Gostaria de compartilhar com vocês uma experiência muito interessante que tive como neurocirurgiã. Sou neurocirurgiã, e diariamente tenho de lidar com tragédias humanas. É terrível ver pessoas após um acidente de carro ou um AVC. Se grande parte do cérebro for destruída, infelizmente o sistema nervoso central tem pouca capacidade de se autorregenerar. Um dos meus sonhos na neurocirurgia sempre foi tentar devolver uma função a alguém que a perdeu. Porque as pessoas ficam com severas sequelas e é chocante ver isso todos os dias. Deve ter sido por isso que escolhi a especialidade chamada neurocirurgia funcional. Os neurocirurgiões funcionais tentam devolver ou melhorar as funções através de estratégias cirúrgicas, tais como a estimulação cerebral profunda, que é a mais famosa. Assim, há 14 anos participei de uma grande descoberta que, na minha opinião, poderia ter um impacto importante na recuperação dos pacientes após um grave dano ao sistema nervoso central. E é esta história que quero lhes contar hoje. Antes de começar, preciso lhes apresentar dois atores muito importantes, sem os quais essa história não teria acontecido. O primeiro não está aqui. Vocês vão entender o motivo. Não é esta vaca aqui, mas ela está representando a prima. A vaca da América do Sul. Sem o soro do sangue dela, não teria sido possível cultivar células cerebrais. O segundo ator não está aqui, mas também não está pastando. É o meu grande amigo e colaborador, o biólogo Jean-François Brunet, sem cuja combatividade e paciência jamais teríamos conseguido cultivar células cerebrais. Mas vamos voltar à história. Imaginem que, cerca de 14 anos atrás, eu era a chefe dos residentes em neurocirurgia. Os chefes residentes trabalham muito, lidando com várias emergências. Às vezes, nessas emergências, é preciso remover parte do cérebro. Não por diversão, mas porque, após um acidente de carro, o cérebro incha e é preciso fazer uma craniectomia; caso contrário, o paciente morre. Às vezes, temos de remover um pedaço do cérebro. Assim, no laboratório do biólogo Jean-François, pensamos: "Por que não tentamos fazer algo com esses pedaços de cérebro que tantas vezes temos de extrair?". Jean-François, com sua paciência, disse: "Tenho certeza de que vamos fazer algo muito interessante com isso". Ele tentou com diferentes tipos de soro. Finalmente, após várias tentativas, no soro da vaca de que lhes falei, ele um dia viu isto no microscópio. E o importante aqui é perceber que esse tipo de cultura se parece muito com a de células-tronco. Mas notem também que, naquela época, 14 anos atrás, pensava-se que as únicas células-tronco do sistema nervoso central estavam localizadas no fundo do cérebro, em dois nichos muito pequenos. Mas Jean-François observou que, em todos tipos de amostra do córtex, se via esse tipo de célula, o que era incrível. E o que notamos nesse tipo de células é que as células verdes aqui são astrócitos, células que sustentam os neurônios no cérebro normal. Dentro dessas pequenas células redondas estão neurônios imaturos, pequenas células imaturas que podem se transformar em células maduras. Na época, quando mostramos isso às pessoas, elas disseram: "Não é possível haver células-tronco nesse tipo de cultura do córtex. Vocês devem ter trazido células-tronco do córtex para a cultura". Dissemos que não, porque elas não se comportam como as células-tronco. Elas se dividem muito mais lentamente e nunca formam tumores. Também são mais indolentes e, após um período de 10 ou 15 semanas de cultura, elas morrem. Não estão sempre se renovando. Finalmente, entendemos de onde vinham essas células, pois não vinham das células-tronco, mas dessas pequenas células azuis aqui. Todos vocês têm essas células no cérebro. Isso foi descoberto recentemente. Elas têm o nome de células corticais duplas positivas. E existem em abundância em fetos, pois ajudam na formação dos sulcos do córtex. Nosso córtex é como uma estrutura cheia de dobras, e essas células ajudam nisso. Pensávamos que nos adultos elas desapareciam, mas descobrimos recentemente que não. E 4% das nossas células corticais são células corticais duplas positivas. Não sabemos para que servem. Nem o que são. Será que nos ajudam quando temos uma lesão? Não se sabe ao certo. Mas o que sabemos é que, a partir dessas células, conseguimos essa cultura que lhes mostrei. Obviamente, quando biólogos trabalham com neurocirurgiões, os neurocirurgiões são muito pragmáticos: "Nossa, é uma grande fonte de células. Podemos fazer alguma coisa". Eu lhes disse que estamos