Vocês já sonharam que tinham
o poder mágico de voar?
Quando criança, fui exposta
a duas mitologias belas e extensas.
Cresci imersa nos mitos
clássicos da Grécia Antiga
e no Tempo do Sonho
dos aborígenes australianos.
Então, desenvolvi um vício
em narrativas grandiosas e interconectadas
que envolviam voos mágicos
e viagens no tempo.
Sentia-me inspirada por essas histórias
de deuses, heróis e espíritos
enfrentando e derrotando
monstros assustadores,
viajando pelas paisagens,
cantando sobre a existência do mundo.
Minha infância foi uma longa
viagem pela Antiguidade.
Então essas histórias me foram
passadas oralmente
nos próprios lugares sagrados
onde elas ocorreram.
Essa sou eu em um piquenique
com minha família no Monte Olimpo,
onde os deuses gregos viveram;
bem, eles não eram reais,
mas para mim, quando criança,
pareciam familiares e vivos.
Assim, aprendi muito nova a importância
de ser capaz de elegantemente
mesclar a realidade com a ficção.
A mitologia é importante.
Toda cultura tem seus mitos,
segundo os quais vive e sonha.
Toda cultura tem isso.
Então, além do entretenimento
e do espetáculo,
a função do mito é nos ensinar
a lidar com a perda.
Mas o que mais amo nos mitos
é que me impediram de pensar linearmente
e uma mudança ideológica ocorreu comigo,
das histórias contidas e finitas
com início, meio e fim bastante distintos
para mundos narrativos
se expandindo infinitamente,
que nos forçam a ver
a interconexão de tudo.
Assim, com uma infância de vício
nesses mundos infinitos,
vocês podem imaginar minha alegria
quando, 25 anos depois,
consegui esse emprego na BBC,
em que tenho a responsabilidade
de encomendar o conteúdo transmídia
da série mais icônica da BBC: Doctor Who.
Quando eu via Doctor Who na infância,
achava muito assustador.
Eu assistia detrás do sofá.
De vez em quando, ainda
preciso desviar o olhar;
os monstros ainda me assustam.
Isso porque a essência de Doctor Who
permaneceu constante ao longo
de seus 48 anos de história.
É a série de ficção científica
em exibição há mais tempo no mundo
e sua longevidade se deve ao fato
de ser mais que ficção científica:
é uma série de antologia.
Ela atravessa todos os gêneros,
do drama ao terror e à comédia,
e é criada para entusiasmar
a criança que há em todos nós.
E, claro, quem não gostaria
de viajar no tempo
para salvar o mundo como o Doutor
faz em todo episódio?
Quem é o Doutor?
Ele é um Senhor do Tempo
que viaja para o passado e o futuro
em uma máquina do tempo
em forma de cabine de polícia,
pequena por fora e gigante
por dentro, chamada Tardis.
A primeira vez que visitei o set
da série no País de Gales
foi um ponto alto na carreira.
Eu estava ali, na Tardis
com a chave de fenda sônica do Doutor,
incrível,
tamanho o poder mágico da história.
Eu sabia que estava em um set,
mas, novamente, ficção
e realidade se confundiram
e pensei:
"Não seria fantástico dar
a todos os fãs de Doctor Who
essa experiência de não apenas
assistir à série,
mas também poderem entrar
eles mesmos nesse espaço mitológico.
E se você pudesse ser o Doutor
e salvar o universo?"
Foi esse o motivo que nos levou a criar
os jogos de aventuras de Doctor Who.
Em 2010, a BBC criou
17 episódios de Doctor Who,
13 episódios de TV e 4 episódios
extras que na verdade eram jogos,
com três horas de jogabilidade em cada um.
Acredito que tenha sido um momento único
na história da televisão e da transmídia
finalmente ter esse tipo de integração
transmídia contínua com a narrativa da TV.
Um dos meus momentos favoritos
foi quando levei os designers
do jogo à Tardis
para colaborarem com a equipe da série.
Charles, roteirista do jogo, perguntou:
"O que é aquela porta?"
E eles responderam: "É a sua porta.
Tome, use-a, faça o que quiser com ela,
leve o Doutor a lugares para onde
não podemos levá-lo na TV".
Naquele momento, após anos
trabalhando isoladamente
em organizações tradicionais de mídia,
tentando fazer as pessoas entenderem
que a transmídia não afetaria
suas histórias,
naquele momento, finalmente conseguimos
o que considerávamos impossível:
entrar no DNA de uma produção
e criar histórias e personagens
que acompanhassem o resto da franquia.
Nesses jogos, conseguimos preparar
o público para o futuro,
para a nova geração de crianças,
mas também dar aos fãs mais fiéis
a capacidade de entrar
em uma máquina do tempo.
Eu sei que estou entusiasmada de um jeito
bem "nerd" de Doctor Who nesse momento.
É um risco profissional!
Mas acho que a transmídia
mais fantástica e eficaz
nasce quando você se conecta
com seu fã interior.
Sem a paixão febril de um fã, você não
consegue entregar a melhor experiência.
É preciso acessar o inconsciente coletivo,
a Musa, o universo, ou seja lá
como chamam essa energia ilimitada
que é a origem de todas
as grandes narrativas.
Tentei chegar a esse lugar não verbal
no cerne da narrativa, no qual não estou
pensando, mas sim sentindo.
É como aprender uma nova língua.
Quando começamos a sonhar em uma língua
é que sabemos que a dominamos.
Como contadores de histórias,
precisamos acessar a mitologia
para alcançarmos o inconsciente coletivo
e contarmos as histórias que interessam,
as histórias que ajudam as pessoas
a lidar com as dores secretas da vida,
às quais ninguém é imune,
as coisas que precisamos enfrentar
em algum momento de amor ou perda,
e amor e perda,
essa dança sem fim da vida.
Isso está no episódio
mais recente de Doctor Who:
o Doutor está lamentando
sua morte iminente,
pois nem mesmo Senhores do Tempo
conseguem evitar essa dor tão real.
Podemos usar a transmídia
para testar ideias na área de jogos
antes do mundo real,
para entender as consequências,
para nos conectarmos por meio de viagens
fantásticas no tempo e no espaço.
Mitologias mágicas são
uma ferramenta essencial
para ajudar as pessoas
ao longo do ciclo da vida.
É a maneira perfeita de ajudar as pessoas
nos inícios, fins e transições,
de um jeito que leve a mudanças
reais na vida delas.
No início da minha vida,
minha mãe me contava histórias
para me ajudar a lidar com o futuro
sobre deuses gregos e como lidavam
com os traumas da vida.
No final da vida dela,
eu lhe contava histórias que a ajudaram
a encarar seus últimos dias com coragem.
E se pudéssemos consolar, inspirar e
encorajar uns aos outros com a transmídia?
E se pudéssemos usar o método Doctor Who,
essa receita bem sucedida
de 48 anos de entretenimento,
e encontrar uma forma diferenciada
de adicionar uma camada mágica
às nossas histórias do mundo real?
(Aplausos)