1 00:00:10,338 --> 00:00:11,498 Oi, gente. 2 00:00:11,498 --> 00:00:14,595 Então, quando as pessoas me perguntam de onde eu venho, 3 00:00:14,595 --> 00:00:18,832 geralmente a resposta causa espanto e às vezes vira motivo de piada. 4 00:00:18,832 --> 00:00:23,706 Como vocês escutaram, eu sou pesquisadora numa universidade canadense, 5 00:00:23,706 --> 00:00:26,515 mas eu fui para o Canadá da Finlândia, 6 00:00:26,515 --> 00:00:29,878 pra Finlândia eu fui da Nova Zelândia, 7 00:00:29,878 --> 00:00:34,158 pra Nova Zelândia eu fui da Irlanda, pra Irlanda eu fui da Inglaterra, 8 00:00:34,158 --> 00:00:36,741 mas eu nasci e fui criada aqui no Brasil. 9 00:00:36,741 --> 00:00:39,307 Eu me formei na [Universidade] Federal do Paraná, 10 00:00:39,307 --> 00:00:42,855 e ensinei no ensino médio, fui professora do ensino médio por oito anos, 11 00:00:42,855 --> 00:00:44,515 antes de sair do Brasil. 12 00:00:44,515 --> 00:00:49,271 Meu pai tem descendência germânica, minha mãe tem descendência indígena 13 00:00:49,271 --> 00:00:52,968 e meu filhos viajam com passaporte português. 14 00:00:52,968 --> 00:00:58,751 Então, essa história internacional acabou influenciando o meu objeto de pesquisa, 15 00:00:58,751 --> 00:01:00,799 que é a cidadania global. 16 00:01:00,799 --> 00:01:03,615 Eu estudo o imaginário da educação 17 00:01:03,615 --> 00:01:07,604 dentro da ideologia do desenvolvimento internacional. 18 00:01:07,604 --> 00:01:12,641 Então, pra dar pra vocês um pouquinho da ideia do que eu faço lá fora, 19 00:01:12,641 --> 00:01:14,751 eu vou começar com uma analogia. 20 00:01:14,751 --> 00:01:19,539 Eu vou pedir pra vocês imaginarem uma colheita de milho. 21 00:01:19,539 --> 00:01:22,134 Conseguem imaginar uma colheita na frente de vocês? 22 00:01:22,134 --> 00:01:24,320 Tem que ser milho descascado. 23 00:01:24,320 --> 00:01:27,471 Eu vou perguntar se o que vocês imaginaram 24 00:01:27,471 --> 00:01:30,803 parece com essa fotografia. 25 00:01:30,803 --> 00:01:33,528 Normalmente, as pessoas imaginam o milho amarelo. 26 00:01:33,528 --> 00:01:37,216 Esses milhos coloridos que estão ali são... 27 00:01:37,216 --> 00:01:41,473 Essa é uma foto que foi tirada no Peru. Esses milhos são verdadeiros. 28 00:01:41,473 --> 00:01:43,354 Mas eu uso a ideia do milho amarelo, 29 00:01:43,354 --> 00:01:45,775 que é o que geralmente o que as pessoas imaginam, 30 00:01:45,775 --> 00:01:51,116 como analogia pra nossa incapacidade de imaginar milhos de cores diferentes, 31 00:01:51,116 --> 00:01:54,613 e eu uso o milho amarelo também como metáfora 32 00:01:54,613 --> 00:01:57,972 pra falar sobre o conhecimento reproduzido na escolarização, 33 00:01:57,972 --> 00:02:03,792 nas escolas, que é uma forma de saber que não sabe que não sabe 34 00:02:03,792 --> 00:02:07,761 e que se imagina ilimitada, sem reconhecer os seus limites. 35 00:02:07,761 --> 00:02:11,234 Então, essa forma de saber que é reproduzida na escola 36 00:02:11,234 --> 00:02:15,651 produz uma história única, uma narrativa única de progresso, 37 00:02:15,651 --> 00:02:18,720 de desenvolvimento e de evolução da humanidade. 