Olá, meu assunto hoje é: o passado é um país estrangeiro? Esta é a primeira frase do livro de L.P. Hartley, "O Mensageiro": "O passado é um país estrangeiro: lá, fazem coisas de forma diferente". Mas a pergunta que faço é: será mesmo? E se é, por que a cultura popular sempre apresenta o passado como algo tão íntimo e nem um pouco estranho? E se é um país estrangeiro, podemos ir lá? Temos um visto? Temos o passaporte que precisamos? Historiadores podem ir além e dizer que, mais do que estrangeiro, o passado é um país imaginário: mais Nárnia do que França. Porque o extraordinário sobre o passado, é que ele era, e não é mais. A história é o estudo de algo que não existe, e às vezes parece que o véu entre nós e o passado é enorme. Felizmente, há pegadas no caminho, para nos guiar até o passado. A história, na mídia popular, tende a ser algo que enfatiza as similaridades entre nós e eles: eles eram pessoas que comiam, dormiam, se apaixonavam, que tomavam banho, que tinham esperanças, crenças, sonhos e que morriam, assim como nós. De fato, Julian Trevelyan disse: "A poesia da história é o fato quase milagroso, de que uma vez nesta terra, neste pedaço de chão familiar, outras pessoas andaram, outros homens e mulheres tão reais quanto nós hoje, com suas ideias próprias, engolidos por suas paixões, mas, agora, todos se foram. Uma geração se desvanece após a outra, desaparecendo completamente, como nós desapareceremos, como fantasmas no alvorecer". Quando você observa a história na mídia popular, você tende a encontrar histórias que contam coisas conhecidas. O grande desastre do Titanic é retratado como uma história de amor. O filme "A Outra", com Eric Bana, Scarlett Johansson e Natalie Portman, reimagina a história dos Tudor como uma rivalidade entre duas irmãs. "Fahrd" pega um traidor criminoso e faz dele um guerreiro da liberdade. Um filme como "A Duquesa", a história de uma aristocrata do século 18, tinha o slogan: "Havia três pessoas no seu casamento". E saiu somente um ano após a morte da princesa Diana. E é comum ouvirmos histórias de emoções compartilhadas com o passado. Eu trabalhava no Hampton Court Palace, em uma exposição sobre Catarina de Aragão, Henrique VIII e o cardeal Wolsey. Há um portal, com a inscrição de todos os filhos de Catarina de Aragão, mortos após o nascimento, natimortos, ou que sofreram aborto. Um universitário nos disse que sempre soube disso, mas só quando ele viu este portal, que lembra um túmulo, foi que ele realmente sentiu aquela conexão com o passado. Isso é história como empatia, isso é criar conexões. Talvez enfatizemos isso por sentir que podemos aprender com o passado, por isso devemos assumir que há algum significado nele. E só pode haver algum significado, se formos essencialmente como eles. "A história não se repete, mas ela rima", disse Mark Twain. Dan Snow disse a meus alunos em uma palestra: "Talvez o passado não se repita, mas é o melhor guia que temos". Talvez seja por isso que enfatizemos a familiaridade com o passado, temos interesse no passado porque temos interesse em nós mesmos. Dito de outra forma, a história nunca deveria ser confundida com nostalgia. Ela não é escrita para reverenciar os mortos, mas para inspirar os vivos. É nossa circulação sanguínea cultural, o segredo de quem somos. Talvez por isso "Who Do You Think You Are?" seja tão popular. É tudo sobre nossa história. Se olharmos para as diferenças no passado, aquelas que tendemos a olhar são externas, superficiais. Então em "reality shows", como "The 1900s House", eles mostram coisas como: não havia eletricidade, as roupas eram diferentes, usavam soda cáustica e não sabão líquido. Isso é o passado, havia dificuldades e privações. Isso é história, é algo sujo, bagunçado, doloroso. São pessoas como nós, mas em circunstâncias mais difíceis. E nos vem a pergunta: "O que faríamos nessas circunstâncias?" Isso é história como progresso, uma versão fraca da história. Eu acho que isso explica, em parte, nossa fascinação por histórias horríveis. A série "Saber Horrível", de Terry Deary, vendeu em torno de 20 milhões de cópias, desde seu lançamento em 1993, e foi traduzida para 31 línguas. Foi vendida como "a história, com as partes sórdidas incluídas". É claro que somos fascinados, um pouco perversamente, por sangue. Mas é também sobre a história servir para nos congratularmos, para sugerir que somos muito humanos: "Como somos civilizados, não fazemos essas coisas". E o que buscamos nos filmes, e que chamamos de autenticidade, são os detalhes externos, muitas vezes bem superficiais. Pode ser garantir que vistam as roupas certas, embora façamos mudanças para que também se adaptem aos padrões atuais de beleza. Tom Hanks, ao produzir "Irmãos de Guerra", disse haver dois tipos de autenticidade: aquela em que os botões e a munição estão todos corretos, e os prédios estão parecidos com as fotos. Isso é fácil de conseguir. Mas existe algo muito mais difícil, que são as motivações e a natureza das interações entre os personagens. Como ele diz: "Se não podemos ser verdadeiros ao que diziam e faziam, podemos ao menos ser tão autênticos quanto possível, de forma que ainda sejamos fiéis à realidade do local e da época". Mas sugiro um terceiro tipo de autenticidade, uma da qual não nos aproximamos. Este tipo diz que o passado é tão diferente de nós, que falhamos em compreendê-lo, porque só compreendemos o nosso próprio tempo. Isso porque as pessoas no passado tinham imagens do mundo diferentes da nossa. A escola dos Annales chama isso de "mentalité", a mentalidade das pessoas. Talvez essa seja a diferença entre