O problema com a medicina racista
-
0:01 - 0:06Há 15 anos, ofereci-me como voluntária
para participar numa investigação -
0:06 - 0:08que envolvia um teste genético.
-
0:09 - 0:11Quando cheguei à clínica para ser testada,
-
0:11 - 0:13entregaram-me um questionário.
-
0:13 - 0:17Uma das primeiras perguntas,
era marcar a caixa quanto à minha raça: -
0:17 - 0:21branca, negra, asiática
ou americana nativa. -
0:22 - 0:25Eu não sabia bem
como responder àquela pergunta. -
0:25 - 0:28Destinava-se a medir a diversidade
-
0:28 - 0:31das origens sociais dos participantes
na investigação? -
0:31 - 0:35Nesse caso, devia responder
com a minha identidade social, -
0:35 - 0:37e marcar a caixa para "negra".
-
0:37 - 0:41Mas, e se os investigadores
estivessem interessados em investigar -
0:41 - 0:44qualquer associação entre a ancestralidade
-
0:44 - 0:47e o risco para certas
características genéticas? -
0:47 - 0:52Nesse caso, não quereriam saber mais
sobre a minha ancestralidade, -
0:52 - 0:55que é tão europeia como africana?
-
0:55 - 1:00Como poderiam tirar conclusões científicas
sobre os meus genes -
1:00 - 1:04se eu pusesse a minha identidade social
enquanto mulher negra? -
1:05 - 1:10Afinal, considero-me uma mulher negra
com um pai branco, -
1:10 - 1:13em vez de uma mulher branca
com uma mãe negra, -
1:13 - 1:16apenas por razões sociais.
-
1:16 - 1:18Qualquer que fosse a identidade racial
que eu marcasse, -
1:18 - 1:21não tinha nada a ver com os meus genes.
-
1:22 - 1:26Apesar da óbvia importância desta questão,
-
1:26 - 1:29para a validade científica do estudo,
disseram-me: -
1:29 - 1:31"Não se preocupe,
-
1:31 - 1:34"ponha aquela com que se identifica".
-
1:34 - 1:37Portanto, marquei "negra",
-
1:37 - 1:40mas perdi a confiança
nos resultados do estudo -
1:40 - 1:45que tratavam uma variável crítica
de modo tão pouco científico. -
1:46 - 1:51Aquela experiência pessoal
com o uso da raça em testes genéticos -
1:51 - 1:53fez-me pensar.
-
1:53 - 1:55Em que outras áreas da medicina
se usa a raça -
1:55 - 1:58para tirar falsas conclusões biológicas?
-
1:59 - 2:05Descobri que a raça interfere profundamente
em todas as práticas médicas, -
2:05 - 2:08modela os diagnósticos dos médicos,
-
2:08 - 2:11as análises, os tratamentos,
-
2:11 - 2:12as receitas,
-
2:12 - 2:16até mesmo a definição das doenças.
-
2:17 - 2:21Quanto mais coisas descobria,
mais confusa ficava. -
2:22 - 2:25Os sociólogos como eu
há muito que explicaram -
2:25 - 2:28que a raça é uma construção social.
-
2:28 - 2:31Quando identificamos as pessoas
como negras, brancas, -
2:31 - 2:34asiáticas, americanas nativas, latinas,
-
2:34 - 2:37estamos a referir-nos a grupos sociais
-
2:37 - 2:41com demarcações artificiais
que têm mudado com o tempo -
2:41 - 2:43e variam no mundo inteiro.
-
2:43 - 2:47Enquanto estudiosa de direito,
também estudei -
2:47 - 2:49como os legisladores
— e não os biólogos — -
2:49 - 2:53inventaram as definições legais de raças.
-
2:55 - 2:58E não é só a opinião de cientistas sociais.
-
2:58 - 3:01Lembram-se quando o mapa
do genoma humano -
3:01 - 3:05foi revelado numa cerimónia
na Casa Branca em junho de 2000? -
3:05 - 3:09O Presidente Bill Clinton
ficou conhecido por declarar: -
3:09 - 3:12"Acredito que uma das grandes verdades
-
3:12 - 3:16"que sairá desta expedição triunfante
ao interior do genoma humano -
3:16 - 3:18"é que, em termos genéticos,
-
3:18 - 3:21"os seres humanos,
independentemente da raça, -
3:21 - 3:24"são 99,9% iguais".
-
3:25 - 3:27E podia ter acrescentado
-
3:27 - 3:30que esse menos de 1% de diferença genética
-
3:30 - 3:33não tem a ver com caixas raciais.
