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Histórias verdadeiras do Mediterrâneo | Francois Beaune | TEDxLyon

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    O Mediterrâneo é uma boca ressequida
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    cujo lábio superior se exprime em latim
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    e o lábio inferior em árabe.
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    Quando tenta engolir,
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    quando os lábios se aproximam.
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    ele sente-se mal, pica.
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    Sofre porque há todas aquelas fronteiras,
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    todo o arame farpado, todas as guaritas,
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    todos os postos de controlo
    à volta do Mediterrâneo
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    que o impedem de se exprimir.
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    Em 2011, eu estava em Marselha,
    quando ocorreram as primaveras árabes
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    e senti que havia indivíduos livres,
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    que retomavam a palavra,
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    que se recusavam a ficar presos
    nos rolos de arame farpado
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    que retomavam o direito de existir
    e de dizer o que tinham vontade de dizer.
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    Nesse momento, pensei
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    que o que era preciso fazer
    era ir lá escutá-los, simplesmente.
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    Ou seja,
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    deixar de considerar o Mediterrâneo
    como um conjunto de estados-nações
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    que não falam uns com os outros,
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    mas como uma comunidade de habitantes
    que não se conhecem muito bem
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    e ir escutá-los
    e criar uma grande biblioteca,
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    uma base de dados comum.
    livre de direitos,
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    uma biblioteca de histórias verdadeiras
    dos habitantes do Mediterrâneo
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    em toda as línguas do Mediterrâneo.
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    Propus isso, em Marseille 2013,
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    que, na altura, era a capital da cultura.
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    Assim, a partir de dezembro de 2011,
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    parti para fazer uma viagem,
    de microfone na mão.
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    Comecei por Barcelona.
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    A princípio, não sabia bem
    como fazer isso,
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    portanto, ia ter com as pessoas
    sentadas nos bancos.
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    Pouco a pouco,
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    arranjámos um determinado número
    de possibilidades de recolha.
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    Podemos recolher histórias verdadeiras
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    em "tête-à-tête" com alguém
    que encontramos.
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    Podemos fazer isso, aqui, em conjunto,
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    vocês aparecem todos juntos
    e contam uma história verdadeira.
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    Podemos fazer vigílias à luz de velas.
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    podemos fazer mesas redondas, etc.
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    Há 36 maneiras de recolher.
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    Do mesmo modo, há 36 maneiras
    de reproduzir as histórias.
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    Há todas as formas possíveis
    de voltar a contar essas histórias.
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    Portanto, comecei assim.
    Isto foi em Espanha.
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    Depois, estive em Marrocos,
    em janeiro de 2012.
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    Depois, na Argélia e aí o projeto arrancou
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    porque chegaram
    imensas histórias argelinas,
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    sob a forma de textos, na Internet,
    onde eram reunidas.
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    Depois, encontrei imensas pessoas.
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    Esta recolha arrancou realmente
    em fevereiro de 2012.
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    Depois, estive na Tunísia
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    e aí também tive ótimos encontros.
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    Depois, não pude ir à Líbia,
    com o que lá se passava
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    e fui ao Egito.
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    Cheguei ao Líbano
    e continuei a recolha.
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    Estive muito tempo em Beirute
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    e, a certa altura, fui convidado
    para Hammana
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    que é uma aldeiazinha
    no alto do Monte Líbano,
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    uma aldeiazinha de maioria cristã,
    a uns três quartos de hora de Beirute.
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    Cheguei lá, as pessoas estavam
    à minha espera,
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    estavam todas na biblioteca.
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    Parecia uma vigília à luz de velas
    mas no meio dos livros.
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    Todos nós pedimos a palavra.
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    Eu contei uma história,
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    e as pessoas, os mais velhos,
    os mais novos,
  • 3:31 - 3:33
    em francês, em árabe,
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    contaram as delas.
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    Escolheram — era sempre
    o que eu pedia às pessoas —
  • 3:38 - 3:42
    entre o relato da sua vida,
    de zero ao tempo presente:
  • 3:42 - 3:45
    "Qual será a história
    que gostaria de partilhar
  • 3:45 - 3:47
    "com o mundo inteiro?"
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    "Qual será a história marcante
    que lhe é cara,
  • 3:51 - 3:57
    "que têm vontade de pôr em comum
    numa grande biblioteca?"
  • 3:58 - 4:00
    E, pronto, obtive imensas histórias.
  • 4:00 - 4:03
    Depois, voltámos a encontrar-nos
    para beber um copo.
  • 4:03 - 4:06
    Samira Fakhouri, a diretora
    da biblioteca, disse-me:
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    "Há uma história que eu não contei".
