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Preservar os avanços com entusiasmo e ética | Aline Albuquerque | TEDxGoiânia

  • 0:14 - 0:18
    O livro de Aldous Huxley,
    "Admirável Mundo Novo",
  • 0:18 - 0:21
    nos traz uma sociedade futura,
  • 0:21 - 0:25
    baseada em seres humanos
    geneticamente modificados
  • 0:25 - 0:28
    e em castas hierarquicamente rígidas.
  • 0:29 - 0:34
    Essas castas são compostas
    por pessoas fertilizadas in vitro,
  • 0:34 - 0:39
    não havendo mais os papéis de pai e mãe.
  • 0:39 - 0:42
    As crianças são cuidadas pelo Estado
  • 0:42 - 0:47
    e adestradas pra viverem
    conforme suas castas,
  • 0:47 - 0:50
    de ípsilons, betas,
  • 0:50 - 0:53
    e as pessoas são sempre alegres e felizes.
  • 0:53 - 0:57
    Por meio da pílula "soma",
    inventada por Huxley,
  • 0:57 - 1:02
    têm suas tristezas
    e frustrações bloqueadas.
  • 1:02 - 1:08
    Essa sociedade asséptica de Huxley,
    composta por pessoas sempre medicadas
  • 1:08 - 1:14
    e condicionadas a viverem de acordo
    com uma suposta paz social,
  • 1:15 - 1:19
    Huxley a descreveu em 1932.
  • 1:19 - 1:23
    Hoje, passados 82 anos,
  • 1:23 - 1:28
    ela nos faz pensar sobre em que sociedade
    nós estamos querendo viver.
  • 1:28 - 1:33
    Será que queremos que os avanços
    da biotecnologia nos conduzam
  • 1:33 - 1:35
    ao Admirável Mundo Novo?
  • 1:35 - 1:41
    É inegável o avanço da biotecnologia
    nos últimos séculos.
  • 1:41 - 1:45
    Podemos dar aqui
    um extenso elenco de exemplos,
  • 1:45 - 1:50
    tais como vacinas, biofármacos,
    testes preditivos,
  • 1:50 - 1:54
    manipulação genética de embriões,
    transplante de órgãos,
  • 1:54 - 1:57
    medicamentos de novíssima geração.
  • 1:57 - 2:00
    Enfim, o elenco aqui é extenso.
  • 2:00 - 2:05
    A gente pode falar sobre vários
    avanços da biotecnologia.
  • 2:05 - 2:10
    Entretanto, esses avanços vieram
    acompanhados da sociedade de consumo,
  • 2:10 - 2:14
    tornando-se um importante
    nicho mercadológico.
  • 2:15 - 2:19
    Na expressão cunhada
    pelo filósofo norte-americano Nozick,
  • 2:19 - 2:24
    a expressão "supermercado genético",
    nós já podemos encontrar:
  • 2:24 - 2:29
    20% dos genes humanos
    já se encontram patenteados
  • 2:29 - 2:31
    pelas empresas de biotecnologia.
  • 2:31 - 2:37
    Então, considerando a sociedade de consumo
    e o supermercado genético,
  • 2:37 - 2:39
    nós devemos parar e pensar
  • 2:39 - 2:43
    sobre os limites éticos
    dos avanços da biotecnologia
  • 2:43 - 2:46
    aplicados aos seres humanos.
  • 2:46 - 2:51
    Será que nós devemos fazer
    tudo aquilo que podemos fazer?
  • 2:52 - 2:55
    Bem, pra gente falar
    sobre esses limites éticos,
  • 2:55 - 2:59
    vamos dar dois exemplos
    sobre os avanços da biotecnologia
  • 2:59 - 3:02
    aplicados aos seres humanos.
  • 3:02 - 3:05
    O primeiro exemplo diz respeito
    aos medicamentos que interferem
  • 3:05 - 3:08
    nos sentimentos e humores humanos,
  • 3:08 - 3:12
    tais como os antidepressivos
    e semelhantes.
  • 3:12 - 3:17
    Independentemente de reconhecer
    a eficácia desses medicamentos,
  • 3:17 - 3:24
    é importante a gente parar e refletir
    sobre o fenômeno da medicalização da vida,
  • 3:24 - 3:27
    ou da sua supermedicalização.
  • 3:27 - 3:31
    Nós estamos transformando a tristeza,
  • 3:31 - 3:36
    o luto, a perda, a solidão, em doenças,
  • 3:36 - 3:40
    e estamos nos tornando incapazes de lidar
  • 3:40 - 3:46
    com esses elementos afetivos essenciais
    e que enriquecem a nossa vida.
  • 3:46 - 3:51
    No mesmo sentido,
    o médico italiano Marco Bobbio
  • 3:51 - 3:55
    nos chama a atenção
    para o alargamento do diagnóstico
  • 3:56 - 4:00
    do transtorno de déficit
    de atenção e hiperatividade.
  • 4:00 - 4:06
    Nós presenciamos nesse momento
    um elevado número de crianças
  • 4:06 - 4:09
    que vêm sendo diagnosticadas
    com esse transtorno,
  • 4:09 - 4:12