38 00:02:18,720 --> 00:02:22,917 Então, o meu trabalho em educação é fazer uma análise desse histórico 39 00:02:22,917 --> 00:02:26,952 e começar a pensar como a educação, como a escolarização 40 00:02:26,952 --> 00:02:31,262 pode ser imaginada de uma forma diferente. 41 00:02:31,262 --> 00:02:33,936 Eu me enfoco principalmente 42 00:02:33,936 --> 00:02:37,536 nas hierarquias criadas por essa forma de saber, 43 00:02:37,536 --> 00:02:41,482 que dividem a humanidade entre aqueles que lideram 44 00:02:41,482 --> 00:02:43,968 o desenvolvimento, o progresso e a evolução 45 00:02:43,968 --> 00:02:46,805 e aqueles que empacam o progresso, o desenvolvimento 46 00:02:46,805 --> 00:02:48,401 e a evolução da humanidade. 47 00:02:48,401 --> 00:02:52,177 Então, nessa imaginação da humanidade em dois campos, 48 00:02:52,177 --> 00:02:57,784 certas pessoas nascem e percebem que elas são seres humanos completos, 49 00:02:57,784 --> 00:02:59,944 normais e inteligentes, 50 00:02:59,944 --> 00:03:04,657 e outras acabam sendo percebidas e se percebem também 51 00:03:04,657 --> 00:03:10,294 como seres humanos incompletos, anormais e menos humanos, e menos inteligentes. 52 00:03:10,294 --> 00:03:13,477 Então, na educação, isso se repete, 53 00:03:13,477 --> 00:03:18,002 não só aqui no Brasil e na Inglaterra, onde eu trabalhei, 54 00:03:18,002 --> 00:03:20,258 mas em vários lugares do mundo inteiro. 55 00:03:20,258 --> 00:03:24,417 E o meu trabalho é então perceber como é que isso está sendo reproduzido 56 00:03:24,417 --> 00:03:28,051 e como é que isso pode ser pensado de uma forma diferente. 57 00:03:29,001 --> 00:03:30,619 No âmbito internacional, 58 00:03:30,619 --> 00:03:36,881 essa hierarquia de desenvolvimento se reproduz baseada no mito 59 00:03:36,881 --> 00:03:40,291 de que desenvolvimento é produzido 60 00:03:40,291 --> 00:03:43,613 a partir do conhecimento e da capacidade das pessoas. 61 00:03:43,613 --> 00:03:46,079 Então, esse mito faz com que a gente perceba 62 00:03:46,079 --> 00:03:49,354 quem nasce num país desenvolvido como mais inteligente, 63 00:03:49,354 --> 00:03:52,585 e quem nasce num país mais pobre como menos inteligente. 64 00:03:52,585 --> 00:03:54,637 Então, um país emergente como o Brasil 65 00:03:54,637 --> 00:03:57,690 é um país onde as pessoas "estão começando a ficar inteligentes", 66 00:03:57,690 --> 00:03:59,850 dentro dessa visão de mundo, 67 00:03:59,850 --> 00:04:04,531 e passam a ser ameaça àqueles que foram inteligentes até agora. 68 00:04:05,451 --> 00:04:07,530 Essa é uma produção sistêmica, 69 00:04:07,530 --> 00:04:10,221 quer dizer, quem nasce em país rico e em país pobre 70 00:04:10,221 --> 00:04:12,302 acredita na mesma coisa. 71 00:04:12,302 --> 00:04:14,940 Vou dar um exemplo pra vocês, mas, pra dar esse exemplo, 72 00:04:14,940 --> 00:04:18,910 eu preciso que vocês se engajem numa visualização comigo. 73 00:04:18,910 --> 00:04:23,727 Imaginem que vocês são alunos do ensino médio, numa escola europeia, 74 00:04:23,727 --> 00:04:28,245 e hoje o governo mandou pra vocês um questionário pra ser respondido 75 00:04:28,245 --> 00:04:30,944 por todos os alunos da sua cidade. 