muito frustrados com a pouca capacidade de o sistema nervoso central se autorregenerar. Talvez tivéssemos encontrado algo que ajudasse nossos pacientes. Pensamos um pouco e tivemos uma ideia. Fazer a biópsia de um indivíduo, pois sabemos como se faz, colocar as células numa cultura, também sabemos como se faz, fazer a marcação das células, e depois reimplantá-las em outro lugar do cérebro. Ótimo. Vamos fazer isso. Claro que não se pode fazer isso de cara em humanos. Todos sabemos que tem de ser feito antes numa cobaia. Mas, infelizmente, os roedores não têm essas células corticais duplas no córtex. Não sabemos por que, mas isso não nos ajuda. Então tivemos de encontrar outro tipo de animal com que trabalhar. Felizmente encontramos... eu já o conhecia, era meu amigo e acreditava na nossa ideia, Eric Rouiller, professor de fisiologia em Friburgo, que tem o maior centro com macacos da Suíça, e ele nos ajudou. Ele disse: "A ideia é ótima, e acredito no que vocês estão fazendo. Experimentem com esses dois macacos". Ficamos bem empolgados. Primeiro, pudemos provar que podíamos fazer exatamente a mesma cultura como a dos humanos, pois os macacos têm exatamente a mesma composição celular que temos. Depois, fizemos a cultura de células, a marcação e o reimplante. A nossa primeira pergunta foi: como estas células vão se comportar se reimplantadas num cérebro normal? E no que se tornarão se reimplantadas numa lesão ou perto de uma lesão? Interessante foi que, quando reimplantadas num cérebro normal, elas desaparecem. É como numa biópsia, quando retiramos as células da casa delas, colocamos na cultura, reimplantamos nos mesmos indivíduos para que não haja resposta imune. Elas sabem que estão ali, mas veem que o espaço já está ocupado, e dizem: "Não precisam de mim aqui, então tchau, fui". Mas, se as implantamos perto de uma lesão, aí voltam pra casa e dizem: "Tem um espaço vazio", e começam a se acomodar. Isso leva um mês, um mês e meio, e aí começam a crescer até virarem neurônios adultos. Foi exatamente isso que vimos três meses após um reimplante perto de uma lesão. Essas células vermelhas são as que reimplantamos. Vejam que não são mais células pequenas como as que mostrei no início, são pequenos neurônios com axônios. Parece que recolonizaram a área. Também provamos facilmente que essas eram as mesmas células que usamos na cultura, pois pode-se ver aqui o corante vermelho que usamos na cultura, enquanto o verde é o marcador para os neurônios maduros. Podem ver que essas duas células têm dupla marcação: significa que são verdes e vermelhas. Isso significa que são neurônios maduros que estavam na cultura como neurônios imaturos, e se transformaram em neurônios maduros. E agora qual é o próximo passo? Um neurocirurgião vai querer saber quais as implicações disso. Está dando certo? É bom ter essas células aí? Então fizemos o seguinte: treinamos alguns macacos para fazerem uma tarefa específica, que era pegar pelotas de comida numa gaveta ou bandeja. E eles ficaram muito bons nisso. Levou algum tempo para aprenderem bem. E eles atingiram um bom nível de desempenho. Quando apresentaram constância nesse nível de desempenho, fizemos uma pequena lesão no córtex motor correspondente ao movimento da mão. Claro que logo depois disso eles ficaram paralisados, não conseguiam mais mover o braço e não podiam realizar a tarefa. Mas a natureza é uma beleza. Podemos nos recuperar espontaneamente, provavelmente devido à espasticidade, e melhoramos o desempenho, mas só até certo ponto. Então, eles conseguiam fazer alguma coisa, mas não tão bem como antes. Nessa fase, fizemos a biópsia, a cultura e reimplantamos. E o que vimos... acho que essa imagem é melhor que qualquer gráfico... Podem ver que à esquerda está o macaco no final da sua recuperação espontânea. Foi o máximo que conseguiu recuperar. À direita, dois meses após o reimplante. Todos os macacos com o reimplante tiveram melhor desempenho do que os que não receberam reimplante. Bem, acho que essa é uma boa história. (Risos) E agora, qual será o próximo passo? Obviamente, temos vários experimentos concluídos, com diferentes animais, e já compreendemos muitas coisas desde então. Mesmo assim, o meu objetivo, como disse no início, é aplicar tudo isso em humanos. Tenho de dizer que o entusiasmo diminui um pouco quando nos damos conta de como é difícil passar por todo o processo e conseguir autorização para realizar testes em humanos. Mas espero conseguir fazer isso antes de me aposentar. (Risos) Muito obrigada pela atenção. (Aplausos)