Tal como muitos heróis dos mitos gregos,
consta que o filósofo Hipaso
foi mortalmente punido pelos deuses.
Mas qual foi o seu crime?
Terá assassinado convidados
ou profanado algum ritual sagrado?
Não, a transgressão de Hipaso
foi uma demonstração matemática:
a descoberta dos números irracionais.
Hipaso pertencia a um grupo
chamado os "matemáticos pitagóricos"
que tinham uma reverência religiosa
pelos números.
A sua máxima de "Tudo é um número",
sugeria que os números eram
os blocos constituintes do Universo
e parte desta crença era que tudo,
desde a cosmologia e a metafísica
até à música e à ética,
seguia regras eternas
que podiam ser descritas
como razões de números.
Assim, qualquer número
podia ser escrito como uma razão,
5 como 5 sobre 1,
05, como 1 sobre 2,
etc.
Até mesmo um número decimal
de extensão infinita como este,
podia ser expresso
com exatidão como 34 sobre 45.
Todos estes números são aquilo
a que chamamos hoje
os números racionais.
Mas Hipaso descobriu um número
que violava esta regra harmoniosa,
um número que não devia existir.
O problema começa com uma forma simples,
um quadrado em que cada lado
mede uma unidade.
Segundo o Teorema de Pitágoras,
o comprimento da diagonal
é igual à raiz quadrada de dois,
mas, por mais que tentasse,
Hipaso não conseguiu exprimir isso
como uma razão de dois números inteiros.
Em vez de desistir, decidiu demonstrar
que não era possível fazê-lo.
Hipaso começou por assumir
que a visão pitagórica estava correta,
que a raiz de 2 podia exprimir-se
como uma razão de dois números inteiros.
Chamou p e q
a esses hipotéticos números inteiros.
Se a razão podia ser expressa
na sua forma mais simples,
p e q não podiam ter fatores comuns.
Para demonstrar que a raiz de 2
não era racional,
Hipaso tinha que demonstrar
que p/q não podia existir.
Portanto multiplicou ambos os termos
da equação por q
e elevou ao quadrado
os dois termos da equação.
o que lhe deu esta equação.
A multiplicação de qualquer número por 2
dá sempre um número par,
portanto o quadrado de p
tinha que ser par.
Se p fosse ímpar,
isso não podia estar correto,
porque um número ímpar
multiplicado por si mesmo é sempre ímpar,
portanto p também tinha que ser par.
Assim, p podia ser expresso por 2a,
em que a é um número inteiro.
Substituindo p por 2a, na equação,
e simplificando,
obtemos : q^2 = 2a^2
Mais uma vez, qualquer número
multiplicado por 2 dá um número par,
portanto q ao quadrado tinha que ser par,
e q também tinha que ser par,
ou seja, p e q tinham que ser pares.
Mas, se isso estivesse correto,
tinham que ter um fator comum: 2.
Isso contradizia a afirmação inicial.
Foi assim que Hipaso concluiu
que aquela razão não podia existir.
Chama-se a isto
a prova por contradição.
Segundo a lenda,
os deuses não acharam graça
a serem desmentidos.
Curiosamente, apesar de não podermos
exprimir números irracionais
sob a forma de razões
de números inteiros,
é possível determinar a sua posição
numa linha de números.
Vejamos a raiz quadrada de 2.
Basta desenharmos um triângulo retângulo
com dois lados, medindo ambos uma unidade.
A hipotenusa tem um comprimento
igual à raiz quadrada de 2,
que pode ser projetada sobre a linha.
Podemos depois formar
outro triângulo retângulo
com uma base com esse comprimento
e a altura de uma unidade.
A hipotenusa será igual
à raiz quadrada de 3,
que também pode ser projetada
sobre a linha.
O importante aqui é que exprimimos
os números com decimais e razões
A raiz quadrada de 2 é a hipotenusa
dum triângulo retângulo
em que os lados têm o comprimento de um.
Do mesmo modo, pi,
o famoso número irracional
é sempre igual exatamente
ao que representa,
a razão da circunferência de um círculo
com o seu diâmetro.
Aproximações como 22/7,
ou 355/113 nunca serão
exatamente iguais a pi.
Nunca saberemos o que aconteceu
a Hipaso,
mas sabemos que a sua descoberta
revolucionou a matemática.
Portanto, digam o que disserem os mitos,
não receiem explorar o impossível.