WEBVTT 00:00:10.338 --> 00:00:11.498 Oi, gente. 00:00:11.498 --> 00:00:14.595 Então, quando as pessoas me perguntam de onde eu venho, 00:00:14.595 --> 00:00:18.832 geralmente a resposta causa espanto e às vezes vira motivo de piada. 00:00:18.832 --> 00:00:23.706 Como vocês escutaram, eu sou pesquisadora numa universidade canadense, 00:00:23.706 --> 00:00:26.515 mas eu fui para o Canadá da Finlândia, 00:00:26.515 --> 00:00:29.878 pra Finlândia eu fui da Nova Zelândia, 00:00:29.878 --> 00:00:34.158 pra Nova Zelândia eu fui da Irlanda, pra Irlanda eu fui da Inglaterra, 00:00:34.158 --> 00:00:36.741 mas eu nasci e fui criada aqui no Brasil. 00:00:36.741 --> 00:00:39.307 Eu me formei na [Universidade] Federal do Paraná, 00:00:39.307 --> 00:00:42.855 e ensinei no ensino médio, fui professora do ensino médio por oito anos, 00:00:42.855 --> 00:00:44.515 antes de sair do Brasil. 00:00:44.515 --> 00:00:49.271 Meu pai tem descendência germânica, minha mãe tem descendência indígena 00:00:49.271 --> 00:00:52.968 e meu filhos viajam com passaporte português. 00:00:52.968 --> 00:00:58.751 Então, essa história internacional acabou influenciando o meu objeto de pesquisa, 00:00:58.751 --> 00:01:00.799 que é a cidadania global. 00:01:00.799 --> 00:01:03.615 Eu estudo o imaginário da educação 00:01:03.615 --> 00:01:07.604 dentro da ideologia do desenvolvimento internacional. 00:01:07.604 --> 00:01:12.641 Então, pra dar pra vocês um pouquinho da ideia do que eu faço lá fora, 00:01:12.641 --> 00:01:14.751 eu vou começar com uma analogia. 00:01:14.751 --> 00:01:19.539 Eu vou pedir pra vocês imaginarem uma colheita de milho. 00:01:19.539 --> 00:01:22.134 Conseguem imaginar uma colheita na frente de vocês? 00:01:22.134 --> 00:01:24.320 Tem que ser milho descascado. 00:01:24.320 --> 00:01:27.471 Eu vou perguntar se o que vocês imaginaram 00:01:27.471 --> 00:01:30.803 parece com essa fotografia. 00:01:30.803 --> 00:01:33.528 Normalmente, as pessoas imaginam o milho amarelo. 00:01:33.528 --> 00:01:37.216 Esses milhos coloridos que estão ali são... 00:01:37.216 --> 00:01:41.473 Essa é uma foto que foi tirada no Peru. Esses milhos são verdadeiros. 00:01:41.473 --> 00:01:43.354 Mas eu uso a ideia do milho amarelo, 00:01:43.354 --> 00:01:45.775 que é o que geralmente o que as pessoas imaginam, 00:01:45.775 --> 00:01:51.116 como analogia pra nossa incapacidade de imaginar milhos de cores diferentes, 00:01:51.116 --> 00:01:54.613 e eu uso o milho amarelo também como metáfora 00:01:54.613 --> 00:01:57.972 pra falar sobre o conhecimento reproduzido na escolarização, 00:01:57.972 --> 00:02:03.792 nas escolas, que é uma forma de saber que não sabe que não sabe 00:02:03.792 --> 00:02:07.761 e que se imagina ilimitada, sem reconhecer os seus limites. 00:02:07.761 --> 00:02:11.234 Então, essa forma de saber que é reproduzida na escola 00:02:11.234 --> 00:02:15.651 produz uma história única, uma narrativa única de progresso, 00:02:15.651 --> 00:02:18.720 de desenvolvimento e de evolução da humanidade. 00:02:18.720 --> 00:02:22.917 Então, o meu trabalho em educação é fazer uma análise desse histórico 00:02:22.917 --> 00:02:26.952 e começar a pensar como a educação, como a escolarização 00:02:26.952 --> 00:02:31.262 pode ser imaginada de uma forma diferente. 00:02:31.262 --> 00:02:33.936 Eu me enfoco principalmente 00:02:33.936 --> 00:02:37.536 nas hierarquias criadas por essa forma de saber, 00:02:37.536 --> 00:02:41.482 que dividem a humanidade entre aqueles que lideram 00:02:41.482 --> 00:02:43.968 o desenvolvimento, o progresso e a evolução 00:02:43.968 --> 00:02:46.805 e aqueles que empacam o progresso, o desenvolvimento 00:02:46.805 --> 00:02:48.401 e a evolução da humanidade. 