Eu sou britânico. (Risos) (Aplausos) A frase "Sou britânico" jamais inspirou tanta pena. (Risos) Sou de uma ilha onde muitos gostam de acreditar que tem havido muita coesão ao longo dos últimos mil anos. Nossa história tende a mostrar que impusemos mudanças aos outros, mas que nós mesmos mudamos muito pouco. Então, foi uma enorme surpresa pra mim acordar na manhã de 24 de junho e descobrir que o meu país tinha votado e decidido sair da União Europeia, que o primeiro-ministro renunciara e que a Escócia pretendia realizar um referendo que poderia acabar com a própria existência do Reino Unido. Então, foi muito impactante pra mim e muito impactante pra muitas pessoas, mas também foi algo que, ao longo dos dias que se seguiram, gerou uma imensa crise política no meu país. Muitos pediram um segundo referendo, quase como se, estando numa partida de futebol, pudéssemos pedir ao time vencedor uma revanche. Todo mundo culpou todo mundo. Culparam o primeiro-ministro por ele ter convocado o referendo. Culparam o líder da oposição por não ter feito o suficiente. Jovens acusaram os mais velhos. Pessoas com maior instrução culparam as com menos instrução. Esse tremendo colapso foi agravado ainda mais por seu elemento mais trágico: xenofobia e racismo nas ruas da Grã-Bretanha em níveis que eu jamais havia visto na vida. As pessoas agora falam sobre se meu país vai virar uma "Pequena Inglaterra", ou, como diz um de meus colegas, se estamos prestes a nos tornar um parque temático nostálgico dos anos 50, flutuando no Oceano Atlântico. (Risos) Mas minha pergunta, na verdade, é: será que devemos ter o grau de surpresa que temos vivenciado desde então? Foi algo que aconteceu do dia para a noite? Ou será que há fatores estruturais mais profundos que acarretaram isso? Então, quero voltar um pouco e fazer duas perguntas básicas. Primeiro: o que o Brexit representa, não apenas para o meu país, mas para todos, em todo o mundo? Segundo: o que podemos fazer a respeito? Como devemos reagir? Então, primeiro, o que o Brexit representa? Aprender é uma coisa maravilhosa. O Brexit nos ensina muitas coisas sobre nossa sociedade e sobre as sociedades no mundo inteiro. Ele salienta, de formas que parecemos vergonhosamente desconhecer, o quanto nossas sociedades estão divididas, o voto dividido em faixas etárias, graus de instrução, classe, geografia. Os jovens acabaram não votando expressivamente, mas os que votaram, votaram pela permanência. Os mais velhos realmente queriam que saíssemos da União Europeia. Geograficamente, foram Londres e a Escócia que mais veementemente queriam continuar fazendo parte da União Europeia, enquanto, em outras partes do país, houve forte ambivalência. Essas divisões são coisas que devemos de fato reconhecer e levar a sério, mas, de forma mais profunda, a votação nos ensina algo sobre a natureza da política atualmente. A política contemporânea não se resume mais a direita e esquerda. Não se trata mais apenas de impostos e gastos. Trata-se de globalização. A fissura na política contemporânea está entre aqueles que aceitam a globalização e aqueles que a temem. (Aplausos) Se analisarmos por que aqueles que quiseram sair... os chamados separatistas, que não querem continuar... vemos dois fatores nas votações que foram realmente importantes. O primeiro foi a imigração e o segundo, a soberania, e eles representam um desejo das pessoas de retomar o controle de suas vidas e o sentimento de que são mal-representadas pelos políticos. Mas essas ideias representam medo e alienação. Representam um retrocesso ao nacionalismo e às fronteiras de maneiras que muitos de nós rejeitaríamos. Quero mostrar a vocês que a coisa é bem mais complicada do que isso, que internacionalistas liberais como eu, e me incluo nisso, com certeza, precisam se envolver no assunto pra que possamos entender como chegamos aonde estamos hoje. Quando analisamos os padrões de votação em todo o Reino Unido, podemos ver claramente a divisão. As regiões em azul são "Permanecer" e as áreas em vermelho, "Sair". Quando vi isso, o que me impressionou em particular foi o pouquíssimo tempo em minha vida que passei em muitas das regiões em vermelho. De repente, percebi que, analisando as 50 principais regiões do Reino Unido que votaram mais expressivamente pela saída, passei um total de quatro dias da minha vida nelas. Em alguns desses lugares, eu sequer sabia os nomes dos distritos votantes. Foi uma grande surpresa pra mim, e isso sugere que gente como eu, que se acha inclusiva, aberta e tolerante, talvez não conheça nosso próprio país e sociedade tanto quanto acreditam conhecer. (Aplausos) O desafio que surge daí é que precisamos encontrar uma nova forma de explicar a globalização a essas pessoas, de reconhecer que essas pessoas que nem sempre cursaram faculdade, que nem sempre cresceram usando a internet, que não têm oportunidade de viajar, podem ser dissuadidas