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A cor do amor | Elizabeth Hordge-Freeman | TEDxUSF

  • 0:08 - 0:12
    De todas as diferenças
    que irmãos biológicos podem ter
  • 0:13 - 0:18
    nunca pensamos que diferença racial
    possa estar no topo da lista.
  • 0:18 - 0:22
    Mas, ao longo dos últimos anos,
    tem surgido um interesse,
  • 0:22 - 0:23
    até mesmo um frenesi da mídia,
  • 0:23 - 0:27
    sobre casais e famílias ao redor do mundo
  • 0:27 - 0:30
    que tiveram filhos de raças diferentes.
  • 0:32 - 0:34
    Tenho muito interesse nessas questões.
  • 0:34 - 0:38
    Fico intrigada com a presença
    desses pares de irmãos.
  • 0:38 - 0:44
    Em muitos casos, são gêmeos
    de uma "raça diferente".
  • 0:44 - 0:48
    Tenho colecionado fotos e artigos
    sobre esses pares de irmãos,
  • 0:49 - 0:51
    lido sobre suas vidas.
  • 0:51 - 0:54
    Fiquei fascinada com a forma
    como a mídia os retrata
  • 0:54 - 0:57
    como feitos da humanidade,
    maravilhas da ciência.
  • 0:57 - 1:01
    Tudo porque têm
    aparência racial diferente.
  • 1:02 - 1:05
    Mas o que é ainda mais fascinante
    do que essas fotos,
  • 1:05 - 1:07
    é a reação do público a elas.
  • 1:08 - 1:12
    Algumas pessoas enxergam essas fotos
    como evidência de que o racismo acabou.
  • 1:14 - 1:17
    Outras, por outro lado, sentem
    que o racismo não acabou,
  • 1:17 - 1:22
    mas que misturas raciais como essas
    podem nos levar ao fim do racismo.
  • 1:24 - 1:28
    Como socióloga,
    eu discordo das duas ideias.
  • 1:28 - 1:32
    Mas acho que há duas lições importantes
    que podemos aprender com essas fotos.
  • 1:32 - 1:35
    A primeira é que, na minha opinião,
    esses pares de irmãos
  • 1:35 - 1:41
    são o exemplo perfeito de como entendemos
    raça como uma construção social.
  • 1:41 - 1:46
    Claro que esses irmãos têm diferenças
    na cor da pele e até na textura do cabelo.
  • 1:46 - 1:48
    Mas essas diferenças superficiais
  • 1:48 - 1:52
    não justificam a criação
    de categorias raciais.
  • 1:52 - 1:56
    Não há fundamento biológico
    para aquilo que chamamos de raça.
  • 1:57 - 2:03
    Mas, mesmo dizendo isso como socióloga,
    sei que raça e racismo têm importância.
  • 2:03 - 2:05
    São importantes em nossa sociedade.
  • 2:05 - 2:09
    Quando digo racismo, estou falando
    sobre distribuição desigual
  • 2:09 - 2:14
    de recursos econômicos,
    políticos e educacionais.
  • 2:14 - 2:16
    Mas estudei raça dentro da família.
  • 2:17 - 2:22
    Tenho interesse especial sobre como a raça
    consegue se infiltrar nas famílias.
  • 2:23 - 2:24
    Essa é a parte importante:
  • 2:24 - 2:28
    como a raça leva à distribuição desigual
  • 2:28 - 2:31
    de amor e afeto na mesma família.
  • 2:32 - 2:34
    Então, a forma como os pais
    tratam seus filhos,
  • 2:35 - 2:38
    como os avós tratam seus netos,
  • 2:38 - 2:44
    como irmãos interagem uns com os outros
    pode ser influenciada pelo racismo.
  • 2:45 - 2:49
    A questão que guia meu trabalho
    é se é ou não verdade
  • 2:49 - 2:55
    que a imagem do amor nas famílias
    depende da nossa imagem.
  • 2:56 - 3:01
    Reconheço que, de fato, a premissa básica
    dessa palestra desafia o que muitos de nós
  • 3:01 - 3:05
    essencialmente acreditamos
    ser verdade sobre as famílias.
  • 3:05 - 3:10
    Há um investimento coletivo na crença
    de que a família é nosso porto seguro.
  • 3:10 - 3:14
    Por isso escutamos:
    "Lar é onde o coração está".
  • 3:15 - 3:18
    "Não há lugar melhor que o nosso lar",
    como bem disse Dorothy.
  • 3:18 - 3:20
    "Lar doce lar."
  • 3:20 - 3:25
    Todas essas frases refletem realmente
    a importância que damos à família.