00:02:48.401 --> 00:02:52.177 Então, nessa imaginação da humanidade em dois campos, 00:02:52.177 --> 00:02:57.784 certas pessoas nascem e percebem que elas são seres humanos completos, 00:02:57.784 --> 00:02:59.944 normais e inteligentes, 00:02:59.944 --> 00:03:04.657 e outras acabam sendo percebidas e se percebem também 00:03:04.657 --> 00:03:10.294 como seres humanos incompletos, anormais e menos humanos, e menos inteligentes. 00:03:10.294 --> 00:03:13.477 Então, na educação, isso se repete, 00:03:13.477 --> 00:03:18.002 não só aqui no Brasil e na Inglaterra, onde eu trabalhei, 00:03:18.002 --> 00:03:20.258 mas em vários lugares do mundo inteiro. 00:03:20.258 --> 00:03:24.417 E o meu trabalho é então perceber como é que isso está sendo reproduzido 00:03:24.417 --> 00:03:28.051 e como é que isso pode ser pensado de uma forma diferente. 00:03:29.001 --> 00:03:30.619 No âmbito internacional, 00:03:30.619 --> 00:03:36.881 essa hierarquia de desenvolvimento se reproduz baseada no mito 00:03:36.881 --> 00:03:40.291 de que desenvolvimento é produzido 00:03:40.291 --> 00:03:43.613 a partir do conhecimento e da capacidade das pessoas. 00:03:43.613 --> 00:03:46.079 Então, esse mito faz com que a gente perceba 00:03:46.079 --> 00:03:49.354 quem nasce num país desenvolvido como mais inteligente, 00:03:49.354 --> 00:03:52.585 e quem nasce num país mais pobre como menos inteligente. 00:03:52.585 --> 00:03:54.637 Então, um país emergente como o Brasil 00:03:54.637 --> 00:03:57.690 é um país onde as pessoas "estão começando a ficar inteligentes", 00:03:57.690 --> 00:03:59.850 dentro dessa visão de mundo, 00:03:59.850 --> 00:04:04.531 e passam a ser ameaça àqueles que foram inteligentes até agora. 00:04:05.451 --> 00:04:07.530 Essa é uma produção sistêmica, 00:04:07.530 --> 00:04:10.221 quer dizer, quem nasce em país rico e em país pobre 00:04:10.221 --> 00:04:12.302 acredita na mesma coisa. 00:04:12.302 --> 00:04:14.940 Vou dar um exemplo pra vocês, mas, pra dar esse exemplo, 00:04:14.940 --> 00:04:18.910 eu preciso que vocês se engajem numa visualização comigo. 00:04:18.910 --> 00:04:23.727 Imaginem que vocês são alunos do ensino médio, numa escola europeia, 00:04:23.727 --> 00:04:28.245 e hoje o governo mandou pra vocês um questionário pra ser respondido 00:04:28.245 --> 00:04:30.944 por todos os alunos da sua cidade. 00:04:30.944 --> 00:04:33.223 É um questionário sobre desenvolvimento, 00:04:33.223 --> 00:04:36.657 e a primeira pergunta do questionário é a seguinte: 00:04:36.657 --> 00:04:39.742 "Por que o governo do seu país" - desse país europeu - 00:04:39.742 --> 00:04:42.166 "deve ajudar os países mais pobres?" 00:04:42.166 --> 00:04:46.519 E aqui estão as suas possibilidades de respostas, e você tem que marcar um X: 00:04:46.519 --> 00:04:49.220 "Porque se não ajudarmos,..." 00:04:49.220 --> 00:04:54.131 "as pessoas desses países vêm tirar nossos empregos e desequilibrar nossa economia"; 00:04:54.131 --> 00:04:57.133 "as pessoas desses países se envolvem em conflitos violentos 00:04:57.133 --> 00:04:59.748 e a gente acaba tendo que intervir"; 00:04:59.748 --> 00:05:03.745 "as pessoas desses países espalham doenças que nos afetam"; 00:05:03.745 --> 00:05:07.362 "as pessoas desses países vão continuar a destruir o meio ambiente, 00:05:07.362 --> 00:05:09.277 se a gente não intervir"; 00:05:09.277 --> 00:05:12.813 "ficaria mais perigoso tirar férias nesses países". 