Compañeros de Viaje
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0:19 - 0:30Companheiros de viagem
-
0:32 - 0:36Desde o momento em que
nascemos, e até antes, -
0:36 - 0:38estamos acompanhados.
-
0:40 - 0:42Somos acompanhados pela família
-
0:42 - 0:44e, normalmente, por profissionais
de saúde. -
0:45 - 0:49Começa o apego, tão necessário
para sobreviver -
0:49 - 0:52e também o desapego, dando
lugar a uma dança -
0:52 - 0:54na qual ambos estarão
mais ou menos presentes -
0:55 - 0:57ao longo da nossa vida.
-
0:58 - 1:00Nascemos muito vulneráveis,
-
1:00 - 1:02dependentes do mundo que nos rodeia
-
1:03 - 1:06e assim começa a nossa viagem...
-
1:06 - 1:08aprendendo com outros e de outros,
-
1:09 - 1:13recolhendo a história e
construindo a própria. -
1:13 - 1:16O princípio e o final da vida
-
1:16 - 1:18são situações de emoções intensas
-
1:18 - 1:21e de muita fragilidade física.
-
1:21 - 1:24Ambas as experiências são
de grande transcendência -
1:24 - 1:26para as pessoas que as partilham.
-
1:32 - 1:34A nossa sociedade mudou,
-
1:34 - 1:37vivemos mais anos e o período
final alonga-se. -
1:38 - 1:40Estamos numa sociedade envelhecida,
-
1:41 - 1:48e com modelos, formas
e estilos de vida tais -
1:49 - 1:51que cada vez haverá mais pessoas
-
1:52 - 1:55que se encontrarão sós
no final da vida. -
1:56 - 1:57Desde meados do século passado,
-
1:58 - 2:01profissionais da saúde como
Elisabeth Kübler-Ross -
2:01 - 2:03e Cicely Saunders,
-
2:03 - 2:06tomaram consciência de
que, nos hospitais, -
2:06 - 2:10os doentes terminais tinham necessidades
que não eram atendidas. -
2:11 - 2:13Os profissionais não
se ocupavam deles, -
2:14 - 2:17considerando que já
não os podiam curar. -
2:18 - 2:20Ao interessarem-se pelos
desesperançados, -
2:20 - 2:23verificaram que podiam melhorar
radicalmente a sua situação, -
2:23 - 2:25tanto no tratamento da dor
-
2:25 - 2:29como na atenção às suas necessidades
afetivas e espirituais. -
2:30 - 2:34Desde então, acumulou-se
muito conhecimento -
2:34 - 2:37no campo profissional dos
cuidados paliativos. -
2:40 - 2:43Neste documentário, tentaremos
transmitir esta informação -
2:44 - 2:48assim como experiências e testemunhos
de pessoas que já passaram por isso, -
2:49 - 2:52de modo a que possam ser úteis
para acompanhar e cuidar. -
2:54 - 2:57Este documentário dirige-se
sobretudo ao acompanhante. -
2:58 - 3:03Quando a cura é improvável,
as prioridades mudam. -
3:04 - 3:08O afetivo e o espiritual convertem-se
no mais importante. -
3:08 - 3:11E apesar da certeza de que
o tempo de vida se reduz, -
3:11 - 3:13também é possível alargá-lo.
-
3:14 - 3:16É possível viver uma vida
inteira em poucas semanas. -
3:17 - 3:22Os doentes costumam reconsiderar
o fundamental da sua existência. -
3:23 - 3:26Procuram reconciliar-se
e despedir-se. -
3:26 - 3:30Precisam de estabelecer o legado
que deixam aos outros -
3:31 - 3:34e ponderar, de acordo
com as suas convicções, -
3:34 - 3:38sobre o sentido da vida
e a transcendência. -
3:40 - 3:42O acompanhante também enfrenta
-
3:42 - 3:45os temas mais importantes
da sua existência -
3:45 - 3:48e terá a oportunidade de finalizar
-
3:48 - 3:51da melhor maneira a sua relação
com a pessoa doente. -
4:02 - 4:03Eu levei a minha mãe às urgências.
-
4:04 - 4:10Um trinta de novembro, pensando
que teria uma infeção grave, -
4:10 - 4:15e que, depois de a estabilizarem,
a mandariam para casa. -
4:16 - 4:19O pior nem sequer é dizerem-nos
que a nossa mãe tem cancro. -
4:19 - 4:23Para mim, o pior foi terem-me
dito que tinha cancro e -
4:24 - 4:28que não se podia fazer nada,
absolutamente nada por ela. -
4:28 - 4:30Nada mais para além
de esperar a morte. -
4:31 - 4:34Até saber o diagnóstico
-
4:34 - 4:37há um período de incerteza
de uns dias, algum tempo, -
4:37 - 4:42que é muito difícil de
suportar, realmente. -
4:42 - 4:47Todos os dias me levantava
e pensava: -
4:48 - 4:52será hoje? Será amanhã?
-
4:53 - 5:00Era como se essa incerteza me
estivesse a comer por dentro. -
5:00 - 5:04Pois, o que hei de dizer? Senti
o corpo todo a tremer, percebes? -
5:05 - 5:08mas pronto, pronto. Isto é meu.
-
5:08 - 5:10Eu tenho-o e acabou-se.
-
5:10 - 5:12Quando a desordem inicial,
-
5:12 - 5:15devida ao impacto da notícia,
se começa a superar, -
5:16 - 5:19é altura de nos organizarmos
e tomarmos decisões. -
5:20 - 5:24Toda a família fica afetada porque
é necessário cuidar do doente -
5:24 - 5:28e substituí-lo nas funções
que tinha anteriormente. -
5:29 - 5:32Na família, se se mexe uma parte,
-
5:32 - 5:35todo o conjunto se mexe em
uníssono para o compensar. -
5:36 - 5:38Onde queria estar,
como queria estar... -
5:38 - 5:41nós falávamos com ele
e com essa informação, -
5:41 - 5:44juntávamo-nos, os quatro irmãos,
e víamos o que fazer. -
5:44 - 5:47Por causa da nova situação, é preciso
fazer algumas mudanças. -
5:48 - 5:52Por exemplo, uma pessoa que não
tratava das coisas da casa, -
5:52 - 5:55tem de começar a ocupar-se
se houver filhos, -
5:56 - 5:59os filhos também têm de reestruturar
um pouco a sua vida. -
6:00 - 6:03É importante que o doente
partilhe toda a informação -
6:03 - 6:06e possa tomar as suas
próprias decisões. -
6:07 - 6:09E, claro, eu sabia que
o impacto de dizer -
6:10 - 6:12"tu tens cancro" ia
ser muito grande. -
6:13 - 6:16A minha preocupação era: quem lhe
vai dizer, como o vai fazer? -
6:16 - 6:18Dizemos-lhe a verdade, não dizemos?
-
6:18 - 6:21Acabamos por nos conformar,
um pouco contrariados, -
6:21 - 6:23mas depois vimos que foi o melhor.
-
6:25 - 6:28Além do mais, ele assim teria
gostado e assim foi. -
6:28 - 6:30Ele quis saber a verdade
em todos os momentos. -
6:30 - 6:35Atrevo-me a dizer que, as
decisões que fomos tomando, -
6:36 - 6:38se não cem por cento dos casos,
-
6:38 - 6:41noventa e oito por cento,
foram tomadas pelo meu pai. -
6:41 - 6:43E eu julgo que cada vez
mais se vai incluindo -
6:44 - 6:46os doentes e os cuidadores,
-
6:46 - 6:50para poderem participar nas decisões
de recusa de tratamento, -
6:50 - 6:54e preferir abordagens paliativas a
partir de outras fases da doença. -
6:55 - 6:58E foi então que ele disse, olha
eu não quero mais quimio, -
6:58 - 7:00se me puderem dar radio, sim.
