Hoje eu quero dizer a vocês
sobre um projeto que está sendo feito
por cientistas ao redor do mundo
para pintar um retrato neural
da mente humana.
E a ideia central desse trabalho
é que a mente e o cérebro humanos
não são um processador único,
mas um agrupamento de
componentes muito especializados,
cada qual resolvendo um
problema específico diferente,
e assim formando coletivamente
quem somos enquanto
seres humanos e pensadores.
Para dar a vocês uma noção dessa ideia,
imaginem a seguinte situação:
Você chegam na pré-escola de sua filha.
Como sempre, há uma dúzia de crianças lá
esperando para serem pegas,
mas dessa vez,
os rostos das crianças
são estranhamente muito parecidos,
e você não consegue
descobrir qual é sua filha.
Você precisa de óculos novos?
Está perdendo a cabeça?
Você passa por uma checagem mental.
Não, parece que você
está pensando com clareza,
e sua visão está perfeita.
E tudo parece normal
com exceção dos rostos das crianças.
Você pode ver os rostos,
mas eles não parecem distintos,
e nenhum deles parece familiar,
e é só ao notar
uma fita de cabelo laranja
que você consegue achar sua filha.
Esta perda súbita da habilidade
de reconhecer rostos
realmente acontece com as pessoas.
Chama-se prosopagnosia,
e é causada pela lesão
de uma área particular do cérebro.
A coisa mais intrigante disso
é que apenas o reconhecimento
de rostos é prejudicado;
todo o resto está bem.
A prosopagnosia é uma das deficiências
mentais surpreendentemente específicas
que podem ocorrer com uma lesão cerebral.
O conjunto dessas síndromes
sugeriram por muito tempo
que a mente é dividida
em componentes distintos.
mas o esforço para descobrir
estes componentes
acelerou consideravelmente
com a invenção da tecnologia
de imageamento cerebral,
especialmente o MRI.
O MRI nos permite olhar a anatomia interna
em alta resolução,
eu vou lhes mostrar em um instante
uma série de imagens
de seções transversais de MRI
através de um objeto familiar,
e vamos olhar as imagens
e vocês vão tentar adivinhar
que objeto é esse.
Aqui vamos nós.
Não é tão fácil. É uma alcachofra.
Muito bem, vamos tentar outro objeto,
começando da base e indo ao topo.
Brócolis! É o talo do brócolis.
Não é bonito? Eu adoro isso.
Muito bem, outro objeto.
É um cérebro, é claro.
Na verdade, é o meu cérebro.
Passamos por fatias de minha cabeça assim.
Esse é meu nariz à direita, e agora
vamos para esse lado, bem aqui.
Essa imagem é bonita, modéstia à parte,
mas ela mostra apenas a anatomia.
O avanço mais legal
do imageamento cerebral
aconteceu quando cientistas
descobriram como fazer
imagens que não mostravam
só a anatomia mas também a atividade,
ou seja, onde os neurônios
estão disparando.
Então vejam como isso funciona.
Cérebros são como músculos.
Quando ficam ativos,
precisam de mais fluxo sanguíneo
para manter sua atividade,
e para nossa sorte, o controle do
fluxo sanguíneo cerebral é localizado,
então se um grupo de neurônios,
digamos, bem aqui,
ficam ativos e começam a disparar,
então o fluxo sanguíneo aumenta bem aqui.
Então o MRI funcional acende
onde o fluxo sanguíneo aumenta,
produzindo um aumento
da resposta no MRI
onde a atividade neural aumenta.
Para dar-lhes uma noção concreta
de como um experimento
de MRI funcional acontece
e o que podemos aprender com ele
e o que não podemos.
vou mostrar-lhes um dos
primeiros estudos que fiz.
Nós queríamos saber se havia uma área
do cérebro para reconhecimento de rostos,
e tínhamos indícios de que isso existia
com base no fenômeno de prosopagnosia
que descrevi há pouco,
mas ninguém viu essa área do cérebro
numa pessoa normal,
então começamos a procurar por ela.
Então eu fui a primeira voluntária.
Eu entrei no scanner, me deitei,
e mantive minha cabeça
mais o mais estável possível
enquanto olhava fotos de rostos como estas
e de objetos como estes
e mais rostos e objetos por horas.