76 00:04:30,944 --> 00:04:33,223 É um questionário sobre desenvolvimento, 77 00:04:33,223 --> 00:04:36,657 e a primeira pergunta do questionário é a seguinte: 78 00:04:36,657 --> 00:04:39,742 "Por que o governo do seu país" - desse país europeu - 79 00:04:39,742 --> 00:04:42,166 "deve ajudar os países mais pobres?" 80 00:04:42,166 --> 00:04:46,519 E aqui estão as suas possibilidades de respostas, e você tem que marcar um X: 81 00:04:46,519 --> 00:04:49,220 "Porque se não ajudarmos,..." 82 00:04:49,220 --> 00:04:54,131 "as pessoas desses países vêm tirar nossos empregos e desequilibrar nossa economia"; 83 00:04:54,131 --> 00:04:57,133 "as pessoas desses países se envolvem em conflitos violentos 84 00:04:57,133 --> 00:04:59,748 e a gente acaba tendo que intervir"; 85 00:04:59,748 --> 00:05:03,745 "as pessoas desses países espalham doenças que nos afetam"; 86 00:05:03,745 --> 00:05:07,362 "as pessoas desses países vão continuar a destruir o meio ambiente, 87 00:05:07,362 --> 00:05:09,277 se a gente não intervir"; 88 00:05:09,277 --> 00:05:12,813 "ficaria mais perigoso tirar férias nesses países". 89 00:05:13,773 --> 00:05:19,328 Então, esse questionário foi usado na Inglaterra, de 1994 a 2007, 90 00:05:19,328 --> 00:05:21,924 e os alunos que respondem a esse questionário 91 00:05:21,924 --> 00:05:26,935 aprendem a associar a pobreza, ou os países mais pobres, 92 00:05:26,935 --> 00:05:32,050 com ignorância, violência, destruição, lixo, doenças e servidão, 93 00:05:32,050 --> 00:05:34,790 e, ao mesmo tempo, ao fazer isso com o outro, 94 00:05:34,790 --> 00:05:39,206 eles aprendem a se identificar com as características opostas, 95 00:05:39,206 --> 00:05:41,892 de inteligência, benevolência, merecimento, 96 00:05:41,892 --> 00:05:44,552 honestidade, limpeza e liderança. 97 00:05:44,552 --> 00:05:46,548 E essas características, num todo, 98 00:05:46,548 --> 00:05:51,665 acabam justificando a sua superioridade, o direito de intervenção, 99 00:05:51,665 --> 00:05:55,155 de tentar arrumar e ajudar o outro, 100 00:05:55,155 --> 00:06:01,064 como também a defesa do seu direito ao seu privilégio, 101 00:06:01,064 --> 00:06:06,188 que é, então, percebido como a segurança. 102 00:06:06,188 --> 00:06:11,135 Essa divisão justifica o direito de defender a segurança 103 00:06:11,135 --> 00:06:14,310 frente à ameaça que o outro representa. 104 00:06:17,830 --> 00:06:22,253 A superioridade depende de um outro que precisa ser percebido como inferior. 105 00:06:22,253 --> 00:06:26,580 Não tem como ter superioridade sem o outro que é inferior. 106 00:06:26,580 --> 00:06:29,533 E essas hierarquias se reproduzem não só na Inglaterra, 107 00:06:29,533 --> 00:06:33,415 não só na Europa, na América do Norte, como aqui também, em vários contextos, 108 00:06:33,415 --> 00:06:36,293 de formas extremamente semelhantes. 109 00:06:36,293 --> 00:06:39,312 E a minha parte de pesquisa em educação, então, 110 00:06:39,312 --> 00:06:43,336 é tentar perceber se isso pode ser modificado, 111 00:06:43,336 --> 00:06:45,707 como isso é reproduzido através da educação 112 00:06:45,707 --> 00:06:47,939 e como isso pode ser modificado. 113 00:06:47,939 --> 00:06:49,953 Eu vou dar um outro exemplo. 