-
7:00 - 7:04Mas eu, que pela segunda vez, vejo
que a quimio não me faz nada, -
7:05 - 7:07não quero saber mais
nada da quimio. -
7:07 - 7:10Então, foi quando a oncologista disse,
deixo a decisão nas suas mãos. -
7:11 - 7:15Através do testamento vital
é possível registar decisões -
7:15 - 7:20relativas a um momento futuro
no qual não as possa expressar. -
7:21 - 7:25As instruções prévias, é o que
a pessoa quer que se faça -
7:25 - 7:28quando não possa decidir
por ela própria. -
7:28 - 7:30Eu definiria de uma
maneira simples, -
7:31 - 7:34que o testamento vital não é mais
do que prolongar a autonomia -
7:34 - 7:36e a capacidade de
decidir do doente, -
7:37 - 7:40quando está num momento no
qual já não pode decidir. -
7:40 - 7:43O testamento vital não se destina a
quando uma pessoa se pode expressar. -
7:43 - 7:46Mesmo que uma pessoa tenha
feito um testamento vital, -
7:46 - 7:49prevalecerá o que disser
naquele momento. -
7:50 - 7:52Uma das decisões que é
preciso tomar é sobre -
7:52 - 7:56se vai viver a última etapa
no hospital ou em casa. -
7:57 - 8:01Evidentemente, uma coisa que
nos satisfez muitíssimo, -
8:01 - 8:04à família mais próxima,
-
8:04 - 8:08foi respeitar que, ele sempre
nos disse o que queria, -
8:09 - 8:10que queria morrer em casa.
-
8:11 - 8:12E cumpriu-se o seu desejo.
-
8:13 - 8:18Também podemos pensar: claro,
isso não é assim tão fácil -
8:18 - 8:23Se não se consegue controlar essa
doença e é necessário interná-lo, -
8:23 - 8:27mas chega um momento em que
já não podemos fazer nada, -
8:27 - 8:29porque é que há de
morrer num hospital? -
8:31 - 8:33Depois veio outra fase,
que começou no verão, -
8:33 - 8:37quando a oncologista lhe disse
que já não podia fazer mais, -
8:37 - 8:39Disse-lhe que já não lhe
podia dar mais medicação, -
8:40 - 8:41porque a doença se tinha agravado
-
8:42 - 8:45e tinha de passar a outros
médicos de paliativos, -
8:45 - 8:48que o iam acompanhar
no processo seguinte. -
8:49 - 8:54Foi quando a médica
responsável decidiu, -
8:54 - 8:58que o melhor, visto que já
não haveria mais tratamento, -
8:59 - 9:01eram os cuidados paliativos.
-
9:02 - 9:07Os cuidados paliativos destinam-se
especificamente -
9:08 - 9:15a aliviar o sofrimento, a melhorar
a qualidade de vida, dar conforto -
9:16 - 9:21aos pacientes e às suas famílias,
amigos próximos que cuidam deles, -
9:22 - 9:26com doenças crónicas
muito avançadas, -
9:27 - 9:30ou em fase, como nós
dizemos, terminal. -
9:30 - 9:32Não existe um momento determinado,
-
9:32 - 9:37é quando se vê claramente que as possibilidades
de tratamento curativo -
9:38 - 9:40se vão perdendo.
-
9:40 - 9:42Em princípio, são os
profissionais de saúde -
9:42 - 9:45que solicitam a intervenção de uma
equipa de cuidados paliativos. -
9:45 - 9:47Mas isto não impede que
em certas ocasiões, -
9:47 - 9:50em que o profissional não peça
estes serviços, que a família, -
9:50 - 9:53tendo conhecimento deles, possa
entrar em contacto connosco. -
9:53 - 9:56No nosso caso, é uma equipa
de atendimento domiciliário. -
9:56 - 9:59O nosso trabalho é ver
e atender os pacientes, -
9:59 - 10:01sobretudo nas suas casas.
-
10:02 - 10:04Em relação aos cuidados, as
necessidades da família são: -
10:04 - 10:07em primeiro lugar, saber
que o podem fazer. -
10:07 - 10:11Podem fazer-se muitas coisas, e
cuidar engloba tudo o que se faz, -
10:11 - 10:14que é dar ferramentas à família,
-
10:14 - 10:17dar ferramentas ao paciente,
para que sintam -
10:17 - 10:19que existe um propósito
para estarem ali. -
10:20 - 10:24E que o mais básico, como aquecer
o creme no micro-ondas -
10:24 - 10:27numa taça, para que não sinta
o frio quando lho pões, -
10:27 - 10:28isso é cuidar.
-
10:28 - 10:31Ensinar a família a preparar
algumas refeições, -
10:31 - 10:32o não obrigar o paciente a comer,
-
10:33 - 10:33isso é cuidar.
-
10:34 - 10:36É dizer-lhes: estão a fazer
as coisas muito bem, -
10:36 - 10:37isso é cuidar.
-
10:37 - 10:40A educação sanitária nos
seus aspetos mais básicos, -
10:40 - 10:47como a higiene, os tratamentos,
saber como movê-los na cama. -
10:47 - 10:50Nós ensinamos-lhes uma
parte muito básica -
10:51 - 10:54e, normalmente, eles ensinam-nos
muito mais coisas, -
10:54 - 10:58porque quem conhece verdadeiramente
o paciente é a família, -
10:58 - 11:01e por vezes encontram soluções
tão interessantes -
11:01 - 11:03que apetece dizer "vamos
registar a patente disto". -
11:03 - 11:08Ou seja, julgo que o que mais precisam
é de segurança no que podem fazer. -
11:08 - 11:13Saber o que devo fazer
se tem febre, -
11:13 - 11:18se existe algum sítio onde
o levar, a quem devo ligar. -
11:19 - 11:24Toda essa informação que me deram,
deu-me muita segurança. -
11:24 - 11:27Na ajuda ao controlo da dor,
-
11:27 - 11:29os familiares têm dois papéis.
-
11:29 - 11:33Por um lado, o meramente técnico
de ministrar os analgésicos, -
11:34 - 11:36as doses e com as regras
-
11:36 - 11:38ditadas pelos profissionais
que o atendem, -
11:39 - 11:41e normalmente as pessoas
fazem-no bem. -
11:41 - 11:45Mas também há outras medidas
não farmacológicas -
11:46 - 11:50que ajudam os pacientes a
ter um bom controlo da dor. -
11:50 - 11:53Por exemplo, para que o paciente esteja
descansado, se sinta acompanhado, -
11:54 - 11:56possa comunicar com
os seus familiares... -
11:57 - 12:00A prática de cuidados paliativos
evoluiu muito -
12:01 - 12:04e ajuda os doentes a viver
a etapa final sem dor -
12:05 - 12:07e, ao mesmo tempo, com lucidez.
-
12:08 - 12:11Quando existe um cancro, uma
qualquer doença terminal -
12:12 - 12:15não há justificação para que
o doente sofra com dores, -
12:15 - 12:18pois existem meios suficientes
para que o doente não sofra. -
12:19 - 12:24Pareceu-nos fundamental o contributo
dado pela questão dos paliativos, -
12:24 - 12:26o contributo nesse momento,
tal como ele estava, -
12:26 - 12:29porque ele começava a enfrentar
a hipótese de morrer asfixiado... -
12:30 - 12:36O analgésico típico para pacientes
em final de vida, é a morfina. -
12:36 - 12:39E em relação à morfina existe uma
ideia errada muito negativa. -
12:39 - 12:46A morfina adormece, a morfina
anula a lucidez, -
12:46 - 12:50a morfina torna o paciente
toxicomaníaco... -
12:50 - 12:54bom, eu creio que é preciso
afastar todas estas coisas. -
12:54 - 12:56Porque todos sabemos,
neste momento, -
12:57 - 13:01que a morfina usada em pacientes
com dor de intensidade severa, -
13:01 - 13:03não diminui a lucidez.
-
13:03 - 13:06A sedação paliativa só é aplicada
-
13:06 - 13:09em último recurso perante
dores intratáveis. -
13:11 - 13:19A sedação paliativa consiste em ministrar
fármacos sedativos suficientes -
13:20 - 13:24com a intenção de reduzir o nível
de consciência do paciente, -
13:25 - 13:30o suficiente para
assegurar conforto, -
13:31 - 13:35e controlar o sofrimento,
a dor, o sufoco, a agitação -
13:36 - 13:41Para tratar sintomas que não podemos
controlar de outra forma, -
13:41 - 13:43a que chamamos sintomas
refratários. -
13:44 - 13:48E para garantir que as pessoas
possam morrer sem dor, -
13:48 - 13:53possam morrer sem agitação ou
sem dificuldades respiratórias, -
13:53 - 13:55que é algo que aterroriza
as pessoas, não é? -
13:56 - 14:01Também é muito importante saber que
sedação terminal não é a eutanásia. -
14:01 - 14:05Que a sedação terminal não é colaborar
no suicídio assistido, -
14:05 - 14:09que a sedação terminal é uma ferramenta
terapêutica, como se diz, -
14:10 - 14:16é um processo completamente legal.
