Quero lhes contar três histórias sobre o poder dos relacionamentos na solução de problemas sociais arraigados e complexos deste século. Às vezes, parece que tais problemas, pobreza, desigualdade, doença, desemprego, violência, vício, estão todos presentes na vida de uma única pessoa. Por isso, quero falar sobre alguém que conheço e que passa por isso. Vou chamá-la de Ella. Ella vive em uma cidade inglesa decadente. As lojas estão fechadas, o bar já era, o parquinho está abandonado e nunca é usado. Na casa da Ella, a tensão é palpável, e o nível de barulho é ensurdecedor. A TV está no volume máximo. Um dos filhos está brigando com uma das irmãs. O outro filho, Ryan, da cozinha solta uma torrente de impropérios, e os cachorros estão presos atrás da porta do quarto gemendo. Ella está travada. Ela vive em crise faz 40 anos. Ela não conhece nada além disso, nem vê nenhuma saída. Ela teve uma série de parceiros abusivos e, tragicamente, um de seus filhos foi levado pelo serviço social. Os três filhos que ainda vivem com ela padecem de uma ampla gama de problemas, e nenhum deles frequenta a escola. Ella me contou que está repetindo o ciclo que sua própria mãe viveu antes dela. Porém, quando conheci a Ella, havia 73 serviços sociais diferentes disponíveis para ela e sua família em sua cidade. Numa única cidade, 73 serviços diferentes administrados por 24 órgãos. E Ella, seus parceiros e seus filhos, conhecidos na maioria deles, não acham nada de mais ligar para o serviço social pedindo para mediar uma das muitas brigas que eclodem. E a casa da família era visitada regularmente por assistentes sociais, conselheiros tutelares, agente de saúde, agente habitacional, professor particular e a polícia local. E o governo diz haver 100 mil famílias hoje na Grã-Bretanha como a de Ella, que lutam para sair do ciclo da carência econômica, social e ambiental. Também afirmam que administrar o problema custa, por ano, 250 mil libras por família e, mesmo assim, nada muda. Nenhum desses visitantes bem-intencionados faz a diferença. Este é um gráfico que fizemos na mesma cidade com outra família como a de Ella. Ele mostra 30 anos de intervenção na vida dessa família. E, como ocorre com Ella, nenhuma dessas intervenções é parte de um plano global. Não há objetivo final à vista. Nenhuma dessas intervenções lida com as questões subjacentes. São só medidas paliativas, formas de amenizar o problema. Um dos policiais me disse: "Olhe, eu apenas dou o recado e saio". Assim, passei temporadas vivendo com famílias como a de Ella em diferentes partes do mundo, pois queria aprender por que nossas instituições sociais simplesmente não funcionam. Queria saber como era viver na família de Ella. Queria saber o que acontecia e o que podíamos fazer de diferente. A primeira coisa que aprendi é que custo é, na verdade, um conceito escorregadio. Porque, quando o governo diz que uma família como a de Ella custa 250 mil libras por ano para administrar, o que realmente significa é que o sistema custa 250 mil libras por ano. Pois nem um centavo desse dinheiro chega à família da Ella de uma forma que faça a diferença. Em vez disso, o sistema é apenas como um giroscópio caro girando ao redor das famílias, mantendo-as inertes no centro, exatamente onde estavam. Também passei um tempo com o pessoal da linha de frente e descobri que é uma situação absurda. Tom, que é o assistente social do filho de 14 anos da Ella, Ryan, passava 86% do tempo alimentando o sistema: reunião com colegas, formulários, mais reunião para discutir os formulários e, ainda mais chocante, os 14% do tempo que tinha para passar com o Ryan são gastos coletando dados e informações para o sistema. Ele pergunta ao Ryan: "Quantos cigarros você fuma? Você tem bebido? Quando foi à escola?" E esse tipo de interação arruína a possibilidade de uma conversa normal. Impossibilita aquilo que é importante para construir um relacionamento entre o Tom e o Ryan. Quando fizemos este gráfico, os profissionais da linha de frente se surpreenderam com ele. Isso ricocheteou nas paredes de seus escritórios. Tanto trabalho, tantas boas intenções, para, no