Me chamam de Eva.
Nunca me foi dado um sobrenome,
mas esse foi apenas o primeiro caso
de roubo de identidade.
Sei o que já ouviu sobre mim:
que fui esculpida
a partir da costela de um homem
após uma reflexão tardia.
Mas não se engane.
Queimaram meus registros e tentaram
de tudo para devastar minha memória,
mas eu me lembro bem.
Da doçura do sopro de Deus na minha nuca
quando ela me sussurrou à existência.
Ela me disse que eu seria a primeira
dessa nova espécie
com a qual ela estava experimentando.
Não teve nenhum papo sobre dominação.
Mas ela me ensinou
uma certa harmonia com a Mãe-Terra
e me disse para incorporar sua beleza,
então andei de cabeça erguida,
quadris largos e peso extra
para nutrir as crianças que eu carregaria,
e conforme elas cresciam, eu as ensinava.
Ensinava as novas, as pequenas,
as fracas, ensinava muito.
Vieram à minha coroa e me pediram
para ensinar como liderar suas nações:
Aristóteles, Platão, Sócrates
sugaram do doce seio do meu conhecimento.
Mal sabia eu que,
quando virasse as costas,
eles trariam navios tumbeiros
e criariam essa Bíblia
que me culpa pela expulsão
dos Jardins do Éden.
Mas não foi uma cobra que me persuadiu
a deixar a terra prometida.
Tenho certeza que foram suas armas,
correntes e agressões.
Então foi uma fruta ou a Passagem do Meio
que fechou os portões do Éden?
Essa Bíblia, que me diz que parir
é uma maldição e que eu sou a causa.
Bom, me desculpe.
Me desculpe por dar a vida
para carregar seus filhos,
mas se você ousasse me perguntar,
eu diria que você é a maldição.
Já fui chamada de sedutora,
mas foi você que me despiu, me chamou
de vagabunda e me fez ficar de joelhos
até eu descobrir qual era o verdadeiro
gosto do fruto proibido.
E o abuso não parou depois de Lincoln.
Só era muito bem disfarçado, como a mídia
que me manda usar shortinho
e rebolar os quadris
ao ritmo dos ancestrais linchados,
porque isso faz os racistas
se lembrarem dos bons tempos.
Nunca me olharam nos olhos,
porque querem
que eu me esqueça que os tenho,
assim posso ignorar o pessoal
da Planned Parenthoods
que desfila nos bairros negros
fazendo propaganda,
tornando um aborto tão atrativo quanto
forninhos de brinquedo para o bebê Hitler.
Tenho esperado a ONU intervir
e confirmar o genocídio,
mas tudo que encontro
são agentes do governo
plantando cocaína no corpo do meu filho
até ele estar viciado, preso ou morto.
Sei por que eles fazem isso.
Veem a imagem dela em mim
e temem meu poder.
Eles me venderam
para que eu esquecesse quanto valho,
mas primeiro deveriam
ter quebrado os espelhos.
Acharam que eu não conseguiria ver?
Eu sou a beleza do ouro personificada.
Pele negra, tão linda quanto as galáxias
que roubaram das minhas bibliotecas,
mas não dos meus olhos.
Podem ficar com suas pinturas
idealistas de mim,
mas nunca irão clarear minha pele
ou alisar meu cabelo.
Podem proibir os ritmos
nativos da minha língua,
mas nunca silenciarão a linguagem
exuberante da minha dança.
Nunca vou perder minhas manias,
minha luta, meu fogo.
Não me chame de gatinha,
pois não brinco com ratos.
(Gritos e aplausos)
Me chame de Deusa.
Ou nem ouse me chamar.
(Gritos e aplausos)