É uma emoção estar aqui.
E uma emoção poder compartilhar
aquilo que nós consideramos valioso.
O que torna algo valioso?
É a sua capacidade
de transformação positiva.
E por isso eu quero falar
sobre a sensação de inteireza,
quando existe uma harmonia, uma coerência,
entre o que ocorre dentro de nós,
nossos pensamentos, sentimentos,
emoções e até sensações físicas sutis,
e o meio fora de nós, o ambiente,
as pessoas e todos os seres.
Há um acordo, há uma harmonia.
E quando falo desse estado de inteireza,
não estou me referindo aos estados
de expansão de consciência, da meditação
e outros estados nos quais essa fronteira
de espaço e tempo é dissolvida.
Não, eu estou falando do aqui, agora,
do estar presente
e em interação com o outro.
É um encontro lúcido, vivo,
e por isso ele pode ocorrer
nos estados de maior tristeza,
como perda de pessoas queridas,
como até mesmo diante da morte;
da própria morte e da morte dos outros.
Digo isso porque trabalho como psicóloga
e acompanho pacientes terminais
e vejo essa realidade.
Eu sou testemunha disso.
É por causa desse estado
que quero falar sobre
a minha primeira experiência
da consciência de estar lúcida,
de encontrar aquilo que eu quero buscar.
E foi assim que o budismo
entrou na minha vida.
Eu tinha 21 anos, morava em Salzburg,
e meu pai, no Brasil, faleceu;
Salzburg, na Áustria,
eu estudava musicoterapia.
Meu pai faleceu, e, num momento
assim de muita tristeza e confusão,
eu comecei a desenhar
uma enorme flor de lótus.
E eu percebi que isso me acalmava.
Mostrei o meu desenho pra uma amiga,
a Meg, que nasceu em Macau,
Macau, perto de Hong Kong,
Hong Kong, China.
E ela disse pra mim assim:
"Por que você não vai pra Hong Kong
atrás das suas flores de lótus?"
Eu imediatamente entendi: "Sim, é isso".
Esse estado de inteireza, quando chega
pra nós, vai além das palavras.
Todo o nosso ser entende: "Sim, é isso".
Bom, o fato é que eu larguei meus estudos
e passei cinco meses em Hong Kong.
Durante o dia, de manhã
e no final da tarde, eu fazia tai chi.
E durante o decorrer do dia,
eu visitava os templos.
A verdade é que eu era
muito curiosa e percebia tudo,
mas nada me tocava profundamente.
Nada que tivesse esse "Sim, é isso".
Até que, no centro da ilha de Lantau,
no monastério de Po Lin,
eu me deparei com esta imagem,
e esse foi o momento de inteireza.
Quando eu olhei essa imagem,
eu me lembro da emoção,
vive em mim ainda hoje,
quando eu disse: "É isto!
É isto que eu estou procurando".
Mesmo sem entender direito o que é isso,
a sensação de que eu tinha encontrado
me acalmou e me bastava,
vamos dizer assim.
Bom, eu voltei pra Salzburg, me formei,
voltei pro Brasil, casei,
tive dois filhos, estudei psicologia.
Um filho é o lama Michel,
e a outra é minha filha querida, Fernanda.
Nesses nove anos, eu tentei ser normal.
Eu tive uma vida, vamos dizer assim,
aparentemente normal.
Mas eu estudava astrologia,
e meu Sucharat dizia pra mim assim:
"Você só vai se acalmar, quando encontrar
algo que pra você é verdadeiro".
E foi assim que ele veio
no meu aniversário de 30 anos,
trouxe um casal e disse pra eles
que eu era a pessoa que ia trazer
um lama tibetano para o Brasil.
Eu não sabia onde ficava o Tibete,
não sabia nada sobre lamas tibetanos,
tudo pra mim era completamente nada.
Mas assim como a Meg me falou:
"Vai atrás das suas flores de lótus",
eu entendi que meu Sucharat
estava me dando uma mensagem importante.
Resumo da história: em um mês,
lama Gangchen Rinpoche estava no Brasil.
Bom, aí nós fomos pra Ilhabela.
Nunca mais aconteceu isso,
de trazer um lama tibetano pro Brasil
e não saber o que fazer com ele.