114 00:06:49,953 --> 00:06:54,281 Normalmente quando eu vou trabalhar com professores nesses países, 115 00:06:55,201 --> 00:06:58,137 em diversos países, não só na Europa e na América do Norte, 116 00:06:58,137 --> 00:06:59,803 mas também na América Latina, 117 00:06:59,803 --> 00:07:02,565 eu sempre faço uma dinâmica com os professores 118 00:07:02,565 --> 00:07:07,161 e peço pra eles me responderem 119 00:07:07,161 --> 00:07:10,275 como é que eles percebem os seus contextos sociais, 120 00:07:10,275 --> 00:07:12,636 como é que eles percebem a sociedade ideal 121 00:07:12,636 --> 00:07:15,336 e como se chega de A a B. 122 00:07:15,336 --> 00:07:18,075 Normalmente, quando eu pergunto sobre o contexto ideal, 123 00:07:18,075 --> 00:07:21,958 não só aqui na América Latina mas nos outros países também, 124 00:07:21,958 --> 00:07:25,946 a resposta é relacionada à violência, à pobreza, ao desemprego, 125 00:07:25,946 --> 00:07:28,440 abuso de drogas, desafeto e poluição 126 00:07:28,440 --> 00:07:33,063 e, mais e mais, a gente tem a depressão e a ansiedade dentro desse contexto. 127 00:07:33,963 --> 00:07:36,426 Quando eu pergunto sobre a sociedade ideal, 128 00:07:36,426 --> 00:07:39,770 a resposta normalmente se relaciona a paz, famílias felizes, 129 00:07:39,770 --> 00:07:42,473 etnias, nacionalidades de mãos dadas, 130 00:07:42,473 --> 00:07:44,703 campos verdes cheios de flores. 131 00:07:44,703 --> 00:07:47,217 E, quando eu pergunto como se passa de A a B, 132 00:07:47,217 --> 00:07:48,957 a resposta, invariavelmente, 133 00:07:48,957 --> 00:07:51,824 é a construção do conhecimento através da educação. 134 00:07:51,824 --> 00:07:56,813 Então, dentro dessa visão de mundo, se percebe o problema como a ignorância 135 00:07:56,813 --> 00:08:02,268 e o conhecimento como algo que vá abordar essa ignorância 136 00:08:02,268 --> 00:08:04,410 e levar a gente pra sociedade ideal, 137 00:08:04,410 --> 00:08:07,284 e é aí que o mito do milho amarelo aparece. 138 00:08:07,754 --> 00:08:11,966 A gente percebe que o milho amarelo acaba sendo a solução 139 00:08:11,966 --> 00:08:15,259 para os problemas que são causados pelo próprio milho amarelo. 140 00:08:15,729 --> 00:08:20,564 Então, é muito mais difícil perguntar que tipo de conhecimento leva a relações 141 00:08:20,564 --> 00:08:23,211 que causam os problemas que a gente identificou 142 00:08:23,211 --> 00:08:28,367 e como esse próprio conhecimento limita como a gente formula os problemas 143 00:08:28,367 --> 00:08:31,059 e como a gente pode imaginar as respostas. 144 00:08:31,059 --> 00:08:32,898 Em outras palavras, 145 00:08:32,898 --> 00:08:37,018 a gente acaba tentando responder, 146 00:08:37,828 --> 00:08:40,318 abordar os problemas que a gente tem 147 00:08:40,318 --> 00:08:44,298 usando o mesmo paradigma de conhecimento que gerou esses problemas. 148 00:08:44,308 --> 00:08:47,652 Portanto, as perguntas que a gente faz em educação, 149 00:08:47,652 --> 00:08:49,825 no meu grupo de pesquisa, por exemplo, 150 00:08:49,825 --> 00:08:52,739 se relacionam a que tipo de conhecimento 151 00:08:52,739 --> 00:08:56,038 pode nos levar a perceber o limite da forma de conhecimento 152 00:08:56,038 --> 00:08:58,246 que recebemos já nessa história. 