A fé versus a tradição no Islão
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0:02 - 0:03Aqui há umas semanas,
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0:03 - 0:05tive a oportunidade
de ir à Arábia Saudita. -
0:06 - 0:08A primeira coisa que quis fazer,
como muçulmano -
0:08 - 0:11foi ir a Meca e visitar a Caaba,
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0:11 - 0:13o santuário mais sagrado do Islão.
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0:13 - 0:15Fiz isso mesmo:
pus as minhas vestes rituais; -
0:15 - 0:17entrei na mesquita sagrada;
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0:17 - 0:20fiz as minhas orações,
segui todos os rituais. -
0:21 - 0:22Durante todo esse tempo,
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0:22 - 0:24para além de toda a espiritualidade,
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0:24 - 0:28houve um detalhe mundano na Caaba
que achei muito interessante, -
0:28 - 0:30Não havia separação de sexos.
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0:30 - 0:34Por outras palavras, homens e mulheres
celebravam juntos a religião. -
0:35 - 0:37Estavam juntos ao realizar a tawaf,
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0:37 - 0:40a caminhada circular em torno da Caaba.
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0:40 - 0:42Rezavam em conjunto, lado a lado.
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0:42 - 0:45E se se questionam o porquê
de isto ser sequer interessante, -
0:45 - 0:47basta olhar para o resto
da Arábia Saudita, -
0:47 - 0:52que é um país onde há
uma estrita divisão entre os sexos. -
0:52 - 0:54Por outras palavras, enquanto homens,
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0:54 - 0:58não é suposto que partilhemos
o mesmo espaço físico de uma mulher. -
0:58 - 1:01Tomei consciência disso
de forma engraçada. -
1:01 - 1:04Saí da Caaba para comer
qualquer coisa no centro de Meca. -
1:04 - 1:06Fui ao Burger King mais próximo.
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1:07 - 1:10E ao entrar, reparei que havia
uma secção masculina, -
1:10 - 1:13cuidadosamente separada
da secção feminina. -
1:13 - 1:16Tive que fazer o pedido, pagar
e comer na secção masculina. -
1:17 - 1:19"É curioso", disse para mim mesmo,
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1:19 - 1:21"podemos misturar-nos com o sexo oposto
na Caaba sagrada, -
1:21 - 1:23"mas não no Burger King."
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1:24 - 1:26Muito irónico.
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1:26 - 1:28Irónico e também, creio eu,
bastante revelador. -
1:28 - 1:31Porque a Caaba e os seus rituais
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1:31 - 1:34são relíquias dos primórdios do Islão,
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1:34 - 1:36a época do profeta Maomé.
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1:36 - 1:40Se houvesse um grande ênfase nessa altura
em separar homens das mulheres, -
1:40 - 1:43os rituais em volta da Caaba podiam
ter sido concebidos em concordância. -
1:43 - 1:46Mas, parecia que isso
não era problema na altura. -
1:46 - 1:48E os rituais saíram dessa forma.
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1:48 - 1:49Creio que isto também é confirmado
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1:49 - 1:53porque a segregação das mulheres
numa sociedade dividida -
1:53 - 1:57é uma coisa que
também não se encontra no Corão, -
1:57 - 1:59o fundamento de todo o Islão,
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1:59 - 2:01o fundamento divino de todo o Islão
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2:01 - 2:04em que todos os muçulmanos
acreditam, incluindo eu. -
2:04 - 2:07Penso que não é um acaso
não ser possível encontrar essa ideia -
2:07 - 2:09nas origens do Islão.
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2:09 - 2:11Porque muitos estudiosos
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2:11 - 2:13que estudam a história
do pensamento islâmico -
2:13 - 2:15— tanto muçulmanos como ocidentais —
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2:15 - 2:19pensam que a prática de separar
homens e mulheres fisicamente -
2:19 - 2:22é um desenvolvimento tardio do Islão,
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2:22 - 2:25quando os muçulmanos adotaram
tradições e culturas -
2:25 - 2:27que já existiam no Médio Oriente.