Isso nunca mais aconteceu.
Mas essa vez foi fato.
E o lama Gangchen Rinpoche,
eu soube que ele queria falar comigo,
fui até o quarto onde ele estava,
ele estava de costas,
e começou a arrumar umas coisinhas,
fingindo que estava arrumando,
e disse pra mim assim:
"Você é a pessoa que vai abrir
meu primeiro centro
de Dharma no Ocidente".
Eu falei: "Ok". Ele falou: "Ok".
(Risos)
E no segundo ok eu entendi
que tinha acabado a conversa
e que era melhor eu cair fora.
(Risos)
Bom, ainda, de novo, sem entender muito,
nós fomos fazer um retiro
em Campos do Jordão,
a primeira iniciação formal que eu tive.
E nós fizemos de Avalokiteshvara,
aquele que abre os olhos.
O buda de quatro braços.
E quando eu vi esse buda
com quatro braços,
eu pensei: "Nossa, será
que tem a ver com aquele de mil?"
E o lama Gangchen Rinpoche falou:
"Sim, eles são o buda da compaixão".
Aí eu comecei a ver
que aquilo tudo que estava lá atrás
tinha a ver com tudo
que estava acontecendo aqui.
E quando eu vi as cartas
de bons auspícios na iniciação,
eu entendi que sim, essas eram
as minhas flores de lótus.
Bom, o fato é que o centro de Dharma
foi aberto em São Paulo,
o Centro de Dharma da Paz;
na Itália, também, em Milão,
o Albagnano Healing Center.
E o lama Gangchen colocou essa semente.
O que eu fiz foi arar a terra.
Mas quem plantou essa semente nova
e fertilizou esse canteiro,
como a gente fala, o Jardim do Dharma,
foi o encontro do lama Michel,
que tinha 5 anos, quando o lama
Gangchen Rinpoche veio a primeira vez,
junto com o lama Gangchen Rinpoche.
Lama Michel viajou durante todos
esses anos, quando criança,
tivemos sempre muita conexão;
se tornou monge, por iniciativa própria,
quando tinha 12 anos,
e até hoje então nós caminhamos.
É com eles que eu aprendo o Dharma.
É com eles que eu aprendo
a ter a inspiração e a coragem
de viver o desconhecido.
Agora eu quero que vocês vejam esta foto.
Eu não sei se vocês percebem,
mas o contorno das nuvens
segue o contorno das árvores.
A primeira vez que eu vi
que nuvens e árvores
têm harmonia e sincronicidade,
um momento de inteireza
entre as nuvens e as árvores,
eu senti uma intensa alegria.
No budismo, nós estudamos muito
sobre a interdependência;
que nada existe por si só,
que tudo está interligado.
E quando a gente percebe isso
através de uma experiência direta,
porque da racionalidade
a gente pode saber isso,
mas a nossa mente não aceita.
O lama Gangchen Rinpoche fala:
"Nossa mente é dura,
ela não aceita, não se abre".
Mas quando eu comecei a perceber isso,
inclusive, pasmem, até prédios
combinam com nuvens,
agora comecem a olhar.
Vocês também vão ser os procuradores
de nuvens e prédios e árvores.
E a cada momento em que isso ocorre,
existe esta sensação: "Ah, estamos
interligados. Estamos todos juntos".
Bom, o fato é que, pra que a gente
tenha essa experiência de inteireza,
a gente precisa estar
num estado psicofísico necessário.
Ela não ocorre de qualquer maneira.
E por isso eu quero falar pra vocês
sobre a teoria polivagal
de Stephen Porges.
A teoria polivagal nos explica o seguinte.
Todos sabem que nós temos, no nosso corpo,
um sistema voluntário
e um sistema involuntário;
involuntário, autônomo,
ele ocorre por ele mesmo.
Então, quando você acorda de manhã,
e sabe que vai gravar
um TEDx em meia hora,
o teu corpo todo se apruma.
Você começa a ficar mais excitado.
Aí vem uma parte do corpo que fala:
"Calma, você já sabe, você ensaiou,
está tudo certo".