final, ser tudo em vão. E, depois desse momento de frustração, veio a clareza: tínhamos de trabalhar de um jeito diferente. Assim, num passo realmente corajoso, os líderes da cidade de Ella concordaram por começar invertendo o tempo com o Ryan. Quem entrasse em contato com a Ella, ou com uma família parecida, passaria 80% do tempo trabalhando com as famílias, e apenas 20% alimentando o sistema. Numa atitude ainda mais radical, as famílias conduziriam e escolheriam o melhor profissional para ajudá-las. Então, Ella e uma outra mãe fizeram entrevistas para escolher, dentre os profissionais, quem trabalharia com elas. E muitas pessoas quiseram se juntar a nós, pois não se entra nesse tipo de trabalho para cuidar do sistema; entra-se porque você pode e quer fazer a diferença. Assim, Ella e a mãe perguntaram a todos os que entraram na sala: "O que você vai fazer quando meu filho começar a me chutar?" A primeira pessoa que entrou disse: "Bem, eu procuraria a saída mais próxima e me afastaria bem devagar e, se o barulho continuasse, eu chamaria meu supervisor". E as mães disseram: "Você é o sistema. Caia fora daqui!". O próximo foi um policial, e ele disse: "Bem, eu imobilizaria seu filho no chão e daí... não sei bem o que faria". E as mães disseram: "Obrigada". Assim, elas escolheram profissionais que confessaram não ter necessariamente as respostas, que não responderam usando o jargão. Eles mostraram seu lado humano e convenceram as mães de que ficariam com elas no melhor e pior, mas sem serem indulgentes. Assim, deu-se uma pequena parte do antigo orçamento às novas equipes e às famílias, mas elas poderiam gastar o dinheiro como bem entendessem. Então, uma das famílias saiu para jantar. Foram ao McDonald`s, se sentaram e conversaram, e foram ouvidos pela primeira vez em muito tempo. Outra família pediu à equipe se eles poderiam ajudá-los a arrumar suas casas. E uma mãe usou o dinheiro para começar um empreendimento. E, num curtíssimo espaço de tempo, algo novo começou a acontecer, um relacionamento entre a equipe e os trabalhadores. Então, mudanças formidáveis aconteceram. Talvez não nos surpreenda que a jornada da Ella tenha tido tanto grandes retrocessos quanto avanços. Mas atualmente ela concluiu um curso de TI, conseguiu o primeiro emprego remunerado, os filhos voltaram para a escola, e os vizinhos, que antes torciam para a família se mudar para longe dali, sossegaram. Eles conseguiram fazer novas amizades. E essas mesmas pessoas sofreram essa transformação, mesmas famílias, mesmos trabalhadores. Mas, para haver a mudança, fortaleceu-se o relacionamento entre eles. Por isso, falo da Ella, porque acho que os relacionamentos são os recursos fundamentais que temos para resolver esses problemas tão difíceis. Mas hoje nossos relacionamentos são abafados pela política, nossas políticas públicas, nossas instituições assistenciais. E cheguei à conclusão de que isso tem de mudar. Mas o que quero dizer com relacionamentos? Refiro-me a laços humanos simples entre as pessoas, do sentido autêntico de conexão, de pertencimento, dos laços que nos fazem felizes, que nos dão força para mudar, para termos a coragem da Ella e tentarmos algo novo. E não é por acaso que aqueles que dirigem e trabalham nas instituições que deveriam apoiar Ella e sua família não falam sobre relacionamentos, pois estes foram excluídos de um modelo de assistência feito na Grã-Bretanha e exportado para o mundo. Os contemporâneos de William Beveridge, arquiteto do primeiro Estado do bem-estar social e autor do Relatório Beveridge, tinham pouca fé no que chamavam de o homem mediano sensual e emocional. Em vez disso, acreditavam na ideia de um sistema impessoal e do burocrata distante que trabalhasse em tal sistema. E o impacto de Beveridge na forma como o Estado Moderno vê as questões sociais simplesmente não pode ser subestimado. Apenas nas primeiras semanas, o Relatório Beveridge vendeu mais de 100 mil cópias. As pessoas fizeram fila na chuva numa noite de novembro para comprá-lo, e foi lido no país todo, nas colônias, na Europa, nos Estados Unidos, e ele teve um impacto enorme na