00:05:13.773 --> 00:05:19.328 Então, esse questionário foi usado na Inglaterra, de 1994 a 2007, 00:05:19.328 --> 00:05:21.924 e os alunos que respondem a esse questionário 00:05:21.924 --> 00:05:26.935 aprendem a associar a pobreza, ou os países mais pobres, 00:05:26.935 --> 00:05:32.050 com ignorância, violência, destruição, lixo, doenças e servidão, 00:05:32.050 --> 00:05:34.790 e, ao mesmo tempo, ao fazer isso com o outro, 00:05:34.790 --> 00:05:39.206 eles aprendem a se identificar com as características opostas, 00:05:39.206 --> 00:05:41.892 de inteligência, benevolência, merecimento, 00:05:41.892 --> 00:05:44.552 honestidade, limpeza e liderança. 00:05:44.552 --> 00:05:46.548 E essas características, num todo, 00:05:46.548 --> 00:05:51.665 acabam justificando a sua superioridade, o direito de intervenção, 00:05:51.665 --> 00:05:55.155 de tentar arrumar e ajudar o outro, 00:05:55.155 --> 00:06:01.064 como também a defesa do seu direito ao seu privilégio, 00:06:01.064 --> 00:06:06.188 que é, então, percebido como a segurança. 00:06:06.188 --> 00:06:11.135 Essa divisão justifica o direito de defender a segurança 00:06:11.135 --> 00:06:14.310 frente à ameaça que o outro representa. 00:06:17.830 --> 00:06:22.253 A superioridade depende de um outro que precisa ser percebido como inferior. 00:06:22.253 --> 00:06:26.580 Não tem como ter superioridade sem o outro que é inferior. 00:06:26.580 --> 00:06:29.533 E essas hierarquias se reproduzem não só na Inglaterra, 00:06:29.533 --> 00:06:33.415 não só na Europa, na América do Norte, como aqui também, em vários contextos, 00:06:33.415 --> 00:06:36.293 de formas extremamente semelhantes. 00:06:36.293 --> 00:06:39.312 E a minha parte de pesquisa em educação, então, 00:06:39.312 --> 00:06:43.336 é tentar perceber se isso pode ser modificado, 00:06:43.336 --> 00:06:45.707 como isso é reproduzido através da educação 00:06:45.707 --> 00:06:47.939 e como isso pode ser modificado. 00:06:47.939 --> 00:06:49.953 Eu vou dar um outro exemplo. 00:06:49.953 --> 00:06:54.281 Normalmente quando eu vou trabalhar com professores nesses países, 00:06:55.201 --> 00:06:58.137 em diversos países, não só na Europa e na América do Norte, 00:06:58.137 --> 00:06:59.803 mas também na América Latina, 00:06:59.803 --> 00:07:02.565 eu sempre faço uma dinâmica com os professores 00:07:02.565 --> 00:07:07.161 e peço pra eles me responderem 00:07:07.161 --> 00:07:10.275 como é que eles percebem os seus contextos sociais, 00:07:10.275 --> 00:07:12.636 como é que eles percebem a sociedade ideal 00:07:12.636 --> 00:07:15.336 e como se chega de A a B. 00:07:15.336 --> 00:07:18.075 Normalmente, quando eu pergunto sobre o contexto ideal, 00:07:18.075 --> 00:07:21.958 não só aqui na América Latina mas nos outros países também, 00:07:21.958 --> 00:07:25.946 a resposta é relacionada à violência, à pobreza, ao desemprego, 00:07:25.946 --> 00:07:28.440 abuso de drogas, desafeto e poluição 00:07:28.440 --> 00:07:33.063 e, mais e mais, a gente tem a depressão e a ansiedade dentro desse contexto. 00:07:33.963 --> 00:07:36.426 Quando eu pergunto sobre a sociedade ideal, 00:07:36.426 --> 00:07:39.770 a resposta normalmente se relaciona a paz, famílias felizes, 00:07:39.770 --> 00:07:42.473 etnias, nacionalidades de mãos dadas, 00:07:42.473 --> 00:07:44.703 campos verdes cheios de flores. 00:07:44.703 --> 00:07:47.217 E, quando eu pergunto como se passa de A a B, 00:07:47.217 --> 00:07:48.957 a resposta, invariavelmente, 00:07:48.957 --> 00:07:51.824 é a construção do conhecimento através da educação. 