-
14:16 - 14:17Estas duas circunstâncias,
-
14:18 - 14:22são as mais frequentes para indicar
uma sedação paliativa. -
14:22 - 14:25Normalmente, está-se próximo
do final da vida -
14:26 - 14:32e esgotaram-se, também,
outras soluções -
14:32 - 14:37que não impliquem uma redução do
nível de consciência do paciente. -
14:38 - 14:41Para além da dor física, pode-se
sofrer por vários motivos, -
14:42 - 14:44emocionais, de origem social...
-
14:44 - 14:48Portanto, a assistência não se
esgota no alívio da dor física, -
14:48 - 14:52a uma dor total corresponde
uma "medicina total" -
14:52 - 14:54que abarque todas as necessidades.
-
14:55 - 14:57Eu considero os cuidados paliativos
-
14:57 - 15:00um direito fundamental da pessoa.
-
15:00 - 15:05Provavelmente, se revirmos a declaração
universal dos direitos humanos, -
15:06 - 15:12estão lá todas estas necessidades
de atenção no final de vida, -
15:12 - 15:15para preservar a dignidade
e o sentido da vida. -
15:17 - 15:19O doente e a sua família
embarcam num processo -
15:20 - 15:23de muita instabilidade
e intensidade emotivas. -
15:24 - 15:28Bom, às vezes tudo isso parece
uma montanha russa, -
15:29 - 15:34porque são momentos muito importantes
e ao mesmo tempo muito difíceis. -
15:35 - 15:41Sentimos raiva, culpa, pensamos
que estamos a exagerar, -
15:41 - 15:45que vai recuperar-se,
mantemos a esperança, -
15:45 - 15:49e depois, se calhar ao fim de dez
minutos, a esperança quebra-se -
15:49 - 15:52e voltamos a sentir
raiva outra vez. -
15:53 - 15:56Podem distinguir-se etapas ou
passos que são bastante comuns, -
15:56 - 16:01ainda que cada pessoa viva as coisas
à sua maneira, podendo variar a ordem, -
16:01 - 16:04a duração de cada passo ou
a existência de alguns. -
16:05 - 16:11A situação de cuidar de um
doente com doença avançada, -
16:11 - 16:13é, para o familiar,
para o cuidador, -
16:13 - 16:16uma situação de desgaste
físico e emocional. -
16:17 - 16:20Ao receber a notícia, frequentemente
começa-se por negá-la, -
16:21 - 16:24dizendo, por exemplo,
"deve ser um erro". -
16:25 - 16:27É importante procurar a maneira
-
16:27 - 16:31de a comunicar ao doente com
franqueza, mas com tato. -
16:32 - 16:33Desde o início do verão,
-
16:34 - 16:38todo o processo durou dois meses,
num primeiro momento não aceitou, -
16:39 - 16:44a médica disse-lhe que
sim...e ele "não". -
16:44 - 16:48Podemos compreender que é uma
notícia difícil de assumir -
16:48 - 16:51e a negação cumpre a
função de amortecedor, -
16:51 - 16:55que permite uma distância,
até que, psicologicamente, -
16:55 - 16:59se encontre preparado para
aceitar a nova situação. -
17:00 - 17:02O doente tem direito à informação,
-
17:03 - 17:06mas também tem direito a não saber
-
17:06 - 17:09ou a ir sabendo de acordo
com o seu ritmo pessoal. -
17:10 - 17:13O direito a saber não implica
a obrigação de saber. -
17:13 - 17:18Outro tipo de negação é a que
se produz à volta do paciente -
17:18 - 17:21ao fazer de conta que a
morte não vai acontecer. -
17:22 - 17:26É o que se chama "a conspiração
do silêncio". -
17:29 - 17:32Muitas vezes, os familiares,
com o objetivo de proteger, -
17:32 - 17:35não querem falar com o doente
do mau prognóstico -
17:35 - 17:38ou do fim de vida.
-
17:38 - 17:46Isto coloca os doentes numa
jaula de incomunicação, -
17:46 - 17:50que muitas vezes leva a um
pior controlo sintomático. -
17:51 - 17:53Se o doente puder falar
abertamente das coisas, -
17:53 - 17:57ser-lhe-á mais fácil controlar
os sintomas em geral -
17:57 - 17:58e, sobretudo, a dor.
-
18:00 - 18:03Aos doentes, aos pacientes, quando estão
com um grave problema de saúde -
18:03 - 18:05ou no final da vida,
-
18:05 - 18:07sei que em muitas ocasiões,
vós, os cuidadores, -
18:07 - 18:10tentais ser tão cuidadosos,
que acabais por dizer, -
18:10 - 18:13"não lhe mostramos isto não
vá a situação alterar-se". -
18:13 - 18:16Eu dir-vos-ia que, com
toda a liberdade, -
18:16 - 18:19sobretudo deveis estar atentos aos
gestos, aos sinais que eles enviam, -
18:19 - 18:23e a partir daí, responder-lhes
na forma de perguntas, -
18:23 - 18:25e sentindo-se escutados,
-
18:25 - 18:28a relevância, a centralidade
que tem tudo isso. -
18:28 - 18:32Aceitar a doença e a morte não
é o mesmo que resignar-se. -
18:33 - 18:37A resignação é passiva e paralisa
perante o sofrimento. -
18:38 - 18:42Mas a aceitação que
a morte é inevitável, -
18:43 - 18:45abre o caminho para
mudar as coisas. -
18:45 - 18:48Digo a todos os que estiverem assim,
nas mesmas circunstâncias, -
18:48 - 18:50que o encarem desse modo.
-
18:50 - 18:52Não é nada de mais.
-
18:52 - 18:56Além do mais, ainda que uma pessoa
queira pensar outra coisa, -
18:56 - 19:00não vai haver outra
coisa, é o que há. -
19:01 - 19:07Por isso, não vale a pena dar
muitas voltas ao assunto. -
19:08 - 19:12Inicialmente, o doente
pode reagir com raiva, -
19:12 - 19:16surge muito frequentemente
a pergunta "porquê a mim?" . -
19:16 - 19:19Nesse primeiro momento,
ele não aceitou. -
19:19 - 19:23Passaram-se alguns dias de
negação, depois de raiva. -
19:24 - 19:26Começou a ficar muito zangado.
-
19:26 - 19:30Esta ira pode ir contra si mesmo,
contra os profissionais de saúde, -
19:30 - 19:34contra familiares ou acompanhantes,
contra Deus... -
19:34 - 19:37O mais normal é que a
raiva seja projetada -
19:37 - 19:41contra as pessoas de que mais
gosta e que cuidam mais dele. -
19:42 - 19:45Impaciência, frustração,
irritabilidade -
19:46 - 19:49e isto é suportado pelo
familiar no dia a dia. -
19:50 - 19:54Então, o familiar pode zangar-se
com o paciente, -
19:55 - 20:01e isso também gera uma ambivalência
que é um bocado difícil. -
20:01 - 20:04Como é que me posso zangar com
uma pessoa que vai morrer? -
20:05 - 20:10Mas o que acontece é que
a pessoa está irritada -
20:10 - 20:16e custa um bocado perceber,
que esta pessoa... -
20:16 - 20:19não é a pessoa que fala,
quem fala é a doença. -
20:20 - 20:23Pondo de lado alguns momentos de
mau génio, que também os houve, -
20:23 - 20:25de me responder mal e assim.
-
20:26 - 20:30Mas eu compreendia-o, já
tinha males que chegassem, -
20:30 - 20:32era contra isso que ele lutava.
