(Em zapoteco): Bons dias a todos,
muito obrigada por estar hoje aqui,
por regalar-me esta manhã
num espaço tão bonito.
(Em castelhano): Bons dias a todos,
muito obrigada por estar hoje aqui,
por regalar-me esta manhã
num espaço tão bonito.
Sou filha de uma mulher indígena
e de um homem indígena
a quem a vida e as circunstâncias negaram
a oportunidade de ir à escola.
Os meus pais não sabem ler,
não sabem escrever.
A minha mãe teve 10 filhos.
O meu pai deu a filha mais velha
em casamento, aos 12 anos,
aos 13 anos já era mãe.
Aos 31 anos, a minha irmã Claudia
já tinha nove filhos.
Mas eu não responsabilizo
essa mulher e esse homem,
porque, naquela época,
julgavam que estava certo.
Eu venho de uma comunidade
que se chama Quegolani
um dos 570 municípios
que o meu estado tem.
Sou indígena, a minha língua
materna é o zapoteco.
Tive que roubar esta língua
em que comunico hoje convosco
para poder entender
quais são os meus direitos
e quais são as minhas obrigações.
Para isso, tive que fugir daquele meio,
com muita dor de coração.
Nesse dia, há mais de 25 anos,
o meu coração dividiu-se ao meio.
Uma parte ficou lá na montanha
a sete horas da capital do meu estado,
onde está a minha história.
a minha essência, as minhas raízes,
a minha língua, os meus trajes.
A outra parte está comigo.
Para poder entender primeiro
porque é que os meus olhos não entendiam
ou porque é que eu não gostava do que via.
Porque é que a minha mãe
era a primeira a levantar-se
e era a última a ir dormir?
Porque é que eu tinha
que me levantar com ela?
Tive que aprender a fazer tortilla,
a ir buscar lenha com o burro,
porque era isso que as mulheres
tinham que fazer.
Eu não queria isso
e, para isso, quando saí da minha terra
— não havia luz, não havia estradas,
eu dormia no chão.
Se me tivessem dito que dormir
numa cama era mais confortável,
eu teria preferido, não é?
Mas, para poder perceber isso,
tive que me apoderar de uma coisa
que creio que é a ferramenta
para poder transformar
muito do que nos dói
e que é a educação.
Tive que me apoderar da minha educação
porque a vida não ma deu.
Tive que trabalhar de manhã
e estudar à tarde,
o secundário e o bacharelato.
Sou contabilista.
De vez em quando,
regressava à minha terra.
A minha mãe continuava
a levantar-se às três da manhã,
a fazer tortillas, com antecedência,
porque, um dia antes,
temos que cozer e macerar o milho
moer o milho,
pôr três tortillas no "comal"
porque, senão,
dizem logo que não somos mulheres.
Mas eu não responsabilizo esse meio.
Responsabilizo as circunstâncias,
que são a pobreza e a marginalização
mas não a pobreza
e a marginalização daqui,
mas daqui,
porque, quando uma mente
não está educada,
tem medo de questionar,
tem medo de exigir
e, sobretudo,
tem medo de decidir
como quer as coisas.
Mas quando se educa uma mente,
descobrimos o que é a liberdade,
descobrimos quais são
os nossos direitos e os nossos deveres,
sem negar as nossas raízes,
eu tenho orgulho de ser indígena,
de falar a minha língua,
de ir à minha terra fazer a festa.
Mas isso não significa que seja menos,
não significa que a minha comunidade
ou que os 16 milhões de mexicanas
e mexicanos que habitam este país,
que são indígenas, não tenham direito
à educação, à saúde.
Mas percebi uma coisa,
nada iria alterar isso
se eu não desse o primeiro passo.
Que é precisamente quebrar
esse paradigma cultural
que a própria sociedade,
às vezes, nos impõe.
Porque, de repente, dizer indígena
é como ver um museu ambulante
e não, nós não somos museus ambulantes,
somos pessoas capazes de opinar
e de decidir por nós mesmos.
Quando terminei a minha carreira,
porque tive que a conquistar
trabalhando, vendendo
o que podia, na rua,
e não me arrependo,
graças a isso descobri a liberdade.
Fui instrutora comunitária
e depois queria ser médica.
Mas não tinha hipóteses,
por isso acabei por ser contabilista.
Por isso, hoje sei que 1+1 são 2:
direitos e obrigações.
Quando regressava à minha terra,
não percebia
porque é que as mulheres
regressavam de mãos vazias.
A resposta era "és mulher",
primeiro arranja um marido
e depois talvez te toque.
Mas na escola diziam-me
que havia um artigo
da Constituição do meu país
que dizia que todos somos iguais
e acontecia que ali não.
Porque o uso e o costume
impediam esse direito.
Volto a repetir: não responsabilizo
aqueles homens e mulheres
porque a maior parte deles nem sequer
sabe o que são os direitos humanos
nem sequer sabe o que são obrigações.