00:07:51.824 --> 00:07:56.813 Então, dentro dessa visão de mundo, se percebe o problema como a ignorância 00:07:56.813 --> 00:08:02.268 e o conhecimento como algo que vá abordar essa ignorância 00:08:02.268 --> 00:08:04.410 e levar a gente pra sociedade ideal, 00:08:04.410 --> 00:08:07.284 e é aí que o mito do milho amarelo aparece. 00:08:07.754 --> 00:08:11.966 A gente percebe que o milho amarelo acaba sendo a solução 00:08:11.966 --> 00:08:15.259 para os problemas que são causados pelo próprio milho amarelo. 00:08:15.729 --> 00:08:20.564 Então, é muito mais difícil perguntar que tipo de conhecimento leva a relações 00:08:20.564 --> 00:08:23.211 que causam os problemas que a gente identificou 00:08:23.211 --> 00:08:28.367 e como esse próprio conhecimento limita como a gente formula os problemas 00:08:28.367 --> 00:08:31.059 e como a gente pode imaginar as respostas. 00:08:31.059 --> 00:08:32.898 Em outras palavras, 00:08:32.898 --> 00:08:37.018 a gente acaba tentando responder, 00:08:37.828 --> 00:08:40.318 abordar os problemas que a gente tem 00:08:40.318 --> 00:08:44.298 usando o mesmo paradigma de conhecimento que gerou esses problemas. 00:08:44.308 --> 00:08:47.652 Portanto, as perguntas que a gente faz em educação, 00:08:47.652 --> 00:08:49.825 no meu grupo de pesquisa, por exemplo, 00:08:49.825 --> 00:08:52.739 se relacionam a que tipo de conhecimento 00:08:52.739 --> 00:08:56.038 pode nos levar a perceber o limite da forma de conhecimento 00:08:56.038 --> 00:08:58.246 que recebemos já nessa história. 00:08:58.246 --> 00:09:02.522 Será que a educação pode ser usada pra se pensar genuinamente diferente? 00:09:02.522 --> 00:09:05.899 Que tipo de educação pode nos ajudar a encarar a complexidade, 00:09:05.899 --> 00:09:08.514 a incerteza, a pluralidade, a desigualdade, 00:09:08.514 --> 00:09:11.496 de forma que a gente possa cometer erros novos 00:09:11.496 --> 00:09:13.553 e evitar os recorrentes? 00:09:16.313 --> 00:09:19.731 Então, em relação a... Ah, está aqui. 00:09:19.731 --> 00:09:22.691 A gente continua a buscar soluções do paradigma de conhecimento 00:09:22.691 --> 00:09:25.305 responsável pelos problemas que a gente quer resolver, 00:09:25.305 --> 00:09:27.620 e isso nos leva a repetir os mesmos erros 00:09:27.620 --> 00:09:31.242 disfarçados em linguagens e conteúdos diferentes. 00:09:31.242 --> 00:09:33.810 Então, à minha resposta às perguntas que eu coloquei, 00:09:33.810 --> 00:09:35.453 a minha resposta-tentativa, 00:09:35.453 --> 00:09:39.085 é de que não adianta enfocar naquilo que a gente não imagina 00:09:39.085 --> 00:09:41.028 como extensão do próprio conhecimento. 00:09:41.028 --> 00:09:44.692 A gente precisa enfocar naquilo que a gente não consegue imaginar, 00:09:44.692 --> 00:09:47.387 aquilo que a gente não sabe que a gente não sabe. 00:09:47.927 --> 00:09:52.960 E, pra isso, a gente precisa contemplar a beirada-limite do nosso conhecimento, 00:09:52.960 --> 00:09:56.543 e isso a escola moderna não ensina. 00:09:57.193 --> 00:10:00.822 Pra começar a contemplar a beirada-limite do nosso conhecimento, 00:10:00.822 --> 00:10:04.524 é necessário olhar pra produção do conhecimento em si 00:10:04.524 --> 00:10:08.699 e, pra começar essa conversa, eu normalmente uso a metáfora de um bolo. 00:10:08.699 --> 00:10:13.477 No topo do bolo está o que a gente fala, o que a gente pensa e o que a gente faz. 00:10:13.477 --> 00:10:15.855 A gente é levado a pensar 00:10:15.855 --> 00:10:18.812 que o que a gente fala, o que a gente pensa e o que a gente faz 00:10:18.812 --> 00:10:21.737 são coisas que estão interligadas e que são coerentes, 00:10:21.737 --> 00:10:23.495 mas não funciona bem assim. 