-
20:32 - 20:37Eu não sentia que estivesse contra
mim, em nenhum momento, -
20:37 - 20:41era uma forma de desabafar,
de se aliviar, de dizer, -
20:41 - 20:44"Mas porque é que me calhou a mim?
Porque é que estou aqui fechado? -
20:44 - 20:46Porque é que estou a sofrer assim?"
-
20:47 - 20:49Era simplesmente isso,
uma descarga, -
20:49 - 20:54uma forma de soltar toda a angústia
que o paciente leva. -
20:54 - 20:56Não é necessário rever os cuidados,
-
20:56 - 21:02não é caso para sentir-se mal pensando
que não se está a fazer bem. -
21:02 - 21:05Mas ele estava consciente e recuava
-
21:05 - 21:07e pedia-me perdão constantemente.
-
21:07 - 21:10"Eu não quero, às vezes
estou nervoso, -
21:10 - 21:17custa-me aceitar, vou morrer
e não quero", dizia. -
21:18 - 21:22Era que eu teria querido para mim
-
21:23 - 21:27e o que eu quereria para mim
foi o que tentei dar-lhe. -
21:29 - 21:34E também podemos transmitir
emoções ou sentimentos, -
21:34 - 21:36que nos façam sentir
culpados, não é? -
21:36 - 21:38Quando se vê que a pessoa
está a sofrer muito, -
21:39 - 21:42pode-se desejar que morra
para que não sofra -
21:42 - 21:44e depois pode ser difícil
lidar com isso. -
21:45 - 21:51Quando, na verdade, é muito justo
querer que a pessoa não sofra, -
21:52 - 21:54mas é um tipo de sentimento
-
21:54 - 21:57que talvez não seja
socialmente aceite -
21:59 - 22:03e por isso geram um pouco de culpa.
-
22:03 - 22:08Um dos sentimentos mais inapropriados
ou menos práticos, -
22:08 - 22:10por assim dizer,
-
22:10 - 22:12é o sentimento de culpa.
-
22:12 - 22:16E só prestaremos cuidados
de qualidade -
22:16 - 22:19se estivermos bem.
-
22:20 - 22:22Negociação.
-
22:22 - 22:24Ocorre um diálogo interno,
-
22:25 - 22:28como se se estivesse a
negociar a sua situação. -
22:28 - 22:32Costuma estar relacionada com assuntos
pendentes e despedidas. -
22:33 - 22:37Mas uma vez celebrado o casamento,
-
22:37 - 22:40"eu já cumpri e tudo
o que vier agora..." -
22:40 - 22:42e a mim disse-mo "tudo
o que me acontecer", -
22:43 - 22:46"já não me importa, se
tiver de morrer, morro, -
22:46 - 22:50se este é o meu final
já não me importa". -
22:50 - 22:54"Eu já cumpri com a minha
filha, convosco, -
22:55 - 22:57não quis estragar este dia
tão bonito à minha filha". -
22:57 - 22:59"E tudo o que acontecer agora..."
-
23:01 - 23:03Ao aceitar que a situação
é inevitável -
23:03 - 23:05passa-se por uma espécie
de depressão -
23:06 - 23:08que muitas vezes não
se pode evitar. -
23:10 - 23:14Se se permite expressar a dor,
isso ajuda à aceitação final. -
23:16 - 23:18Nesse sentido, não servem para nada
-
23:19 - 23:21as atitudes positivas forçadas
-
23:21 - 23:23ou fingir para dar ânimo.
-
23:24 - 23:26Muitas vezes são necessárias
poucas palavras, -
23:27 - 23:32mas o que sempre ajuda é estar
presente, disponível. -
23:34 - 23:35Falámos de todas estas coisas.
-
23:36 - 23:38Falámos de todos os nossos medos,
-
23:38 - 23:40de todas as nossas preocupações.
-
23:41 - 23:43Abrimos totalmente
os nossos corações. -
23:44 - 23:47É importante abrir os corações...
-
23:47 - 23:50Quero dizer, há coisas que
às vezes nos parecem enormes -
23:50 - 23:54e que parecem tão importantes
e depois não são importantes. -
23:54 - 23:57Então, essa necessidade de falar,
de ser ouvido sem julgar -
23:57 - 23:59o que ele estava a contar.
-
23:59 - 24:06Essa foi também uma necessidade
muito forte que eu vi nele. -
24:07 - 24:11O distanciamento é o descanso
no fim da viagem. -
24:11 - 24:15Além disso, quando
chegar o momento, -
24:15 - 24:18julgo que vou até estar
contente e tudo, -
24:19 - 24:21quando chegar o momento.
-
24:22 - 24:26Porque sei que vou
descansar também. -
24:27 - 24:29O doente reduz a sua
atividade ao mínimo, -
24:29 - 24:34fala pouco e perde interesse
por aquilo que o rodeia. -
24:34 - 24:37Deseja estar só ou com uma
companhia muito reduzida. -
24:38 - 24:41Isto acontece porque se está
a preparar para partir -
24:42 - 24:45e o acompanhante pode sofrer
ao sentir-se ignorado -
24:46 - 24:48se não compreende esta
etapa de distanciamento. -
24:48 - 24:50Precisa de se virar para si mesmo
-
24:51 - 24:56e de se ir preocupando menos
pelos que estão à sua volta. -
24:56 - 24:59Às vezes, isso faz com que
os cuidadores se sintam mal. -
24:59 - 25:02Fá-los sentir que já não são úteis,
-
25:02 - 25:05ou fá-los sentir que essa
pessoa de quem gostam tanto -
25:06 - 25:08já não precisa tanto deles.
-
25:10 - 25:12É preciso deixá-los partir.
-
25:12 - 25:14E para os deixar partir
-
25:14 - 25:17é preciso permitir-lhes
esse desligamento. -
25:18 - 25:21Sentir que os entes queridos
não aceitam a morte do doente, -
25:22 - 25:24pode provocar angústia.
-
25:25 - 25:27É importante "dar-lhe
licença" para partir. -
25:28 - 25:32O que se deve fazer é deixar
partir a outra pessoa. -
25:33 - 25:37E que parta tranquila,
pelos que ficam. -
25:40 - 25:43E disse-nos muitas vezes, não
quero que choreis por mim, -
25:43 - 25:47porque me fareis sofrer, quando estiver
lá em cima, se chorais por mim. -
25:47 - 25:49Quando chegar o momento
já estarei preparado. -
25:50 - 25:53Como gostas tanto dessa
pessoa e lhe queres bem, -
25:53 - 25:57dizes-lhe que sim, que
vá, que descanse, -
25:57 - 26:02que estamos com ele e que vamos
gostar dele para sempre. -
26:03 - 26:07De facto, quando estávamos
todos com ele, -
26:07 - 26:10demos-lhe licença para partir,
-
26:10 - 26:12dissemos-lhe que podia partir.
-
26:12 - 26:15Eu disse-lhe, papá, podes
ir, está tudo bem. -
26:15 - 26:20Estamos todos bem
e foste fantástico. -
26:21 - 26:23Eu gostava de falar um pouco sobre
-
26:23 - 26:26o legado que nos deixou
a mulher de um paciente -
26:26 - 26:28que acompanhámos na sua casa.
-
26:28 - 26:32Era um paciente muito jovem,
de trinta e sete anos, -
26:32 - 26:34diagnosticado com
um cancro no fígado -
26:34 - 26:37e a sua mulher acompanhou-o sempre.
-
26:37 - 26:39Desde o início do diagnóstico,
até ao fim. -
26:40 - 26:43Ela, com esse desenho,
quis representar… -
26:45 - 26:48a linha violeta é
a linha da doença, -
26:48 - 26:50desde o diagnóstico até à morte
-
26:51 - 26:53e todos esses bonequinhos
que aparecem por baixo -
26:53 - 26:56da linha da doença e da morte,
-
26:56 - 26:59são todos os profissionais de saúde
-
26:59 - 27:02que foram acompanhando
o doente no hospital, -
27:02 - 27:05as equipas de psicólogos,
os cirurgiões. -
27:06 - 27:08No momento em que entra,
-
27:08 - 27:10já na fase final da doença,
-
27:10 - 27:12a equipa de cuidados paliativos.
