Como seria o Google
se, em vez de oferecer respostas,
ele oferecesse perguntas?
A primeira vez que essa
indagação me veio à mente
foi quando recebi um convite
pra dar o que eu achei
que seria um curso de liderança
pra jovens das comunidades
ribeirinhas da Floresta Amazônica.
Do alto da prepotência de alguém vindo
de uma região economicamente privilegiada,
eu achei que teria muito
que ensinar pra esses jovens.
Mas o que aconteceu
foi exatamente o contrário.
Quando a gente começou
a coletar mais informações
sobre o estilo de vida deles
e como era viver numa comunidade
ribeirinha no meio da Amazônia,
eu percebi que nada, absolutamente nada,
do que eu sabia sobre liderança
seria útil pra eles,
pelo menos da maneira como eu
estava acostumado a lidar com o termo.
Só pra dar um exemplo,
vários deles pegaram quatro dias de barco
pra participar desse encontro;
e, pra piorar, sete dias de volta,
porque a volta é contra
a correnteza do Rio Juruá.
O que a gente fez, então,
foi inverter o processo:
em vez de aula, pergunta;
em vez de ensinar,
aprender com elas e com eles.
O que a gente fez foi adaptar
uma metodologia baseada em perguntas.
Em três perguntas, na verdade;
a primeira delas era:
o que há de bom aqui,
nas comunidades de vocês?
Vamos apreciar um pouco o que já tem aqui,
pra daí, sim, poder fazer
a segunda pergunta:
qual é o sonho que vocês têm
pras suas comunidades?
E terminar perguntando:
e agora, o que vocês vão fazer
pra que esses sonhos se tornem reais?
A gente terminou fazendo
duas atividades com eles.
Na primeira, a gente
entregou folhas de cartolina
e pediu que eles desenhassem
como seriam as comunidades
quando os sonhos tivessem sido realizados.
A gente imaginava que seria parecido
com um centro urbano, ou algo do tipo.
Mas, o mais interessante,
é que, na cartolina inteira,
uma cor tomava conta: o verde.
Em vez de prédios ou asfalto, a comunidade
exatamente como ela é, com uma adição;
como, por exemplo, uma escola,
ou um laboratório de informática,
ou um posto de saúde,
pra que eles não precisassem mais
viajar três ou quatro horas de barco
pra estudar, pra aprender
ou pra tratar alguma enfermidade.
O ápice pra mim, no entanto,
foi quando a gente fez uma rodada
de entrevistas, tipo um “talk show”,
chamamos uma menina de 11 anos de idade,
e uma das perguntas
que a gente fez pra ela foi:
"O que você quer ser quando crescer?"
E ela respondeu, muito seriamente:
"Eu quero ser uma advogada".
E a gente: "Nossa, uma advogada,
que legal, por quê?"
E, num semblante muito único,
ela virou e falou assim:
"Uma vez me falaram que advogado
ganha muito dinheiro".
Só que ela continuou: "Mas não é
por isso que quero ser advogada.
Eu quero ser advogada pra poder
defender a minha floresta".
A maneira como ela respondeu
mexeu com a gente
e fez a gente refletir sobre muita coisa,
porque talvez nem todo mundo
esteja tão conectado com seu ambiente
da maneira como ela estava.
Eu, por exemplo, nunca vi a minha cidade
da maneira como ela via a floresta dela.
Mas talvez nem todo mundo
esteja tão conectado
com a sua própria comunidade,
com as pessoas ao seu redor.
E talvez nem todo mundo esteja
tão conectado consigo mesmo,
capaz de ter consciência suficiente
pra compreender o seu propósito
no meio disso tudo.
O problema, porém, não é tão visível.
Às vezes, essa nossa falta
de questionar e fazer perguntas
faz com que a gente
entre em modo automático
e acabe se acostumando muito mais
com como as coisas são,
em vez de explorar a beleza
de como as coisas poderiam ser.
Agora, o fato de a gente
não fazer tanta pergunta,
às vezes pode parecer preguiça,
falta de motivação,
de energia, ou algo do tipo,
mas, sinceramente, acredito que isso,
na verdade, é uma renúncia.
É a renúncia de acreditar
que dá pra ser melhor,
e que agora, neste momento, existem
novas verdades flutuando entre nós.
Um dos meus filmes preferidos
explora isso muito bem.
Ele se chama "Doze homens e uma sentença".
Pra fazer uma sinopse rápida,
12 homens compõem um júri popular
e precisam decidir o destino
de um menino de 18 anos,
acusado de matar o próprio pai.
