Há muitos homens
na minha vida, que eu admiro.
Eu tenho dois avôs da geração Windrush
que vieram a este país na década de 40
e que agora, com 80 anos,
se aposentaram tranquilamente.
Eu tenho um pai: engraçado,
inteligente e rico em sabedoria.
E às vezes, quando estou
na presença desses homens,
sinto como se eu estivesse
na presença da grandeza.
Mas às vezes, quando olho
no fundo dos olhos deles,
vejo olhos cheios de arrependimento e dor.
Vejo os olhos de homens que não quebraram
totalmente o ciclo de abuso
que viram seus pais cometerem.
Vejo homens que afirmavam
que seriam totalmente diferentes
dos homens que vieram antes deles,
mas às vezes, só às vezes,
eles veem que expressam aquilo
que antes desprezavam,
e isso acaba com eles.
Eu vejo olhos que dizem muito,
mas bocas que nunca
vão expressar a dor que sentem.
Eu falo dos homens na minha vida,
mas, na realidade, minha vida
é dominada por mulheres.
Eu venho de uma fonte
de mulheres fortes, corajosas,
dedicadas e solidárias:
duas avós imigrantes do Caribe,
que trabalharam sem cansar
por suas famílias,
sempre superando as dificuldades;
uma mãe, o exemplo de força e resiliência,
cinco irmãs, os sonhos de nossas avós;
tias e primas cuja sabedoria
ainda é a trilha sonora da minha vida;
e uma sobrinha, obcecada
por Disney Channel e "emoticons",
(Risos)
mas com um coração
como eu sempre quis ter.
Mas três anos atrás,
uma coisa estranha aconteceu.
Em um hospital no sul de Londres,
por volta da meia noite e quinze,
pela primeira vez em muito tempo,
um menino entrou nas nossas vidas.
O que iríamos fazer com um menino?
Era tudo muito novo pra nós,
mas tínhamos que lidar com isso,
é o que se faz.
Eu me lembro de quando ele nasceu,
me lembro de ficar paralisada,
especialmente pelos olhos dele.
Porque quando eu olhava em seus olhos,
eu não via olhos com arrependimento e dor.
Eu via olhos inocentes
e com muita tendência para a grandeza.
Eu via olhos que poderiam quebrar ciclos
e redefinir o significado de masculinidade
para uma nova geração de homens.
Olhos que não tinham
mais que ser silenciados,
olhos que poderiam chorar,
e acredite, eles chorariam agora!
Mas como eles iriam romper a barreira?
Feminismo: nos disseram que é sobre livrar
a nossa cultura da mentalidade sexista
para libertar as mulheres.
Portanto, meu sobrinho
não entra muito nessa conversa.
Mas se víssemos o feminismo
como um meio de livrar nossa cultura
da dominação e mentalidade patriarcal,
aí a conversa muda.
(Aplausos) (Vivas)
Obrigada.
As narrativas sobre o feminismo,
geralmente, focam somente
o porquê as mulheres
precisam do feminismo.
Focamos os indivíduos,
a luta do homem contra a mulher,
em vez de um sistema
patriarcal multifacetado
que afeta também
nossos irmãos, pais e amigos.
Certamente, a mulher enfrenta
as consequências do sexismo
de uma maneira concreta, diariamente,
e por isso faz sentido
estarmos na linha de frente
dos movimentos feministas e de suas lutas
para acabar com o sexismo.
Nós enfrentamos desigualdade no trabalho,
somos discriminadas
nas políticas públicas,
e no chamado mundo livre
pode ser eleito um presidente
que defende o ódio
e a violência contra nós.
É imperativo que o feminismo
transforme e empodere as mulheres.
Mas, para mim, a realidade
do patriarcado afeta a todos,
e o pensamento feminista revolucionário
é o entendimento de que comprometer-se
seriamente com o feminismo
significa comprometer-se seriamente
em livrar nossa cultura
da mentalidade patriarcal
que afeta tanto homens como mulheres.
Porque, desde cedo,
os meninos são ensinados
que devem demonstrar masculinidade
de maneira hegemônica, ou sua chance
de sobrevivência social é pequena.
Eles são ensinados que devem ser durões,
e, consequentemente, quando se sentirem
fracos, devem demonstrar firmeza,
quando se sentirem incapazes,
devem demonstrar confiança,
e quando se sentirem emocionais,
devem sempre demonstrar somente raiva.
Portanto em 2014, quando Emma Watson
se tornou a imagem do feminismo moderno,
afirmando que o HeForShe era a forma
de feminismo que precisávamos adotar,
é como se não tivesse sido compreendida
a totalidade da situação
que enfrentamos atualmente.
A campanha argumentava
que homens e garotos deveriam
ser encorajados a tomar medidas
contra as desigualdades
enfrentadas por mulheres e garotas,
a fim de serem agentes
da mudança feminista.
Em outras palavras, os homens
tinham que ser aliados.
Mas como vamos pedir
aos homens para serem aliados,
uma vez que eles também são
vítimas do mesmo sistema?
Como vamos pedir aos homens
para serem aliados,
em um mundo que os faz 20 vezes
mais propensos a serem presos
por serem ensinados a serem violentos;
quatro vezes mais propensos
a cometer suicídio
porque são ensinados a ficarem calados;
e são menos propensos a pedir ajuda,
tanto fisicamente como mentalmente,
porque são ensinados a serem fortes?
Muito da encenação acerca da masculinidade
é devido ao fato de os homens
não poderem expressar como se sentem
da mesma maneira que as mulheres podem.
Então, quando eu falo de feminismo
radical e revolucionário,
falo de um feminismo
que compreende a importância
de se livrar da cultura patriarcal
no homem, para o homem.