153 00:08:58,246 --> 00:09:02,522 Será que a educação pode ser usada pra se pensar genuinamente diferente? 154 00:09:02,522 --> 00:09:05,899 Que tipo de educação pode nos ajudar a encarar a complexidade, 155 00:09:05,899 --> 00:09:08,514 a incerteza, a pluralidade, a desigualdade, 156 00:09:08,514 --> 00:09:11,496 de forma que a gente possa cometer erros novos 157 00:09:11,496 --> 00:09:13,553 e evitar os recorrentes? 158 00:09:16,313 --> 00:09:19,731 Então, em relação a... Ah, está aqui. 159 00:09:19,731 --> 00:09:22,691 A gente continua a buscar soluções do paradigma de conhecimento 160 00:09:22,691 --> 00:09:25,305 responsável pelos problemas que a gente quer resolver, 161 00:09:25,305 --> 00:09:27,620 e isso nos leva a repetir os mesmos erros 162 00:09:27,620 --> 00:09:31,242 disfarçados em linguagens e conteúdos diferentes. 163 00:09:31,242 --> 00:09:33,810 Então, à minha resposta às perguntas que eu coloquei, 164 00:09:33,810 --> 00:09:35,453 a minha resposta-tentativa, 165 00:09:35,453 --> 00:09:39,085 é de que não adianta enfocar naquilo que a gente não imagina 166 00:09:39,085 --> 00:09:41,028 como extensão do próprio conhecimento. 167 00:09:41,028 --> 00:09:44,692 A gente precisa enfocar naquilo que a gente não consegue imaginar, 168 00:09:44,692 --> 00:09:47,387 aquilo que a gente não sabe que a gente não sabe. 169 00:09:47,927 --> 00:09:52,960 E, pra isso, a gente precisa contemplar a beirada-limite do nosso conhecimento, 170 00:09:52,960 --> 00:09:56,543 e isso a escola moderna não ensina. 171 00:09:57,193 --> 00:10:00,822 Pra começar a contemplar a beirada-limite do nosso conhecimento, 172 00:10:00,822 --> 00:10:04,524 é necessário olhar pra produção do conhecimento em si 173 00:10:04,524 --> 00:10:08,699 e, pra começar essa conversa, eu normalmente uso a metáfora de um bolo. 174 00:10:08,699 --> 00:10:13,477 No topo do bolo está o que a gente fala, o que a gente pensa e o que a gente faz. 175 00:10:13,477 --> 00:10:15,855 A gente é levado a pensar 176 00:10:15,855 --> 00:10:18,812 que o que a gente fala, o que a gente pensa e o que a gente faz 177 00:10:18,812 --> 00:10:21,737 são coisas que estão interligadas e que são coerentes, 178 00:10:21,737 --> 00:10:23,495 mas não funciona bem assim. 179 00:10:23,495 --> 00:10:27,527 O que a gente fala, pensa e faz está ligado à nossa história única e pessoal, 180 00:10:27,527 --> 00:10:30,642 o que a gente aprende nas nossas famílias e nos nossos contextos; 181 00:10:30,642 --> 00:10:33,379 não só o que é consciente, mas também até inconsciente, 182 00:10:33,379 --> 00:10:36,819 nossos medos, nossos traumas e nossas paixões. 183 00:10:36,819 --> 00:10:40,507 Mas a nossa história única e pessoal não é só única e pessoal também. 184 00:10:40,507 --> 00:10:42,916 Ela está ligada na última camada do bolo, 185 00:10:42,916 --> 00:10:46,523 que são as referências coletivas sobre a realidade e sobre o conhecimento 186 00:10:46,523 --> 00:10:50,486 que a gente herda através da linguagem e através das nossas culturas, 187 00:10:50,486 --> 00:10:52,453 e através da nossa história. 