Eu acho que eu vim quebrar um pouco
a harmonia desse encontro.
Eu vim falar de um assunto que é delicado,
um assunto que normalmente
as pessoas jogam debaixo do tapete,
ninguém quer falar, por preconceito.
E eu, cara de pau, estou aqui
para falar com muito prazer.
Desculpem aí os conservadores.
Eu vim falar sobre sexualidade.
E falar sobre sexualidade já é meio tenso.
E sobre a sexualidade do autista,
mais tenso ainda.
É mais difícil porque existe
todo um preconceito em torno disso.
E por que existe esse preconceito?
Eu acredito que o preconceito exista
porque, na verdade,
não acreditamos muitas
vezes que o autista
- e aí também não é só o autista,
eu incluo também o portador de deficiência
intelectual, principalmente -
nós não acreditamos que eles
têm uma identidade sexual.
É como se eles nascessem sem sexo,
então está tudo bem.
No começo está tudo bem.
Mas depois chegam os tais dos hormônios.
Na adolescência, na pré-adolescência,
chegam os hormônios.
Aí é que começa o problema,
porque os hormônios não sabem de nada,
e eles aparecem assim, do nada.
E aí começa todo o problema
também para o autista.
Por quê? Porque ele vai ter que lidar
com uma coisa que é nova pra ele, também.
E por que é que isso gera tanto
problema para todo mundo?
A gente precisa entender uma coisa:
o desenvolvimento sexual
não acompanha
o desenvolvimento intelectual.
Por isso é que às vezes o autista
ou o portador de deficiência intelectual
se masturbam no ônibus, no metrô, na rua,
e aí as mães entram em desespero:
"Nossa, por que ele faz isso? Por quê?"
Aí muitas ainda falam assim:
"É, não aprende a contar até 10,
mas isso ele sabe!"
Gente, não tem nada a ver com ele.
Tem a ver com hormônios.
Aí, já livrei a barra de todo mundo.
Então o que acontece?
Se o autista, ou o portador
de deficiência, tem 15 anos,
o desenvolvimento sexual dele
vai ser de um menino de 15 anos,
mas o intelecto dele,
a parte do raciocínio lógico dele
não é de 15 anos.
Então por isso é que às vezes eles
ficam meio atrapalhados aí.
E qual é a nossa postura diante disso?
Será que nós vamos impedir,
começar aquelas ameaças:
"Vou chamar bicho papão"? Nem existe
mais bicho papão, até já se aposentou.
"Vai nascer cabelo nos dedos",
"Vai nascer verruga na ponta do dedo
se você fizer isso",
"Você vai virar lobisomem".
Um dia um menino entrou no consultório
e ele falou: "Eu tô com muito medo.
Eu tenho muito medo de dormir e acordar
lobisomem". "Por quê?"
"A minha mãe falou que eu vou virar
lobisomem porque eu tô me masturbando".
Aí eu tive que desmentir, né?
Na boa, mas tive que desmentir.
Então, gente, esses preconceitos...
se a gente tratasse
essa questão com mais delicadeza,
mais tranquilidade...
Eu penso assim: por que
é tão simples quando uma criança
quer fazer cocô a mãe falar assim:
"É no banheiro, não é aqui".
Todo mundo aprende a sair e fazer cocô,
xixi, soltar pum no banheiro,
mas quando se fala de masturbação
ninguém manda ir para o banheiro?
Quer cortar a mão, quer xingar,
quer falar que é sem vergonha.
Então, gente, se a gente tratar
com naturalidade o assunto,
vocês também vão dizer
a mesma coisa: "Vai para o banheiro,
é no banheiro que você faz isso."
Agora, se ninguém ensina, é aquela questão
do desenvolvimento intelectual.
Ele não tem o raciocínio lógico,
ele vai fazer onde der vontade.
Seria a mesma coisa se nossos pais,
ou seja lá quem for, não tivessem
ensinado a gente a fazer xixi e cocô
no banheiro eu poderia simplesmente
dizer assim: "Gente, eu tô meio apertada,
vou fazer um xixi aqui, enquanto eu falo,
espero não incomodar ninguém."
Mas eu aprendi que não é assim.
Aí eu vou para o banheiro quando eu quero.
Não é, Fabrício?
Pois é, Fabrício concorda.
Então, gente, olha: a gente precisa
tratar esse assunto com naturalidade
pra gente poder agir também
com naturalidade,
senão fica aquela coisa
cheia de nuances...
a criança quando pergunta:
"Como eu nasci?"; e aí começa:
"Olha, foi uma plantinha, uma sementinha,
aí você ficou pendurado".
Aí gente já imagina uma criancinha
pendurara ali, sendo aguada.
Gente, isso, claro,
muita gente já não faz mais,
mas muita gente ainda anda
por aí falando de coisas
que às vezes eu mesma
não consigo entender:
que a minhoquinha,
que o moranguinho, não sei o quê.
Não, vamos falar a verdade,
direto no assunto, fica tudo certo,
a criança vai entender;
eles entendem, nós é que subestimamos.
Uma outra coisa é a gente
começar a tratá-los como gente grande.
Se eles forem grandes.
Não ficar tratando como uma criança
que nunca cresceu,
vestindo roupa de bebê
ou de criança quando eles já são grandes.
Aí fica parecendo o Kiko do Chaves, né?
Desse tamanho com aquela roupinha de bebê.
Então, tem que começar
pelas pequenas coisas.
Começar a tratar
de acordo com a idade dele.
E aí vocês automaticamente
já vão começar a pensar
nas coisas que vocês têm pra falar
e que não vão chocar.
Então, gente, eu acho que a melhor coisa
é a gente esquecer a vergonha,
esquecer o preconceito,
e se livrar dessa angústia.
Isso não pode mais ser uma angústia!
E é o que eu mais ouço no consultório.
Então, por exemplo, eu trabalho
com um grupo de mães.
Na hora em que a gente
está fazendo a palestra,
ou eu estou falando alguma coisa,
elas ouvem, fazem perguntas, tal.
Mas na hora de falar sobre sexualidade:
"Ai, eu quero falar uma coisa
com você depois".
Aí já sei, aí vem sexo.
"Eu quero falar uma coisa".
Aí vai lá, entre quatro paredes,
bem escondidinha de porta fechada:
"Ai, o meu filho está fazendo isso,
está tirando pra fora, não sei o quê".
Então, gente, não vamos
mais fugir disso não, tá?
Se é natural, vamos aceitar.
Eu acho que fica até mais leve.
Eu passei aqui bem rapidinho só
pra dar leveza a esse assunto.
Eu gostaria agora, de lição de casa
pra vocês, é o seguinte...
é pensar... fica aí no ar, assim,
pra vocês pensarem:
é justo a gente tirar da criança
e do adolescente o prazer
- olha a palavra - o prazer
de conhecer o próprio corpo,
se a gente também faz isso?
Então é isso, tenho dito.
(Aplausos)