forma como os Estados do bem-estar social foram projetados no mundo todo. As culturas, as burocracias e as instituições são todas globais, e são vistas como o normal. Elas se entranharam tanto em nós que nem prestamos mais atenção nelas. E acho muito importante frisar que, no século 20, essas instituições foram tremendamente bem-sucedidas, Elas proporcionaram maior longevidade, a erradicação em massa de doenças, acesso à moradia, educação quase universal. Mas, ao mesmo tempo, Beveridge plantou as sementes dos desafios que enfrentamos hoje. Queria então contar uma outra história. O que vocês acham que mata mais do que o cigarro hoje em dia? É a solidão. De acordo com as estatísticas do governo, uma em três pessoas com mais de 60 anos passa uma semana sem falar ou ver outra pessoa. Uma em dez pessoas, ou seja, 850 mil pessoas, passa um mês sem falar com ninguém. E não somos os únicos a ter este problema; ele afeta todo o mundo ocidental. E é ainda mais grave em países como a China, onde um acelerado processo de urbanização e de migração em massa deixou as pessoas mais velhas sozinhas nas vilas. E, assim, os serviços projetados e exportados por Beveridge não conseguem resolver esse tipo de problema. A solidão é um desafio relacional coletivo, e não consegue ser resolvido com uma resposta burocrática tradicional. Alguns anos atrás, na tentativa de entender esse problema, comecei um trabalho com um grupo de uns 60 idosos no sul de Londres, onde moro. Fui às compras, joguei bingo, mas, principalmente, observei e ouvi. Queria saber o que poderíamos fazer de diferente. E, quando perguntadas, as pessoas diziam querer duas coisas: alguém para subir numa escada e trocar uma lâmpada, ou para ajudar quando saíssem do hospital. Queriam coisas práticas, sob demanda. E queriam se divertir. Queriam sair, fazer coisas interessantes com pessoas afins e fazer amigos como fizemos em todas as etapas da vida. Aí, com uma linha de telefone e alguns faz-tudo, comecei um serviço chamado "Circle". E o Circle oferece aos membros locais um número 0-800, para o qual podem ligar para pedir qualquer apoio. E nos ligavam pelos mais diversos motivos: porque os animais de estimação estavam doentes, o DVD tinha quebrado, tinham se esquecido de como usar o celular, ou talvez estivessem saindo do hospital e queriam alguém para ficar com eles. E o Circle também oferece um rico calendário social, tricô, dardos, passeios a museus, de balão, muita coisa. Mas eis aqui algo interessante, uma mudança profunda: com o tempo, as amizades que se formaram começaram a substituir os serviços oferecidos. Então, deixem-me contar sobre a Belinda. Belinda é um membro do Circle, e ela ia se submeter a uma cirurgia no quadril. Então, ela ligou para o Circle para avisar que sumiria por um tempo. E Damon, administrador do Circle local, ligou de volta: "Como posso ajudá-la?" E Belinda respondeu: "Ah, não, estou bem, Jocelyn vai fazer as compras, Tony vai cuidar do jardim, Melissa e Joe vão cozinhar para mim e me fazer companhia". Assim, cinco membros do Circle tinham se organizado para cuidar da Belinda. E Belinda tem 80 anos, apesar de dizer que sente como se tivesse 25, mas ela também diz que se sentia paralisada e para baixo quando se juntou ao Circle. Mas o simples ato de encorajá-la a vir para aquele primeiro evento levou-a a um processo em que se formaram amizades naturais, amizades que hoje estão substituindo a necessidade de serviços caros. São os relacionamentos que estão fazendo a diferença. Então, penso que três fatores convergiram para permitir que colocássemos os relacionamentos no centro da solução dos problemas sociais de hoje. Primeiro, a natureza dos problemas mudou, e eles demandam soluções diferentes. Segundo, o custo tanto humano quanto financeiro, como de costume. E, terceiro, a tecnologia. Falei sobre os dois primeiros fatores. É a tecnologia que permite o aumento de tais abordagens, possibilitando o potencial apoio a milhares de pessoas. A tecnologia que usamos é realmente simples, é feita de coisas disponíveis como base de dados, celulares. O Circle tem um sistema bem simples que