    tanto no Brasil quanto no mundo.
  • 4:12 - 4:15
    E aí, esses exemplos nos fazem pensar:
  • 4:15 - 4:18
    "Será que nós não estamos
    buscando uma pílula soma
  • 4:18 - 4:23
    que nos torne sempre alegres, felizes,
    socialmente ajustados,
  • 4:23 - 4:28
    tal como descrito por Huxley
    no Admirável Mundo Novo?"
  • 4:28 - 4:35
    Bem, o outro exemplo diz respeito
    à manipulação genética de embriões.
  • 4:35 - 4:41
    Hoje, na fertilização in vitro,
    já é possível manipular esses embriões,
  • 4:41 - 4:44
    os chamados "bebês de encomenda",
  • 4:44 - 4:48
    o que mais uma vez nos leva
    ao Admirável Mundo Novo.
  • 4:48 - 4:52
    Esses bebês, ou esses embriões,
    manipulados geneticamente,
  • 4:52 - 4:57
    na verdade, são predeterminados
    pelos seus manipuladores
  • 4:57 - 5:01
    pra se tornarem aquilo
    conforme o desejo deles.
  • 5:01 - 5:07
    Será que é ético criar filhos com a cor
    dos olhos, a cor da pele, o sexo,
  • 5:07 - 5:10
    e talvez, no futuro,
    com traços de personalidade
  • 5:10 - 5:12
    geneticamente predeterminados?
  • 5:12 - 5:16
    Bem, eu não sei o que
    vocês pensam sobre isso,
  • 5:16 - 5:21
    mas eu creio que as crianças
    geneticamente manipuladas dessa forma,
  • 5:21 - 5:25
    na verdade, são instrumentalizadas
    pelos seus manipuladores
  • 5:25 - 5:27
    e pelos seus genitores.
  • 5:28 - 5:33
    Os avanços da biotecnologia
    aplicados aos seres humanos são um fato,
  • 5:33 - 5:36
    mas a possibilidade de fazermos algo
  • 5:36 - 5:41
    não significa que nós,
    enquanto sociedade, devemos fazer,
  • 5:41 - 5:46
    e se esses avanços forem guiados
    apenas pelos interesses mercadológicos,
  • 5:46 - 5:51
    podemos estar diante,
    num futuro não muito distante,
  • 5:51 - 5:53
    de um estágio pós-humano,
  • 5:53 - 5:57
    com seres humanos da nossa espécie,
    mas distintos de nós;
  • 5:57 - 6:00
    talvez seres humanos mais felizes,
  • 6:00 - 6:03
    sim, talvez seres humanos
    mais ajustados socialmente
  • 6:03 - 6:07
    e talvez seres humanos
    com uma memória incapaz de esquecer.
  • 6:07 - 6:12
    Isso nos conduz a pensar
    o que nos faz humanos.
  • 6:12 - 6:17
    Será que o que nos faz humanos
    são apenas o nosso bipedismo,
  • 6:17 - 6:22
    a quantidade de conexões cerebrais,
    o nosso código genético?
  • 6:22 - 6:27
    Bem, nós iremos destacar
    aqui três pontos cruciais
  • 6:27 - 6:30
    pra entender o que nos faz humanos,
  • 6:30 - 6:35
    que são a busca pelo reconhecimento,
    a empatia e a memória.
  • 6:36 - 6:41
    O ser humano, desde que nasce,
    busca pelo reconhecimento do outro
  • 6:41 - 6:45
    e constrói a sua identidade
    a partir do reconhecimento do outro
  • 6:45 - 6:47
    no decorrer da sua vida.
  • 6:47 - 6:53
    O bebê, quando é amamentado pela mãe,
    busca o olhar da mãe.
  • 6:53 - 6:56
    A criança busca o olhar dos pais;
  • 6:56 - 7:00
    o adolescente, o olhar
    dos colegas de escola;
  • 7:00 - 7:04
    os adultos, dos colegas de trabalho,
    do chefe, dos parceiros.
  • 7:04 - 7:10
    Nós, humanos, buscamos
    incessantemente o olhar do outro
  • 7:10 - 7:16
    e construímos a nossa identidade,
    a nossa biografia, a partir desse olhar.
  • 7:17 - 7:20
    E o reconhecimento está ligado à empatia,
  • 7:20 - 7:25
    que é a capacidade que nós temos
    de nos importarmos com o outro.
  • 7:25 - 7:30
    Então, a empatia e o reconhecimento
    estão entrelaçados.
  • 7:30 - 7:33
    O reconhecimento, então, valoriza o outro,
  • 7:33 - 7:38
    reconhece o valor do outro
    como ser semelhante [a mim],
  • 7:38 - 7:43
    mas legitima, concomitantemente,
    as suas diferenças.
  • 7:44 - 7:50
    E a empatia é dar a mão a alguém
    que se encontra no fundo do poço,
  • 7:50 - 7:53
    mas a empatia não é apenas solidariedade.
  • 7:53 - 7:57
    A empatia é um movimento afetivo
    na direção do outro.
  • 7:57 - 8:02
    A empatia e o reconhecimento
    estão interligados. Por quê?
  • 8:02 - 8:07