-
27:13 - 27:16E no final ele decidiu recorrer
-
27:16 - 27:19a uma unidade de cuidados paliativos
hospitalares para morrer -
27:19 - 27:21e também eles estão representados
-
27:21 - 27:23no final desta doença, não é?
-
27:23 - 27:25Este é o paciente, Carlos,
-
27:25 - 27:30ia acompanhando Laura a
percorrer esta doença, -
27:30 - 27:33que tinha chegado à meta,
ao final da sua vida. -
27:34 - 27:38Ela, com este desenho, quis agradecer-nos
o acompanhamento -
27:38 - 27:42que teve da parte da nossa equipa
e dos restantes profissionais -
27:42 - 27:45que a acompanharam neste
longo processo. -
27:45 - 27:49"Para todos os integrantes do ESAD,
tornais fácil o que é difícil" -
27:49 - 27:52Que é de certo modo
um dos nossos lemas. -
27:52 - 27:59E depois de passar esses
dias de agonia com Carlos, -
27:59 - 28:02essas dores tão fortes e esses dias
-
28:02 - 28:05que para nós foram muito
cinzentos e muito escuros, -
28:05 - 28:08quando chegou a equipa de paliativos,
de repente a casa, -
28:08 - 28:14eu tive a sensação de que
tinha chegado o sol, a luz. -
28:14 - 28:17As equipas de cuidados paliativos,
-
28:17 - 28:20prestaram-me um serviço estupendo,
-
28:20 - 28:24incrível, porque me
trataram como... -
28:24 - 28:28São os meus anjos terapêuticos,
de facto. -
28:29 - 28:33Sempre que chegava o dia,
era um dia alegre para nós. -
28:35 - 28:39Mais, houve um longo período de
quinze dias em que não viriam -
28:39 - 28:41e eu só dizia: "não vêm nos
próximos quinze dias?" -
28:41 - 28:44Não pode ser, precisamos
de vocês semanalmente, -
28:44 - 28:49vocês dão-nos uma injeção de vida,
uma injeção de esperança... -
28:49 - 28:52Tem a ver com sentires que partilhas
sangue e pele com outros seres -
28:53 - 28:55que te abrigam quando está frio,
que recolhem as tuas lágrimas -
28:55 - 28:59num potezinho para as transformar
numa poção curativa. -
28:58 - 29:02Por isso, obrigado por nos iluminares
com um raio de esperança, -
29:02 - 29:04por nos fazeres reparar
que um braço amigo -
29:04 - 29:06pousa nos nossos ombros para
nos acompanhar no caminho. -
29:06 - 29:09No bom caminho de um mundo
diferente e melhor. -
29:09 - 29:11Muitíssimo obrigado.
-
29:14 - 29:16Olha, agora ajudam-me com carinho,
-
29:19 - 29:21Podes ver como gostam de mim,
-
29:22 - 29:28não me falta nada em cima
da mesa. Nada me falta. -
29:29 - 29:32Do que é que eu precisava?
Eu julgo que precisava -
29:32 - 29:35de tudo o que me deram.
Deram-me tudo! -
29:36 - 29:39Precisava de ferramentas
internas, que me davam, -
29:39 - 29:42precisava de ânimo, que me davam,
precisava de desabafar -
29:42 - 29:46e vinham ver-me e eu podia
falar com eles e desabafar. -
29:46 - 29:48às vezes chorava, às vezes ria,
-
29:48 - 29:52às vezes partilhava
experiências bonitas. -
29:52 - 29:57Estão a viver uma situação igual
à nossa, com outro familiar, -
29:57 - 30:00estão na mesma situação que nós.
-
30:00 - 30:03E por isso cria-se uma
espécie de cumplicidade, -
30:04 - 30:08de relação de amizade.
-
30:09 - 30:13Mas é uma relação de amizade
que inclui o apoio, -
30:13 - 30:16inclui o darem-te ânimo,
-
30:17 - 30:19a preocupação pelo teu familiar.
-
30:20 - 30:22Histórias que se redescobrem,
-
30:23 - 30:27histórias para as quais se volta
a encontrar significado. -
30:28 - 30:32Encontros. São histórias
de encontros. -
30:32 - 30:34Quando a vida se torna difícil,
-
30:34 - 30:39voltamo-nos a encontrar com a
verdade dos que temos ao redor. -
30:39 - 30:42E porque é que nos voltamos
a reencontrar? -
30:43 - 30:46Porque estivemos muitos
momentos juntos, a falar, -
30:46 - 30:47de falarmos sós os dois,
-
30:48 - 30:52de dizermos coisas que se calhar
não nos tínhamos dito. -
30:52 - 31:00Quando um cuidador ou cuidadora
diz a uma pessoa doente: -
31:01 - 31:02"teria voltado a escolher-te,
-
31:02 - 31:06mesmo sabendo tudo o que
íamos passar juntos". -
31:07 - 31:11E mesmo sabendo-o, voltaria
a escolher-te outra vez -
31:11 - 31:14para viver esta parte
da minha vida contigo. -
31:14 - 31:17Sentiu-me muito próxima,
sentiu-me presente. -
31:17 - 31:20Sentiu o meu carinho,
sentiu, sentia-o. -
31:20 - 31:22Dizia-me: "Eu não sabia que
gostavas tanto de mim". -
31:23 - 31:33A cada momento vem o meu filho,
a minha nora e estou na cama. -
31:35 - 31:37Estou na cama
-
31:39 - 31:41E não sabem se estou a dormir
ou se estou acordado -
31:42 - 31:46e abraça-se a mim e dá-me um beijo.
-
31:48 - 31:49Dá-me um beijo.
-
31:58 - 31:59Meu Deus!
-
32:04 - 32:05Isso vale muito.
-
32:07 - 32:11Cada pessoa é diferente. E por
isso é também uma adaptação -
32:11 - 32:15a um conhecimento das necessidades
daquela pessoa. -
32:16 - 32:18Mas pode-se sempre preguntar.
-
32:19 - 32:21Há alguma coisa em que achas
que te possa ajudar? -
32:22 - 32:25Acompanhar simplesmente,
estando ali, disponível. -
32:26 - 32:29Pode haver uma mudança e
às vezes apenas é preciso -
32:30 - 32:35que a outra pessoa
saiba que estás ali. -
32:36 - 32:44Ou seja, não se trata de dizer
nada, trata-se de ouvir. -
32:45 - 32:47Precisava de estar sozinho e
passava muito tempo sozinho, -
32:47 - 32:53mas não se incomodava
se eu lá estivesse. -
32:53 - 32:57Ou seja, se eu me aproximava
e simplesmente dávamos a mão -
32:57 - 33:01e ficávamos em silêncio,
ele agradecia muitíssimo. -
33:02 - 33:06Mais do que dizer, eu recordava-lhe,
o ver do sol em cada manhã, -
33:07 - 33:10e dizia: outro dia que vejo o
sol, outro dia que amanheceu. -
33:11 - 33:15O que vos dizia antes, sobre
a luz ser tão importante. -
33:15 - 33:19O acompanhante tem a oportunidade
de se reconciliar -
33:19 - 33:22e fechar também a etapa que
viveu junto do doente. -
33:23 - 33:28Queria dizer que sim,
é muito importante -
33:29 - 33:33que nos possamos despedir
de uma pessoa -
33:33 - 33:37que sabemos que vai falecer;
se passarem por essa situação, -
33:37 - 33:38é bom que se despeçam dela
-
33:38 - 33:40que comuniquem com ela
-
33:41 - 33:43e com o resto da família.
-
33:43 - 33:46Parece-me importante para que
quando essa pessoa falte -
33:46 - 33:48se lide melhor com situação.
-
33:48 - 33:51O acompanhante pode prestar
atenção ao cuidado da sua -
33:51 - 33:55própria situação interna para
que possa dar o melhor de si. -
33:55 - 33:58Essas ferramentas foram
muito úteis para mim. -
33:59 - 34:03Todo o trabalho com a atenção,
com a reconciliação. -
34:03 - 34:07E nos últimos tempos, todo o trabalho
com cerimónias, com pedidos. -
34:10 - 34:12Aprender a retirar carga
dramática às situações. -
34:13 - 34:15Aprender a rir-se num dado momento,
-
34:15 - 34:17inclusivamente na adversidade.
