, J. J. demonstrou que o som está presente nas sutilezas, nas reações imprevistas, na urgência e mesmo na ausência de palavras, pois a gratidão que cala também é eloquente. “A vida que vale a pena é a vida que é capaz de modificar a vida dos outros”, pontuou. Na visão do palestrante, o sucesso de uma pessoa pode ser medido pelo número de vezes em que ela suscitou nos outros o sentimento de gratidão e, para J. J., isso também quer dizer revelar suas próprias fragilidades quando necessário. “Essa identidade, essa sincronia de sentimentos e afetos, é o que torna as pessoas realmente conectadas”, finalizou.

Nascido em Vacaria (RS), J. J. Camargo é professor de cirurgia torácica na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Pioneiro em transplante de pulmão na América Latina (1989) e na operação com doadores vivos fora dos Estados Unidos (1999), dirige o Centro de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Também é membro titular da Academia Nacional de Medicina e cronista do Caderno Vida, de Zero Hora. Em sua apresentação no TEDxUnisinosSalon, aborda o tema “a gratidão que qualifica”.

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Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
17:18

Portuguese, Brazilian subtitles

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