Num mundo em que a palavra que define o caminho que percorro soa cada vez mais obsoleto, digo com orgulho que sou mágico. E também sou narrador. Há relativamente pouco tempo descobri que as duas coisas são o mesmo. "Abracadabra", a palavra mágica por excelência, vem do aramaico, o idioma semítico mais antigo do mundo e significa "eu crio" — de criar — "à medida que o digo". Dizem que os mágicos se dedicam a fazer aparecer e desaparecer coisas, mas, na verdade, o nosso trabalho consiste em assombrar, o que significa esconder a sombra. Descobrir, destapar o que está oculto e integrar, reunir o que foi separado. Como um "puzzle", que já teve uma imagem completa e só pode recuperar o sentido, quando todas as peças voltarem a estar juntas. Há uns tempos, convidaram-me a escutar um orador muito conhecido cuja palestra acabou por ser uma caixa cheia de coisas diversas. Terminava com uma história que, certamente, alguém aqui conhece, sobre dois homens, no meio da selva. De repente, aparece um leão faminto que corre ferozmente para eles. Enquanto um deles fica paralisado de medo, o outro senta-se tranquilamente numa pedra, tira da mochila um par de sapatilhas de corrida e começa a calçá-los. O outro, surpreendido diz-lhe: "Não estás a julgar que corres mais depressa do que o leão, pois não?" E este, parcimoniosamente, responde: "Não preciso de correr mais depressa do que o leão. "Só preciso de correr mais depressa do que tu". (Risos) (Aplausos) O orador terminou assim a sua palestra: "No mundo de hoje, a única coisa que interessa "é correr mais depressa do que a nossa concorrência". Esta história determinou a revisão da minha carreira com a magia. Comecei a estudá-la aos nove anos, fiz o meu primeiro espetáculo profissional aos 15 anos. Até aos 19, fui um mágico tradicional: conseguir o assombro era o meu único objetivo. Eu era eficaz no meu trabalho. As pessoas voltavam a contratar-me e recomendavam-me. Cedo tinha conseguido, na minha vida, correr suficientemente depressa. Mas não me sentia feliz com o que fazia e não o desfrutava. Por fim, descobri que era o vazio que sentia por dentro. Faltava magia à minha magia. Eu tinha captado uma magia na minha vida quotidiana num beijo, num pôr-do-sol, num abraço e esse formigueiro mágico, no meu público, nos meus espetáculos, não acontecia. Até que, um dia, recebi, por acaso, um poema que me emocionou profundamente, em que senti que tinha encontrado a magia perdida. Aprendi imediatamente o poema e, no final do espetáculo seguinte, recitei-o, com muito pudor e senti uma ligação. Enquanto guardava as minhas coisas, aproximaram-se duas senhoras, comovidas. Uma delas agarrou-me nas mãos e disse: "Gostámos muito do que fez, jovem, "mas, sobretudo, comoveu-nos o que disse no final, "porque deu sentido a tudo o resto". Eu tinha conseguido reunir duas coisas que sempre tinham sido uma só coisa. A minha magia tinha recuperado a magia. É que magia sem magia é apenas um truque. Uma caixa cheia de coisas fúteis. O segredo desta interligação é muito simples: o nosso espírito é um só mas está separado em duas partes. O lado esquerdo é racional, pragmático, estruturado, cético, programado para questionar tudo e não acreditar em nada. O lado direito, em compensação, é emotivo, intuitivo, ingénuo, criativo, mágico, programado para acreditar em tudo, sem questionar nada. Mas vivemos num mundo muito racional, muito frenético, que nos obriga a depender da razão e a dedicarmo-nos, quase exclusivamente, à produção e ao consumo. Hoje em dia, ninguém tem tempo nem disposição para brincar, para criar, para contemplar com real curiosidade o mundo que nos rodeia. Separámo-nos de nós mesmos. Desintegrámo-nos. Des-integrámo-nos. Vivemos aproveitando apenas metade do nosso potencial e o mundo quer fazer-nos crer que é assim que deve ser e que isso é suficiente. Mas resulta que negar uma parte nossa não a faz desaparecer. A invisibilidade não é o mesmo que a inexistência. A experiência mágica, se estiver preparada para transcender o assombro, favorece a integração e a reconexão. Aquilo que não podemos explicar produz-nos