-
34:18 - 34:21Uma característica que ele tinha,
e de que toda a família partilha, -
34:21 - 34:22é o sentido de humor.
-
34:23 - 34:26Isso parece-me muito importante
no processo pelo qual passámos, -
34:26 - 34:28foi muito importante.
-
34:28 - 34:30Para as pessoas que estão como eu?
-
34:31 - 34:34Levantem-se de manhã, riam muito,
-
34:34 - 34:37contem anedotas e não liguem
ao que os outros pensam. -
34:38 - 34:40E acabou-se. E no dia
em que morrermos, -
34:40 - 34:42que me enterrem para
não cheirar mal. -
34:43 - 34:46A pessoa está viva e precisa
que os que estão ao redor -
34:46 - 34:50a tratem como viva, não como
uma pessoa que vai morrer. -
34:51 - 34:53Depois vou à escola de adultos,
-
34:53 - 34:56às três da tarde. Falo
com um, falo com outro. -
34:56 - 34:59Hoje, por ser sexta, quando
se acaba a escola, vamos -
34:59 - 35:02ao café, a nossa segunda casa.
E tomamos o nosso cafezinho. -
35:03 - 35:06Falamos, rimos, de tudo.
E assim passo o tempo. -
35:06 - 35:08O mais satisfatória possível,
-
35:08 - 35:12no sentido de não
o obrigar a comer. -
35:12 - 35:15Se quisesse comer que comesse,
senão, não havia problema. -
35:15 - 35:18No fim, custava-lhe muito
comer, alimentar-se -
35:18 - 35:21e eu passava a vida na cozinha
-
35:21 - 35:22tentando fazer pratos diferentes
-
35:22 - 35:24para ver qual o mais adequado...
-
35:24 - 35:28em vez de estar mais atenta
a outras coisas que me dizia, -
35:28 - 35:33estar mais atenta ao seu
cansaço, ao esgotamento, -
35:33 - 35:38a que já não aguentava mais, perdia
tempo com outras coisas. -
35:38 - 35:44Este tempo de convivência,
de partilha, realmente -
35:44 - 35:49eu diria que ajuda muito.
-
35:51 - 35:53É uma oportunidade de
crescimento interno, -
35:54 - 35:58de aprendizagem e de ganhar
coerência pessoal. -
36:10 - 36:12Mas quando a doença nos para,
-
36:12 - 36:14de repente começam a surgir
muitas perguntas. -
36:14 - 36:17Perguntas relacionadas com
algo tão simples como -
36:17 - 36:21"Porque é que me acontece a
mim?" "Era o momento certo?" -
36:22 - 36:24porque parece que era uma idade
na qual talvez não se esperasse -
36:24 - 36:28estar imobilizado pela doença
ou estar próximo da morte. -
36:28 - 36:32Ou perguntamo-nos se tivemos
uma vida razoavelmente boa, -
36:32 - 36:33tentando fazer o bem à nossa volta.
-
36:34 - 36:37E sentimos que a vida nos trata
injustamente com estas doenças. -
36:38 - 36:40Estamos num cenário onde aparecem
-
36:40 - 36:41perguntas pelo sentido,
-
36:42 - 36:43perguntas pelos valores,
-
36:44 - 36:47também perguntas sobre
se me encontro em paz -
36:48 - 36:51na minha relação com os outros,
na relação comigo mesmo -
36:51 - 36:53ou na relação com um
ser transcendente. -
36:54 - 36:58Qualquer pessoa, independentemente
das suas crenças ou ateísmo, -
36:58 - 37:01pode sentir necessidade
de se reconciliar -
37:01 - 37:03ou de dar sentido à sua vida.
-
37:03 - 37:05Gostaria de clarificar que
a dimensão espiritual -
37:06 - 37:08nem sempre tem um
conteúdo religioso. -
37:08 - 37:11Mais, em muitos casos há pessoas
-
37:12 - 37:14que têm uma vivência espiritual
-
37:14 - 37:16sem uma aproximação ao religioso.
-
37:16 - 37:21Todas as pessoas têm uma visão
espiritual das coisas, -
37:21 - 37:25ainda que nem sempre seja reconhecida,
nem sempre lhe demos nome, -
37:25 - 37:28porque essas dimensões que
têm os seres humanos, -
37:28 - 37:31que aparecem, mas que normalmente
caminhamos com elas -
37:31 - 37:33é como o ar que também não vemos,
-
37:33 - 37:35sabemos que existe e
que nos ajuda a viver. -
37:36 - 37:39O preconceito ou a timidez no
momento de falar destes temas -
37:39 - 37:42podem bloquear algo que é
fundamental ter em conta. -
37:43 - 37:45Às vezes o problema está
no próprio cuidador, -
37:45 - 37:47que não ousa falar disso,
-
37:47 - 37:49porque sabe que significa
entrar numa situação -
37:49 - 37:53de comunicação profunda e, às
vezes, de comunicação dolorosa, -
37:53 - 37:55porque tem a ver com "despedir-se",
-
37:55 - 37:57tem a ver com o fim.
-
37:58 - 38:01Não se trata de fazer uma terapia
ou direção espiritual. -
38:01 - 38:03Sabes o que não me ajuda?
-
38:04 - 38:10Quando as pessoas querem
impor as suas crenças, -
38:11 - 38:14a sua forma de ver a vida.
-
38:14 - 38:16Por exemplo, a religião.
-
38:17 - 38:19Eu sou agnóstico, por exemplo,
-
38:20 - 38:24e respeito muito os
que têm uma religião. -
38:24 - 38:26Respeito-os muito, realmente,
-
38:26 - 38:29mas não sou nada religioso.
-
38:30 - 38:35Prefiro ver a morte, desde
fora do âmbito da religião. -
38:35 - 38:38Trata-se de acompanhar enquanto
o próprio doente -
38:38 - 38:42vai encontrando os seus temas
e argumentos particulares. -
38:43 - 38:49Então, entrou o sol, fechou
os olhos e disse, -
38:49 - 38:54estou na praia do céu, ao solzinho.
-
38:55 - 38:57Isso vai ajudar, sobretudo,
a não bloquear. -
38:58 - 39:02Isto acontece-nos no plano emocional
e também no espiritual. -
39:02 - 39:05Ou seja, a importância
no acompanhamento, -
39:05 - 39:08que a pessoa possa pôr em palavras
tudo o que está viver. -
39:09 - 39:11Explorar seria a palavra
chave para acompanhar. -
39:12 - 39:15Porque ao explorar, permite-se
que o outro expresse as dúvidas, -
39:15 - 39:19as inquietudes, os recursos,
as capacidades, os medos. -
39:19 - 39:23Creio que essa é a forma mais
fundamental de acompanhar. -
39:24 - 39:31Quando a Victoria morreu, podem imaginar,
a minha dor foi tremenda. -
39:32 - 39:36Emocionalmente, estava destroçada
porque não parava de chorar, -
39:37 - 39:45mas aconteceu algo impressionante
e essa experiência, -
39:45 - 39:49esse registo que comentava antes,
de que as pessoas me aconchegavam. -
39:50 - 39:53Eu sentia-me aconchegada,
protegida, -
39:53 - 39:56senti-o do mesmo modo
mas a partir de dentro, -
39:56 - 40:00havia algo que me acompanhava.
-
40:01 - 40:03Não sei... a vida.
-
40:04 - 40:05Era uma sensação de sentido,
-
40:09 - 40:12de que a vida estava comigo
e que a vida continuava connosco, -
40:12 - 40:14e que a vida me apoiava
nesse momento -
40:14 - 40:19mais do que em qualquer outro
momento da minha vida -
40:20 - 40:21e de todo este processo.
-
40:23 - 40:25Muitas pessoas acham que não podem
ajudar os entes queridos, -
40:26 - 40:28porque não sabem o que
fazer, o que dizer, -
40:29 - 40:31porque manifestam os seus temores
-
40:31 - 40:34e pensam que não tem
nada a oferecer. -
40:34 - 40:36Mas o simples facto de escutar
-
40:36 - 40:39e acompanhar é já uma grande ajuda.