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2:27 - 2:32A segregação das mulheres
era uma prática persa e bizantina, -
2:32 - 2:34que os muçulmanos adotaram
-
2:34 - 2:36e incorporaram na sua religião.
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2:36 - 2:38Na verdade, este é só um exemplo
-
2:38 - 2:40de um fenómeno muito mais alargado.
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2:40 - 2:44Aquilo a que chamamos hoje Lei Islâmica,
em particular cultura islâmica. -
2:44 - 2:46e há muitas culturas Islâmicas.
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2:46 - 2:48A cultura da Arábia Saudita
é muito diferente -
2:48 - 2:50da de onde eu sou,
em Istambul e na Turquia. -
2:50 - 2:52Mesmo assim,
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2:52 - 2:54se vamos falar de uma cultura muçulmana,
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2:54 - 2:58há um núcleo, a mensagem divina
que deu origem à religião, -
2:58 - 3:01mas, posteriormente
foram acrescentados a esse núcleo -
3:01 - 3:03muitas tradições e perceções,
muitos rituais -
3:03 - 3:07Eram tradições do Médio Oriente,
tradições medievais. -
3:08 - 3:10E há aqui duas mensagens importantes,
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3:10 - 3:13duas lições, a extrair dessa realidade.
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3:13 - 3:16Primeiro, os muçulmanos
devotos, praticantes e conservadores -
3:16 - 3:19que se querem manter fiéis à sua religião,
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3:19 - 3:21não se devem agarrar
a tudo na sua cultura, -
3:21 - 3:24com a crença que é tudo mandato divino.
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3:24 - 3:27Talvez algumas delas sejam más tradições
que precisam de ser mudadas. -
3:27 - 3:31Por outro lado, os ocidentais
que olham para a cultura islâmica -
3:31 - 3:33e veem nela alguns aspetos preocupantes
-
3:33 - 3:36não devem imediatamente concluir
que isso é o que o Islão ordena. -
3:36 - 3:41É talvez uma cultura do Médio Oriente
que se confundiu com o Islão. -
3:41 - 3:44Há uma prática chamada
circuncisão feminina. -
3:44 - 3:46que é uma coisa terrível, horrível.
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3:46 - 3:50É basicamente uma operação
para privar mulheres de prazer sexual. -
3:51 - 3:54Os ocidentais, europeus ou americanos,
-
3:54 - 3:56que não conheciam esta prática
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3:56 - 4:00foram encontrá-la
em comunidades muçulmanas -
4:01 - 4:02que migraram do norte de África.
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4:02 - 4:08E pensaram: "Que religião terrível esta,
que ordena uma coisa deste tipo". -
4:08 - 4:12Na verdade, a circuncisão feminina
nada tem a ver com o Islão, -
4:12 - 4:15Na verdade, é um costume norte-africano
que é anterior ao Islão. -
4:15 - 4:18Existe há milhares de anos,
-
4:18 - 4:21De facto, alguns muçulmanos
têm este costume. -
4:21 - 4:23Muçulmanos no Norte de África,
mas não noutros lugares. -
4:23 - 4:28Mas há comunidades não muçulmanas
no Norte de África — os animistas — -
4:28 - 4:31e até comunidades cristãs
e uma tribo judaica, no Norte de África, -
4:31 - 4:34que conhecidamente praticam
a circuncisão feminina. -
4:34 - 4:38Portanto, o que parece
um problema da fé islâmica -
4:38 - 4:42é na verdade uma tradição
a que muçulmanos resolveram aderir. -
4:42 - 4:45O mesmo se pode dizer das mortes de honra
-
4:45 - 4:47que são um tema recorrente
nos "media" ocidentais -
4:47 - 4:50e que são de facto, uma tradição horrível.
