Estou aqui para desafiar o modo como pensamos sobre alimento e civilização. Vivemos numa grande civilização urbana inconstante e altamente tecnológica; nossos mercados de alimentação estão com a produção explodindo. Nós temos um sistema global fantástico, que traz alimentos de todo o mundo para aqueles que podem comprá-los e aqui está o problema: para aqueles que podem comprá-los. Em 2008, o preço dos alimentos saltou e protestos começaram em 30 países; governos caíram. Na época, eu trabalhava como consultora de ciência para a então Secretária de Estado dos EUA, Condolezza Rice. Ela me pediu para organizar uma reunião de alto-escalão sobre a crise dos preços dos alimentos. O Secretário de Defesa, Bob Gates, estava lá e entendeu as implicações. Nos anos seguintes, os preços dos alimentos moderaram, mas saltaram novamente, e a "Primavera Árabe" começou. (Vídeo) (Repórter) Manifestantes irritados queimando pneus, bloqueando estradas e atacando a polícia com fogos de artifício na capital da Argélia. Eles estão protestando contra o aumento do preço dos alimentos e do desemprego. (Árabe) Nós não aceitamos este governo, porque nós temos sofrido por dez anos, mais dez anos virão, e nada mudará. (Repórter) Batalhões de choque foram enviados para diversas cidades argelinas já que o aumento da tensão traz ameaça de protestos em massa no país norte-africano, rico em petróleo e gás. (Vídeo) (Manifestantes) O governo está nos humilhando, aumentando o preço do açúcar, temos que pagar aluguel, energia elétrica, água, açúcar e combustível; somos todos pobres. Nina Fedoroff: Vocês todos sabem como isso terminou; e se você pensa que isso foi uma coincidência, veja isso: a linhas vermelhas marcam quando e as bandeiras marcam onde o preço dos alimentos aumenta; uma ideia amedrontadora. Poderia a estabilidade de governos e até de civilizações ser baseada em alimentos? Vamos voltar por um momento e ver como as civilizações começaram. Na maior parte de nossa história nós éramos caçadores-coletores. Nós passávamos nossos dias juntando e coletando alimentos. Então, cerca de 10 ou 20 mil anos atrás, nós começamos a adaptar plantas e animais para melhor servir nossas necessidades, e nos estabelecer para plantar e cuidar de rebanhos. Isto, claro, é chamado de agricultura, e nos permitiu alimentar mais do que nós mesmos e nossas famílias. Nós pudemos alimentar escrivães, artesãos, guerreiros e reis. Estas são cenas de uma tumba egípcia de 3 mil anos. Cidades e civilizações floresceram. Estou dizendo simplesmente que: toda a civilização humana surgiu porque aprendemos a produzir alimentos excedentes. Por milênios, civilizações surgiram e caíram, durando, em grande parte, até que a terra deixasse de ser fértil ou até que vizinhos invadissem por não terem mais terras férteis. Até mesmo durante a virada do século 18, Thomas Malthus nos disse que fomos condenados pela fome e pelos conflitos porque nós crescemos mais rápido do que nossa capacidade de produzir alimento. Se Malthus pensou que o jogo já estava perdido quando éramos apenas 1 bilhão na Terra, como chegamos aos 7 bilhões de hoje? Pois era naquele momento em que Malthus escrevia suas premonições sombrias que a ciência começou a entrar seriamente na agricultura. Pelos próximos dois séculos, três inovações-chave transformaram a agricultura. Elas foram: o fertilizante sintético, a genética e o motor de combustão interna. Estas três inovações iniciaram as mais profundas mudanças em toda a civilização humana. Plantas fazem algo extraordinário: elas fazem açúcar a partir da água contida no ar; bem, por meio do dióxido de carbono contido no ar. Nós também precisamos de nitrogênio, mas a maioria das plantas não pode utilizar o nitrogênio atmosférico. Esterco contém nitrogênio nos tipos certos de componentes, e, claro, vem sendo utilizado há muito tempo para fertilizar plantações. O problema é que não há muito nitrogênio no esterco, assim, muito esterco é necessário para fertilizar plantações e, claro, você tem que alimentar os animais que produzem o esterco. Há cerca de um século, Fritz Haber e Carl Bosch descobriram