-
40:40 - 40:41Quando as pessoas se sentem,
-
40:41 - 40:44e nós nos sentimos,
escutados, acolhidos, -
40:44 - 40:46nesses processos é como se
se libertasse o espírito, -
40:46 - 40:48como se se libertasse a alma.
-
40:48 - 40:51E isso é uma autentica
maravilha, é uma dádiva. -
40:51 - 40:55Por outro lado, não se trata apenas
da ajuda dada pelo acompanhante. -
40:56 - 40:59Sinto-me orgulhoso sobretudo
por, nestes últimos tempos, -
40:59 - 41:01ter-lhes dado a tranquilidade
-
41:01 - 41:06para que eles possam enfrentar
isto com mais sossego, -
41:06 - 41:11que eles não tenham
esse medo da morte. -
41:11 - 41:14Eu sei que para eles, sobretudo
para os meus filhos, -
41:14 - 41:17é um tema muito forte, porque uma tem
quinze e o outro vinte e um anos. -
41:17 - 41:22Mas eu sei que vão ser fortes
-
41:22 - 41:25e vão saber enfrentar
-
41:25 - 41:31e vão saber estar ao meu
lado até ao último momento -
41:32 - 41:35e eu vou ficar-lhes
extremamente grato. -
41:36 - 41:38Impressionante foi vê-lo,
depois de todo o processo, -
41:38 - 41:40depois de ter morrido.
-
41:40 - 41:43E ficou com uma paz...
-
41:44 - 41:48Ficou com uma cara de alegria,
-
41:48 - 41:50tinha cara de alegria.
-
41:50 - 41:54Tinha um sorriso de tranquilidade
e de alegria -
41:54 - 41:58que nos fazia felizes
-
41:58 - 42:00por termos podido levar a cabo
-
42:00 - 42:02entre todos o que ele
tinha querido... -
42:06 - 42:08A proximidade do fim,
-
42:08 - 42:11costuma implicar uma reconstrução
da própria vida. -
42:11 - 42:14Valoriza-se o que se fez,
o que se deixou de fazer... -
42:15 - 42:18Encontrar um significado para a
vida, sentir que "valeu a pena", -
42:18 - 42:20ajuda a recompor a
própria biografia -
42:21 - 42:23com base nas coisas mais positivas.
-
42:24 - 42:29Poder assim reviver,
de alguma maneira, -
42:29 - 42:32momentos que foram felizes.
-
42:33 - 42:37Poder agradecer a quem quer
que seja, ou a ninguém, -
42:38 - 42:41realmente este tempo
passado juntos. -
42:42 - 42:45Recuperar as histórias
de todas essas pessoas -
42:45 - 42:47que estão à nossa volta
-
42:47 - 42:50e que, realmente, vale
a pena escutar, -
42:51 - 42:54não só por ser benéfico
para a outra pessoa, -
42:54 - 42:56estás a ajudá-la
-
42:57 - 43:00a organizar a sua vida
-
43:00 - 43:03e reconciliar-se com muitas coisas,
-
43:03 - 43:05mas também para nós próprios...
-
43:07 - 43:09porque nos transmite
uma história de vida, -
43:10 - 43:11que a nós, com certeza,
-
43:12 - 43:13nos vai ajudar em muitas ocasiões,
-
43:13 - 43:16de facto, para mim é das
coisas mais gratificantes -
43:16 - 43:18com que me deparei,
-
43:18 - 43:21parte dessa pessoa fica em mim.
-
43:21 - 43:23Também se faz uma
revisão do legado, -
43:23 - 43:25o que se deixa a outros ao partir.
-
43:26 - 43:29O que se fez pode continuar
na família, -
43:29 - 43:30mas também se pode tratar
-
43:30 - 43:33de um legado intelectual
ou artístico, -
43:33 - 43:37de avanço social ou no âmbito
profissional, etc. -
43:37 - 43:39Há pouco tempo, uma
pessoa contava-me -
43:39 - 43:41que trabalhou muito
em investigação. -
43:41 - 43:44Saber que tinha contribuído um
pouco para a ciência implicava -
43:44 - 43:47que algo de si ia permanecer quando
ele já cá não estivesse. -
43:48 - 43:51Estava, de algum modo, a transcender
a sua própria experiência -
43:51 - 43:53mais além de si mesmo.
-
43:53 - 43:55Esta também é uma dimensão chave.
-
43:55 - 43:58Os cuidadores podem dizer
à pessoa que está doente, -
43:59 - 44:02olha, quando tu não estiveres cá, vais
continuar a estar de outra forma, -
44:03 - 44:06para nós foste um tesouro,
foste uma dádiva. -
44:07 - 44:09Pode-se elaborar um documento,
-
44:09 - 44:12um álbum, um testamento escrito,
-
44:12 - 44:16uma gravação de vídeo
ou de voz, ou seja, -
44:16 - 44:20um suporte físico onde
registar as recordações. -
44:20 - 44:24Fez até um vídeo para a despedida.
-
44:25 - 44:28Colocou as suas imagens
e também imagens de nós -
44:28 - 44:30e colocou as suas canções.
-
44:32 - 44:36Estávamos na casa mortuária e estávamos
com ele, porque eu sabia -
44:36 - 44:40que o Carlos... estava com ele nos
trabalhos que ele tinha realizado, -
44:41 - 44:42estava ali connosco.
-
44:42 - 44:46Não queria que houvesse lágrimas...
-
44:46 - 44:49A evocação e a expressão
também se podem apoiar -
44:49 - 44:52em materiais como fotografias,
música... -
44:55 - 44:58Esta fotografia é um
dos maiores apoios -
44:58 - 45:02pelo qual o meu pai
começou, e eu quis -
45:02 - 45:05que ele se apoiasse nas coisas
positivas e construídas -
45:05 - 45:07e no seu propósito.
-
45:07 - 45:10Ele tinha um propósito bem definido
que era o de cuidar. -
45:10 - 45:12Ele cuidava de plantas, de
animais, cuidou da família, -
45:12 - 45:15cuidou dos filhos e
cumpriu esta missão. -
45:15 - 45:18Então disse para nos apoiarmos
nas coisas positivas. -
45:18 - 45:20Acontece que nunca tínhamos
agradecido ao meu pai -
45:20 - 45:23por tudo o que fez por nós desde
que a minha mãe morreu. -
45:23 - 45:25Então, dedicamos-lhe este texto:
-
45:25 - 45:28"Obrigado pelo teu esforço,
por seres um lutador, -
45:28 - 45:31um exemplo para todos, por tomares
as rédeas e cuidares desta família, -
45:32 - 45:34obrigado por tudo
isto e muito mais". -
45:37 - 45:39Sente-se a necessidade
de fechar o ciclo vital. -
45:41 - 45:43Também a reconciliação
com outras pessoas -
45:43 - 45:46principalmente com aquelas
de quem gostamos -
45:46 - 45:48mas com a vida... as
coisas que fizemos -
45:49 - 45:51ou as coisas que deixamos por
fazer, porque às vezes... -
45:52 - 45:56sentimos, como mudamos as
prioridades nesses momentos -
45:57 - 46:00e preocupam-nos mais outras
coisas mais fundamentais, -
46:01 - 46:05há ocasiões em que uma
pessoa sente que não... -
46:06 - 46:08que não fez certas coisas
que deveria ter feito -
46:09 - 46:11mas também valorizamos
o que fizemos. -
46:12 - 46:14Para a pessoa que acompanha
ou para os entes queridos -
46:14 - 46:16que acompanham esse doente,
-
46:16 - 46:21também é importante despedir-se bem,
resolver as coisas e reconciliar-se -
46:21 - 46:24... porquê? Bem, porque
a vida termina -
46:24 - 46:27mas a relação com essa
pessoa vai continuar, -
46:27 - 46:32e isto ajuda a que o processo
de luto seja mais fácil. -
46:32 - 46:35A única coisa importante,
que é fundamental, -
46:35 - 46:37que é nuclear na vida das pessoas,
-
46:37 - 46:39é podermo-nos sentir
amados e poder amar. -
46:40 - 46:43É poder dizer, valeu a pena estar
contigo e caminhar contigo, -
46:44 - 46:46termos caminhado juntos.