Dos 12, 11 têm certeza,
convicção, de que ele é culpado
e querem logo condená-lo à cadeira
elétrica e ir embora pra casa.
Só que, desses 12,
um deles ainda tem dúvidas
e ele faz perguntas
que provocam os outros a pensarem,
e muda todo o destino
de uma história que poderia culminar
com a morte de um jovem inocente.
A grande questão é que, pra poder
fazer essas perguntas certas,
e, muitas vezes, os ambientes
são muito pouco férteis
pra gente receber perguntas certas,
alguns passos anteriores
são interessantes de serem feitos.
O primeiro deles é que a gente
consiga criar vulnerabilidade
com determinado grupo,
pra que a gente tenha empatia
com seu modelo mental;
porque, quando se tem empatia
com o modelo mental de determinado grupo,
a gente tem a segurança de poder
desconstruir as certezas que a gente tem
pra, aí sim, abrir espaço
pras reais dúvidas;
pra poder fazer as perguntas certas.
Mas será que a gente faz isso bem?
Quando, por exemplo,
uma criança curiosa pergunta:
"Por quê? Por quê? Por quê?", e a gente,
sem paciência, responde: "Porque não".
Qual é o estímulo que se está dando
pra que ela seja uma boa "perguntadora"
e queira, de fato, questionar
o que está acontecendo?
O que acaba acontecendo, com isso tudo,
é que a gente começa a receber estímulos
pra parar de perguntar.
E, quando eu paro de perguntar,
eu começo a me reservar ao meu mundo,
ao meu individualismo;
e esqueço, também, de perguntar quem são
as pessoas que estão ao meu redor.
O que a gente pode fazer, então,
é continuar perguntando.
Fazer o esforço da pergunta.
E o mais interessante
é que não necessariamente
elas precisam ser verbalizadas.
Quando a gente tem consciência
do significado da nossa ação,
a nossa ação é a nossa pergunta.
Por exemplo, um bom projeto de urbanismo
pode ser na verdade uma pergunta:
"Como eu faço pra que as pessoas interajam
mais e melhor nos espaços públicos?"
Uma escola inovadora
pode ser uma pergunta:
"Como eu faço pra que seres humanos
sejam formados como seres humanos?"
Ou, mais do que isso,
como um maluco pode perguntar:
"Qual o problema de abraçar um estranho?"
A gente já está fazendo
isso aqui hoje, inclusive.
(Risos)
O mais interessante é que, quando
a gente começa a fazer perguntas,
quando eu começo a perguntar algo
sobre você e me colocar no seu lugar,
eu começo a entender
a sua perspectiva de mundo.
Melhor ainda, eu começo
a entender qual é o seu mundo.
E uma coisa interessante
que eu ouvi uma vez é:
a gente não vê o mundo como ele é;
o mundo é como a gente vê.
E quando a gente consegue
compreender melhor
a visão de outras pessoas,
isso começa acontecer
de maneira muito mais eficaz.
Mais do que benevolência,
isso nos confere mais inteligência,
pra poder resolver problemas
que são complexos,
que têm causa e efeito
distantes um do outro.
E a gente aproxima isso
com a nossa própria aproximação.
E, pra poder fazer isso, três passos
podem ser muito interessantes.
Primeiro, a gente precisa se conectar,
e se conectar é muito simples.
É ficar vulnerável,
é poder falar: "Não sei".
É poder querer saber: "Quem é você?"
É poder perguntar:
"Por quê?" ou "Pra quê?"
Porque quando a gente consegue fazer isso,
criar um ambiente de questionamento,
as dúvidas que vêm, vêm junto
com uma dose enorme de humildade.
Porque quando a gente
faz as perguntas certas,
na verdade, o que a gente está fazendo
é considerar a hipótese de estar errado
ou de estar com informações incompletas.
Porque, quando eu admito que estou errado
ou com informações incompletas,
aí sim, talvez eu tenha consciência
suficiente pra provocar uma ação,
minha ou de uma comunidade inteira.
Viktor Frankl disse uma vez:
"De uma pessoa você tira tudo.
Você só não tira
o último tipo de liberdade,
que é a liberdade da escolha,
é a liberdade da própria atitude,
é a liberdade de construir o seu próprio
caminho, independente das circunstâncias".
E esse processo de facilitar
a criação de perguntas,
na verdade, é um processo de libertação
porque, quando a gente
se faz a pergunta certa,
o que a gente está fazendo
é abrir espaço pra escolha.