  • 3:26 - 3:29
    O que proponho hoje
    e que os desafio a fazer
  • 3:29 - 3:33
    é pensar em como as famílias
    são bem mais complexas e contraditórias
  • 3:33 - 3:36
    do que jamais pensamos.
  • 3:36 - 3:38
    Tratando-se particularmente de raça,
  • 3:38 - 3:42
    famílias podem, certamente, proteger
    seus membros contra o racismo,
  • 3:43 - 3:46
    mas elas também podem
    reproduzir o racismo.
  • 3:47 - 3:50
    Quando emoções estão envolvidas,
  • 3:50 - 3:53
    sabemos que o lar é,
    de fato, onde o coração está,
  • 3:54 - 3:57
    mas também pode ser onde a dor está.
  • 3:59 - 4:04
    Quanto a mim e minha busca, estudando
    questões raciais, amorosas e emotivas,
  • 4:04 - 4:07
    fui inevitavelmente
    atraída para um país incrível,
  • 4:07 - 4:09
    o Brasil.
  • 4:09 - 4:13
    Muitos de você não devem
    saber que, no Brasil,
  • 4:13 - 4:18
    a mistura entre populações africanas,
    indígenas e portuguesas deu origem
  • 4:18 - 4:22
    às famílias mais racialmente
    diversificadas no mundo.
  • 4:22 - 4:26
    No Brasil, ter um bebê é quase
    como girar uma roleta racial,
  • 4:27 - 4:31
    por causa da incerteza sobre quais
    características de raça podem sair
  • 4:31 - 4:33
    na loteria genética.
  • 4:34 - 4:38
    Mesmo sendo verdade que a mistura racial
    no Brasil é muito comum,
  • 4:38 - 4:40
    o racismo ainda existe,
  • 4:41 - 4:43
    a brancura ainda é supervalorizada,
  • 4:43 - 4:46
    e as chances e oportunidades
    na vida de uma pessoa
  • 4:46 - 4:50
    ainda são moldadas pela sua
    proximidade física com a brancura.
  • 4:51 - 4:52
    O que isso significa?
  • 4:52 - 4:56
    A cor da pele, a textura do cabelo
    e os traços do rosto de uma pessoa
  • 4:56 - 4:59
    podem moldar seu destino.
  • 4:59 - 5:02
    Isso me faz voltar à questão
    com a qual comecei.
  • 5:03 - 5:06
    Sabemos que a aparência racial
    tem importância na sociedade.
  • 5:07 - 5:09
    Mas será que também tem importância
    dentro das famílias?
  • 5:10 - 5:14
    Qual é o impacto da aparência racial
    na forma como as pessoas são tratadas
  • 5:14 - 5:17
    dentro de seus lares
    e nas suas relações familiares?
  • 5:18 - 5:22
    Vocês devem pensar: "Tudo bem,
    parece um projeto interessante".
  • 5:22 - 5:25
    O Brasil foi, certamente,
    o local ideal para o projeto.
  • 5:25 - 5:27
    Foi moleza para mim.
  • 5:27 - 5:29
    Mas houve barreiras na minha pesquisa.
  • 5:29 - 5:31
    Primeiramente, tive
    que aprender português.
  • 5:31 - 5:36
    Após vencer essa barreira,
    tive de lidar com meu próprio ceticismo
  • 5:36 - 5:39
    sobre conseguir observar
  • 5:39 - 5:41
    algumas das dinâmicas
    sobre as quais estou falando.
  • 5:42 - 5:46
    Então, em uma das minhas primeiras
    idas ao Brasil, conheci a Ana.
  • 5:47 - 5:49
    Ela era uma estudante universitária local.
  • 5:49 - 5:54
    Quando lhe disse que estava interessada
    em estudar raça, amor e família,
  • 5:55 - 5:57
    ela me disse o seguinte:
  • 5:58 - 6:02
    "Sim, em uma família, as pessoas
    ficam felizes por terem filhos.
  • 6:03 - 6:08
    Elas têm o negro primeiro, mas,
    quando o branco chega, tudo muda.
  • 6:09 - 6:13
    O branco é tratado bem
    e o negro é esquecido.
  • 6:13 - 6:17
    O negro é punido, porque dizem que ele tem
  • 6:19 - 6:21
    "a cara de um escravo".
  • 6:22 - 6:25
    Podem imaginar que essa foi
    uma afirmação muito forte.
  • 6:26 - 6:29
    Mas também me fez perceber
    que eu não estava equivocada
  • 6:30 - 6:35
    com esse meu interesse em captar
    raça, amor e emoção nas famílias.