00:10:23.495 --> 00:10:27.527 O que a gente fala, pensa e faz está ligado à nossa história única e pessoal, 00:10:27.527 --> 00:10:30.642 o que a gente aprende nas nossas famílias e nos nossos contextos; 00:10:30.642 --> 00:10:33.379 não só o que é consciente, mas também até inconsciente, 00:10:33.379 --> 00:10:36.819 nossos medos, nossos traumas e nossas paixões. 00:10:36.819 --> 00:10:40.507 Mas a nossa história única e pessoal não é só única e pessoal também. 00:10:40.507 --> 00:10:42.916 Ela está ligada na última camada do bolo, 00:10:42.916 --> 00:10:46.523 que são as referências coletivas sobre a realidade e sobre o conhecimento 00:10:46.523 --> 00:10:50.486 que a gente herda através da linguagem e através das nossas culturas, 00:10:50.486 --> 00:10:52.453 e através da nossa história. 00:10:52.453 --> 00:10:54.974 As escolhas feitas na base do bolo 00:10:54.974 --> 00:10:58.791 determinam o que vai acontecer nas camadas acima, do bolo, 00:10:58.791 --> 00:11:01.469 e são escolhas que determinam o que é desejável, 00:11:01.469 --> 00:11:05.530 as perguntas que podem ser feitas, como procurar as respostas, 00:11:05.530 --> 00:11:08.467 o que pode ser dito e o que pode ser negado. 00:11:08.467 --> 00:11:12.770 Como são escolhas, sempre existem as escolhas que não foram feitas, 00:11:12.770 --> 00:11:17.000 mas, se o nosso conhecimento se percebe como ilimitado e único, 00:11:17.000 --> 00:11:22.441 a gente vai ter mesmo dificuldade enorme em imaginar milhos de cores diferentes. 00:11:22.441 --> 00:11:25.203 Mas aqui, a questão não é substituir o milho amarelo 00:11:25.203 --> 00:11:29.374 pelo milho verde, pelo milho azul, milho rosa, ou por vários milhos, 00:11:29.374 --> 00:11:32.731 mas é perceber que cada milho tem seu histórico 00:11:32.731 --> 00:11:38.165 e que a diferença é absolutamente necessária para a nossa sobrevivência 00:11:38.165 --> 00:11:41.886 porque a gente precisa de formas diferentes de existir no planeta, 00:11:41.886 --> 00:11:45.843 principalmente quando a forma dominante pode não ser sustentável 00:11:45.843 --> 00:11:47.528 e levar à destruição. 00:11:48.318 --> 00:11:51.494 Então, dentro desse contexto, é importante perceber 00:11:51.494 --> 00:11:54.843 de onde veio esse milho amarelo e por que ele ficou dominante, 00:11:54.843 --> 00:11:57.010 como é que ele domina a nossa imaginação 00:11:57.010 --> 00:11:59.949 e, pra isso, é importante pensar no pensamento cartesiano, 00:11:59.949 --> 00:12:05.421 que faz as divisões entre mente e corpo, entre razão e emoção, cultura e natureza, 00:12:05.421 --> 00:12:08.095 que determina uma história de progresso e desenvolvimento 00:12:08.095 --> 00:12:10.583 baseada na ciência e na tecnologia, 00:12:10.583 --> 00:12:14.961 e que pensa na segurança como a busca da felicidade constante. 00:12:15.821 --> 00:12:20.338 Então, nesse contexto, é preciso problematizar 00:12:20.338 --> 00:12:24.253 a racionalidade totalizante que coloca o homem no centro do mundo, 00:12:24.253 --> 00:12:27.190 e que demanda soluções simples, empreendedoras, 00:12:27.190 --> 00:12:30.286 e que possam ser comunicadas em 15 minutos. 00:12:31.086 --> 00:12:36.175 Nesse contexto, pessoas escolarizadas como eu, 00:12:36.175 --> 00:12:39.646 se a gente foi educado e socializado no mito do milho amarelo, 00:12:39.646 --> 00:12:43.087 a gente tem uma dificuldade enorme de lidar com a complexidade, 00:12:43.087 --> 00:12:45.078 com a ambivalência, com a pluralidade, 00:12:45.078 --> 00:12:47.583 com o conflito, com a incerteza e com a desigualdade, 00:12:47.583 --> 00:12:51.638 e isso é porque o milho amarelo continua ditando uma narrativa única 00:12:51.638 --> 00:12:55.427 de progresso e desenvolvimento e de humanidade. 