Aí depois você pensa outra coisa,
e assim a gente vai, durante o dia,
a gente vai se regulando.
Quando nós estamos seguros,
com uma pessoa segura, em um lugar seguro,
e, principalmente, a base de tudo,
o nosso corpo se sente seguro,
nós conseguimos viver
esse estado de inteireza,
esse estado de regulação.
O problema é quando nosso corpo
não se sente seguro.
Porque se nós estivermos em lugares
inseguros e com pessoas inseguras,
mas o nosso corpo se sentir seguro,
nós conseguimos nos regular.
O fato é que nós não desenvolvemos,
muitas vezes, esse estado de inteireza
que representa autossustentação
e autocompaixão,
a capacidade de nos acolhermos.
Como nós não fazemos isso
e não vivemos isso,
e nós crescemos em estado de alerta,
o que acontece é que o corpo sobe
e esse sistema de acalmar
não consegue [ocorrer].
Então vamos ver
como é uma pessoa regulada,
como é uma pessoa que está bem.
Quando a gente está bem,
nosso corpo não está nem excitado
demais, nem relaxado demais.
Nós estamos tendo
capacidade de entrar e sair.
Aliás, quando eu falo
em estado de inteireza,
não estou [falando]
de um grande bem-estar.
"Estou feliz, cheguei lá."
Estou falando da capacidade
de a gente poder transitar
de um estado de instabilidade
e voltar pra estabilidade.
Ou seja, não tem um jeito
que a gente tenha que ser,
mas a capacidade
de passar de novo pra calma
depois de um estado de excitação.
Bom, quando eu estou assim,
meu corpo, como tem um tônus bom,
meu pescoço consegue se mover
e olhar pra todos os lados.
O que acontece com o corpo,
acontece com a mente.
Se eu consigo olhar pra todos os lados,
minha mente tem disponibilidade,
abertura e flexibilidade
pra fazer zoom em um aspecto,
pensar em algo, e voltar e resgatar
a visão panorâmica desse assunto.
E é isso que nos dá
a capacidade de transitar
nos mais variados estados emocionais.
Quando eu tenho este músculo bom,
eu consigo ouvir;
ouvir à distância,
ouvir perto, ouvir longe.
Eu consigo sorrir e, se eu sorrir,
estou sorrindo junto com os olhos
porque este músculo coordena
todos os músculos da face.
A minha voz é melódica,
o que convida o outro
a interagir e conversar comigo;
o que faz com que eu desperte
no sistema autônomo, involuntário do outro
abertura e disponibilidade pra me sentir
e se deixar ser tocado pelo meu olhar.
Com isso, nós criamos
um estado de interação
que se chama engajamento social.
Esse é o estado de empatia básico
pra que a gente possa se relacionar.
Agora, se eu estou naquele momento,
em que comecei de novo
a ficar mais elétrica
e o negócio está chegando,
e eu estou preocupada,
e meu sistema não consegue se regular,
meu músculo vai ficar enrijecido.
Se esse ponto, esse gatilho
que desencadeou essa insegurança
for de uma ameaça real,
o que vai acontecer?
O meu corpo inteiro vai precisar focar
ou a saída, que é por onde eu vou fugir,
a porta ali,
ou quem eu vou atacar,
quem estiver me ameaçando.
Então meu sorriso não vai mais
ser um sorriso de empatia,
é aquele sorriso amarelo.
O sorriso amarelo quer
provocar, no outro, medo.
Eu quero [mostrar] pro outro
que eu sou forte.
Eu não vou mais poder ficar ouvindo
o que todo mundo fala,
porque eu tenho que me concentrar
só nos sons de defesa.
Eu não vou mais poder ter uma voz
assim melódica, agradável,
eu vou ter uma voz firme e forte,
pra não fazer uma voz de taquara rachada,
que é o que acontece nos momentos
de discussão de relacionamento.
Por isso não adianta
falar de relacionamentos,
enquanto não estivermos regulados,
porque a gente não tem empatia,
e não provoca empatia no outro.
Então é impossível,
não existe esse estado.
Bom, eu continuo nesse estado,
e a situação começa a ficar pior.
E eu não sei se agora
eu posso atacar ou fugir,
eu começo a ficar sem defesa.
