Era uma tarde de outono, em 2005. Eu trabalhava na ACLU como orientadora de ciência da organização. Eu amava muito o meu trabalho, mas estava tendo um daqueles dias em que estava me sentindo um pouco desmotivada. Então fui vagando pelo corredor até a sala do meu colega Chris Hansen. Chris trabalhava na ACLU há mais de 30 anos, logo ele tinha profundo conhecimento institucional e ideias. Eu disse para ele que estava me sentindo um pouco presa. Eu tinha investigado vários assuntos que interligavam ciência e liberdades civis; superinteressante. Mas eu queria que a organização se engajasse mais nesses assuntos, de uma forma que realmente fizesse a diferença. Então o Chris foi direto ao ponto e disse: "Dos assuntos que você vem pesquisando, quais são os cinco centrais?" "Bem, há a discriminação genética, tecnologias reprodutivas, biobancos e... Ah, há este assunto legal: ressonância magnética funcional para detecção de mentira e, é claro, patentes de genes." "Patentes de genes?" "É, você sabe, patentes dos genes humanos." "Não! Está me dizendo que o governo dos Estados Unidos vêm emitindo patentes para partes do corpo humano? Isso não pode estar certo." Voltei para a minha sala e enviei três artigos para o Chris. Vinte minutos depois, ele entrou com tudo na minha sala. "Meu Deus! Você está certa! A quem podemos processar?" (Risos) Olha, o Chris é um brilhante advogado, mas não sabe quase nada sobre lei de patentes, e certamente nada sobre genética. Eu sabia um pouco de genética, mas nem era advogada, muito menos de patentes. Então tínhamos muito o que aprender antes de mover uma ação judicial. Primeiro, precisávamos entender exatamente o que era patenteado quando alguém patenteava um gene. Patentes de genes geralmente têm dezenas de alegações, mas a mais controversa de todas é a assim chamada "DNA isolado": ou seja, uma parte do DNA que foi removido de uma célula. Defensores do patenteamento dizem: "Veja, não patenteamos o gene no seu corpo, e sim, um gene isolado". E isso é verdade, mas o problema é que qualquer uso do gene requer que ele seja isolado. E as patentes não seriam só em relação a um gene específico que eles isolaram, mas em cada versão possível desse gene. Então o que isso significa? Significa que você não pode entregar seu gene para um médico e pedir que ele o analise, digamos, para ver se há alguma mutação, sem a permissão do dono da patente. Significa também que o dono da patente tem o direito de impedir qualquer um de usar o gene em pesquisa ou teste clínico. Permitir que donos de patentes, frequentemente empresas privadas, aprisionem partes do genoma humano estava prejudicando os pacientes. Vejam Abigail, uma garota de dez anos com a síndrome do QT longo, uma grave condição cardíaca que, se não for tratada, pode levar à morte súbita. A empresa que tinha a patente dos dois genes associados a essa condição desenvolveu um teste para diagnosticar a síndrome. Mas então eles faliram e nunca ofereceram o teste. Então, outro laboratório tentou oferecê-lo, mas a empresa que detinha as patentes ameaçou processá-lo por violação de patente. Por conta disso, durante dois anos, nenhum teste ficou disponível. Nesse período, Abigail morreu de QT longo não diagnosticado. As patentes de genes eram um problema e estavam prejudicando os pacientes. Mas, havia algum jeito de podermos desafiá-las? Acontece que a Suprema Corte americana deixou claro, através de uma longa série de casos, que certas coisas não são qualificadas para patenteamento. Não se pode patentear produtos da natureza: o ar, a água, minerais, elementos da tabela periódica. E não se pode patentear leis da natureza: a lei da gravidade, E = mc2. Essas coisas são bem primárias e devem permanecer livres para todos, sem reserva exclusiva para ninguém. Tem-se a impressão de que o DNA, a estrutura mais fundamental da vida, que codifica a produção de todas as nossas proteínas, é tanto um produto da natureza quanto uma lei da