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4:50 - 4:54Vemos essa tradição bastante enraizada
nalgumas comunidades muçulmanas. -
4:54 - 4:57mas nas comunidades não muçulmanas,
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4:57 - 4:59— algumas cristãs, outras orientais —
-
4:59 - 5:00encontramos o mesmo costume.
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5:00 - 5:03Tivemos um caso trágico de morte de honra
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5:03 - 5:06na comunidade arménia da Turquia
há escassos meses. -
5:07 - 5:08Estes são elementos da cultura em geral
-
5:08 - 5:11mas estou também muito interessado
na cultura política -
5:11 - 5:14e em perceber se a liberdade
e a democracia são apreciadas -
5:14 - 5:17ou se existe uma cultura politica
de autoritarismo -
5:17 - 5:20em que o Estado impõe
estas coisas aos seus cidadãos. -
5:21 - 5:22Não é nenhum segredo
-
5:22 - 5:25que muitos movimentos islâmicos
no Médio Oriente -
5:25 - 5:27tendem a ser autoritários,
-
5:27 - 5:29e alguns dos chamados "regimes islâmicos",
-
5:29 - 5:31como a Arábia Saudita, o Irão,
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5:31 - 5:34ou no caso extremo dos talibans
no Afeganistão, -
5:34 - 5:37são regimes muito autoritários,
sem dúvida. -
5:37 - 5:38Por exemplo, na Arábia Saudita,
-
5:38 - 5:41há um fenómeno chamado
a polícia religiosa. -
5:41 - 5:45Essa polícia impõe o suposto
"estilo de vida islâmico" -
5:45 - 5:47a todos os cidadãos, pela força,
-
5:47 - 5:50como por exemplo as mulheres
que são forçadas a cobrir a cabeça, -
5:50 - 5:53a usar o hijab,
o lenço de cabeça islâmico. -
5:54 - 5:57Isto é, de facto, autoritário
e uma coisa que critico veementemente. -
5:57 - 6:02Mas fui-me apercebendo
que os não muçulmanos, -
6:02 - 6:06os habitantes não islâmicos
nessa mesma área geográfica -
6:06 - 6:08por vezes comportam-se da mesma maneira,
-
6:08 - 6:10e apercebi-me que o problema talvez resida
-
6:10 - 6:12na cultura política da região
e não apenas no Islão. -
6:12 - 6:14Vou dar-vos um exemplo:
-
6:14 - 6:17na minha Turquia natal,
que é uma república bastante secular, -
6:17 - 6:20ainda há bem pouco tempo existia
-
6:20 - 6:23o que se chamaria de policia secularista,
-
6:23 - 6:27que impedia a entrada nas universidades
de estudantes com véus. -
6:27 - 6:32Ou seja, forçavam as estudantes
a destapar a cabeça. -
6:32 - 6:35Na minha opinião,
forçar pessoas a destapar a cabeça -
6:35 - 6:37é tão tirânico como obrigá-las
a andar cobertas. -
6:37 - 6:39Devia ser a decisão de cada um.
-
6:39 - 6:41Mas quando vi isto pensei:
-
6:41 - 6:45"Talvez o problema seja
a cultura de autoritarismo da região -
6:45 - 6:48"que acabou por influenciar
parte dos muçulmanos." -
6:48 - 6:51As pessoas mais laicas
podem ser influenciadas por essa cultura. -
6:51 - 6:53Talvez o problema seja a própria cultura,
-
6:53 - 6:56e tenhamos que pensar na forma
de mudar essa cultura política. -
6:56 - 7:00Estas eram questões na minha mente
há alguns anos -
7:00 - 7:03quando me propus escrever um livro.
-
7:03 - 7:10Disse: "Bem, vou investigar
como o Islão evoluiu para o que é hoje, -
7:10 - 7:12"que opções foram tomadas
-
7:12 - 7:14"e que opções poderiam ter sido tomadas."
