1 00:00:07,257 --> 00:00:12,417 Em 1861, dois cientistas iniciaram um debate muito "cerebral". 2 00:00:12,417 --> 00:00:16,447 Especificamente, tinham ideias opostas de como a fala e a memória 3 00:00:16,447 --> 00:00:18,763 funcionavam no cérebro humano. 4 00:00:18,763 --> 00:00:21,540 Ernest Aubertin, com seu modelo localista, 5 00:00:21,540 --> 00:00:23,822 dizia que cada região particular do cérebro 6 00:00:23,822 --> 00:00:26,654 era dedicada a um processo separado. 7 00:00:26,654 --> 00:00:30,744 Pierre Gratiolet, por outro lado, acreditava no modelo distribuído, 8 00:00:30,744 --> 00:00:32,739 em que regiões diversas trabalham juntas 9 00:00:32,739 --> 00:00:35,337 para realizar todas essas várias funções. 10 00:00:35,337 --> 00:00:38,945 Esse debate reverberou pelo resto do século, 11 00:00:38,945 --> 00:00:42,667 envolvendo algumas das maiores mentes científicas da época. 12 00:00:42,667 --> 00:00:46,855 Aubertin e seu modelo localista tinham grandes nomes a seu favor. 13 00:00:46,855 --> 00:00:50,164 No século 17, René Descartes atribuiu a condição 14 00:00:50,164 --> 00:00:54,579 do livre arbítrio e da alma humana à glândula pineal. 15 00:00:54,579 --> 00:00:58,839 E no final do século 18, o jovem estudante Franz Joseph Gall 16 00:00:58,839 --> 00:01:04,193 observou que seus colegas com melhor memória tinham os olhos mais proeminentes 17 00:01:04,193 --> 00:01:06,704 e pensou que era devido a um desenvolvimento maior 18 00:01:06,704 --> 00:01:09,140 na parte adjacente do cérebro. 19 00:01:09,140 --> 00:01:12,968 Como médico, Gall firmou o estudo da frenologia, 20 00:01:12,968 --> 00:01:16,050 defendendo que faculdades mentais fortes correspondiam 21 00:01:16,050 --> 00:01:20,843 a regiões muito desenvolvidas do cérebro, observáveis como protuberâncias no crânio 22 00:01:20,843 --> 00:01:24,787 A ampla popularidade da frenologia no início do século 19 23 00:01:24,787 --> 00:01:28,040 reforçou a fama do modelo localista de Aubertin. 24 00:01:28,040 --> 00:01:31,699 Mas o problema foi Gall não ter testado cientificamente 25 00:01:31,699 --> 00:01:34,800 se os mapas individuais do cérebro que ele construiu 26 00:01:34,800 --> 00:01:36,760 se aplicavam a todos. 27 00:01:36,760 --> 00:01:40,341 E na década de 1840, Pierre Flourens desafiou a frenologia 28 00:01:40,341 --> 00:01:43,594 ao destruir partes selecionadas de cérebro de animais 29 00:01:43,594 --> 00:01:46,125 e observar quais funções eram perdidas. 30 00:01:46,125 --> 00:01:48,019 Flourens notou que um dano no córtex 31 00:01:48,019 --> 00:01:51,203 interferia no julgamento ou no movimento em geral, 32 00:01:51,203 --> 00:01:55,611 mas falhou em identificar qualquer região associada a uma função específica, 33 00:01:55,611 --> 00:02:00,393 concluindo que o córtex executava funções cerebrais como uma unidade inteira. 34 00:02:00,393 --> 00:02:04,550 Flourens conseguiu uma vitória sobre Gratiolet, mas ela não durou. 35 00:02:04,550 --> 00:02:07,258 O ex-aluno de Gall, Jean-Baptiste Bouillaud, 36 00:02:07,258 --> 00:02:09,003 desafiou a conclusão de Flourens, 37 00:02:09,003 --> 00:02:11,470 ao notar que pacientes com distúrbios de fala 38 00:02:11,470 --> 00:02:14,046 tinham todos dano no lóbulo frontal. 39 00:02:14,046 --> 00:02:18,734 E em 1861, após a autópsia de Paul Broca num paciente que perdera o poder 40 00:02:18,734 --> 00:02:21,812 de produzir a fala, mas não o de compreendê-la, 41 00:02:21,812 --> 00:02:24,749 revelou-se um dano muito localizado no lóbulo frontal, 42 00:02:24,749 --> 00:02:27,551 o modelo distribuído parecia condenado. 43 00:02:27,551 --> 00:02:29,158 O localismo deslanchou. 