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Segurança nacional e vida privada | Chantal Bernier | TEDxGatineau

  • 0:32 - 0:35
    No dia 5 de junho de 2013,
  • 0:35 - 0:38
    perdemos a nossa inocência.
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    O dia 5 de junho de 2013
    é a data das revelações Snowden.
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    Para mim, é uma dessas datas
    que marcam um antes e um depois.
  • 0:49 - 0:53
    Uma dessas datas de que nos lembramos
    onde estávamos, o que fazíamos.
  • 0:53 - 0:55
    Quanto a mim, eu estava na Colômbia,
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    numa conferência internacional
    sobre a proteção da vida privada.
  • 1:00 - 1:02
    Podem imaginar a reação.
  • 1:02 - 1:05
    Foi a consternação.
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    A consternação porquê?
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    Porque as revelações demonstravam
    uma amplidão de vigilância,
  • 1:15 - 1:20
    que ultrapassava todas as balizas
    de proteção da vida privada,
  • 1:20 - 1:23
    no direito nacional e internacional.
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    Por exemplo:
  • 1:26 - 1:28
    A declaração universal
    dos direitos do homem
  • 1:28 - 1:32
    que, no entanto, foi elaborada
    sob a direção duma norte-americana,
  • 1:32 - 1:34
    Eleanor Roosevelt,
  • 1:34 - 1:38
    consagra no artigo 12,
    o direito à vida privada,
  • 1:38 - 1:42
    como sendo a proteção contra
    toda a intervenção arbitrária
  • 1:42 - 1:43
    na vida privada.
  • 1:44 - 1:47
    No entanto, a vigilância que foi revelada,
  • 1:47 - 1:52
    era uma vigilância generalizada
    para além de qualquer suspeita razoável
  • 1:52 - 1:54
    ou individualizada.
  • 1:54 - 1:57
    Portanto, era uma violação desta regra.
  • 1:58 - 2:02
    O direito internacional consagra
    igualmente a soberania estatal.
  • 2:02 - 2:05
    No entanto, os Estados de todo
    o mundo descobriram
  • 2:05 - 2:09
    que os seus cidadãos
    estavam a ser sujeitos
  • 2:09 - 2:13
    à vigilância extraterritorial
    dos Estados Unidos da América.
  • 2:14 - 2:19
    De certo modo, tinham sido espoliados
    do seu poder soberano
  • 2:19 - 2:22
    de proteger as informações pessoais
    dos seus cidadãos.
  • 2:22 - 2:25
    Inclusive Angela Merkel, que descobriu
  • 2:25 - 2:29
    que o seu próprio telemóvel
    tinha sido objeto de interceções.
  • 2:30 - 2:33
    O direito consagra igualmente
    que, num estado democrático,
  • 2:33 - 2:36
    o governo consulta
  • 2:37 - 2:40
    e o governo presta contas aos cidadãos.
  • 2:41 - 2:45
    Ora, neste caso, descobrimos
    que os programas de vigilância
  • 2:46 - 2:50
    nunca foram objeto
    de qualquer informação oficial,
  • 2:50 - 2:53
    e muito menos de prestação de contas.
  • 2:54 - 2:58
    Assim, as revelações Snowden
    colocam três grandes questões:
  • 2:58 - 3:02
    Em primeiro lugar,
    a relação Estado-cidadão.
  • 3:02 - 3:07
    Em segundo lugar, a imputabilidade
    do Estado perante os cidadãos.
  • 3:08 - 3:12
    E em terceiro lugar,
    o respeito da soberania estatal.
  • 3:13 - 3:16
    Vou refletir sobre
    cada uma destas questões
  • 3:16 - 3:20
    mas, primeiro, é preciso responder
    a uma pergunta que aparece sempre,
  • 3:21 - 3:23
    parece que é inevitável.
  • 3:24 - 3:26
    Dizem-me: "Qual é o problema?
  • 3:26 - 3:30
    "Eu não sou culpado de nada,
    portanto não tenho nada a esconder".
  • 3:31 - 3:35
    Eu respondo que, o facto
    de fazer esta pergunta
  • 3:35 - 3:40
    é confundir culpabilidade com intimidade.
  • 3:40 - 3:43
    As palavras doces
    que os apaixonados trocam,
  • 3:44 - 3:45
    não têm nada de culpável,
  • 3:46 - 3:48
    e, no entanto, é privado.
  • 3:48 - 3:51
    As portas opacas,
    as cortinas, o vestuário,
  • 3:52 - 3:54
    não escondem nada de culpável,
  • 3:54 - 3:56
    mas preservam a intimidade.