-
3:34 - 3:37Francis Collins, que liderou
o Projeto do Genoma Humano -
3:37 - 3:40e é agora o chefe
dos Institutos Nacionais de Saúde, -
3:40 - 3:41secundou o Presidente Clinton:
-
3:41 - 3:43"Sinto-me feliz porque hoje,
-
3:43 - 3:47"a única raça de que podemos falar
é a raça humana". -
3:48 - 3:52Supomos que os médicos praticam
medicina com base em provas -
3:52 - 3:56e estão a ser cada vez mais intimados
a juntar-se à revolução genómica. -
3:57 - 4:01Mas o seu hábito de tratar pacientes
segundo a raça está muito longe disso. -
4:02 - 4:04Vejam a estimativa
-
4:04 - 4:07da taxa de filtração glomerular, ou TFG.
-
4:07 - 4:11Os médicos interpretam,
rotineiramente, a TFG, -
4:11 - 4:15este importante indicador
da função do rim, consoante a raça. -
4:16 - 4:19Como podem ver nesta análise laboratorial,
-
4:20 - 4:25o mesmo nível de creatinina,
-
4:25 - 4:29a concentração no sangue do paciente,
-
4:29 - 4:33produz automaticamente
uma estimativa diferente da TFG -
4:33 - 4:38consoante o paciente
é afro-americano ou não. -
4:39 - 4:41Porquê?
-
4:41 - 4:45Disseram-me que se baseia na premissa
-
4:45 - 4:48de que os afro-americanos
têm mais massa muscular -
4:48 - 4:50do que as pessoas de outras raças.
-
4:51 - 4:53Mas que sentido faz
-
4:53 - 4:56que um médico assuma automaticamente
-
4:56 - 5:00que eu tenho mais massa muscular
do que uma mulher que faz culturismo? -
5:01 - 5:05Não seria muito mais rigoroso
e baseado em provas -
5:05 - 5:09determinar a massa muscular
de cada paciente, -
5:09 - 5:11olhando apenas para eles?
-
5:13 - 5:16Os médicos dizem-me
que usam a raça para poupar tempo. -
5:16 - 5:19É uma aproximação grosseira
mas conveniente -
5:19 - 5:22para fatores mais importantes,
como a massa muscular, -
5:22 - 5:24o nível de enzimas,
as característica genéticas, -
5:24 - 5:27que eles não têm tempo para procurar.
-
5:28 - 5:31Mas a raça é uma aproximação má.
-
5:31 - 5:35Em muitos casos, a raça não
acrescenta informação relevante nenhuma. -
5:35 - 5:37É apenas uma confusão.
-
5:38 - 5:43Mas a raça também tende a
sobrepor-se às medidas clínicas. -
5:44 - 5:48Impede que os médicos vejam
os sintomas dos pacientes, -
5:48 - 5:50as doenças de família,
-
5:50 - 5:55a sua história, as doenças que podem ter
-
5:55 - 5:59— tudo isso com melhor base
em provas do que na raça do paciente. -
6:00 - 6:05A raça não pode substituir
essas importantes medidas clínicas -
6:05 - 6:09sem sacrificar o bem-estar do paciente.
-
6:10 - 6:14Os médicos também me dizem
que a raça é apenas um de muitos fatores -
6:14 - 6:15que eles tomam em consideração,
-
6:15 - 6:19mas há inúmeras análises médicas,
como a TFG, -
6:19 - 6:22que usam a raça categoricamente
-
6:22 - 6:26para tratar de modo diferente
pacientes negros, brancos, asiáticos, -
6:26 - 6:29só por causa da sua raça.
-
6:30 - 6:33A medicina racista também deixa
os pacientes de cor -
6:33 - 6:38especialmente vulneráveis a preconceitos
e estereótipos prejudiciais. -
6:39 - 6:42Os pacientes negros e latinos
têm o dobro das hipóteses -
6:42 - 6:46de não receber medicação para a dor,
em comparação com os brancos, -
6:46 - 6:50para as mesmas fraturas ósseas,
dolorosamente longas, -
6:50 - 6:52por causa dos estereótipos
-
6:52 - 6:56de que as pessoas negras e mulatas
sentem menos dores. -
6:56 - 6:58exageram a dor,
-
6:58 - 7:02e são predispostas à toxicodependência.