como converter nitrogênio da atmosfera em componentes que plantas podem usar. Isso é produzido em fábricas enormes ao redor de todo o mundo hoje. E ainda temos a genética. Este é o ganhador do Prêmio Nobel, Norman Borlaug, pai da Revolução Verde, que colocou os populosos países asiáticos praguejados pela fome no caminho para sair da pobreza. O que você não deve saber é que a Revolução Verde foi baseada em mutações; mudanças genéticas que permitiram às plantas usarem fertilizantes de nitrogênio com eficiência, duplicando e triplicando a produção. A modificação genética, GM; hoje nós a condenamos, voltarei a falar sobre isso. E ainda temos o motor de combustão interna: por grande parte da nossa história, agricultura era um trabalho árduo que ocupava a maioria das pessoas. A população permaneceu amplamente agrária mesmo em países desenvolvidos, até bem adentro do século 20. Enquanto máquinas gradualmente tomaram conta da tarefa, necessitando menos gente para produzir mais alimentos; pessoas encheram as cidades, que se tornaram centros de inovação e colaboração; movida pela tecnologia, a produção de riqueza se acelerou, nos dando todas as máquinas, aparelhos e confortos da vida moderna, até mesmo a internet e ainda o Twitter. O que nos aguarda no futuro? Malthus estava completamente errado por ter desconsiderado a ciência? Existem limites de quanto e para quantas pessoas a planta pode prover? A mudança do clima ajuda ou atrapalha? Vejamos alguns indicadores: o crescimento da população está desacelerando, mas possivelmente não irá parar com menos de 10 bilhões; provavelmente aumentará ainda mais. Enquanto a tecnologia empodera países e mais países para saírem da pobreza, as pessoas querem comer mais carne; mudar de uma dieta baseada em grãos para uma baseada em carne requer mais grãos; produzir mais grãos requer mais terra, que já não existe mais. De fato, nós estamos perdendo terra mais rápido para urbanização, salinização e desertificação do que adicionando. Se nós não fizermos algo diferente, voltaremos a Malthus em nossa geração; bem, talvez não na minha, mas certamente na de vocês e seus filhos. E ainda temos a mudança climática. A maioria de nossos alimentos e plantações crescem melhor em temperaturas próximas do que você e eu achamos confortável. Deixe-me chamar sua atenção para este verão superquente de 2003 que muitos de vocês vivenciaram. Ele foi apenas três graus acima da média para o século passado, mas a produção agrária declinou cerca de 30%. Pense nisso: isto passará a ser um verão médio em poucas décadas, e um verão ameno até o fim do século. E ainda temos a água. A agricultura mais produtiva é a irrigada e a fonte mais estável de água vem de camadas profundas, certamente de aquíferos fósseis. Estas fontes estão se esgotando mais e mais rápido ao redor do mundo. Não são bons indicadores. Eu acho que nosso passado bem-sucedido e a explosão do mercado de alimentos levou muitos cidadãos urbanos a pensar que Malthus faz parte da história antiga; mas Norman Borlaug pensou o contrário. Em seu discurso do Prêmio Nobel ele disse: "Nós estamos na maré alta agora, mas logo virá a maré baixa se nos tornarmos complacentes e relaxarmos nossos esforços". E isso é exatamente o que acabamos de fazer. Terceirizamos nossos investimentos em pesquisa de agricultura, deixando o trabalho primeiramente para os gigantes do agronegócio. E nós ainda criticamos estas empresas - veja a Monsanto. Nós somos levados pela noção de alimento orgânico por ser mais natural; não seja seduzido. O fator primário da produção orgânica é a proibição do fertilizante sintético, mas apenas esterco não será suficiente. Se o mundo inteiro consumisse orgânicos amanhã, nós poderíamos alimentar metade da população atual. Então, podemos alimentar 10 bilhões de pessoas? Eu acho que podemos, mas temos que pensar e agir de modo diferente. Agricultura é um sistema complexo de água, energia, nutrientes químicos, meio ambiente e, claro, pessoas; temos que otimizar este sistema como um todo e torná-lo mais sustentável. Fácil de dizer, mas difícil de fazer. Deixe-me dar alguns exemplos