  • 3:56 - 3:59
    Preservam esse espaço vital
  • 4:00 - 4:03
    de que precisamos para sermos
    nós próprios, para sermos livres.
  • 4:03 - 4:06
    Portanto, a intimidade
    preserva a liberdade,
  • 4:07 - 4:11
    e a liberdade define a democracia.
  • 4:11 - 4:14
    É a questão suprema, é a democracia.
  • 4:14 - 4:19
    O que me leva à primeira questão
    colocada pelas revelações Snowden, que é:
  • 4:19 - 4:22
    a relação Estado-cidadão.
  • 4:23 - 4:28
    Por vezes, talvez para banalizar
    a espionagem, a vigilância,
  • 4:28 - 4:32
    diz-se com humor que é
    a segunda profissão mais velha do mundo.
  • 4:32 - 4:33
    É verdade.
  • 4:33 - 4:37
    Encontramos exemplos
    de vigilância até na Bíblia,
  • 4:37 - 4:42
    passando por Sun Tzu,
    o grande guerreiro filósofo, que dizia:
  • 4:42 - 4:44
    "Conhece o teu inimigo".
  • 4:44 - 4:50
    Mas é justamente este preceito,
    que serve para justificar a espionagem,
  • 4:51 - 4:57
    que mina a legitimidade
    da vigilância do cidadão pelo Estado.
  • 4:57 - 5:02
    Porque um Estado não pode considerar
    o cidadão como um inimigo.
  • 5:03 - 5:08
    É incompatível com o seu dever
    de proteção do cidadão.
  • 5:09 - 5:12
    É verdade que há circunstâncias
  • 5:12 - 5:16
    em que se justifica exercer
    uma certa vigilância,
  • 5:16 - 5:21
    e dou o exemplo das detestáveis
    medidas de segurança nos aeroportos.
  • 5:23 - 5:26
    Até os especialistas de segurança aérea
  • 5:26 - 5:29
    dizem que é uma coisa absurda
    tratar-nos a todos como suspeitos,
  • 5:29 - 5:32
    mas não conseguiram encontrar nada melhor.
  • 5:32 - 5:34
    Além disso, é preciso reconhecer.
  • 5:34 - 5:36
    essas medidas de segurança
  • 5:36 - 5:39
    passaram um certo teste de legitimidade.
  • 5:40 - 5:44
    Um teste que se articula
    em volta de quatro grandes critérios.
  • 5:44 - 5:46
    O primeiro critério, é a necessidade.
  • 5:47 - 5:51
    Toda a intrusão, todo o atentado
    à vida privada, só podem ser legítimos
  • 5:51 - 5:53
    se se demonstrar que são necessários
  • 5:53 - 5:55
    no interesse público.
  • 5:56 - 6:01
    Segundo, só são legítimos
    se forem proporcionais a essa necessidade.
  • 6:02 - 6:05
    Quer dizer, não vão para além
    do que é necessário
  • 6:05 - 6:07
    no interesse público.
  • 6:07 - 6:09
    Em terceiro lugar,
  • 6:09 - 6:11
    é preciso que se demonstre
    que são eficazes
  • 6:12 - 6:14
    face ao interesse público
  • 6:14 - 6:19
    E, por fim, é preciso demonstrar
    que não há outra opção menos invasiva.
  • 6:19 - 6:22
    Por exemplo, sempre em relação
    à segurança aérea,
  • 6:22 - 6:23
    conseguiu-se no Canadá
  • 6:23 - 6:27
    que os "scanners" corporais
    já não projetem a imagem do passageiro.
  • 6:28 - 6:29
    Há uma imagem fixa,
  • 6:30 - 6:33
    tudo o que é projetado é o que
    o passageiro traz com ele.
  • 6:34 - 6:38
    Encontrou-se assim
    uma forma menos invasiva,
  • 6:38 - 6:40
    para garantir a segurança.
  • 6:40 - 6:43
    Conseguiu-se encontrar
    — do mal o menos —
  • 6:43 - 6:49
    um equilíbrio necessário
    que comporta uma certa legitimidade.
  • 6:49 - 6:52
    Mas essa legitimidade é posta à prova.
  • 6:52 - 6:56
    É posta à prova por
    novas técnicas de vigilância.
  • 6:57 - 6:59
    Como primeiro exemplo,
  • 6:59 - 7:02
    dou-vos o da reivindicação
    dum certo governo,
  • 7:02 - 7:06
    de recolher as informações pessoais
    das redes sociais.