pela narrativa que achamos ser persuasiva em nossas bolhas geralmente liberais. (Aplausos) Isso significa que precisamos abrir a mente e compreender. No voto pela saída, uma minoria propagou a política do medo e do ódio, criando mentiras e desconfiança em torno, por exemplo, da ideia de que a votação pela Europa poderia reduzir o número de refugiados e pessoas que buscam asilo na Europa, quando o voto pela saída não tinha nada a ver com imigração de fora da União Europeia. Porém, para uma maioria significativa de pessoas que votaram pela saída, a preocupação era a desilusão com a situação política. Foi um voto de protesto para muitos, uma sensação de que ninguém os representava, de que não poderiam encontrar um partido político que os defendesse, e, por isso, rejeitaram essa situação política. O mesmo acontece em toda a Europa e em grande parte do mundo liberal e democrático. Vemos isso na crescente popularidade de Donald Trump nos Estados Unidos, no crescente nacionalismo de Viktor Orbán na Hungria, no aumento de popularidade de Marine Le Pen na França. O espectro do Brexit está em todas as nossas sociedades. A pergunta que acho que devemos fazer é minha segunda pergunta: como devemos reagir a isso coletivamente? Pra todos nós que nos preocupamos em criar sociedades liberais, abertas e tolerantes, precisamos urgentemente de uma nova visão, a visão de uma globalização mais tolerante e inclusiva, uma que agregue as pessoas em vez de deixá-las pra trás. Essa visão de globalização precisa começar pelo reconhecimento dos benefícios da globalização. O consenso entre os economistas é de que o livre comércio, a movimentação de capital e a movimentação de pessoas entre países beneficiam todos na coletividade. O consenso entre estudiosos de relações internacionais é de que a globalização traz interdependência, o que gera cooperação e paz. A globalização, porém, também tem efeitos de redistribuição. Ela cria vencedores e perdedores. Tomando como exemplo a migração, sabemos que a imigração é um ponto positivo para a economia como um todo, sob quase todas as circunstâncias, mas também precisamos estar cientes de que existem consequências de redistribuição, que principalmente a imigração de pessoas pouco qualificadas pode acarretar redução salarial para os mais necessitados em nossas sociedades, e também pressiona os preços dos imóveis. Isso não diminui o aspecto positivo, mas significa que mais pessoas vão compartilhar desses benefícios e reconhecê-los. Em 2002, o ex-secretário-geral nas Nações Unidas, Kofi Annan, fez um discurso na Universidade de Yale, e esse discurso foi sobre globalização inclusiva. Foi nesse discurso que ele cunhou esse termo. Ele disse, e eu o parafraseio: "A casa de vidro da globalização precisa estar aberta a todos para que permaneça segura. Intolerância e desconhecimento são o lado feio da globalização exclusiva e antagônica". A ideia de globalização inclusiva foi brevemente reavivada em 2008, numa conferência sobre governança progressista, envolvendo muitos dos líderes de países europeus. Porém, em meio à austeridade e à crise financeira de 2008, o conceito desapareceu quase que sem deixar rastro. A globalização passou a ser usada para apoiar uma pauta neoliberal. É percebida como parte de uma agenda elitista, em vez de algo que beneficie todos, e ela precisa voltar a ter uma forma bem mais inclusiva do que tem hoje. Então, a pergunta é: como podemos alcançar esse objetivo? Como podemos lidar, por um lado, com o medo e a alienação e, por outro lado, nos recusarmos veementemente a ceder à xenofobia e ao nacionalismo? Essa é a pergunta pra todos nós. E eu acho, como cientista social, que a ciência social oferece alguns pontos de partida. Nossa transformação precisa ser com ideias e com mudança material, e quero dar a vocês quatro ideias como ponto de partida. A primeira tem a ver com educação cívica. O que se destaca no Brexit é a diferença entre a percepção popular e a realidade empírica. Dizem que passamos a ser uma sociedade pós-factual, na qual a verdade e as evidências não importam mais e mentiras são tratadas da mesma forma que a clareza das evidências. Então, como nós... (Aplausos) Como reaver o respeito às evidências e à verdade nas nossas democracias liberais? É necessário começar pela educação, mas é preciso começar por reconhecermos que existem enormes diferenças. Em 2014, a Ipsos MORI publicou uma pesquisa sobre a reação das pessoas à imigração, e ela mostrou que, conforme o número de imigrantes aumenta, também aumenta a preocupação das pessoas em relação à imigração, embora ela não tenha mostrado casualidades, porque isso poderia ter igualmente a ver não tanto com números, mas com a narrativa política e midiática. Porém, a mesma pesquisa revelou grande desinformação do público e concepções equivocadas a respeito da natureza da imigração. Por exemplo, nessas reações no