00:12:55.427 --> 00:12:57.763 Isso pode ser observado também 00:12:57.763 --> 00:13:02.628 no sonho brasileiro de se adquirir a vantagem competitiva 00:13:02.628 --> 00:13:06.773 nessa competição mundial de desenvolvimento econômico, 00:13:06.773 --> 00:13:13.577 a vontade nossa, o sonho, de passar de terceiro mundo pra primeiro mundo. 00:13:13.577 --> 00:13:16.804 Então, nossa vontade de jogar esse jogo é tão forte, 00:13:16.804 --> 00:13:21.388 que não sobra tempo pra gente ver que esse jogo, essa narrativa, 00:13:21.388 --> 00:13:25.494 não trouxe as soluções milagrosas para os países ditos desenvolvidos. 00:13:25.494 --> 00:13:28.996 Na verdade, é tempo de crises enormes nesses países, 00:13:28.996 --> 00:13:33.399 crises essas que são necessárias pra continuação dessa competição 00:13:33.399 --> 00:13:37.511 e que são baseadas no medo e na negação de outras possibilidades. 00:13:37.511 --> 00:13:42.433 Então, a gente vê a crise lá fora e continua acreditando, aqui no Brasil, 00:13:42.433 --> 00:13:47.393 na ilusão de que o desenvolvimento baseado no lucro e no consumo, 00:13:47.393 --> 00:13:49.637 na exploração e na extração, 00:13:49.637 --> 00:13:55.222 na competitividade e no individualismo vai trazer a felicidade 00:13:55.222 --> 00:13:58.926 e vai garantir um crescimento econômico constante. 00:13:59.936 --> 00:14:01.475 Também é interessante perceber 00:14:01.475 --> 00:14:05.373 que, quando a gente começa a levantar essas questões em educação, 00:14:05.373 --> 00:14:09.051 mais e mais existe resistência. 00:14:09.051 --> 00:14:12.262 Então, eu comparo isso com a questão da alimentação: 00:14:12.262 --> 00:14:14.287 se eu perguntar para os meus alunos 00:14:14.287 --> 00:14:18.219 se eles preferem algodão-doce ou brócolis cru sem sal, 00:14:18.219 --> 00:14:22.522 que é melhor pra saúde deles, eles vão preferir o algodão-doce. 00:14:22.522 --> 00:14:26.783 Se eu perguntar pra eles se eles preferem uma educação que confirme as suas certezas 00:14:26.783 --> 00:14:30.992 e que traga uma sensação de prazer ao confirmar essas certezas, 00:14:30.992 --> 00:14:35.232 ou uma educação que questione essas certezas e que abra mais possibilidades, 00:14:35.232 --> 00:14:38.933 mas que traga um desconforto inicial temporário, 00:14:38.933 --> 00:14:41.783 meus alunos hoje, tanto aqui quanto lá, 00:14:41.783 --> 00:14:45.101 estão preferindo o algodão-doce, o conforto, 00:14:45.101 --> 00:14:48.973 e isso é sinal de uma sociedade orientada ao narcisismo, 00:14:48.973 --> 00:14:52.991 o que, na minha opinião, é o maior desafio da educação hoje em dia. 00:14:52.991 --> 00:14:55.588 Então, eu volto para as perguntas pra concluir. 00:14:55.588 --> 00:14:59.132 Como se educar pra complexidade, incerteza, pluralidade, 00:14:59.132 --> 00:15:00.973 em um contexto de desigualdade, 00:15:00.973 --> 00:15:04.231 se a educação moderna vai na direção oposta? 00:15:04.231 --> 00:15:07.445 Como se educar pra que a gente possa aprender com os erros e limites 00:15:07.445 --> 00:15:10.648 do milho amarelo, sem jogá-lo fora? 00:15:10.648 --> 00:15:13.510 E como se educar pra criação de novas realidades 00:15:13.510 --> 00:15:16.682 onde os mesmos erros não sejam reproduzidos? 00:15:16.682 --> 00:15:17.898 Muito obrigada. 00:15:17.898 --> 00:15:19.820 (Aplausos)