  • 7:07 - 7:09
    O comissariado no Canadá
    para a vida privada
  • 7:09 - 7:11
    fez um inquérito, publicado recentemente,
  • 7:11 - 7:14
    a partir das acusações duma ativista,
  • 7:14 - 7:20
    que dizia que dois ministérios tinham
    recolhido as suas informações pessoais
  • 7:20 - 7:22
    que ela tinha publicado em redes sociais.
  • 7:22 - 7:25
    Os dois ministérios não o desmentiram,
  • 7:25 - 7:26
    mas disseram que era legal,
  • 7:26 - 7:31
    porque, como as informações estavam
    publicadas nas redes sociais,
  • 7:31 - 7:33
    já não eram privadas.
  • 7:33 - 7:35
    O comissariado disse:
  • 7:35 - 7:40
    "Não. Pelo contrário. Informações pessoais
    mantêm-se pessoais,
  • 7:40 - 7:43
    "mesmo publicadas numa rede social.
  • 7:43 - 7:46
    "Não eram destinadas ao governo,
  • 7:46 - 7:49
    "e o governo não podia aproveitar-se delas
  • 7:49 - 7:53
    "sem haver necessidade
    do interesse público".
  • 7:54 - 7:57
    O segundo exemplo é o dos metadados.
  • 7:58 - 8:00
    Hoje ouve-se falar muito dos metadados
  • 8:00 - 8:02
    desde as revelações Snowden.
  • 8:02 - 8:06
    Os agentes de segurança nacional
    querem esses metadados,
  • 8:06 - 8:09
    e justificam a recolha
    dos metadados, dizendo:
  • 8:09 - 8:11
    "Não são informações pessoais
  • 8:11 - 8:13
    "porque não é o conteúdo".
  • 8:14 - 8:17
    Na verdade, os metadados dizem respeito
    sobretudo ao contentor.
  • 8:17 - 8:20
    Revelam a origem que uma comunicação tem,
  • 8:20 - 8:22
    o destino,
  • 8:22 - 8:26
    mas por vezes o objeto, por exemplo,
    deduz uma visita a um "website".
  • 8:28 - 8:30
    O comissariado para a vida privada
    no Canadá,
  • 8:30 - 8:33
    fez uma análise técnica para ver
    o que é que um endereço IP,
  • 8:33 - 8:35
    — portanto um metadado —
  • 8:35 - 8:36
    revela sobre nós.
  • 8:37 - 8:40
    A análise demonstra que é muito revelador.
  • 8:41 - 8:44
    Revela as nossas pesquisas na Internet,
  • 8:44 - 8:46
    portanto as nossas preocupações,
  • 8:46 - 8:47
    as nossas relações,
  • 8:47 - 8:49
    as nossas lealdades.
  • 8:49 - 8:53
    Com efeito, os nossos pensamentos
    como se exprimem na Internet.
  • 8:54 - 8:59
    Portanto, é claro que há
    um interesse privado para os proteger.
  • 8:59 - 9:04
    É crucial resolver a legitimidade
  • 9:04 - 9:07
    destas novas formas de vigilância,
  • 9:07 - 9:13
    senão vai haver rotura
    da relação Estado-cidadão.
  • 9:14 - 9:17
    Com efeito, a relação Estado-cidadão
  • 9:18 - 9:22
    ficou abalada na confiança do cidadão.
  • 9:22 - 9:27
    É a segunda questão que
    as revelações Snowden iluminam.
  • 9:27 - 9:29
    Essa confiança deve ser
    obrigatoriamente restabelecida,
  • 9:29 - 9:32
    e só poderá ser restabelecida
    através de três vias.
  • 9:32 - 9:34
    A primeira, a transparência.
  • 9:35 - 9:38
    O que significa que as agências
    de segurança nacional
  • 9:39 - 9:44
    têm obrigatoriamente de
    tornar públicos os seus objetivos,
  • 9:44 - 9:48
    as suas atividades, genericamente,
    em termos estatísticos,
  • 9:48 - 9:53
    sem comprometer o segredo
    de que precisam para serem eficazes,
  • 9:53 - 9:58
    mas para garantir que o cidadão
    possa avaliar a sua legitimidade.
  • 9:59 - 10:03
    A confiança passa igualmente
    pela imputabilidade.
  • 10:03 - 10:09
    É preciso que os mecanismos de
    análise dos agentes de segurança nacional,
  • 10:09 - 10:11
    sejam bastante eficazes.
  • 10:11 - 10:16
    Primeiro, para representar realmente
    os interesses dos cidadãos.
  • 10:17 - 10:22
    Em segundo lugar, para poder verificar
    que esses interesses estão protegidos.
  • 10:23 - 10:25
    Em terceiro lugar,
  • 10:25 - 10:28
    a confiança só poderá ser restabelecida
    se se modernizarem as regras.