188 00:10:52,453 --> 00:10:54,974 As escolhas feitas na base do bolo 189 00:10:54,974 --> 00:10:58,791 determinam o que vai acontecer nas camadas acima, do bolo, 190 00:10:58,791 --> 00:11:01,469 e são escolhas que determinam o que é desejável, 191 00:11:01,469 --> 00:11:05,530 as perguntas que podem ser feitas, como procurar as respostas, 192 00:11:05,530 --> 00:11:08,467 o que pode ser dito e o que pode ser negado. 193 00:11:08,467 --> 00:11:12,770 Como são escolhas, sempre existem as escolhas que não foram feitas, 194 00:11:12,770 --> 00:11:17,000 mas, se o nosso conhecimento se percebe como ilimitado e único, 195 00:11:17,000 --> 00:11:22,441 a gente vai ter mesmo dificuldade enorme em imaginar milhos de cores diferentes. 196 00:11:22,441 --> 00:11:25,203 Mas aqui, a questão não é substituir o milho amarelo 197 00:11:25,203 --> 00:11:29,374 pelo milho verde, pelo milho azul, milho rosa, ou por vários milhos, 198 00:11:29,374 --> 00:11:32,731 mas é perceber que cada milho tem seu histórico 199 00:11:32,731 --> 00:11:38,165 e que a diferença é absolutamente necessária para a nossa sobrevivência 200 00:11:38,165 --> 00:11:41,886 porque a gente precisa de formas diferentes de existir no planeta, 201 00:11:41,886 --> 00:11:45,843 principalmente quando a forma dominante pode não ser sustentável 202 00:11:45,843 --> 00:11:47,528 e levar à destruição. 203 00:11:48,318 --> 00:11:51,494 Então, dentro desse contexto, é importante perceber 204 00:11:51,494 --> 00:11:54,843 de onde veio esse milho amarelo e por que ele ficou dominante, 205 00:11:54,843 --> 00:11:57,010 como é que ele domina a nossa imaginação 206 00:11:57,010 --> 00:11:59,949 e, pra isso, é importante pensar no pensamento cartesiano, 207 00:11:59,949 --> 00:12:05,421 que faz as divisões entre mente e corpo, entre razão e emoção, cultura e natureza, 208 00:12:05,421 --> 00:12:08,095 que determina uma história de progresso e desenvolvimento 209 00:12:08,095 --> 00:12:10,583 baseada na ciência e na tecnologia, 210 00:12:10,583 --> 00:12:14,961 e que pensa na segurança como a busca da felicidade constante. 211 00:12:15,821 --> 00:12:20,338 Então, nesse contexto, é preciso problematizar 212 00:12:20,338 --> 00:12:24,253 a racionalidade totalizante que coloca o homem no centro do mundo, 213 00:12:24,253 --> 00:12:27,190 e que demanda soluções simples, empreendedoras, 214 00:12:27,190 --> 00:12:30,286 e que possam ser comunicadas em 15 minutos. 215 00:12:31,086 --> 00:12:36,175 Nesse contexto, pessoas escolarizadas como eu, 216 00:12:36,175 --> 00:12:39,646 se a gente foi educado e socializado no mito do milho amarelo, 217 00:12:39,646 --> 00:12:43,087 a gente tem uma dificuldade enorme de lidar com a complexidade, 218 00:12:43,087 --> 00:12:45,078 com a ambivalência, com a pluralidade, 219 00:12:45,078 --> 00:12:47,583 com o conflito, com a incerteza e com a desigualdade, 220 00:12:47,583 --> 00:12:51,638 e isso é porque o milho amarelo continua ditando uma narrativa única 221 00:12:51,638 --> 00:12:55,427 de progresso e desenvolvimento e de humanidade. 222 00:12:55,427 --> 00:12:57,763 Isso pode ser observado também 223 00:12:57,763 --> 00:13:02,628 no sonho brasileiro de se adquirir a vantagem competitiva 224 00:13:02,628 --> 00:13:06,773 nessa competição mundial de desenvolvimento econômico, 225 00:13:06,773 --> 00:13:13,577 a vontade nossa, o sonho, de passar de terceiro mundo pra primeiro mundo. 