-
7:14 - 7:18O livro é: "O Islão sem extremismos:
um argumento muçulmano pela liberdade". -
7:18 - 7:20Como o subtítulo sugere,
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7:20 - 7:23eu analisei a tradição islâmica
e a história do pensamento islâmico -
7:23 - 7:26numa perspetiva de liberdade individual,
-
7:26 - 7:28e tentei encontrar os seus pontos fortes
-
7:28 - 7:30a respeito dessa liberdade individual.
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7:30 - 7:32Há pontos fortes na tradição islâmica.
-
7:32 - 7:34Na verdade, enquanto religião monoteísta,
-
7:34 - 7:38que definia o homem
como um agente responsável, -
7:38 - 7:41o Islão criou a ideia de indivíduo
no Médio Oriente -
7:41 - 7:45salvando-o do comunitarismo
e do coletivismo da tribo. -
7:45 - 7:47Podemos extrair daí várias ideias.
-
7:47 - 7:50mas, para além disso, vi também
vários problemas na tradição Islâmica. -
7:50 - 7:52Mas havia uma coisa curiosa:
-
7:52 - 7:56A maioria desses problemas acabaram
por ser questões que surgiram mais tarde, -
7:56 - 7:58não do fundamento divino
do Islão, o Corão, -
7:58 - 8:01mas, de novo, de tradições e mentalidades
-
8:01 - 8:04ou interpretações do Corão
-
8:04 - 8:06feitas por muçulmanos na Idade Média.
-
8:06 - 8:09O Corão, por exemplo,
não aprova apedrejamentos. -
8:09 - 8:11Não há castigos para a apostasia.
-
8:11 - 8:15Não há punição para atos pessoais,
como beber. -
8:15 - 8:18Estas coisas que fazem a Lei Islâmica,
-
8:18 - 8:21os aspetos perturbantes da Lei Islâmica,
-
8:21 - 8:24foram sendo inseridos
em interpretações posteriores do Islão. -
8:24 - 8:26O que significa que os muçulmanos,
hoje em dia, -
8:26 - 8:29podem olhar para essas coisas e dizer:
-
8:29 - 8:32"Os fundamentos da nossa religião
estão cá para ficar. -
8:32 - 8:34"É a nossa fé e seremos leal a ela".
-
8:34 - 8:36Mas podemos mudar a sua interpretação,
-
8:36 - 8:40porque foi interpretada de acordo
com o tempo e a mentalidade medievais. -
8:40 - 8:41Hoje vivemos num mundo diferente
-
8:41 - 8:43com diferentes valores
e sistemas políticos. -
8:43 - 8:47Essa interpretação é possível
e está ao nosso alcance. -
8:47 - 8:51Se eu fosse a única pessoa
a pensar desta forma, -
8:51 - 8:53estaríamos metidos em sarilhos.
-
8:53 - 8:56Mas não é esse o caso, de forma alguma.
-
8:56 - 8:59Na verdade, a partir do século XIX,
-
8:59 - 9:01tem havido um movimento
revisionista, reformista -
9:01 - 9:03— como lhe quiserem chamar —
-
9:03 - 9:07uma tendência no pensamento islâmico.
-
9:07 - 9:11Foram intelectuais ou estadistas
do século XIX -
9:11 - 9:13e, depois, do século XX,
-
9:13 - 9:14que olharam para a Europa
-
9:14 - 9:17e viram nela muitas coisas
dignas de admiração -
9:17 - 9:18como a ciência e a tecnologia.
-
9:18 - 9:21Mas não só, também
a democracia, o parlamentarismo, -
9:21 - 9:25a ideia de representatividade,
de igualdade de cidadania. -
9:25 - 9:29Esses intelectuais e estadistas muçulmanos
do século XIX, -
9:29 - 9:31olharam para a Europa,
viram estas coisas e disseram: -
9:31 - 9:33"Porque é que nós não as temos?"