Reino Unido, as pessoas acreditavam que os números de pessoas em asilo tinham proporção maior entre os imigrantes do que de fato tinham, mas também acreditaram que os números da migração estudantil eram bem menores proporcionalmente entre todos os migrantes do que de fato eram. Então, precisamos tratar essa desinformação, a diferença entre percepção e realidade em aspectos essenciais da globalização. E isso não pode ser deixado só a cargo das nossas escolas, embora seja importante começar logo na infância. É preciso que seja uma participação cívica durante a vida inteira e engajamento público que todos encorajemos enquanto sociedades. A segunda coisa que acredito ser uma oportunidade é a ideia de encorajar mais interação entre comunidades diferentes. (Aplausos) Uma das coisas que se destacam pra mim, de forma bem impressionante, analisando as reações à imigração no Reino Unido, é que, ironicamente, as regiões do meu país que são mais tolerantes aos imigrantes são as que têm o maior número de imigrantes. Por exemplo, Londres e a região sudeste têm o maior número de imigrantes e são também, de longe, as áreas mais tolerantes. As regiões do país com o menor número de imigrantes são, na verdade, as mais excludentes e intolerantes a migrantes. Precisamos encorajar programas de intercâmbio, garantir que pessoas de mais idade, que talvez não possam viajar, tenham acesso à internet. Precisamos encorajar, inclusive local e nacionalmente, mais movimento, mais participação, mais interação com pessoas que não conhecemos, com cujas visões não necessariamente concordemos. A terceira coisa que acho ser crucial, porém, e ela é realmente fundamental, é que precisamos garantir que todos se beneficiem dos aspectos positivos da globalização. Essa ilustração do Financial Times, pós-Brexit, é realmente impressionante. Ela mostra tragicamente que as pessoas que votaram pela saída da União Europeia foram as mesmas que mais se beneficiavam materialmente do comércio com a União Europeia. Mas o problema é que essas pessoas nessas regiões não se percebiam como beneficiadas. Elas não acreditavam que de fato tinham acesso a benefícios materiais de intenso comércio e intensa mobilidade pelo mundo. Trabalho com questões que têm predominantemente a ver com refugiados, e uma das ideias que passei muito tempo defendendo, principalmente em países em desenvolvimento, é que, para encorajar a integração de refugiados, não podemos só beneficiar as populações de refugiados. Temos que tratar as preocupações das comunidades locais que os recebem. Mas, ao analisar isso, uma das orientações políticas é que temos que fornecer instalações educacionais e de saúde desproporcionalmente melhores e acesso a serviços sociais nessas regiões onde a imigração é intensa, para tratar as preocupações das populações locais. Embora encorajemos isso nos países em desenvolvimento, não aplicamos essas lições em casa e não as incorporamos em nossa própria sociedade. Além disso, se vamos realmente levar a sério a necessidade de garantir que as pessoas compartilhem dos benefícios econômicos, nossas empresas e corporações precisam de um modelo de globalização que reconheça que elas também precisam abraçar as pessoas. A quarta e última ideia que quero apresentar é a de que precisamos de uma política mais responsável. Há pouquíssimas evidências sociocientíficas que comparem as reações em relação à globalização. Porém, das pesquisas que existem, podemos ver que existe uma enorme variação, entre diferentes países e períodos de tempo nesses países, de reações e tolerância a questões como migração e mobilidade, por um lado, e livre comércio, por outro. Uma hipótese que acho que surge de uma olhada rápida nos dados é a ideia de que sociedades polarizadas são bem menos tolerantes à globalização. São as sociedades como a sueca no passado, e como a canadense hoje, nas quais existe uma política centrista em que esquerda e direita trabalham juntas, que encorajamos reações e apoio à globalização. O que vemos em todo o mundo hoje é uma trágica polarização, uma incapacidade de diálogo entre os extremos da política, e uma divisão no que se refere a esse meio termo liberal capaz de encorajar o diálogo e um entendimento comum. Talvez não consigamos isso hoje, mas, no mínimo, precisamos exigir que nossos políticos e nossa mídia abandonem esse discurso de medo e sejam bem mais tolerantes uns com os outros. (Aplausos) Essas ideias são muito experimentais, em parte porque esse precisa ser um projeto inclusivo e compartilhado. Ainda sou britânico. Ainda sou europeu. Ainda sou um cidadão global. Para aqueles de nós que acreditamos que nossas identidades não são mutuamente excludentes, precisamos todos trabalhar juntos para garantir que a globalização nos abrace a todos, sem deixar pessoas para trás. Só então haverá realmente reconciliação entre democracia e globalização. Obrigado. (Aplausos)