história popular e acadêmica. A história popular teria mais interesse nas semelhanças que nas diferenças. Você percebe isso nas atitudes voltadas para o sexo e a religião, caso leia um romance histórico, ou veja um filme. Por exemplo, os livros de Phillipa Gregory, maravilhosos romances históricos, que nos levam para o passado. Mas as mulheres neles tendem a ser, essencialmente, protofeministas, e suas atitudes com o sexo tendem a ser: "É uma coisa boa, vamos em frente com isso". O que, antes da pílula, antes de qualquer anticoncepcional confiável, não é coerente com o passado. E a religião? Rochefoucauld, no século 17, disse: "Há sempre algo ridículo nas emoções das pessoas que alguém deixou de amar". Se na Grã-Bretanha moderna muitos deixaram de amar a Deus, não deveríamos subestimar o quanto era intoxicante o poder que ele tinha nos séculos passados. Certifique-se de que o que lê leva em conta as visões de mundo. Por isso os livros de Hilary Mantel são tão populares e premiados. Porque, embora ela crie personagens históricos, como Cromwell, da sua própria imaginação, como seu direito de romancista, ela realmente mergulha no mundo do passado. Eu me lembro de ter ficado encantada ao ler "Wolf Hall", percebendo que ela tinha constatado que, no século 16, chamar algo de "new", novo, não era um elogio. Temos alguns ecos desta ideia hoje. A palavra "novelty", novidade, carrega uma hostilidade e suspeita que "new" tinha em uma época em que o tradicional e o antigo eram coisas muito poderosas e tinham grande influência na mente da realeza. Somente quando começamos a compreender como o passado era diferente, como as pessoas pensavam diferente, que podemos entender algumas crenças e comportamentos bizarros do passado. Deixem-me dar exemplos do período que estudo. No final do século 16 e começo do século 17, 40 a 50 mil pessoas na Europa, mulheres idosas na maioria, foram executadas como bruxas. No século 16 na Inglaterra, mendigos eram açoitados. Em 1547 foi ordenado que vadios, os sem-teto, fossem marcados no peito com um "V", feito com ferro quente. Em 1572 um novo decreto propôs que fossem severamente açoitados e marcados na orelha com um ferro quente de 2,5 cm. Na Viena do século 17, na decapitação de criminosos, uma pessoa que sofria do que era chamado "doença das quedas" se aproximava com um jarro, colhia o sangue ainda quente, bebia em um gole e saía correndo. Achavam ser a cura da epilepsia. Em Londres, em 1665, durante a grande praga, o administrador da cidade ordenou o abate de 200 mil gatos e 40 mil cães, pois achavam que espalhavam a praga. E o que deve ser mais bizarro, as mulheres, desde Aristóteles, até quase o século 18, eram consideradas homens deformados. Seus úteros seriam pênis invertidos. Elas só não tinham o calor para empurrá-los para fora. Claro que isso causava uma grande ansiedade. Às vezes, havia histórias de uma mulher, ou garota, saltando uma cerca e, então, ela descobria que era um homem, seu pênis tinha saído. Claro, se isso podia acontecer, o contrário também podia. A ansiedade também afetava os homens no início da era moderna. Tendemos a olhar o passado e pensar que eles eram iguais a nós. Mas o que estava dentro de suas cabeças era muito diferente. Se os "reality shows" podem nos ensinar alguma coisa, talvez seja quando eles falham. Em "The 1940s House", "o comitê de guerra" deu coelhos para a família comer, e eles recusaram, porque tinham a mentalidade atual. Em "The Trench", em que um grupo de rapazes simulava a experiência de estar na Primeira Guerra Mundial, um cabo trouxe um casaco cinza de um rapaz que teria morrido. Havia algo gritante e completamente ridículo neste momento, porque o sujeito não morreu, só saiu do programa. A realidade de como teria sido aquele momento, de perder um amigo e companheiro, na Primeira Guerra Mundial, não existia. Como vemos o passado é importante, seja como estranho, ou familiar. É importante, por exemplo, em questões de juízos morais. Podemos julgar o passado? Muitos historiadores dizem que não. Precisamos tentar entendê-lo e dar a ele o devido respeito. Mas, quando você pensa no holocausto e em Hitler, quando você pensa na escravidão, não seria errado julgar? O historiador Collin Wood diz: "Fazer um juízo moral do passado é cair na falácia de imaginar que, em algum lugar, atrás de um véu, o passado continua acontecendo, como se fosse algo encenado ao nosso lado, e que devêssemos invadir e parar. Mas são coisas passadas, elas acabaram, não há nada que possamos fazer". Precisamos tentar entender o passado. Mas precisamos não fazer apenas o vestuário histórico, que chamamos de fantasia, por razões que não entendo. Precisamos vestir suas mentalidades, jogar fora nossos manuais. Então, o passado é um país estrangeiro? Sim, muito. Mas é diferente de maneiras que nunca imaginamos. É como dizer que a França não é diferente porque eles comem baguetes, mas porque não acham estranho levar a amante e a esposa a um funeral. É só uma mentalidade diferente. Por que tornamos o passado tão íntimo? Acredito ser porque o passado não é apenas estrangeiro, como também perigoso. Sentimos que, atrás daquele véu, há espadas reluzentes e dentes cerrados que, se soubéssemos o que havia no passado e nas suas mentes, poderíamos entender mais da condição humana do que gostaríamos. Mas acredito também que, para chegarmos àquela terra estrangeira, temos que ser como disse Macbeth: "ousados, sangrentos e resolutos". Precisamos ser corajosos, precisamos atravessar o espelho, até o outro lado, e não ficar olhando nosso próprio reflexo. Obrigada. (Aplausos)