-
9:33 - 9:37Olharam para a tradição islâmica,
viram os seus aspetos problemáticos -
9:37 - 9:41mas estes não eram o núcleo da religião
e talvez pudessem ser reassimilados, -
9:41 - 9:44e o Corão pudesse voltar a ser lido
no mundo moderno. -
9:44 - 9:49Esta tendência é geralmente designada
por "modernismo islâmico" -
9:49 - 9:52e foi avançada
por intelectuais e estadistas, -
9:52 - 9:54não apenas como uma ideia intelectual,
-
9:54 - 9:56mas como um programa político.
-
9:56 - 9:58É por isso que, no século XIX
-
9:58 - 10:02o Império Otomano, que então cobria
todo o Médio Oriente, -
10:02 - 10:04fez reformas muito importantes:
-
10:04 - 10:09tais como dar a cristãos e judeus
igualdade de cidadania, -
10:09 - 10:12aceitar uma constituição,
adotar um parlamento representativo, -
10:12 - 10:15avançar com a ideia
de liberdade religiosa. -
10:15 - 10:18É por isso que o Império Otomano,
nas suas últimas décadas -
10:18 - 10:22se tornou uma proto-democracia,
uma monarquia constitucional. -
10:22 - 10:26A liberdade era um valor político
importantíssimo na altura. -
10:26 - 10:27De igual forma, no mundo árabe,
-
10:27 - 10:30existia o que Albert Hourani,
o grande historiador árabe, -
10:30 - 10:32definiu como "Era Liberal".
-
10:32 - 10:35Ele tem um livro,
"O Pensamento Árabe na Era Liberal". -
10:35 - 10:39Ele define essa Era Liberal
entre o século XIX e o início do século XX. -
10:39 - 10:45De realçar, esta era a tendência dominante
do início do século XX, -
10:45 - 10:48entre pensadores, estadistas
e teólogos islâmicos. -
10:48 - 10:50Mas há aqui um padrão curioso
-
10:50 - 10:52durante o resto do século XX,
-
10:52 - 10:54porque assistimos a um declínio acentuado
-
10:54 - 10:57desta linha de modernismo islâmico.
-
10:57 - 11:02E no lugar dela, o islamismo torna-se
-
11:02 - 11:05numa ideologia que é autoritária,
-
11:05 - 11:06que é bastante histriónica,
-
11:06 - 11:09que é bastante anti-ocidente,
-
11:09 - 11:12e que quer modelar a sociedade
baseando-se numa utopia. -
11:13 - 11:15Portanto, o islamismo
é a ideia problemática -
11:15 - 11:20que tem causado muitos problemas
no mundo Islâmico do século XX. -
11:20 - 11:24Essas forma muito extremas de islamismo
-
11:24 - 11:27levaram ao terrorismo em nome do Islão,
-
11:27 - 11:30o que, na minha opinião,
é contrário ao próprio Islão, -
11:30 - 11:32mas, obviamente, os extremistas
pensaram de outra forma. -
11:32 - 11:34Esta é uma questão curiosa:
-
11:34 - 11:39Se o modernismo islâmico era tão popular
no século XIX e início do século XX, -
11:39 - 11:42porque é que o islamismo
se tornou tão popular -
11:42 - 11:44no resto do século XX?
-
11:44 - 11:47Penso que esta é uma questão
que precisa de uma discussão cuidada. -
11:47 - 11:50No meu livro, eu também
abordei essa questão. -
11:50 - 11:53Não é preciso ser-se um génio
para a compreender. -
11:53 - 11:56Basta olhar para a história política
do século XX, -
11:56 - 11:58e vemos que as coisas mudaram muito.
-
11:58 - 11:59O contexto mudou.
-
11:59 - 12:03No século XIX, quando os muçulmanos
olhavam para a Europa como um exemplo, -
12:03 - 12:06eram independentes,
eram mais autoconfiantes. -
12:06 - 12:09Com a queda do Império Otomano,
no início do século XX, -
12:09 - 12:12todo o Médio Oriente foi colonizado.
-
12:12 - 12:14Quando temos colonização,
o que é que temos também? -
12:14 - 12:16Temos anticolonização.