lhe dá suporte, permitindo a uma pequena equipe local atender até mil membros. E, comparado com uma organização de bairro dos anos 1970, simplesmente essa dimensão não era possível, nem a qualidade ou a longevidade que a tecnologia pode proporcionar. Assim, são os relacionamentos, apoiados pela tecnologia, que podem virar de ponta-cabeça os modelos Beveridge. Os modelos Beveridge têm a ver com instituições de recursos limitados e acesso administrativo anônimo. Em meu trabalho na linha de frente, constantemente tenho visto como até 80% dos recursos são gastos para manter as pessoas fora dele. Daí, os profissionais têm de lidar com gerenciamentos cada vez mais complexos, feitos basicamente para fazer as pessoas deixarem de acessar o serviço, ou para administrar a fila de espera. E o Circle, como os serviços relacionais que nós e outros projetamos, inverte tal lógica. O que ele propõe é: quanto mais pessoas, quanto mais relacionamentos, mais duradoura a solução. Assim, aqui vai a minha terceira e última história, que é sobre desemprego. Na Grã-Bretanha, como na maioria dos lugares do mundo, nossos programas de bem-estar social são projetados para fazer as pessoas trabalharem, educá-las para isso e mantê-las saudáveis. Mas também aí os sistemas estão falhando. Daí, a solução foi tornar esses velhos sistemas mais eficientes e transacionais, aumentar a velocidade dos processos, dividir as pessoas em categorias, tentar mirar em serviços mais eficientes, em outras palavras, exatamente o oposto do relacional. Mas adivinhem só como a maioria das pessoas encontram trabalho hoje. Através do boca a boca. Atualmente, na Grã-Bretanha, a maioria dos novos empregos não são anunciados. São os amigos que nos falam de um emprego, são eles que nos recomendam para um emprego, e é uma rica rede de contatos diversa que nos ajuda a encontrar trabalho. Talvez alguns de vocês estejam pensando: "Mas achei meu emprego num anúncio", mas, se pensarem bem, provavelmente um amigo lhe mostrou o anúncio e o encorajou a se candidatar. Mas não é novidade que as pessoas que talvez mais precisem dessa rede rica e diversa sejam as que estão mais apartadas dela. Sabendo disso, e também sabendo dos custos e do fracasso dos sistemas atuais, projetamos algo novo cujo cerne são os relacionamentos. Projetamos um serviço que encoraja as pessoas a se reunirem, dentro e fora do trabalho, para trabalhar juntas em maneiras estruturadas e tentar novas oportunidades. E é muito difícil comparar os resultados desses novos sistemas com os velhos modelos transacionais, mas parece, com nossos primeiros mil membros, que superamos três vezes os serviços existentes por uma fração do custo. Aqui, também, usamos a tecnologia, mas não uma rede de pessoas como uma plataforma social faria. Colocamos as pessoas face a face e as conectamos umas com as outras, construindo relacionamentos reais para ajudá-las a encontrar trabalho. No fim de sua vida, em 1948, Beveridge elaborou um terceiro relatório. Nele, afirmou ter cometido um erro terrível. Ele tinha deixado de fora as pessoas e suas comunidades. E essa omissão, ele disse, levou a ver as pessoas, e as pessoas a verem a si próprias, dentro de categorias da burocracia e das instituições. E os relacionamentos humanos foram minguando. Mas, infelizmente, esse terceiro relatório foi muito menos lido do que o trabalho anterior de Beveridge. Mas hoje precisamos trazer as pessoas e suas comunidades de volta para o centro do modelo dos novos sistemas e serviços, numa abordagem que chamo de "bem-estar relacional". Precisamos abandonar os velhos modelos transacionais inadequados, ultrapassados e adotar, em vez disso, respostas relacionais compartilhadas coletivas que podem apoiar famílias como a de Ella, enfrentar o problema da solidão, apoiar o desenvolvimento de suas habilidades no trabalho num mercado de trabalho moderno, que podem também enfrentar desafios da educação, dos sistemas de saúde, e muitos outros desses problemas que atingem nossas sociedades. Tem tudo a ver com relacionamentos. Os relacionamentos são os recursos cruciais que temos. Obrigada. (Aplausos)