-
7:02 - 7:05A Administração Alimentar
e de Drogas [FDA] -
7:05 - 7:08aprovou mesmo um medicamento
específico para raças. -
7:08 - 7:11É um comprimido chamado BiDil
-
7:11 - 7:15para tratar síncopes cardíacas em pacientes
que se identificam como afro-americanos. -
7:16 - 7:22Um cardiologista desenvolveu esta droga
sem pensar em raças ou genética, -
7:22 - 7:26mas tornou-se conveniente;
por razões comerciais -
7:26 - 7:29comercializar a droga
para pacientes negros. -
7:30 - 7:33A FDA permitiu
-
7:33 - 7:36que a empresa farmacêutica
-
7:36 - 7:40testasse a eficácia
numa experiência clínica -
7:40 - 7:44que só incluiu sujeitos afro-americanos.
-
7:45 - 7:49Especulou que a raça constituía
uma aproximação -
7:49 - 7:53a um qualquer fator genético desconhecido
-
7:53 - 7:56que afeta as doenças cardíacas
-
7:56 - 7:58ou a reação às drogas.
-
8:00 - 8:03Pensem na perigosa mensagem
que isto envia, -
8:03 - 8:07que os corpos dos negros
são tão abaixo do normal -
8:08 - 8:10que um medicamento testado neles
-
8:10 - 8:13não dá garantias de resultar
noutros pacientes. -
8:15 - 8:19Finalmente, o esquema comercial
da empresa farmacêutica falhou. -
8:19 - 8:22Por uma razão, os doentes negros
compreensivelmente, -
8:22 - 8:26desconfiaram de usar
um medicamento só para negros. -
8:26 - 8:30Uma idosa negra levantou-se
numa reunião comunitária e gritou: -
8:30 - 8:33"Deem-me o que os brancos estão a tomar!"
-
8:33 - 8:35(Risos)
-
8:36 - 8:40Se pensam que é surpreendente
uma medicina racista, -
8:40 - 8:42vão saber ainda mais,
-
8:42 - 8:46que muitos médicos nos EUA
-
8:46 - 8:48ainda usam uma versão atualizada
-
8:48 - 8:50dum instrumento de diagnóstico
-
8:50 - 8:55que foi desenvolvida por um médico
durante a era da escravatura, -
8:55 - 8:59um instrumento de diagnóstico
que está estreitamente ligado -
8:59 - 9:01às justificações para a escravatura.
-
9:02 - 9:04O Dr. Samuel Cartwright formou-se
-
9:04 - 9:07na Escola de Medicina da
Universidade da Pensilvânia. -
9:08 - 9:11Exerceu medicina no Sul profundo
antes da Guerra Civil -
9:11 - 9:13e era um especialista de renome
-
9:13 - 9:16no que se chamava então
a "medicina para pretos". -
9:16 - 9:20Promoveu o conceito racista de doenças,
-
9:20 - 9:23que as pessoas de diferentes raças
sofrem de doenças diferentes -
9:23 - 9:27e sentem de modo diferente
as doenças comuns. -
9:28 - 9:31Cartwright afirmou, na década de 1850,
-
9:31 - 9:35que a escravatura
era benéfica para os negros -
9:35 - 9:37por razões médicas.
-
9:38 - 9:40Declarou que, como os negros têm
-
9:40 - 9:42uma menor capacidade
pulmonar que os brancos, -
9:42 - 9:45o trabalho forçado era bom para eles.
-
9:46 - 9:48Escreveu numa revista médica:
-
9:48 - 9:52"É o vital sangue vermelho
enviado para o cérebro -
9:52 - 9:56"que liberta os seus espíritos
quando sob o controlo do homem branco -
9:56 - 10:00"e é a falta do vital sangue
vermelho suficiente -
10:00 - 10:04"que prende os seus espíritos à ignorância
e barbárie quando em liberdade". -
10:05 - 10:09Para apoiar esta teoria,
Cartwright ajudou a aperfeiçoar -
10:09 - 10:14um aparelho médico para medir
a respiração, chamado espirómetro, -
10:14 - 10:18para mostrar a presumida deficiência
dos pulmões dos negros. -
10:20 - 10:25Hoje, ainda há médicos que defendem
a afirmação de Cartwright -
10:25 - 10:28de que os negros são uma raça
-
10:28 - 10:31que tem uma capacidade pulmonar
menor do que os brancos. -
10:32 - 10:37Alguns até usam um espirómetro moderno
-
10:37 - 10:40que tem um botão identificado com "raça"
-
10:40 - 10:43de modo que a máquina ajusta a medição
-
10:43 - 10:47para cada paciente,
consoante a sua raça. -
10:47 - 10:51É uma função muito conhecida
chamada "correção da raça". -
10:54 - 10:56O problema com a medicina racista
-
10:56 - 11:00estende-se muito para além
de maus diagnósticos dos pacientes. -
11:00 - 11:05Concentra-se em diferenças
raciais inatas nas doenças, -
11:05 - 11:08que desviam atenções e recursos
-
11:08 - 11:10dos determinantes sociais
-
11:10 - 11:14que provocam chocantes
fossos raciais na saúde; -
11:14 - 11:17falta de acesso a cuidados médicos
de alta qualidade; -
11:18 - 11:21desertos alimentares em bairros pobres;
-
11:21 - 11:25exposição a toxinas ambientais;
-
11:25 - 11:28altas taxas de encarceramento;
-
11:28 - 11:32e uma vida de tensão
por causa da discriminação racial. -
11:34 - 11:37A raça não é uma categoria biológica
-
11:37 - 11:41que produz naturalmente
estas disparidades de saúde -
11:41 - 11:43por causa da diferença genética.