-
12:16 - 12:19Portanto, a Europa já não é
um exemplo a imitar, -
12:19 - 12:22é um inimigo a combater e resistir.
-
12:22 - 12:27Portanto, há um declínio muito acentuado
das ideias liberais no mundo muçulmano -
12:27 - 12:30e aquilo que se vê
é uma corrente mais rígida, -
12:30 - 12:32mais defensiva e mais reacionária,
-
12:32 - 12:35que levou ao socialismo árabe,
ao nacionalismo árabe, -
12:35 - 12:37e finalmente à ideologia islamita.
-
12:37 - 12:40Quando o período colonial terminou,
-
12:40 - 12:43o que havia no seu lugar
-
12:43 - 12:46eram, no geral, ditadores seculares,
que "diziam" ser um país, -
12:46 - 12:48mas não trouxeram democracia a esse país
-
12:48 - 12:51e estabeleceram a sua própria ditadura.
-
12:51 - 12:54Eu penso que o Ocidente ou, pelo menos,
algumas potências ocidentais, -
12:54 - 12:55particularmente os EUA,
-
12:55 - 12:58fizeram o erro de apoiar
esses ditadores seculares, -
12:58 - 13:01por pensar que estes seriam
mais coniventes com os seus interesses. -
13:01 - 13:03Mas o facto de estes ditadores
-
13:03 - 13:05terem suprimido a democracia
nos seus países -
13:05 - 13:08e terem suprimido os grupos islâmicos
nos seus países -
13:08 - 13:10acabou por tornar os islamitas
muito mais agressivos. -
13:10 - 13:13Por isso, no século XX, existia
este ciclo vicioso no mundo árabe -
13:13 - 13:16em que havia uma ditadura
a reprimir o povo -
13:16 - 13:18incluindo os devotos islâmicos,
-
13:18 - 13:21e estes a reagir de formas reacionárias.
-
13:21 - 13:26Houve, no entanto, um país
que conseguiu escapar -
13:26 - 13:28ou manter-se à margem desse ciclo vicioso.
-
13:29 - 13:32Esse país é o meu país natal, a Turquia.
-
13:32 - 13:34A Turquia nunca foi colonizada,
-
13:34 - 13:37por isso permaneceu independente
após a queda do Império Otomano. -
13:37 - 13:39É bom não esquecer.
-
13:39 - 13:42Não partilharam
o sentimento anticolonialista -
13:42 - 13:44que podemos encontrar
noutros países na região. -
13:44 - 13:46Por outro lado, e mais importante ainda,
-
13:46 - 13:50a Turquia tornou-se democrática,
antes de qualquer dos país de que falamos. -
13:50 - 13:53Em 1950, a Turquia promoveu
as suas primeiras eleições livres, -
13:53 - 13:56que derrubaram o regime secular
e autocrático da altura, -
13:56 - 13:58que fora o início da Turquia.
-
13:58 - 14:00Os devotos muçulmanos da Turquia
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14:00 - 14:04viram que podiam mudar
o sistema político através do voto. -
14:04 - 14:07E perceberam que a democracia
é compatível com o Islão, -
14:07 - 14:09compatível com os seus valores,
-
14:09 - 14:10e são apoiantes da democracia.
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14:10 - 14:12É uma experiência
-
14:12 - 14:15que nem todas as nações muçulmanas
do Médio Oriente tiveram -
14:15 - 14:17senão muito recentemente.
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14:17 - 14:19Por outro lado, nas últimas duas décadas,
-
14:19 - 14:21graças à globalização,
graças à economia de mercado, -
14:21 - 14:24graças ao crescimento da classe média,
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14:24 - 14:27assistimos na Turquia ao que eu definiria
-
14:27 - 14:29como o renascimento
do modernismo islâmico. -
14:29 - 14:33Há muçulmanos devotos,
de classe média, mais urbanos, -
14:33 - 14:35que, de novo, olham para a sua tradição
-
14:35 - 14:38e reconhecem nela alguns problemas.