Então como alguém que está
bem perto do recorde mundial
de horas dentro de um scanner de MRI,
posso afirmar que uma das habilidades
que são importantes
para a pesquisa com MRI
é o controle da bexiga.
(Risos)
Quando saí do scanner,
eu fiz uma análise rápida dos dados,
procurando áreas de meu cérebro
que produziram uma resposta
mais alta quando eu via os rostos
do que quando via os objetos,
e foi isso que encontrei.
Essa imagem parece ruim
para os padrões de hoje,
mas na época eu achei muito bonita.
O que ela mostra é essa região bem aqui,
essa pequena bolha,
quase do tamanho de uma azeitona
e está na superfície basal
de meu cérebro
a uma polegada para dentro daqui.
E o que essa parte do meu cérebro faz
é produzir uma resposta
mais alta do MRI,
ou seja, uma atividade neural maior,
quando eu vejo rostos
do que quando vejo objetos.
Isso é bem legal,
mas como sabemos se isso não é ao acaso?
Bem, o jeito mais simples
é fazer o experimento novamente.
Então eu voltei ao scanner,
eu vi mais rostos e vi mais objetos
e encontrei uma bolha parecida,
e depois eu fiz isso de novo
e de novo
e de novo e de novo,
e foi nesse momento
que decidi acreditar que era real.
Ainda assim, talvez fosse uma coisa
estranha do meu cérebro
e ninguém mais tivesse essas coisas ali.
Para descobrir isso,
escaneamos outras pessoas
e descobrimos que praticamente todo mundo
tem essa região de processamento de rostos
em um mesmo local do cérebro.
Então a próxima pergunta foi:
O que essa região faz realmente?
Ela é especializada apenas no
reconhecimento de rostos?
Talvez não, certo?
Talvez responda não apenas a rostos
mas a qualquer parte do corpo.
Talvez ela responda
para qualquer coisa humana
ou qualquer coisa viva
ou qualquer coisa redonda.
O único jeito de ter certeza
que essa região
é especializada
em reconhecimento de rostos
é descartar todas essas hipóteses.
Então passamos os próximos dois anos
escaneando sujeitos
enquanto viam um monte
de tipos diferentes de imagens,
e mostramos que essa região do cérebro
respondia mais quando você vê
imagens com quaisquer tipos de rosto,
e respondia menos
para imagens que não continham rostos,
como algumas dessas.
Então, finalmente desvendamos o caso
de que essa região é necessária
para reconhecimento de rostos?
Não, não desvendamos.
O imageamento cerebral
jamais pode afirmar
se uma região é necessária
para alguma coisa.
Com o imageamento você pode
observar regiões que ligam e desligam
quando pensamos sobre coisas diferentes
Para afirmar se uma região do cérebro
é necessária para uma função mental,
precisamos manipulá-la
para ver o que acontece,
e normalmente não podemos fazer isso.
Mas uma oportunidade incrível surgiu
recentemente quando dois colegas meus
testaram esse homem que tem epilepsia,
mostrado aqui em seu leito no hospital
e que recebeu eletrodos
na superfície de seu cérebro
para identificar a origem
de suas convulsões.
Então aconteceu por acaso
que dois dos eletrodos
estavam bem em cima da região dos rostos.
Então com o consentimento do paciente,
os médicos perguntaram o que acontecia
quando eles estimulavam
eletricamente essa região do cérebro.
Agora, o paciente não sabia
onde esses eletrodos estavam,
e nunca ouviu falar
sobre a região dos rostos.
Então vamos ver o que acontece.
Vai começar com uma condição controle
indicada como "sham" em vermelho claro
no canto esquerdo inferior,
quando nenhuma corrente é liberada,
e vocês ouvirão o neurologista falando
com o paciente. Vamos ver.
(Vídeo) Neurologista:
Bom, apenas olhe meu rosto
e diga-me o que acontece quando faço isso.
Tudo bem?
Paciente: Tudo bem.
Neurologista: Um, dois três.
Paciente: Nada.
Neurologista: Nada? Tudo bem.
Eu vou fazer isso de novo.
Veja meu rosto.
Um, dois, três.
Paciente: Você se transformou em outro.
Seu rosto se transformou.
Seu nariz ficou longo
e entortou para esquerda.
Você quase se parece
com alguém que já vi antes,
mas alguém diferente.