  • 6:35 - 6:37
    Efetivamente, no meu livro,
  • 6:37 - 6:39
    "A Cor do Amor",
  • 6:39 - 6:43
    passei mais de 16 meses
    trabalhando com famílias,
  • 6:43 - 6:47
    entrevistando mais de 100 pessoas
    em dez núcleos familiares no Brasil,
  • 6:47 - 6:50
    para poder estudar essas dinâmicas,
  • 6:50 - 6:54
    para poder estudar como raça,
    amor e família atuam juntos.
  • 6:54 - 7:00
    Sem dúvidas, encontrei inúmeros exemplos
    que refletiam o que a Ana me havia dito
  • 7:00 - 7:02
    sobre "a cara de um escravo".
  • 7:03 - 7:07
    Primeiro, encontrei uma mulher
    chamada Dona Elena.
  • 7:07 - 7:10
    Na sua entrevista, Dona Elena revelou
  • 7:10 - 7:13
    que, quando deu à luz
    um bebê de pele escura,
  • 7:13 - 7:18
    e seu marido viu o bebê
    pela primeira vez, ele disse:
  • 7:18 - 7:21
    "De onde você tirou esse bebê negro?
  • 7:22 - 7:24
    Leva ela de volta".
  • 7:24 - 7:27
    Corina tinha uma história parecida.
  • 7:27 - 7:30
    Ela me contou que, quando
    deu à luz seu filho mais velho,
  • 7:30 - 7:33
    seu parceiro e a mãe dele foram visitá-la.
  • 7:33 - 7:37
    Eles viram as orelhas negras do bebê
  • 7:37 - 7:41
    e decidiram que o parceiro
    não iria reconhecer essa criança.
  • 7:41 - 7:45
    Presumiram que essa criança
    ia acabar ficando com a pele morena.
  • 7:45 - 7:51
    Por isso, acharam que não era possível
    que ele tivesse um filho de pele morena.
  • 7:52 - 7:54
    E o terceiro exemplo:
  • 7:54 - 7:57
    uma garota de nove anos chamada Hegany.
  • 7:57 - 8:02
    Com certeza, é minha entrevistada favorita
    do tempo que estive no Brasil.
  • 8:02 - 8:05
    Ela era inteligente,
    agitada, entusiasmada.
  • 8:05 - 8:08
    Tinha um tipo de sinceridade honesta,
  • 8:08 - 8:12
    uma vulnerabilidade que muitos de nós
    acabamos perdendo ao envelhecer.
  • 8:12 - 8:17
    Por coincidência, durante o período
    que entrevistei Hegany e sua família,
  • 8:17 - 8:20
    a mãe dela deu à luz uma menininha.
  • 8:21 - 8:26
    A bebê era vista por todos como perfeita:
    pele branca e cabelos lisos.
  • 8:27 - 8:31
    Perguntei a Hegany: "Como é
    ser a irmã mais velha? Como se sente?"
  • 8:32 - 8:34
    Sua resposta foi a seguinte:
  • 8:39 - 8:42
    "Eu tenho medo de perder
    o carinho dos meus pais".
  • 8:43 - 8:46
    Então perguntei a ela:
    "Por que se sente assim?
  • 8:46 - 8:48
    Por que você acha que isso aconteceria?
  • 8:48 - 8:51
    Ela olhou para mim e disse:
    "Por causa da bebê.
  • 8:51 - 8:56
    Você a viu, não é? Ela nasceu
    clara, com cabelo liso.
  • 8:56 - 8:58
    Tenho medo que eles a amem mais.
  • 8:58 - 9:00
    O cabelo dela não vai dar tanto trabalho.
  • 9:00 - 9:02
    Todos estão dizendo isso.
  • 9:02 - 9:06
    Ela vai ter tudo e eu não vou ter nada".
  • 9:07 - 9:11
    Hegany cobriu o rosto com as mãos
    e começou a chorar.
  • 9:13 - 9:18
    O mais deprimente nessa entrevista
    é que ela só tem nove anos.
  • 9:19 - 9:22
    E, mesmo nessa idade,
    ela entende como traços raciais
  • 9:22 - 9:25
    têm influência na forma
    como a família interage com ela,
  • 9:25 - 9:28
    no grau de amor e afeto
    que ela pode receber na família.
  • 9:29 - 9:34
    Com o passar das semanas e dos meses
    em que estive com eles, observei Hegany,
  • 9:34 - 9:37
    e ela se mostrou ressentida com a bebê.
  • 9:38 - 9:41
    Ficava constantemente,
    quase obcecada, observando-a,
  • 9:41 - 9:46
    esperando para ver mudanças na cor da pele
    da bebê, que ela ficasse mais escura,
  • 9:46 - 9:49
    que o cabelo dela ficasse
    um pouco mais enrolado.
  • 9:49 - 9:51
    Mas não era só isso.