    E aí, eu vou falar pra vocês
    sobre o grande paradoxo humano,
  • 8:07 - 8:12
    que é o seguinte: nós só nos tornamos
    nós mesmos por meio do outro.
  • 8:13 - 8:16
    E o terceiro elemento é a memória.
  • 8:16 - 8:21
    Nós construímos a nossa história
    de vida a partir da memória,
  • 8:21 - 8:24
    das experiências que temos dessa história.
  • 8:24 - 8:31
    A nossa memória é constituída
    por cheiros, sentimentos, desejos, afetos,
  • 8:31 - 8:33
    percepções daquilo que vivemos.
  • 8:34 - 8:39
    Duas pessoas podem
    vivenciar um mesmo fato,
  • 8:39 - 8:44
    mas as suas memórias sobre aquele fato
    são completamente distintas.
  • 8:44 - 8:49
    Então, as nossas memórias conferem
    singularidade ao que nós somos.
  • 8:49 - 8:55
    E essas memórias que nós temos vão
    variando, mudando, no decorrer no tempo.
  • 8:55 - 9:02
    A memória que vocês tinham,
    quando adolescentes, da infância de vocês,
  • 9:02 - 9:05
    não é a mesma memória
    que vocês têm na vida adulta,
  • 9:05 - 9:09
    porque nós vamos ressignificando
    as nossas memórias
  • 9:09 - 9:12
    a partir da experiência
    que nós vamos tendo na vida.
  • 9:13 - 9:19
    Bem, voltando ao Admirável
    Mundo Novo, de Huxley,
  • 9:19 - 9:25
    pessoas sem apegos afetivos,
    sem sentimento de solidariedade
  • 9:25 - 9:29
    e presas a castas hierarquicamente fixas
  • 9:29 - 9:32
    são consideradas da espécie humana.
  • 9:33 - 9:39
    Diante disso, eu creio que nós estamos
    no momento propício
  • 9:39 - 9:41
    pra pararmos pra pensar
  • 9:41 - 9:46
    sobre os limites éticos
    dos avanços da biotecnologia,
  • 9:46 - 9:48
    quando aplicados ao seres humanos,
  • 9:49 - 9:54
    e pensar que nem tudo aquilo
    que nós podemos fazer
  • 9:54 - 9:56
    nós devemos fazer,
  • 9:56 - 10:00
    e essa decisão tem que ser
    eticamente refletida;
  • 10:00 - 10:07
    e também descobrir que ser humano
    também é ser triste;
  • 10:07 - 10:13
    a tristeza, o luto, a frustração
    são experiências únicas do humano;
  • 10:13 - 10:18
    que ser agitado ou inquieto
    não é necessariamente uma doença,
  • 10:19 - 10:24
    e que ser humano também
    é essencialmente conviver,
  • 10:24 - 10:25
    olhar para o outro.
  • 10:26 - 10:32
    Bem, eu não sei aqui o que cada um
    de vocês está fazendo com sua própria vida
  • 10:32 - 10:35
    ou como olha para o outro,
    como o reconhece,
  • 10:35 - 10:38
    ou como exerce a sua empatia,
  • 10:38 - 10:43
    mas eu sei que é hora
    de pararmos pra pensar
  • 10:43 - 10:46
    que sociedade nós estamos
    querendo construir,
  • 10:46 - 10:49
    que sociedade nós estamos
    construindo pra nós mesmos
  • 10:49 - 10:54
    e que sociedade nós queremos deixar
    para as futuras gerações.
  • 10:55 - 10:56
    Obrigada.
  • 10:56 - 10:57
    (Aplausos)
Title:
Preservar os avanços com entusiasmo e ética | Aline Albuquerque | TEDxGoiânia
Description:

Esta palestra foi dada num evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais, visite: http://ted.com/tedx

Dignidade humana e direitos humanos são a base para os avanços, que devem ser entusiasticamente preservados. Mas como?
Como vencer as ortodoxias e apoiar movimentos truístas, que buscam desenvolver insights e habilidades representativos da conquista científica e do impulso pelo conhecimento? O que é certo e o que é errado? Quais são os limites das relações humanas? E das relações culturais? Até onde pode ir a ciência?

Com dois grandes interesses na vida, ensinar e aprender, Aline Albuquerque é mestre em direito e autora de livros sobre direito e bioética. Doutora em ciências da saúde, advogada da União no Ministério da Saúde e, hoje, no Ministério de Direitos Humanos da Presidência da República, local onde exerce ativismo em direitos humanos.

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Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
11:01

Portuguese, Brazilian subtitles

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