Isso foi uma viagem.
(Risos)
Nancy Kanwisher: o experimento
(Aplausos)
Este experimento finalmente
desvendou o enigma
de que essa região do cérebro não é
responsiva seletivamente só para rostos
mas envolvida casualmente
na percepção de rostos.
Então eu passei todos esses detalhes
sobre os rostos
para mostrar o que é preciso
para desvendar no que uma área do cérebro
está envolvida seletivamente
num processo mental específico.
A seguir, vou passar rapidamente
algumas das outras regiões
especializadas do cérebro
que nós e outros cientistas descobrirmos.
Para fazer isso, eu passei muito tempo
no scanner no mês passado
para que pudesse mostrar
isso no meu cérebro.
Então vamos começar.
Eis aqui meu hemisfério direito.
Estamos orientados assim.
Vocês veem minha cabeça assim.
Imaginem o crânio fora
e a superfície do cérebro desse jeito.
Muito bem, como podem ver,
a superfície está enrugada.
Não está bom. Há coisas escondidas aqui.
Nós queremos ver tudo,
então vamos inflar para que
a gente possa ver tudo.
A seguir, vamos achar a região
de rostos que mencionei
e que responde a imagens como essas.
Para vê-la, viramos o cérebro
e olhamos a superfície interior na base,
e aqui está, minha região de rosto.
À direita dela há outra região
mostrada em roxo
que responde ao processamento
de informação de cor,
e perto dessas regiões há outras regiões
que estão envolvidas
na percepção de lugares,
como agora, vejo essa
disposição espacial ao meu redor
e essas regiões em verde aqui
estão muito ativas.
Há outra região
na superfície exterior de novo,
onde há outras regiões de rosto também.
Perto delas há uma região envolvida seletivamente
no processamento de movimento visual,
como esses pontos em movimento,
e que está em amarelo na base do cérebro,
e ali perto há uma região que responde
quando você olha imagens
de corpos e partes do corpo
como essas, mostrado em verde claro
na base do cérebro.
Todas essas regiões que mostrei até agora
estão envolvidas em tipos
específicos de percepção visual.
Temos regiões cerebrais especializadas
para outros sentidos, como audição?
Sim, nós temos.
Então se girarmos o cérebro,
há uma região em azul escuro
que estudamos há alguns meses
e essa região responde muito
a sons com tons, como esses:
(Sirenes)
(Música de violoncelo)
(Campainha)
Em contraste, essa região não responde
quando escutamos sons familiares
que não têm um tom definido, como esses:
(Mastigação)
(Som de bateria)
(Som de descarga)
Muito bem, perto da região de tons
há outro grupo de regiões responsivas
seletivamente aos sons da fala.
Ok, vamos olhar essas regiões.
No meu hemisfério esquerdo,
há algo parecido
não idêntico, mas parecida --
e a maioria das regiões estão aqui,
às vezes com tamanhos diferentes.
Agora, tudo que mostrei até agora
são regiões que estão envolvidas
em tipos diferentes
de percepção, visão e audição.
Será que temos
regiões cerebrais especializadas
em processos mentais muito complicados?
Sim, nós temos.
Então em rosa estão
minhas regiões de linguagem.
Há muito tempo sabe-se
que a periferia do cérebro
está envolvida
no processamento da linguagem,
mas só mostramos recentemente
que essas regiões em rosa
respondem de maneira muito seletiva.
Elas respondem ao entendermos
o significado de uma frase,
mas não quando fazemos
outras coisas complexas,
como aritmética mental
ou guardar uma informação na memória
ou apreciar uma estrutura complexa
de um trecho de música.
A região mais incrível
que já foi encontrada
é essa aqui em azul claro.
Essa região responde
quando pensamos sobre
o que outra pessoa está pensando.
Isso pode parecer maluquice,
mas nós fazemos isso o tempo todo.
Vocês fazem isso quando percebem que
seu parceiro vai ficar preocupado
se você não ligar avisando
que vai se atrasar.
Agora mesmo eu faço isso
com essa região do meu cérebro
quando percebo que vocês estão
provavelmente se perguntando
sobre esse território cinza
desconhecido no cérebro,
e o que tem ali?
Bom, eu me pergunto isso também,
e estamos fazendo experimentos
em meu laboratório
para tentar encontrar outras
especializações possíveis no cérebro
para outras funções mentais
muito específicas.