natureza; não levando em conta se está em nossos corpos ou no fundo de um tubo de ensaio. Ao adentrarmos nesse assunto, viajamos por todo o país para falar com vários especialistas diferentes: cientistas, profissionais da área médica, advogados e advogados de patentes. A maioria deles concordou que estávamos certos em relação à norma, e que, pelo menos na teoria, em relação à lei. Todos eles pensavam que nossas chances de vencer um desafio desses fossem próximas a zero. Mas por quê? Bem, o escritório americano de patentes vem emitindo essas patentes há mais de 20 anos. Havia literalmente milhares de patentes de genes humanos. A proteção de patentes estava profundamente enraizada no status quo, a indústria de biotecnologia cresceu ao redor dessa prática, e a legislação para banir a patente de genes foi apresentada ano após ano no Congresso, mas não chegou a lugar nenhum. Conclusão: os tribunais não estavam dispostos a anular essas patentes. Agora, nem o Chris nem eu somos do tipo que abandona um desafio, e ouvir: "Ser correto não basta.", parecia mais uma razão para assumir essa luta. Então nos propusemos a elaborar nosso caso. Os casos de patentes costumam ser: empresa A processa empresa B, baseada em algum critério técnico bem limitado e obscuro. Não queríamos esse tipo de caso. Acreditávamos que o nosso era muito maior. Ele era sobre liberdade científica, progresso médico, os direitos dos pacientes. Então decidimos que iríamos desenvolver um caso que não fosse como o típico caso de patentes; mais parecido com um caso de direitos civis. Nos propusemos a identificar um dono de patentes de genes que estava, de modo contundente, fazendo valer suas patentes, e, então, organizar uma ampla coalizão de pleiteantes e especialistas que poderiam dizer ao tribunal sobre o modo como essas patentes prejudicavam os pacientes e a inovação. Identificamos um excelente candidato para processar, a Myriad Genetics, uma empresa estabelecida em Salt Lake City, Utah. A Myriad tinha a patente de dois genes, o BRCA1 e o BRCA2. Mulheres com certas mutações nesses genes são consideradas como de risco significativo de desenvolverem câncer de mama e de ovário. A Myriad usou suas patentes para manter um completo monopólio sobre o teste de BRCA nos Estados Unidos. Isso forçou vários laboratórios que ofereciam o teste de BRCA a pararem. Ela cobrava muito caro pelo teste: mais de US$ 3 mil. Começou a parar de dividir seus dados clínicos com a comunidade científica internacional. E, talvez, o pior de tudo: por vários anos, a Myriad se recusou a atualizar seu teste para incluir mutações adicionais que haviam sido identificadas por uma equipe de pesquisadores na França. Estima-se que nesse período, por vários anos, em torno de 12% das mulheres que se submeteram ao teste receberam a resposta errada, um resultado negativo do teste que deveria ter sido positivo. Essa é Kathleen Maxian. A irmã dela, Eileen, desenvolveu câncer de mama aos 40 anos e fez o teste da Myriad. Ele deu negativo. A família ficou aliviada. Isso significava que o câncer de Eileen, provavelmente, não seria genético, e que outros membros da família não precisariam fazer um teste. Mas dois anos depois, Kathleen recebeu o diagnóstico de câncer de ovário em estágio avançado. Acontece que a irmã de Kathleen estava entre os 12% que receberam o resultado de teste falso-negativo. Se Eileen tivesse recebido o resultado adequado, Kathleen teria feito o teste, e seu câncer de ovário poderia ter sido prevenido. Uma vez que nos decidimos pela Myriad, tínhamos, então, que formar uma coalizão de pleiteantes e especialistas que pudessem iluminar esses problemas. Terminamos com 20 pleiteantes altamente comprometidos: consultores genéticos, geneticistas, que receberam cartas de cisão e desistência, organizações de apoio à causa, quatro grandes organizações científicas, que juntas representavam mais de 150 mil cientistas e profissionais de medicina, e mulheres