44 00:02:29,158 --> 00:02:33,260 Nos anos de 1870, Karl Wernicke associou parte do lóbulo temporal esquerdo 45 00:02:33,260 --> 00:02:34,702 à compreensão da fala. 46 00:02:35,174 --> 00:02:37,587 Eduard Hitzig e Gustav Fristch 47 00:02:37,587 --> 00:02:41,673 estimularam um córtex de cachorro e descobriram uma região do lóbulo frontal 48 00:02:41,673 --> 00:02:44,281 responsável pelos movimentos musculares. 49 00:02:44,281 --> 00:02:47,632 Construindo sua teoria, David Ferrier mapeou cada parte do córtex 50 00:02:47,632 --> 00:02:50,741 associada ao movimento de uma parte do corpo. 51 00:02:50,741 --> 00:02:56,739 Em 1909, Korbinian Brodmann fez um mapa do córtex com 52 áreas separadas 52 00:02:56,739 --> 00:03:01,226 Parecia que a vitória era do modelo localista de Aubertin. 53 00:03:01,226 --> 00:03:04,877 Mas o neurologista Karl Wernicke veio com uma ideia interessante. 54 00:03:04,877 --> 00:03:08,825 Ponderou que já que as regiões de produção da fala e compreensão 55 00:03:08,825 --> 00:03:10,373 não eram adjacentes, 56 00:03:10,373 --> 00:03:13,109 então o dano à área que as conectava poderia resultar 57 00:03:13,109 --> 00:03:18,148 em uma perda especial da linguagem, hoje conhecida como afásia receptiva. 58 00:03:18,148 --> 00:03:21,004 O modelo conexionista de Wernicke explicou desordens 59 00:03:21,004 --> 00:03:24,798 que não resultaram da disfunção de apenas uma área. 60 00:03:24,798 --> 00:03:28,046 A neurociência moderna revela um cérebro mais complexo 61 00:03:28,046 --> 00:03:32,003 do que Gratiolet, Aubertin ou mesmo Wernicke imaginaram. 62 00:03:32,003 --> 00:03:36,239 Hoje, o hipocampo é associado à duas funções distintas do cérebro: 63 00:03:36,239 --> 00:03:40,636 a criação de memórias e processamento da localização no espaço. 64 00:03:40,636 --> 00:03:43,337 Nós agora medimos dois tipos de conectividade: 65 00:03:43,337 --> 00:03:46,122 conectividade anatômica entre duas regiões 66 00:03:46,122 --> 00:03:48,065 adjuntas do córtex trabalhando juntas, 67 00:03:48,065 --> 00:03:51,033 e conectividade funcional entre regiões separadas 68 00:03:51,033 --> 00:03:54,147 trabalhando juntas para realizar um processo. 69 00:03:54,147 --> 00:03:56,285 Uma função aparentemente básica, a visão, 70 00:03:56,285 --> 00:03:59,229 é composta de muitas funções menores, 71 00:03:59,229 --> 00:04:01,442 com partes diferentes do córtex representando 72 00:04:01,442 --> 00:04:04,581 forma, cor e lugar no espaço. 73 00:04:04,581 --> 00:04:07,856 Quando certas áreas param de funcionar, podemos notar um objeto, 74 00:04:07,856 --> 00:04:10,536 mas não vê-lo ou vice versa. 75 00:04:10,536 --> 00:04:14,729 Há até diferentes tipos de memória para fatos e rotinas. 76 00:04:14,729 --> 00:04:17,192 E lembrar algo como a primeira bicicleta 77 00:04:17,192 --> 00:04:20,996 envolve uma rede de diferentes regiões, cada uma representando o conceito 78 00:04:20,996 --> 00:04:24,491 de veículos, forma da bicicleta, som da campanhia, 79 00:04:24,491 --> 00:04:27,312 e as emoções associadas à essa memória. 80 00:04:27,312 --> 00:04:31,360 Afinal, Gratiolet e Aubertin ambos estavam certos. 81 00:04:31,360 --> 00:04:35,147 E ainda usamos os dois modelos para entender como ocorre a cognição. 82 00:04:35,147 --> 00:04:39,515 Por exemplo, podemos medir a atividade cerebral em uma boa escala de tempo 83 00:04:39,515 --> 00:04:42,971 em que podemos ver o processo individual localizado que compreende 84 00:04:42,971 --> 00:04:45,240 um único ato de memória. 85 00:04:45,240 --> 00:04:48,362 Mas é a integração dos diferentes processos e regiões 86 00:04:48,362 --> 00:04:51,548 que cria a memória coerente que vivenciamos. 87 00:04:51,548 --> 00:04:55,328 As teorias supostamente competitivas provam ser dois aspectos 88 00:04:55,328 --> 00:04:57,326 de um modelo mais abrangente, 89 00:04:57,326 --> 00:04:59,302 que, em troca, será revisado e refinado 90 00:04:59,302 --> 00:05:04,060 à medida que nossas tecnologias e métodos de compreensão do cérebro evoluírem.