  • 9:51 - 9:55
    Também vi Hegany segurando
    a bebê bem perto, embalando-a
  • 9:55 - 9:58
    e assumindo o papel de irmã mais velha.
  • 9:58 - 10:03
    Para mim, isso indicou que a representação
    honesta das famílias era parcial.
  • 10:03 - 10:06
    Que havia várias formas
    como as famílias poderiam
  • 10:06 - 10:08
    tanto reproduzir
    quanto resistir ao racismo.
  • 10:09 - 10:13
    A Dona Elena, que mencionei antes,
    tinha uma filha de pele escura,
  • 10:13 - 10:15
    mas ela enxergava isso como evidência
  • 10:15 - 10:18
    de que sua filha possuía
    verdadeira beleza negra.
  • 10:19 - 10:24
    Outras famílias desenvolveram
    personas antirracistas alternativas.
  • 10:24 - 10:27
    O melhor exemplo é o de um pai
    que insistia que eu o chamasse
  • 10:29 - 10:30
    de "Pantera Negra".
  • 10:30 - 10:34
    Ele escolheu esse nome por causa
    dos Panteras Negras dos EUA
  • 10:34 - 10:36
    e tem um programa político radical
  • 10:36 - 10:40
    que envolve conscientização racial
    das pessoas de seu bairro.
  • 10:40 - 10:44
    Ele me apresentou a sua esposa,
    a quem ele chama de "Panterona",
  • 10:45 - 10:49
    e que também é comprometida
    com a conscientização racial.
  • 10:50 - 10:53
    O que tudo isso, todas essas narrativas
  • 10:53 - 10:57
    nos dizem sobre racismo
    nos Estados Unidos e no Brasil?
  • 10:57 - 11:02
    Todo esforço para acabar com o racismo
    deve potencializar o poder
  • 11:02 - 11:04
    e a influência das famílias e comunidades.
  • 11:05 - 11:06
    Mas não apenas isso:
  • 11:06 - 11:10
    também deve promover
    políticas públicas concretas,
  • 11:10 - 11:15
    ações legislativas concretas que provocam
    mudanças estruturais na sociedade.
  • 11:16 - 11:19
    Adoro o exemplo do Pantera Negra,
    porque ele mostra, de fato,
  • 11:19 - 11:21
    a importância dos vínculos globais.
  • 11:21 - 11:24
    No caso dele, com os Panteras Negras.
  • 11:24 - 11:28
    Movimentos sociais atuais,
    como o Black Lives Matter,
  • 11:28 - 11:31
    são extraordinariamente bem-sucedidos
    porque são relevantes
  • 11:31 - 11:36
    não apenas em em contextos locais,
    mas também no contexto global.
  • 11:36 - 11:40
    O melhor é que a mensagem deles
    é relevante para brancos
  • 11:41 - 11:46
    e também para negros que possam ter
    internalizado racismo anti-negros.
  • 11:47 - 11:49
    Aonde vamos agora?
  • 11:49 - 11:51
    Frederick Douglass disse:
  • 11:51 - 11:54
    "O poder não concede nada
    sem uma demanda".
  • 11:54 - 11:58
    Eu incentivo cada um de vocês
    a usar suas famílias e comunidades
  • 11:58 - 12:01
    para trabalharem juntas
    na articulação das demandas
  • 12:01 - 12:04
    que nos levam a tecer um futuro melhor,
  • 12:04 - 12:09
    uma sociedade antirracista
    que nos conduz à erradicação do racismo
  • 12:09 - 12:13
    nos Estados Unidos, no Brasil
    e no resto do mundo.
  • 12:16 - 12:18
    (Aplausos)
Title:
A cor do amor | Elizabeth Hordge-Freeman | TEDxUSF
Description:

Racismo e desigualdade racial têm sido temas de discussão muito presentes nos últimos anos nos EUA. Algumas pessoas afirmam que o aumento da mistura racial levará ao fim do racismo. Usando sua experiência pessoal viajando pelo Brasil, Hordge-Freeman afirma que mistura racial não exclui o racismo.

"A Dra. Elizabeth Hordge-Freeman é Professora Assistente de Sociologia e Estudos Latino-Americanos na USF. Conquistou o Bacharelado pela Universidade Cornell e Mestrado e Doutorado em Sociologia pela Universidade Duke, em 2012. Seu primeiro livro, "A Cor do Amor: traços raciais, estigma e socialização racial nas famílias negras brasileiras", tem lançamento previsto para novembro de 2015. Ela é motivada por sua paixão em expor a desigualdade e, com a ajuda de financiamento da Fullbright e de outros recursos, está pesquisando sobre escravidão moderna e tráfico humano no Brasil e nos EUA."

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
12:25

Portuguese, Brazilian subtitles

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