  • 10:28 - 10:31
    É indispensável que
    o direito à vida privada
  • 10:31 - 10:36
    corresponda ao risco atual
    ao encontro da vida privada.
  • 10:36 - 10:40
    Por exemplo, é preciso clarificar
    o estatuto dos metadados
  • 10:40 - 10:42
    no direito da vida privada.
  • 10:45 - 10:47
    A terceira questão que ressaltou
    das revelações Snowden
  • 10:48 - 10:49
    como já disse,
  • 10:49 - 10:51
    é a soberania estatal.
  • 10:51 - 10:54
    Devem estar lembrados de que,
    nos dias a seguir às revelações,
  • 10:54 - 10:59
    os EUA, muito embaraçados,
    tentaram tranquilizar-nos, dizendo:
  • 10:59 - 11:03
    "Não se preocupem,
    nós só vigiamos os estrangeiros".
  • 11:03 - 11:06
    Esquecendo momentaneamente
    o direito à vida privada
  • 11:06 - 11:08
    de quase sete mil milhões de pessoas.
  • 11:10 - 11:11
    Mas não é a primeira vez
  • 11:12 - 11:16
    que nos confrontamos
    com a vigilância extraterritorial dos EUA,
  • 11:16 - 11:19
    e vou dar-vos o exemplo do Secure Flight.
  • 11:20 - 11:23
    O Secure Flight é
    um programa norte-americano
  • 11:23 - 11:26
    que impõe a todas as companhias aéreas,
  • 11:26 - 11:29
    transmitirem às
    autoridades norte-americanas
  • 11:29 - 11:32
    os dados pessoais dos seus passageiros,
  • 11:32 - 11:37
    se sobrevoarem os EUA,
    mesmo que não aterrem ali.
  • 11:38 - 11:42
    O Canadá levantou objeções
    a ser incluído nesse programa,
  • 11:43 - 11:46
    mas os EUA, como qualquer outro Estado,
  • 11:46 - 11:51
    são soberanos no espaço aéreo
    que corresponde ao seu território terrestre.
  • 11:52 - 11:54
    Portanto, ganharam a causa.
  • 11:54 - 11:58
    Neste sentido, podemos dizer
    que, nesta questão,
  • 11:58 - 12:02
    a soberania do Canadá foi atingida.
  • 12:03 - 12:06
    O Canadá acabou por ter
    que adotar uma emenda legislativa
  • 12:06 - 12:10
    para permitir legalmente
    às companhias aéreas canadianas
  • 12:11 - 12:14
    que se sujeitassem
    a um programa norte-americano.
  • 12:15 - 12:19
    Se vocês são daqueles que acreditam
    que isso não tem consequências,
  • 12:20 - 12:24
    que os EUA são um país democrático,
    aliado do Canadá.
  • 12:24 - 12:27
    evidentemente é preciso
    que se lembrem de Maher Arar.
  • 12:27 - 12:30
    Foi justamente esse país democrático,
    aliado do Canadá,
  • 12:30 - 12:32
    os Estados Unidos da América,
  • 12:32 - 12:34
    que deportaram Maher Arar para a Síria,
  • 12:34 - 12:38
    onde ele foi detido e torturado
    durante quase um ano,
  • 12:39 - 12:41
    quando não era culpado de nada.
  • 12:42 - 12:47
    O caso de Maher Arar
    mostra como ser incluído
  • 12:47 - 12:49
    numa simples base de dados,
  • 12:49 - 12:54
    é uma vulnerabilidade
    sem a menor culpabilidade.
  • 12:56 - 12:59
    Voltamos, pois, à questão do início.
  • 12:59 - 13:02
    Culpabilidade ou intimidade.
  • 13:02 - 13:07
    Dir-vos-ei que, sobretudo,
    quando não somos culpados de nada,
  • 13:08 - 13:12
    temos direito
    a esse espaço sagrado, íntimo,
  • 13:13 - 13:15
    a que chamamos vida privada.
  • 13:15 - 13:19
    Disso depende a nossa liberdade
    e a nossa democracia.
  • 13:19 - 13:20
    Obrigada.
  • 13:20 - 13:23
    (Aplausos)
Title:
Segurança nacional e vida privada | Chantal Bernier | TEDxGatineau
Description:

Chantal Bernier retoma a questão lançada por Edward Snowden, a 5 de junho de 2013, relacionada com as técnicas de espionagem eletrónica usadas pelos Estados Unidos da América contra o mundo inteiro. Convida-nos a assegurar o nosso direito fundamental à vida privada, na era da vigilância cibernética.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
French
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
13:27

Portuguese subtitles

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