-
11:43 - 11:46A raça é uma categoria social
-
11:46 - 11:50que tem consequências biológicas
espantosas, na saúde das pessoas, -
11:50 - 11:55mas por causa do impacto
da desigualdade social. -
11:55 - 12:00Porém, a medicina racista pretende
que a resposta a este fosso na saúde -
12:00 - 12:03pode encontrar-se num comprimido
específico para a raça. -
12:03 - 12:06É muito mais fácil e mais lucrativo
-
12:06 - 12:09comercializar um remédio tecnológico
-
12:09 - 12:11para estes fossos na saúde
-
12:11 - 12:16do que resolver as desigualdades
estruturais que os produzem. -
12:19 - 12:22Sou uma apaixonada por
acabar com a medicina racista -
12:22 - 12:25mas não é só por ela ser uma má medicina,
-
12:26 - 12:27Dedico-me a esta missão
-
12:27 - 12:30porque a forma como os médicos
praticam a medicina -
12:30 - 12:36continua a fomentar uma visão
falsa e tóxica da humanidade. -
12:37 - 12:43Apesar dos muitos avanços visionários
na medicina que temos vindo a conhecer, -
12:43 - 12:46há um fracasso da imaginação
-
12:46 - 12:48no que toca à raça.
-
12:49 - 12:52Querem imaginar comigo, por instantes,
-
12:53 - 12:59o que aconteceria se os médicos
deixassem de tratar os doentes por raça? -
13:00 - 13:03Suponham que eles rejeitavam
-
13:03 - 13:07um sistema de classificação
do século XVIII -
13:07 - 13:11e incorporavam o conhecimento
mais avançado -
13:11 - 13:14da diversidade e unidade genéticas
dos seres humanos, -
13:14 - 13:20e que os seres humanos não podem
ser classificados em raças biológicas? -
13:21 - 13:26Se, em vez de usarem a raça
como uma aproximação grosseira, -
13:26 - 13:28como um fator importante,
-
13:28 - 13:33os médicos investigassem e estudassem
esse fator mais importante? -
13:35 - 13:38E se os médicos se juntassem
à linha da frente -
13:38 - 13:42de um movimento para acabar
com as desigualdades estruturais -
13:42 - 13:45provocadas pelo racismo,
-
13:45 - 13:46e não pela diferença genética?
-
13:49 - 13:53A medicina racista é uma má medicina,
-
13:53 - 13:56é uma ciência pobre,
-
13:56 - 13:59e é uma interpretação falsa da humanidade.
-
14:00 - 14:02É mais urgente que nunca
-
14:02 - 14:07abandonar esta herança retrógrada
-
14:07 - 14:10e afirmar a nossa humanidade comum,
-
14:10 - 14:16pondo fim às desigualdades sociais
que, essas sim, nos dividem. -
14:17 - 14:17Obrigada.
-
14:18 - 14:21(Aplausos)
- Title:
- O problema com a medicina racista
- Speaker:
- Dorothy Roberts
- Description:
-
Dorothy Roberts, defensora da justiça social e estudiosa de direito, tem uma mensagem precisa e poderosa: A medicina, baseada na raça, é uma má medicina. Ainda hoje, muitos médicos usam a raça como um atalho médico; tomam decisões importante sobre coisas como a tolerância à dor, com base na cor da pele do doente, em vez da observação e análises. Nesta palestra ardente, Roberts traça as características que permanecem numa medicina racista — e convida-nos a acabar com ela. "É mais urgente do que nunca abandonar duma vez por todas esta herança retrógrada", diz ela, "e afirmar a nossa humanidade comum, acabando com as desigualdades sociais que são o que realmente nos divide".
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 14:36
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