-
14:38 - 14:41Compreendem que ela tem de ser alterada,
questionada e reformada. -
14:41 - 14:45Olham para a Europa, e veem,
de novo, um exemplo a seguir. -
14:45 - 14:47Veem um exemplo de que podem
tirar alguma inspiração. -
14:47 - 14:50É por isso que o processo
da União Europeia, -
14:50 - 14:52— o esforço turco de aderir à UE —
-
14:52 - 14:55tem sido apoiado dentro da Turquia
pelos devotos islâmicos -
14:55 - 14:58enquanto teve a oposição
de algumas nações seculares. -
14:58 - 15:00Este processo tem sido dificultado
-
15:00 - 15:03porque nem todos os europeus
estão muito recetivos -
15:03 - 15:05mas essa é outra discussão.
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15:05 - 15:09O sentimento pró- UE na Turquia
na década passada -
15:09 - 15:11tem-se tornado quase uma causa islâmica,
-
15:11 - 15:13apoiada por liberais islâmicos
-
15:13 - 15:15e também por liberais laicos, obviamente.
-
15:15 - 15:19Graças a isso, a Turquia tem conseguido
contar uma história de sucesso razoável, -
15:19 - 15:24em que o Islão e as interpretações
mais devotas do Islão -
15:24 - 15:26se incorporaram no jogo democrático
-
15:26 - 15:31e contribuem para o avanço
democrático e económico do país. -
15:31 - 15:35É um exemplo inspirador ainda hoje
-
15:35 - 15:39para alguns movimentos islâmicos
nalguns países do mundo árabe. -
15:39 - 15:41Todos devem ter visto a Primavera Árabe,
-
15:41 - 15:44que começou na Tunísia e no Egito.
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15:44 - 15:48Os povos árabes revoltaram-se
contra os seus ditadores. -
15:48 - 15:53Querem democracia, querem liberdade.
-
15:53 - 15:55Não passaram a ser o papão islamita
-
15:55 - 15:58que os ditadores invocavam constantemente
-
15:58 - 16:00para justificar os seus regimes.
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16:00 - 16:02Disseram: "Queremos liberdade,
queremos democracia. -
16:02 - 16:04"Somos crentes muçulmanos,
-
16:04 - 16:08"mas queremos viver como um povo livre
numa sociedade livre." -
16:08 - 16:10Este é, claro, um longo caminho.
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16:10 - 16:13A democracia não se ganha
de um dia para o outro. -
16:13 - 16:14é um processo.
-
16:14 - 16:18Mas é uma era promissora
para o mundo muçulmano. -
16:18 - 16:21Acredito que o modernismo Islâmico
que começou no século XIX, -
16:21 - 16:24e que teve um retrocesso no século XX,
-
16:24 - 16:26devido aos problemas políticos
do mundo muçulmano, -
16:26 - 16:28está a renascer.
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16:28 - 16:32A mensagem que retiramos daí
seria que o Islão, -
16:32 - 16:35apesar dos céticos no Ocidente,
-
16:35 - 16:37tem o potencial em si mesmo
-
16:37 - 16:39de criar o seu caminho para a democracia,
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16:39 - 16:41criar o seu caminho para o liberalismo,
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16:41 - 16:42para a liberdade.
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16:42 - 16:45Devemos deixá-los trabalhar para isso.
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16:45 - 16:46Muito obrigado
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16:46 - 16:49(Aplausos)
- Title:
- A fé versus a tradição no Islão
- Speaker:
- Mustafa Akyol
- Description:
-
Na TEDxWarwick, o jornalista Mustafa Akyol fala-nos da forma como algumas práticas culturais (como o uso dos lenços na cabeça) ficaram ligados, na mente popular, a artigos da fé islâmica. Estará a perceção global da fé islâmica demasiado focada na tradição, e não o bastante nas suas crenças fundamentais?
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 16:51
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for Faith versus tradition in Islam | ||
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