226 00:13:13,577 --> 00:13:16,804 Então, nossa vontade de jogar esse jogo é tão forte, 227 00:13:16,804 --> 00:13:21,388 que não sobra tempo pra gente ver que esse jogo, essa narrativa, 228 00:13:21,388 --> 00:13:25,494 não trouxe as soluções milagrosas para os países ditos desenvolvidos. 229 00:13:25,494 --> 00:13:28,996 Na verdade, é tempo de crises enormes nesses países, 230 00:13:28,996 --> 00:13:33,399 crises essas que são necessárias pra continuação dessa competição 231 00:13:33,399 --> 00:13:37,511 e que são baseadas no medo e na negação de outras possibilidades. 232 00:13:37,511 --> 00:13:42,433 Então, a gente vê a crise lá fora e continua acreditando, aqui no Brasil, 233 00:13:42,433 --> 00:13:47,393 na ilusão de que o desenvolvimento baseado no lucro e no consumo, 234 00:13:47,393 --> 00:13:49,637 na exploração e na extração, 235 00:13:49,637 --> 00:13:55,222 na competitividade e no individualismo vai trazer a felicidade 236 00:13:55,222 --> 00:13:58,926 e vai garantir um crescimento econômico constante. 237 00:13:59,936 --> 00:14:01,475 Também é interessante perceber 238 00:14:01,475 --> 00:14:05,373 que, quando a gente começa a levantar essas questões em educação, 239 00:14:05,373 --> 00:14:09,051 mais e mais existe resistência. 240 00:14:09,051 --> 00:14:12,262 Então, eu comparo isso com a questão da alimentação: 241 00:14:12,262 --> 00:14:14,287 se eu perguntar para os meus alunos 242 00:14:14,287 --> 00:14:18,219 se eles preferem algodão-doce ou brócolis cru sem sal, 243 00:14:18,219 --> 00:14:22,522 que é melhor pra saúde deles, eles vão preferir o algodão-doce. 244 00:14:22,522 --> 00:14:26,783 Se eu perguntar pra eles se eles preferem uma educação que confirme as suas certezas 245 00:14:26,783 --> 00:14:30,992 e que traga uma sensação de prazer ao confirmar essas certezas, 246 00:14:30,992 --> 00:14:35,232 ou uma educação que questione essas certezas e que abra mais possibilidades, 247 00:14:35,232 --> 00:14:38,933 mas que traga um desconforto inicial temporário, 248 00:14:38,933 --> 00:14:41,783 meus alunos hoje, tanto aqui quanto lá, 249 00:14:41,783 --> 00:14:45,101 estão preferindo o algodão-doce, o conforto, 250 00:14:45,101 --> 00:14:48,973 e isso é sinal de uma sociedade orientada ao narcisismo, 251 00:14:48,973 --> 00:14:52,991 o que, na minha opinião, é o maior desafio da educação hoje em dia. 252 00:14:52,991 --> 00:14:55,588 Então, eu volto para as perguntas pra concluir. 253 00:14:55,588 --> 00:14:59,132 Como se educar pra complexidade, incerteza, pluralidade, 254 00:14:59,132 --> 00:15:00,973 em um contexto de desigualdade, 255 00:15:00,973 --> 00:15:04,231 se a educação moderna vai na direção oposta? 256 00:15:04,231 --> 00:15:07,445 Como se educar pra que a gente possa aprender com os erros e limites 257 00:15:07,445 --> 00:15:10,648 do milho amarelo, sem jogá-lo fora? 258 00:15:10,648 --> 00:15:13,510 E como se educar pra criação de novas realidades 259 00:15:13,510 --> 00:15:16,682 onde os mesmos erros não sejam reproduzidos? 260 00:15:16,682 --> 00:15:17,898 Muito obrigada. 261 00:15:17,898 --> 00:15:19,820 (Aplausos)