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    Passa-se em 1976.
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    Foi no primeiro ano
    da guerra civil no Líbano
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    e foi também o ano
    em que o exército sírio
  • 4:22 - 4:24
    foi ocupar o Líbano.
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    Instalaram, em especial,
    em Hammana,
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    canhões para bombardear Beirute
    e esperavam as réplicas.
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    Quando Samira e o marido viram aquilo.
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    decidiram pôr os filhos em segurança
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    no Vale de Becaa, ao pé de Zahlé
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    mas eles ficaram em Hammana
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    para se ocuparem das casas de família
    para não serem saqueadas.
  • 4:47 - 4:50
    Havia três casas e eles ficaram.
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    Havia a avó numa das outras casas
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    e uma das casas tinha sido requisitada
    pelos oficiais sírios,
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    portanto, eles moravam
    numa das suas casas.
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    Eram vizinhos.
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    Na primavera, como todos os anos,
    Samira e o marido discutem.
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    E discutem, sempre pela mesma razão,
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    por causa dos choupos.
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    Têm quatro choupos ao lado do jardim.
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    Não sei se estão a ver,
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    mas os choupos produzem
    bolinhas de algodão, são os rebentos
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    que depois, fazem aquelas bolas
    que sujam todos os jardins.
  • 5:23 - 5:25
    Na primavera, é sempre a mesma coisa.
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    O marido de Samira diz-lhe:
    "É o último ano.
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    " 'khalass', vou livrar-me
    daqueles choupos,
  • 5:32 - 5:34
    "vou cortar os choupos".
  • 5:34 - 5:36
    E Samira diz:
    "Não podes fazer isso!
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    "Temos de viver com as árvores,
    dão-nos sombra no verão".
  • 5:39 - 5:42
    A certa altura, o oficial sírio
    passa por ali,
  • 5:43 - 5:46
    ouve a conversa, é a primeira vez
    que os ouve discutir e diz:
  • 5:46 - 5:48
    "O que é que se passa, senhora Fakhouri,
    há algum problema?"
  • 5:48 - 5:50
    Ela está tão enervada com o marido
  • 5:50 - 5:55
    e talvez também pela tensão
    ligada à ocupação, à guerra,
  • 5:55 - 5:57
    olha para o oficial e diz:
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    "É o meu marido, quer divorciar-se.
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    "Quer divorciar-se, pronto".
  • 6:02 - 6:06
    O oficial sírio ouve aquilo
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    e não se percebe o que é que ele tem,
    mas ele está emocionado.
  • 6:10 - 6:14
    Talvez não veja a mulher dele há meses.
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    Está ali e diz:
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    "Mas porquê? Ele não pode fazer isso...
  • 6:22 - 6:26
    "Não pode tomar essa decisão.
    Tem de refletir mais tempo!
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    "O casamento é sagrado!
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    "Ele não pode divorciar-se assim,
    senhora Fakhouri.
  • 6:31 - 6:34
    "A senhora é uma mulher de bem", etc.
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    Samira diz-lhe: "Ele quer divorciar-se
  • 6:36 - 6:40
    "e, senhor oficial sírio,
    vou dizer-lhe porquê".
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    O oficial sírio diz: "Não, não.
    Não quero saber nada.
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    "Oiça, são histórias pessoais.
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    "É a vossa vida privada,
    não quero saber nada".
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    Ela diz: "Sim, sim,
    eu quero dizer-lhe porquê.
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    "Está a ver aqueles choupos,
    senhor oficial sírio?
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    "Está a ver aqueles quatro choupos?
  • 6:55 - 6:58
    "Produzem bolinha de algodão como estas.
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    "Caem e sujam o jardim todo.
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    "Ele quer cortar os choupos,
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    "mas eu não quero que ele corte
    os meus choupos,
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    "por isso quer divorciar-se".
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    O oficial sírio olha para ela e diz:
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    "O vosso problema é esse,
    senhora Fakhouri?
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    "É esse o vosso problema?"
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    Então, vira-se e chama os soldados,
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    chama-os como se eles fossem animais.
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    "Hayawan! Soldados, venham cá.
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    "Juntem-se em volta do jardim
    da senhora Fakhouri".
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    Os soldados juntam-se todos.
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    O oficial diz: "Veem ali
    aqueles quatro choupos?"
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    Os soldados:
    "Sim, vemos os quatro choupos".
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    "Pois bem, soldados,
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    "Vão apanhar todos os rebentos
    dos choupos".