que não poderiam pagar por um teste da Myriad, ou que queriam ter uma segunda opinião mas não podiam, por causa das patentes. Um dos maiores desafios que tivemos ao preparar o caso, foi descobrir qual a melhor maneira de falar sobre a ciência. Então, em vez de discutir que o que a Myriad fez não foi uma invenção, e que os genes BRCA isolados eram produtos da natureza, tivemos que explicar alguns conceitos básicos, como: O que é um gene? O que é DNA? Como o DNA é isolado e por que isso não é uma invenção? Passamos horas e horas com nossos pleiteantes e especialistas, tentando encontrar formas de explicar esses conceitos de modo simples, porém preciso. E acabamos confiando muito no uso de metáforas, como o ouro. Então, isolar um DNA é como extrair ouro de uma montanha ou retirá-lo de um leito. Pode-se patentear o processo de mineração do ouro, mas não o ouro em si. Certamente houve muito trabalho pesado e esforço para tirar o ouro da montanha, mesmo assim, não se pode patenteá-lo, ainda é ouro. E, uma vez extraído, o ouro pode ser usado para coisas que seriam impossíveis quando ele estava na montanha; pode-se fazer joias com ele, por exemplo, mas, ainda assim, não se pode patenteá-lo, ainda é ouro. Agora é 2009, e estamos prontos para apresentar o nosso caso. Apresentamos no tribunal federal, no Distrito Sudeste de Nova York, e o caso foi aleatoriamente designado para o juiz Robert Sweet. Em março de 2010, o juiz Sweet emitiu seu parecer, 152 páginas, e uma vitória completa para o nosso lado. Ao ler o parecer, não pudemos ignorar a eloquência com que ele descreveu a ciência no caso. Digo, nosso relatório era bom, mas não tão bom assim. Como ele desenvolveu tamanho conhecimento profundo sobre essa questão em tão pouco tempo? Não conseguíamos entender como isso aconteceu. Acontece que um funcionário do juiz Sweet, que trabalhava para ele na época, não era apenas um advogado; ele era um cientista. Mas ele não era só um cientista; ele tinha um doutorado em biologia molecular. (Risos) Que incrível golpe de sorte! A Myriad então apelou ao Tribunal de Apelações para o Circuito Federal dos EUA. E, aqui, as coisas ficaram bem interessantes. Primeiro, num momento crucial desse caso, o governo dos Estados Unidos trocou de lado. No tribunal distrital, o governo apresentou um relatório a favor da Myriad, mas agora, na direção oposta ao seu próprio escritório de patentes, o governo dos EUA apresentou um relatório declarando que havia reconsiderado essa questão à luz do parecer do tribunal distrital e concluiu que o DNA isolado não é qualificado para patenteamento. Isso foi muito importante, totalmente inesperado. O Tribunal de Apelações ouve todos os casos de patentes e tem a reputação de ser muito favorável a elas. Então mesmo com esse desenvolvimento extraordinário, esperávamos perder. E perdemos. De certo modo. É uma decisão dividida: 2 X 1. Mas os dois juízes que decidiram contra nós, fizeram-no por motivos completamente diferentes. O primeiro, juiz Lourie, inventou seu próprio romance, teoria biológica; totalmente errado. (Risos) Decidiu que a Myriad havia criado uma nova substância... Não fazia o menor sentido. A Myriad nem mesmo argumentou isso, então foi algo bem inesperado. A outra, juíza Moore, disse, sobretudo, que concordava conosco: o DNA isolado é um produto da natureza. Mas disse meio que: "Eu não quero mexer com a indústria biotecnológica". O terceiro, juiz Bryson, concordou conosco. Então agora buscamos a revisão pela Suprema Corte. E quando se faz uma petição a ela, deve-se apresentar uma questão que se queira que a corte responda. Normalmente, essas questões vão em forma de um parágrafo superlongo, do tamanho de uma página, cheia de cláusulas e mais cláusulas; "em que isso" e "consequentemente". Nós apresentamos talvez a menor questão de todos os tempos. Quatro palavras: "Genes humanos são patenteáveis?" Quando Chris me perguntou sobre o que eu achava dessas palavras, eu