O que vai acontecer?
Os nossos músculos vão entrar em colapso.
Eles se soltam, a gente perde o tônus.
E quando eu perco o tônus
da minha musculatura interna,
o que vai acontecer?
Eu não ouço mais.
Sabe quando as pessoas
estão dizendo as coisas
e a gente não está mais nem escutando?
Eu não consigo mais olhar, focar,
as pessoas olham e não olham.
É o que a gente chama
de presença ausente,
de incapacidade, de imobilidade por medo.
Esse estado de imobilidade,
se for sem medo,
é o estado da meditação.
Mas agora a gente está
falando de como se regular.
Então, nesse estado de imobilidade
com medo, eu não tenho mais fala,
eu não consigo mais falar.
Pegando de leve, um exemplo
que todo mundo que viaja conhece
é o "jet lag",
quando você volta e não consegue voltar.
Você está fora de "sync",
como a gente fala,
quando você não está em sintonia.
Bom, vocês se lembram do que fez
vocês entrarem nesse estado?
Foi algo muito intenso,
uma experiência muito forte.
O trauma é uma experiência cedo demais,
rápida demais ou intensa demais.
Quando isso ocorre, o corpo, quando entrou
no congelamento, guardou essa experiência.
Quando se encontra, se é que se encontra,
uma pessoa segura, um lugar seguro,
e o organismo entende que é seguro,
aquele estado,
que foi congelado, vai voltar.
E quando ele volta,
nós vamos ter uma descarga,
nós vamos ter que terminar,
concluir, os gestos, as sensações
que ocorreram naquele momento.
Só que nós estamos falando
de um estado involuntário.
A gente muitas vezes
não se lembra, esse é o pânico.
E a gente precisa completar isso.
A experiência somática de Peter Levine,
o método com o qual eu trabalho,
nos ensina como fazer essa descarga.
Agora, vamos entender,
de maneira rápida, o que é uma descarga.
Você leva um cachorrinho
pra passear, e ele não quer.
Você leva e ele não quer.
Tem uma hora em que você
insiste pra ele ir,
ele vai, durinho, e de repente ele treme
e depois ele segue normal.
Isso é o que faltou acontecer com a gente.
Como que nós "trememos",
além de tremer fisicamente,
como que nós fazemos essa descarga?
Vamos lá:
peidando,
rindo muito,
dormindo muito,
espirrando,
bocejando,
arrotando.
Então imaginem um jantar
de uma relação entre duas pessoas
que precisam descarregar
pra conseguir se inteirar...
(Risos)
Bom, o fato é que, enquanto
nós não descarregarmos...
e todos os animais descarregam,
só o ser humano que não,
por todos os bloqueios culturais.
Agora, pra concluir, eu gostaria
de convidar vocês a fecharem os olhos,
sentarem numa posição,
e nós vamos fazer um simples exercício
que é capaz de a gente conseguir
entender essa sensação de inteireza.
Eu gostaria que vocês
pensassem numa pergunta,
algo que está realmente
tocando vocês neste momento.
Fechem os olhos e levem toda
a atenção ao topo da cabeça.
E agora façam essa pergunta.
E vejam que resposta vem.
Levem toda a atenção ao coração,
façam a mesma pergunta,
e vejam que resposta vem.
Levem toda a atenção,
agora com todo o seu ser,
e vejam que resposta vem.
Eu trabalho há muitos e muitos anos
com pacientes terminais,
e, quando eu estive com um rapaz
de 32 anos, que perguntou pra mim:
"O que falta eu ainda aprender?",
e ele estava, na realidade
a uma semana de falecer,
eu falei: "Vamos fazer esse exercício".
E ele disse que a resposta
que veio no topo da cabeça foi:
"Não existem mais perguntas".
No coração: "Não existem mais respostas,
porque só há amor".
E no corpo inteiro, nada.
Então nós rimos e nós pensamos.
Eu disse pra ele:
"Quando nós não temos
nada mais a aprender,
nós temos muito a compartilhar".
E é por isso que eu agradeço
a vocês, neste momento,
por ter compartilhado tudo
o que eu aprendi até agora.
Muito obrigada.
(Aplausos)