específicos: precisamos aumentar a produção nas terras onde já cultivamos utilizando menos água. Uma de muitas contribuições seria mover plantações de alto valor para dentro. Esta é uma estufa moderna no Sul da Califórnia; tomates estão crescendo em cabos esticados para cima, produzindo de cinco até dez vezes mais do que a céu aberto, até 100 quilos por metro quadrado ao ano, utilizando até um décimo da água normalmente utilizada. Podemos construir estufas em topos de prédios nas cidades, e até mesmo no deserto, com algumas adaptações, mas não cultivamos grãos debaixo de tetos de vidro. Hoje, produtores distribuem 100 milhões de toneladas de fertilizante químico em suas plantações todo ano. Muito disso vaza e polui nossos córregos, matando-os; encontrar um modo de distribuir nutrientes precisamente onde eles são necessários, exatamente onde são necessários é um dos desafios do futuro. Aqui está um sistema chamado fertirrigação. Podemos ver que os nutrientes na água vão direto para as raízes sob a terra, mas tem muito mais para ser feito. Ainda temos os inseticidas. Utilizamos cerca de 453 mil toneladas globalmente para matar pragas como essa larva, mas matamos também insetos benéficos. Rachel Carson, autora de "Silent Spring", que iniciou o movimento pelo meio ambiente, sonhou com um tempo em que faríamos isso biologicamente, em vez de utilizarmos químicos tóxicos. Agora, nós podemos: veja este milho chamado "BT". Similar a qualquer outro milho, mas contendo um gene extra, retirado de uma bactéria segura usada como pesticida por produtores orgânicos e inserido diretamente no genoma da planta. Esta é a modificação genética moderna, GM: a planta produz uma proteína bacteriana que afeta apenas os insetos que se alimentam da planta; o uso de inseticida caiu muito em todo o mundo com o uso dessas plantas, com essas plantações; insetos benéficos crescem e o custo dos produtores cai, mas ainda existe muito mais que pode ser feito. Podemos aguardar por plantações que podem enfrentar secas, que usam nitrogênio com mais eficiência para tolerar o calor, e elas são, francamente, mais nutritivas para nós, mas, as atuais plantas geneticamente modificadas são aquelas que recebem o nome de "GMO", e este é um termo amedrontador. Pesquise no Google e ficará surpreso: GMOs levaram a culpa pelo suicídio de agricultores na Índia, por tumores em ratos e por todo tipo de doenças humanas, do autismo à obesidade, da infertilidade ao câncer. Assustador. Felizmente, nada disso é verdade. E mais, depois de 25 anos de pesquisa governamental, a UE publicou um relatório, resumindo 25 anos de pesquisa, que custou mais de 300 milhões de euros, para dizer apenas que a modificação das plantas por técnicas de GM não é mais perigosa do que a modificação feita por outras técnicas. Mas as guerras contra os GMO continuam, incendiadas por fofocas eletrônicas, por organizações que exploram o medo ao GM por lucro: o medo vende melhor do que fatos. Trabalho importante sobre GM tem sido destruído mundo afora, como este trabalho com o arroz dourado, que é enriquecido com vitamina A. Eu mesma fui alvo, abusada verbalmente, sujeita a intermináveis e-mails de ódio, tendo até mesmo escapado, por pouco, de ataque físico tudo porque eu continuo tentando explicar a ciência e o sentido por trás dessa revolução fantástica. Estamos chegando a um ponto de virada; esperamos 10 bilhões de pessoas para o jantar num futuro não tão distante. O modo pelo qual atingiremos a demanda por alimento transformará a civilização. Continuaremos a ignorar fatos e a manter sistemas de crença baseados no medo, com o combustível da instabilidade social baseada na pobreza, incendiando e consumindo nossa civilização? Ou seremos capazes de desenvolver, testar e realmente usar novas tecnologias? Seremos capazes de tomar consciência do conhecimento das nossas civilizações ao qual todos aspiramos? Teremos sabedoria para investir nas inovações científicas e tecnológicas que podem trazer a todos sustento, um lugar à mesa e o suficiente para comer? Eu acredito que podemos. Faremos isso? Eu não sei. Obrigada. (Aplausos)