disse: "Bem, eu não sei; eu acho que você deve dizer: 'O DNA isolado é patenteável?'" "Não. Eu quero que os juízes tenham a mesma reação que eu tive quando você me trouxe esse assunto há sete anos." Certamente eu não poderia argumentar com aquilo. A Suprema Corte ouve apenas cerca de 1% dos casos que recebe, e ela concordou em ouvir o nosso. O dia da argumentação oral havia chegado e foi muito, muito empolgante: pessoas na fila, do lado de fora; pessoas em pé na fila desde às 2h30 para tentar entrar no tribunal. Duas organizações sobre o câncer de mama: Breast Cancer Action e FORCE, haviam organizado uma manifestação nas escadas do tribunal. Chris e eu sentamos quietos no corredor, momentos antes de ele entrar e argumentar sobre o caso mais importante de sua carreira. Eu estava bem mais nervosa do que ele. Mas qualquer vestígio de pânico se foi assim que eu entrei no tribunal e vi ao redor um mar de rostos amistosos: nossas clientes individuais que dividiram suas histórias pessoais mais profundas, os geneticistas que abriram mão do tempo de suas carreiras atribuladas para se dedicarem a essa luta e representantes de diversos segmentos de organizações médicas, de defesa do paciente, do meio ambiente e religiosas, que apresentaram petições adicionais ao caso no tribunal. Também estavam na sala três líderes do Projeto Genoma Humano, além do codescobridor do DNA, James Watson, que apresentou uma petição ao tribunal, na qual ele se referia ao patenteamento genético como "insanidade". (Risos) A diversidade de comunidades representadas ali e as contribuições que cada uma havia feito para tornar esse dia real expressaram grandiosamente o que estava em jogo. O argumento em si era instigante. Chris argumentou brilhantemente. Mas para mim, o aspecto mais eletrizante foi assistir aos juízes da Suprema Corte lidarem com o DNA isolado por meio de uma série de analogias interessantes e embates arrojados, muito parecido com o modo pelo qual nossa equipe jurídica havia feito nos últimos sete anos. A juíza Kagan vinculou o isolamento do DNA à extração de uma planta medicinal da Amazônia. O juíz Roberts o caracterizou como talhar um taco de beisebol de uma árvore. E, em num dos meus momentos favoritos, a juíza Sotomayor proclamou o DNA isolado como "apenas a natureza ali." (Risos) Ficamos bem confiantes ao sair do tribunal naquele dia, mas eu nunca poderia ter antecipado o resultado: 9 X 0. "Um segmento de DNA que ocorre naturalmente é um produto da natureza, e não patenteável somente porque foi isolado. E além do mais, a Myriad não criou nada." Após 24 horas da decisão, cinco laboratórios anunciaram que iriam começar a oferecer o teste para os genes BRCA. Alguns deles prometeram oferecer os testes num preço menor do que os da Myriad. Alguns prometeram fornecer um teste mais abrangente do que o que a Myriad estava oferecendo. Mas é claro, a decisão vai além da Myriad. Acaba com uma prática de 25 anos de concessão de patentes de genes humanos nos Estados Unidos. Isso remove uma barreira importante para a descoberta biomédica e a inovação e ajuda a garantir que pacientes, como Abigail, Kathleen e Eileen tenham acesso aos testes de que precisam. Algumas semanas após o tribunal ter emitido sua decisão, eu recebi um pacote pequeno pelo correio. Era de Bob Cook-Deegan, um professor da Universidade de Duke e uma das primeiras pessoas que Chris e eu fomos visitar quando cogitamos a possibilidade de trazer esse caso à tona. Ao abri-lo, deparei-me com um um bicho de pelúcia pequeno. (Risos) Assumimos um grande risco ao pegar esse caso. Um dos motivos que nos deu coragem para assumir tal risco era que sabíamos que estávamos fazendo a coisa certa. O processo levou por volta de oito anos, desde o seu início até o fim, com várias reviravoltas ao longo do percurso. Um pouco de sorte certamente ajudou, mas foram as comunidades que construímos, as alianças que criamos, que fizeram a diferença. Obrigada. (Aplausos)