um curto-circuito no espírito lógico que nos faz perder o controlo e enfraquece as barreiras que nos separam por dentro. Então, naturalmente, as nossas partes integram-se e podemos transitar para a experiência mágica qualquer que ela seja, por mais pequena e quotidiana, completos, sem queixas, e em plenitude. Se não fosse o espírito racional, podíamos ligar-nos permanentemente com a magia que nos rodeia. A magia natural, como se lhe chamava no início dos tempos, revela-se em cada instante da criação. Para começar, estamos aqui e estamos vivos. Não existem dois seres humanos iguais, em todo o mundo. A magia manifesta-se no processo de gestação e nascimento de um ser ou na música que, com apenas sete notas, pode criar mundos infinitos em combinações inesgotáveis, ou nas viagens que, numa questão de horas, têm a capacidade de nos transportar do verão mais quente ao inverno mais frio ou em dois olhares que se encontram pela primeira vez e não conseguem separar-se. Estou convencido de que a magia, em qualquer das suas formas, enriquece e potencia a nossa experiência de viver. Foi por isso que aqui vim, para vos convidar a recuperar a magia que existe dentro de cada um de nós. Para isso, só temos de deixar de combatê-la, deixar de temê-la, deixar de ignorá-la. De nenhuma forma vos venho propor que abandonem o ceticismo nem a procura de respostas, que é uma coisa valiosa. Não creio que devamos transformar-nos em adeptos ou fanáticos do invisível nem que devamos substituir o nosso lado esquerdo pelo direito. Porque nenhuma das duas partes pode ser o todo. O que vos proponho é que reunamos, que integremos essas duas partes: o nosso ceticismo com a nossa ingenuidade. A nossa razão com a nossa emoção. A nossa inteligência com a nossa intuição. E assim com todas as nossas partes. Todas elas são peças indispensáveis do "puzzle" da nossa vida. Para pôr à prova esta proposta peço-vos que acompanham numa experiência mágica aqui e agora. Vão todos participar. Peço a todos os que não estão aqui connosco, onde quer que estejam e quem quer que sejam, que também participem, como se estivessem aqui. Peço-vos que fechem os olhos agora. Peço-vos que confiem em mim, prometo-vos que vamos a um sítio com esta proposta. Animem-se, fechem os olhos. Descruzem as pernas e os braços. Garanto-vos assim mais 30% de desfrute da experiência. Os que têm assentos com costas, recostem-se. Os que não têm, sentem-se direitos. Tentem baixar a respiração para a barriga, o mais que puderem. Larguem a mão das pessoas que estão ao vosso lado, especialmente se não vieram convosco. (Risos) Respirem o mais profundo que puderem e tentem escutar apenas a minha voz e a música. (Música) Imaginem que estão sentados no interior do vosso local preferido. É o lugar onde podiam passar horas, o tempo, simplesmente ficando ali. Enquanto desfrutam deste momento, sem preocupações, sem obrigações, à vossa frente começa a formar-se uma imagem que vos agrada contemplar, de que começam a distinguir as cores, as formas, as texturas, as personagens. É como se fosse uma pintura, uma obra de arte que foi pintada especialmente para o gosto de cada um de nós. Enquanto desfrutam dessa beleza, dela desprende-se uma luz branca que vos distrai, impedindo a vossa concentração. Levantam-se do sítio onde estão sentados, e aproximam-se um pouco mais para ver melhor. Dão se conta de que essa luz é uma coisa que falta na pintura, como se fosse uma peça em falta num "puzzle". Aproximam-se mais e reparam que essa peça do "puzzle" é grande, tão grande como se fosse uma portinhola que podem transpor. Esticam a mão direita, empurram a porta e passam para o outro lado. Chegam a uma praia deserta. É a hora do ocaso, o sol está a despedir-se, timidamente. Podem sentir a areia morna debaixo dos pés, a brisa fresca no corpo, o som do mar que chega muito perto da praia. Levantam os olhos para um lado e veem que há alguém ao longe. É alguém, que conhecem muito bem, mas que acham estranho encontrar aqui. Vão correndo para um abraço que poderia durar para sempre. No meio da emoção do abraço perguntam a essa pessoa: "Que fazes aqui? Que fazes aqui?" Escutam a resposta: "Vim ver-te, dar-te este abraço "e trazer-te um presente". Agarra-vos na mão e depositam nela um presente. É uma peça de um "puzzle". É a peça que faltava na vossa pintura, a peça que vos completa. Dão outro abraço interminável a essa pessoa, que adoraram encontrar e, desta vez, no meio da emoção do abraço, dão-se conta de que chegou o momento de a soltar, de a deixar ir. Começam a separar-se do abraço, pouco a pouco, caminhando às arrecuas, para não perderem o contacto com os olhos, a peça do "puzzle" estreitada contra o peito. E também, pouco a pouco, mas muito lentamente, começam a ter a ideia de voltar aqui e abrem os olhos. (Fim da música) Em cada dez vezes que faço este exercício, oito ou nove vezes encontro-me com o meu avô Lázaro. Foi meu mestre, enquanto esteve cá. Continuou a sê-lo durante todos estes anos, depois de ter partido. Presenteou-me com uma grande quantidade de peças que, pouco a pouco, vão completando o "puzzle" da minha vida. Alguém lhe aconteceu o mesmo, se encontrou com alguém que pensava não voltar a ver ou que há muito tempo não viam? Como é que se chama? Mulher: Pato. (Aplausos) - Quem é que encontrou? - Uma amiga. - Como se chama? - Julieta. - Há muito tempo que não a via? - Muitíssimo. - Gostou de a encontrar? - Gostei. NJ: Pato, trouxe para partilhar consigo e com todos a minha pintura preferida. Chama-se: "As metamorfoses de Narciso", foi pintada por Salvador Dalí. Falta-lhe uma peça e é como um símbolo daquela porta que atravesso, pelo caminho cada vez que me perco para chegar a uma praia deserta, onde o meu avô Lázaro ou algum dos meus mestres me devolve um presente, uma peça que me ajuda a voltar ao caminho. Também trouxe, para partilhar com todos, uma bolsa cheia de peças de "puzzle". Assim, preciso que, com a sua mão esquerda, tire, sem olhar, três ou quatro peças juntas. - Todas juntas? - Sim. NJ: Hoje. (Risos) Agora, sem as tapar com o seu corpo, para todos poderem ver, ponha-se de lado e experimente uma para ver que tal. Não, não. Muito bem. Agarre na bolsa com a mão esquerda e feche os olhos. Preciso que, com a sua imaginação, volte à praia onde esteve. Com a imaginação chame a sua amiga porque precisamos da ajuda dela. Peça-lhe que se aproxime e que, com a mão esquerda agarre na sua mão direita e não mexa a mão direita porque é ela que tem de a guiar. Torne a meter a mão dentro da bolsa, mas desta vez tire uma só peça que não pode ser uma qualquer. Tem de ser a peça que nos complete a todos, esta tarde. Abra os olhos. (Aplausos) M: Obrigada. NJ: Pato! (Aplausos) Da parte do meu avô Lázaro e da minha parte, uma peça de presente para si. Oxalá encontre depressa o "puzzle" que a complete. M: Obrigada. NJ: Um forte aplauso para Pato por nos ter ajudado. (Aplausos) Obrigado. Há uns tempos, alegrou-me descobrir que a minha carreira começava a tornar-se num caminho, e então, um dia, recebi um "email" que me revelou uma nova descoberta. A mensagem dizia assim: "Olá Jansenson, chamo-me Sara. "Na semana passada, vi-te num programa da televisão. "Era uma entrevista, não houve tempo para fazeres magia. "No dia seguinte ao do programa, enquanto dava um passeio pelo parque, "com a enfermeira que empurra a cadeira de rodas, "pensei que devia escrever-te para dizer que não acredito na magia "mas, se a magia existe, como afirmas, "se és tão bom como disse quem te apresentou no programa, "devias poder devolver-me a capacidade de caminhar. "Mas ontem voltaste a aparecer no programa "e vi-te fazer magia e estender uma ponte "para um mundo mágico que eu não conhecia. "Dei-me conta de que devia escrever-te para dizer que a magia me deu asas. "Agora já não preciso de caminhar". (Aplausos) Há um mundo em que não há nenhuma necessidade de correr cada vez mais depressa. É o assombroso mundo da magia que existe dentro de cada um de nós. Oxalá que, na próxima vez que o encontrem o abracem fortemente. Refiro-me a um desses abraços que queremos que nunca acabe. Refiro-me a um desses abraços que nos fazem sentir os pés levantados do chão. Oxalá. (Aplausos)