Um feminismo que compreende
a importância de espaços
onde o homem possa se envolver em diálogos
que a cultura patriarcal não permite,
onde possam falar sobre suas preocupações,
suas relações interpessoais
e seu crescimento pessoal,
para que aqueles ciclos de dor
e arrependimento possam ser quebrados.
À meia noite e quinze,
quando meu belo sobrinho entrou
nesse mundo, eu me perguntei:
"Como um menino negro do sul de Londres
vai se envolver em um debate
que o estimule a pensar criticamente
sobre masculinidade,
que o inspire a questionar
as concepções existentes
sobre o que significa ser um homem,
e de entender a totalidade
de quem ele é como um indivíduo,
explorando sua infinidade de emoções?
Feminismo, nos foi dito
que se parece com isto, isto e isto.
Mas, e se eu disser
que o feminismo radical revolucionário
está acontecendo agora,
e se parece mais com isto, isto e isto?
Em 2016, Tis, Donae'O e Cadet
lançaram uma música que eu considero ser
um dos projetos feministas
mais radicais e revolucionários do ano,
"Letter to Krept".
A música descreve a relação entre ele
e seu primo Krept, outro rapper famoso.
Na música, ele descreve a relação
fragmentada que tem com seu primo,
e analisa o quanto a comparação constante
com seu primo tem lhe causado muita dor.
Ele expressa abertamente
os problemas que teve na família
e fala dos mecanismos de cura.
Ele termina a música
dizendo ao primo que o ama,
e inverte a narrativa de como deveria ser
uma relação entre homens,
especialmente entre homens negros.
Cadet subverte o conceito de que o grime
é supermasculino em mais de uma maneira,
e mostra como o rap pode ser usado
para subverter um discurso
dentro da cultura popular da música.
Se isso já não fosse incrível bastante,
seu primo lançou uma música respondendo,
contando o seu lado da história.
Pra mim, os dois rappers mostram como
pode ser a cura do discurso patriarcal
em praça pública.
Rap, uma cultura que quem vê de fora
geralmente apelida de supermasculina,
providencia um espaço onde dois homens
podem ter um diálogo curativo.
E essa música não está isolada,
é correto afirmar que o rap
proporciona uma saída,
qualquer que seja essa saída.
O pensamento feminista sempre compreendeu
a importância de saídas.
Feministas negras da década de 60,
desviando-se do feminismo da grande mídia,
dedicaram-se cada vez mais
a criar narrativas que expressavam
suas vidas e suas realidades.
E é correto afirmar que foi desta geração
que vimos algumas
das melhores criações literárias.
De Maya Angelou
a bell hooks e Toni Morrison,
o rap continua esse legado.
É um gênero musical
que expressa as complexidades
e realidades da vida urbana moderna.
Proporciona uma via de escape das emoções
e meios eficazes de fazer os homens
se envolverem em assuntos
que afetam suas vidas e suas comunidades.
E sim, é correto dizer que existe o rap
que expressa o que não consideramos
como representativo dos ideais feministas.
Entretanto, é arriscado
falar dessas realidades
dentro de um vazio cultural.
Se o rap é patriarcal,
capitalista e misógino,
certamente é porque ele reflete um mundo
que é igualmente, se não mais,
patriarcal, capitalista e misógino,
e não por serem conceitos
criados por essa cultura.
O rap é, de fato, uma cultura,
é diversificado e fala
várias línguas diferentes,
e, por muito tempo, nos contaram
somente uma das línguas que ele fala.
Portanto o argumento de que o rap
representa todos esses males
é mal informado, cego,
e é uma narrativa
que ouvimos com frequência.
Mas, e se invertermos a narrativa?
E se virmos o rap de um jeito diferente?
Se virmos o rap como uma maneira
pela qual os homens podem
discutir as suas emoções
de um jeito sensível e delicado.
Os homens que foram ensinados
que suas emoções não são valiosas
encontram um espaço
em que elas são valorizadas.
E em uma sociedade
em que um número crescente de homens,
principalmente homens negros,
sofrem com problemas de saúde mental
como resultado dessa falta de comunicação,
esse tipo de diálogo deveria
ser celebrado como revolucionário,
e não maléfico e retrógrado.
bell hooks disse a famosa frase:
"A alma da política feminista
é o comprometimento em acabar
com a dominação patriarcal sobre as vidas
dos homens e mulheres, meninos e meninas".
E é aqui que vamos ver a liberdade.
Nossa felicidade, nossa existência
é baseada na plenitude que podemos viver,
e se os homens pudessem
viver essa plenitude,
livres da dominação patriarcal
sobre as suas vidas,
nossa realidade mudaria,
veríamos uma revolução cultural.
Por muito tempo, o feminismo tradicional
criticou um gênero de música
que há de ser a coisa mais próxima
do feminismo radical que nós já vimos.
Porque o feminismo quer curar
a destruição patriarcal,
e o rap proporcionou
e continua a proporcionar
meios de lidar com um pouco
dessa destruição.
Rap e feminismo podem ser
melhores amigos,
eles só precisam se olhar
com outros olhos.
Porque vivemos em um mundo em que corações
param de bater e olhos se fecham
todos os dias
devido à existência de patriarcado.
Mas precisamos viver num mundo
em que os olhos possam
viver, curar e transformar,
porque os homens precisam do feminismo,
e o meu sobrinho
e garotos em todo o mundo
precisam de olhos
que brilhem de esperança,
para que eles, os filhos deles e os netos
deles possam viver vidas mais plenas.
Obrigada.
(Aplausos)