Porque eu só escolho algo
quando eu pergunto algo.
E é fato consumado que a gente,
enquanto espécie,
sempre se moveu por perguntas,
que nos permitiram sobreviver e evoluir.
Isso não é novidade.
A grande questão é que, talvez,
a gente esteja num desequilíbrio
de ter muita resposta,
porque as respostas são cada vez
mais acessíveis e em mais quantidade
e elas em geral vêm de fora;
e as perguntas cada vez mais escassas,
porque elas demandam um nível de energia
do qual a gente está se desacostumando,
principalmente porque elas vêm de dentro.
E é esse desequilíbrio
que preocupa muito a gente.
Por isso que o meu apelo
é pra que a gente continue perguntando;
continue perguntando
porque, em algum momento,
a coisa vai acontecer.
O Miguel Cavalcanti me falou
uma frase muito legal:
"Quando a gente tem todas as respostas,
a gente precisa mudar as perguntas".
Só que, acima de tudo,
fazer boas perguntas,
na verdade, faz de nós excelentes líderes,
capazes de ver o mundo com outros olhos.
Eu fico pensando
que talvez a gente não precise
de mais dados, mais informação,
até mesmo mais conhecimento.
Simplesmente novos olhos
que nos permitam ver o que ninguém viu
e perguntar o que ninguém perguntou.
As respostas, portanto, são o quê?
Uma foto do presente.
Mas, se o presente está
em constante mudança,
pra que elas servem?
E talvez seja isto:
as respostas são descartáveis,
as perguntas são reaproveitáveis.
(Aplausos)
As respostas geram conforto.
As perguntas geram consciência e ação.
Ao mesmo tempo, é um dilema,
a gente tem que admitir.
Eu tenho que perguntar
ou seguir em frente?
Porque seguir em frente é importante,
me dá senso de realização;
seguir em frente é o que me permite
fazer alguma coisa.
Mas, quando a gente abraça
a liberdade de fazer pergunta,
na verdade está abraçando
a liberdade da escolha;
e a liberdade de escolha
provoca um movimento incrível
que é tirar a gente da posição de vítima
e passar pra posição de protagonista.
E, se isso parece interessante
pra um indivíduo,
imagine o poder que isso tem
pra uma organização
ou pra uma comunidade inteira.
Esse poder vai muito além
da nossa compreensão.
Isso é muito mais do que racional,
muito mais do que cartesiano.
A grande questão, então,
é saber, exatamente,
qual o momento certo pra perguntar,
porque talvez seja isso que vai
nos conferir a sabedoria
de entender se é o momento de perguntar
ou se é o momento de seguir em frente.
E é por isso que eu queria
terminar com uma fábula
que começa exatamente com uma pergunta
entre um pássaro e um esquilo.
Um dia, um pássaro chegou pro esquilo,
amigo dele, e falou: "Esquilo,
você, com toda sua sabedoria,
me responda uma coisa:
quanto pesa um floco de neve?"
O esquilo respondeu: "Nada mais que nada".
E o pássaro retrucou: "Sério?
Então senta aí, quero te contar uma coisa
que aconteceu comigo ontem".
E o pássaro falou:
"Eu estava em cima de um galho,
e começou a nevar.
Eu sou um pássaro, não estava
fazendo nada mesmo,
(Risos)
resolvi contar quantos flocos de neve
iam cair em cima daquele galho.
E eu contei:
2 milhões, 999 mil, 999 flocos de neve.
E como cada floco de neve não pesa nada,
nada mais que nada, nada aconteceu".
Só que aí o passaro falou:
"Caiu o floco de número 3 milhões.
E, quando caiu o floco
de número 3 milhões,
o galho se partiu e caiu no chão".
E o esquilo: "E daí?"
E o pássaro falou: "E daí?
Daí que eu fiquei pensando:
e se o mundo inteiro
já tiver feito o seu movimento,
e só estiver esperando o meu,
pra que um grande movimento ganhe vida?"
(Aplausos)
E ele continuou:
"E se só faltar a minha mudança
pra que eu, de fato, veja o mundo
da maneira que eu quero?"
Aquela menina da Amazônia era
um floco de neve, mesmo sem saber.
Assim como cada um de nós aqui.
E é na esperança de que, terminando aqui,
a gente vai continuar
se perguntando, sempre,
que eu também termino com esta pergunta:
e se só faltar você?
Obrigado.
(Aplausos)