Mas o mais importante é que não acho que
temos especializações cerebrais
para toda função mental importante,
para toda função mental
que pode ser crítica para sobrevivência.
Na verdade, há alguns anos,
havia um cientista no laboratório
que estava bem convencido
de que encontrou uma região cerebral
para detecção de comida,
e ela respondia muito no scanner
quando as pessoas viam imagens como essa.
Mais adiante,
ele encontrou uma resposta similar
mais ou menos no mesmo lugar
em 10 de 12 voluntários.
Ele estava muito entusiasmado,
e andava pelo laboratório
dizendo para todos que ia mostrar na TV
sua grande descoberta.
Mas então ele realizou o teste crítico:
Ele mostrou aos voluntários
imagens de comida como essa
e comparou com imagens muito parecidas
em cor e forma, mas que não eram comida.
E essa região respondia da mesma maneira
para os dois grupos de imagens.
Não uma área com comida
era apenas uma região
que gostava de cores e formas.
Nada de TV.
Mas a questão, é claro,
é como processamos todas essas coisas
para as quais não temos
regiões especializadas?
Bom, acho que a resposta é que além
desses componentes
muito especializados que descrevi,
também temos componentes
para aplicações gerais em nossas cabeças
que nos permitem lidar
com qualquer problema que apareça.
De fato, mostramos recentemente
que essas regiões em branco
respondem toda vez que fazemos
uma tarefa mental difícil.
Bom, das sete tarefas que testamos.
Cada uma dessas regiões que descrevi
a vocês hoje
está localizada quase no mesmo lugar
em toda pessoa normal.
Poderia pegar qualquer um,
colocar num scanner,
e encontrar cada uma
de suas regiões cerebrais,
e se pareceria muito com meu cérebro,
apesar das regiões
serem pouco diferentes
no tamanho e no local exato.
Para mim,
o que é importante nesse trabalho
não é a localização exata
dessas regiões cerebrais,
mas o simples fato de que temos
componentes específicos
e seletivos na mente e cérebro
para começo de conversa.
Quero dizer, poderia ser de outra maneira.
O cérebro poderia ser um processador
único para aplicações gerais,
como uma faca de cozinha
ao invés de um canivete suíço.
No entanto, o imageamento cerebral mostrou
esse quadro rico e intrigante
da mente humana.
Então temos esse quadro com componentes
de nossas cabeças
junto com esse conjunto surpreendente
de componentes muito especializados.
Estamos no início da descoberta.
Fizemos apenas as primeiras pinceladas
de nosso retrato neural da mente humana.
As questões mais fundamentais
permanecem em aberto.
Por exemplo, o que cada uma
dessas regiões faz exatamente?
Por que precisamos
de três áreas para rostos
e três áreas para espaço?
E qual é a divisão de trabalho entre elas?
Em segundo lugar, como essas coisas
estão conectadas no cérebro?
Com o imageamento por difusão
podemos traçar grupos de neurônios que
se conectam em partes do cérebro,
e com este método mostrado aqui,
podemos traçar as conexões
de neurônios individuais no cérebro,
que algum dia pode nos dar
um diagrama da fiação
de todo o cérebro humano.
Em terceiro, como essa estrutura
muito sistemática é construída,
tanto durante
o desenvolvimento na infância
como na evolução de nossa espécie?
Para responder questões como essas,
os cientistas estão escaneando
outras espécies de animais,
e também estão escaneando
crianças humanas.
Muitas pessoas justificam o custo alto
da pesquisa em neurociências
indicando que isso pode nos ajudar um dia
a tratar doenças cerebrais
como Alzheimer e autismo.
Esse é um objetivo muito importante,
e eu ficaria entusiasmada se parte
de meu trabalho ajudasse nisso,
mas consertar coisas
que estão quebradas no mundo
não é a única coisa
que vale a pena ser feita.
O esforço para compreender
o cérebro e a mente humana
tem seu valor mesmo
se nunca levar ao tratamento
de uma doença.
O que poderia ser mais emocionante
do que compreender
os mecanismos fundamentais
que explicam a experiência humana,
compreender, em essência, quem somos nós?
Isto é, creio, a maior aventura científica
de todos os tempos.
(Aplausos)