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    Então, Samira disse-me:
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    "Vi o exército sírio a subir,
    aos três, a cada choupo
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    "— queria fazer uma foto,
    mas não me atrevi —
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    "e a colher delicadamente
    os rebentos dos choupos,
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    "depois, desceram
    puseram-nos em sacos.
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    "Eu pensei: 'Apesar de tudo,
    este oficial sírio tem coração!
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    " 'Teve receio pelo meu casamento'."
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    Ela contou-me isto e acabámos a noite.
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    Depois, continuei o meu périplo.
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    De seguida, vou à Turquia,
    muito tempo em Izmir.
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    Na Grécia, em Atenas,
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    Na Sicília, em Itália só fiz a Sicília.
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    Acabei em Israel,
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    onde passei bastante tempo
    em Telavive, nos "kibbutz",
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    em Haifa, em Nazaré.
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    E, depois, na Palestina,
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    onde comecei por Hébron,
    o que foi um grande choque,
  • 8:46 - 8:50
    depois Ramallah,
    depois Naplusa, depois Belém.
  • 8:50 - 8:53
    De seguida, passei tempo a escrever
  • 8:53 - 8:57
    a partir de todas aquelas histórias
    que tinha recolhido
  • 8:57 - 8:59
    sob duas formas diferentes:
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    Devolver as histórias,
    voltar a contá-las às pessoas,
  • 9:02 - 9:04
    sob a forma de um livro
    "La lune dans le puits"
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    que é a recolha de Histórias Verdadeiras
  • 9:07 - 9:09
    onde dou o exemplo
  • 9:09 - 9:12
    e é o que gostaria que fizéssemos todos,
  • 9:12 - 9:15
    sempre que alguém nos conte
    uma história verdadeira.
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    Não sei isso aconteceu convosco
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    quando contei esta história
    dos choupos em flor,
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    mas acabamos por pensar
    em nós mesmos, como num espelho,
  • 9:24 - 9:26
    nas nossas histórias verdadeiras.
  • 9:26 - 9:28
    Portanto, neste livro
    "La lune dans le puits",
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    eu também conto
    as minhas histórias verdadeiras
  • 9:32 - 9:34
    desde o meu nascimento até agora.
  • 9:35 - 9:36
    Fiz isso.
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    Fiz criações sonoras
    para a Rádio ARTE.
  • 9:39 - 9:42
    Depois, aqui há uns meses,
  • 9:42 - 9:46
    com um grupo de pessoas
    de diferentes competências,
  • 9:46 - 9:50
    criámos uma associação que se chama
    Histoire Vraie de la Méditerranée
  • 9:50 - 9:53
    e iniciei isso.
  • 9:53 - 9:55
    Neste momento,
    há 1500 histórias verdadeiras
  • 9:55 - 9:59
    que estão nesta biblioteca,
    nesta base de dados.
  • 9:59 - 10:02
    A ideia é que haja milhares
    e milhares e continuar,
  • 10:02 - 10:06
    portanto, vamos enviar
    aos quatro cantos do Mediterrâneo,
  • 10:06 - 10:11
    autores, artistas de todo o tipo,
    investigadores
  • 10:11 - 10:14
    para eles irem o mais perto possível,
    a casa de cada habitante,
  • 10:14 - 10:16
    escutar as pessoas.
  • 10:16 - 10:18
    É realmente isso de que precisamos hoje,
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    é a partir do indivíduo.
  • 10:20 - 10:23
    Acho que o Mediterrâneo
    é uma boa escala,
  • 10:24 - 10:27
    desde que não o consideremos
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    ao nível dos seus estados-nações
  • 10:29 - 10:33
    nem para aquém ou para além
    das suas fronteiras.
  • 10:35 - 10:37
    Penso que é ao nível do indivíduo
  • 10:37 - 10:39
    que podemos reconstruir qualquer coisa.
  • 10:39 - 10:43
    É por isso que me parece
    muito importante fazer este gesto
  • 10:43 - 10:47
    de ir escutar as pessoas,
    quaisquer que elas sejam,
  • 10:47 - 10:52
    de pôr em comum estas palavras,
    estes relatos, estas histórias reais
  • 10:52 - 10:56
    e, depois, talvez, possamos
    finalmente fazer o Mediterrâneo.
  • 10:56 - 10:59
    (Aplausos)
Title:
Histórias verdadeiras do Mediterrâneo | Francois Beaune | TEDxLyon
Description:

Nesta palestra, François recorda-nos a importância de recolher as histórias tal como as pessoas as viveram, para enriquecer e construir a nossa memória coletiva. Essas histórias devem depois viajar e a informática permite essa viagem.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
French
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
11:04

Portuguese subtitles

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