Mas quando percebi isso,
comecei a ir ao campo da aldeia,
para jogar,
transformei-me na louca.
Ir à missa, estava louca.
Mas assumi essa responsabilidade
porque ninguém o ia fazer por mim.
Começando por mim.
Depois, pela minha família,
depois, pela minha comunidade,
pelo meu estado, também para
ser visível neste país.
Que sou uma pessoa capaz
de decidir o que quero.
Depois, quis ser presidente
da minha aldeia.
Mas, claro, o uso e costumes
impediram-me desse direito.
Mas isso não foi grave.
O grave foram as respostas que me deram
as instâncias governamentais.
Que era uso e costume
da comunidade,
que era a autonomia da minha comunidade,
que era um direito consuetudinário,
que não havia uma lei que me protegesse.
Em pleno século XXI, em 2007!
Não foi a resposta que me deram n aldeia,
mas a resposta que me deram
as instâncias do governo
o que mais me doeu.
Não porque quisesse ser presidente,
mas porque era a porta para poder
ser visível na nossa comunidade,
porque votávamos para partidos políticos,
porque tínhamos uma credencial.
Mas, para o mais importante,
que era sermos visíveis,
para a nossa família,
para a nossa comunidade,
eram o uso e os costumes.
Não fiquei por aí, comecei a denunciar
e hoje, graças a isso,
entrei para a política.
Hoje, que a politica é tão criticada,
assumi essa responsabilidade,
porque hoje, metem-nos a todos
no mesmo saco.
Mas não.
Eu creio que a política
tem que servir para que a cidadania
comece a mudar aquilo
de que não gostamos.
Porque é um caminho menos doloroso
para conseguir mudar o que nos dói.
Por isso, entrei para a política,
para alterar a resposta
que me deram naquela altura.
E onde estava? Ali dentro,
alterar a Constituição do meu estado,
para que nunca mais
dissessem a uma mulher
— não a mim, do mal o menos,
eu já era contabilista.
Mas para elas,
para essas mulheres invisíveis.
Para essas mulheres que nem sequer
lhes perguntam se querem ter 10 filhos.
Não faz mal ter 10, ou 5 ou 4 filhos,
sempre e quando nós o decidirmos.
Era a porta que encontrei
para que hoje, na minha aldeia,
as mulheres possam exercer o seu direito.
Hoje, na minha aldeia,
as mulheres já votam.
Hoje, na minha aldeia, já há três mulheres
que integram o cabido municipal.
Dos 570 municípios do meu estado,
há 417 que se regem pelo sistema
dos usos e costumes.
Das 68 etnias que há neste país,
16 estão no meu estado.
Estou a tentar que ninguém nos diga
que, por causa da nossa cultura,
não podemos aceder ao desenvolvimento,
não podemos opinar
como queremos mudar
as nossas histórias e as nossas coisas.
Não, mas que seja uma ferramenta
que nos ajude a dizer:
"Isto é o México, isto é
a nossa cor, o nosso sabor".
Isso adquiri-o com a educação.
E, através da educação,
encontrei a palavra liberdade.
Hoje, para mim, a liberdade
é a coisa mais sagrada.
Graças a isso,
fui deputada federal e disse:
"Não somente no meu estado,
também para 16 milhões de mexicanas
"que habitam neste país,
ninguém lhes diga que não têm direitos".
Em 2014, consegui uma reforma
da Constituição do meu país,
para que ninguém me dissesse
ou lhes digam a resposta
que me deram naquela altura.
Não só isso, no mesmo ano de 2014
a ONU adota essa reforma
para que, em todo o mundo,
onde haja população indígena,
os chefes de estado sejam obrigados
a alterar essas práticas
em que se violenta
o desenvolvimento das nossas comunidades.
Porque todo o mundo
nos fala de democracia, e eu disse:
"Considero a democracia como uma pomba,
"uma asa de mulher e outra de homem.
"Sem a outra asa,
não podemos chegar a essa democracia,
"ainda por cima com o rosto indígena".
Hoje agradeço por ter comigo
a pessoa mais importante
que é o meu filho,
mais uma razão por que não vou desistir,
mas vou continuar, porque não basta
que se tenha conseguido essa reforma.
Agora, é pedir que seja aplicada
para que não fique só no papel,
para que seja, de verdade,
que, dos 417 municípios,
no mínimo haja 5 mulheres ou 20 mulheres
como presidentes municipais.
Repito: o importante
não é votar e ser votado.
O importante é que vamos ser visíveis
para o resto do México
(Em zapoteco): Hoje entendo a liberdade
como a fumaça que corre pela ladeira
do morro do meu povoado.
Muito obrigada.
(Em castelhano): Hoje entendo a liberdade
como essa fumaça que corre pela ladeira
do morro da minha aldeia.
Muito obrigada.
(Aplausos)