-
46:48 - 46:52A proximidade da morte e o progressivo
desapego pela vida, -
46:52 - 46:56pode colocar o doente em condições
de aprofundar a sua experiência -
46:57 - 47:01tanto de comunicação com os outros,
como sobre o sentido da sua vida -
47:01 - 47:03e a possibilidade
da transcendência. -
47:04 - 47:06Eu acho que ele estava a preparar-se
para esse momento. -
47:07 - 47:10E por isso acredito
que esse silêncio, -
47:10 - 47:13raro nele, que nunca
parava de falar, -
47:15 - 47:20era isso, o aceitar da sua
partida, que ia embora. -
47:21 - 47:25Porque, como é óbvio, quando
se dá um momento assim, -
47:25 - 47:28em que já esperas o teu fim,
consideras muitas coisas. -
47:29 - 47:31E aí ele exteriorizou muita coisa.
-
47:31 - 47:34Extremamente enriquecedor. Muito.
-
47:35 - 47:38A morte não tem de ser necessariamente
aterradora ou triste. -
47:39 - 47:41Transformando as condições,
-
47:41 - 47:45muitas pessoas podem chegar a
aceitá-la numa profunda paz. -
47:45 - 47:48Durante os dois anos,
houve uma evolução, -
47:49 - 47:51em que eu próprio tenho
dificuldade em acreditar. -
47:51 - 47:56Primeiro, o golpe,
o impacto de saber -
47:56 - 48:01que me diagnosticaram uma
doença destas, tão dura. -
48:03 - 48:08E depois foi, realmente,
em menos de um ano, -
48:09 - 48:14admitir a doença com
esta naturalidade. -
48:15 - 48:18Sem nenhum tipo de ansiedade,
-
48:19 - 48:26nenhum tipo de medo do que pudesse
advir, pelo contrário. -
48:27 - 48:29Sim. Esteve completamente
tranquilo. -
48:29 - 48:34Foi uma morte muito suave.
-
48:35 - 48:38Não fez nenhum tipo
de gesto nem nada. -
48:39 - 48:42Bem. Muito tranquilo. Agarrando-o,
agarrava-o fisicamente. -
48:42 - 48:46Eu coloquei a mão no seu peito,
-
48:46 - 48:48peguei numa mão, o meu irmão
pegou na outra mão. -
48:49 - 48:55Estávamos todos a acompanhá-lo.
-
48:57 - 49:02E a minha irmã disse: "Pai, se
soubesses que era tão fácil, -
49:02 - 49:04com certeza terias partido antes."
-
49:10 - 49:13Em relação a esse momento,
o que perceciono e que sinto -
49:13 - 49:16é que ele realmente
morreu como queria. -
49:17 - 49:19E morreu em paz.
-
49:19 - 49:26Essa placidez na morte foi muito
facilitada pela equipa, -
49:27 - 49:29estando presente, sabendo
atuar nesse momento. -
49:30 - 49:35E passou rapidamente
da vida à morte em nada, -
49:35 - 49:37num suspiro.
-
49:37 - 49:43Ele fechou os olhos e
assim foi, assim foi. -
49:56 - 49:59Não identifico o acompanhamento
do fim da vida -
49:59 - 50:01apenas como o acompanhamento
nestes últimos meses, -
50:01 - 50:05neste caso três, mas sim
os dois últimos anos. -
50:05 - 50:09Para mim, agradeço por ter tido
-
50:09 - 50:13a oportunidade, nesses dois anos,
de fazer todo o processo. -
50:13 - 50:18É a confirmação, por experiência,
de que existe algo mais -
50:19 - 50:23do que o que vemos com estes olhos,
-
50:23 - 50:25do que vejo com estes olhos
e do que sinto com este... -
50:27 - 50:31talvez transcendência e
a experiência de "nós". -
50:32 - 50:38Não acho que isto se pudesse ter
sido ultrapassado sem o apoio, -
50:40 - 50:46a ligação, a união entre tantas
pessoas que me acompanharam. -
50:47 - 50:50E, sem dúvida, não
o trocaria por nada. -
50:51 - 50:54Mais, se tivesse de voltar
a passar por isso, -
50:54 - 50:57imagino que voltaria a fazê-lo.
-
50:58 - 51:01Sentir-me bem comigo mesma.
-
51:01 - 51:03Ou seja, eu fiz tudo
o que tinha que fazer. -
51:03 - 51:06Essa paz, essa tranquilidade de dizer,
fiz tudo o que tinha que fazer. -
51:07 - 51:10Considero-me forte, mas não pensei
que pudesse ser tão forte. -
51:10 - 51:14Mas quando uma pessoa se encontra
numa situação assim, -
51:14 - 51:18nunca se sabe até onde vai chegar,
até onde pode chegar. -
51:19 - 51:21Enfrentei a vida olhos nos olhos.
-
51:21 - 51:27Enfrentei a vida olhos
nos olhos e ... -
51:27 - 51:32dizer "Calhou-me viver
isto e sigo em frente". -
51:32 - 51:36Foram momentos muito importantes
na minha vida. -
51:37 - 51:39Foram momentos em
que qualquer coisa, -
51:40 - 51:41pegar-lhe na mão simplesmente,
-
51:42 - 51:45ou simplesmente passear no
hospital pelo corredor, -
51:45 - 51:49ou qualquer coisa. Era viver
as coisas muito intensamente. -
51:50 - 51:52A generosidade das pessoas
-
51:52 - 51:55que me permitiram acompanhá-las
nestes momentos. -
51:56 - 52:01Julgo que é realmente
um ato de generosidade, -
52:01 - 52:05poder participar num momento
importante das famílias. -
52:06 - 52:09Cada pessoa que morre
e que eu tenha tratado, -
52:09 - 52:13claro, há uma parte de mim
que vai com aquela pessoa. -
52:14 - 52:17Há uma parte de mim que pode ir.
-
52:18 - 52:24Mas, não sei, o que te
fica naquele momento, -
52:24 - 52:29de ter podido ajudar aquela pessoa,
é tão grande que eu... -
52:29 - 52:36não sei, pensava que no coração
não podia haver muitas pessoas. -
52:38 - 52:42Eu pensava que não podias
amar tantas pessoas. -
52:42 - 52:46E a verdade é que,
quanto mais amas, -
52:47 - 52:49mais pessoas cabem no teu coração.
-
52:50 - 52:54A certa altura, eu
decidi continuar. -
52:56 - 52:58Creio que dá muito sentido
à minha vida. -
53:00 - 53:05Que me confronta menos com
a minha própria morte, -
53:05 - 53:07ainda que pense na minha morte
-
53:07 - 53:12ao estar presente muitas vezes
na morte dos pacientes. -
53:13 - 53:17É uma escola de vida, não
é uma escola de morte. -
53:17 - 53:19É uma escola de vida.
-
53:19 - 53:24Porque eu não lido com corpos,
lido com pessoas vivas. -
53:24 - 53:29Quando continuamente vemos pessoas
a morrer e vemos como se despedem -
53:30 - 53:34como valorizam os detalhes,
os momentos, os sorrisos. -
53:34 - 53:36Vemos tudo isso nos pacientes.
-
53:37 - 53:39Aí começamos a valorizar,
falo por mim, -
53:40 - 53:41o sentido das coisas
-
53:41 - 53:44e a importância que têm as coisas
na minha vida pessoal. -
53:45 - 53:48E o valor da vida
e o valor de amar, -
53:49 - 53:51é o que aprendemos aqui, realmente
-
53:51 - 53:53e não tem preço.
-
53:53 - 53:57Dizem: "que horror, como
podes trabalhar nisto?" -
53:57 - 54:00"Como podes estar nisto
há quinze anos -
54:00 - 54:03e ir contente para o trabalho?
Isto é horrível!" -
54:03 - 54:06"Todo o dia com a morte, todo
o dia com a doença grave, -
54:06 - 54:08todo o dia com o sofrimento..."
-
54:09 - 54:13E, realmente, há que dizer que
quando mudas o ponto de vista, -
54:13 - 54:16quando aprendemos a ver os doentes
-
54:16 - 54:18não como uma pessoa
que tens de curar, -
54:18 - 54:21mas sim como uma pessoa
a quem temos de ajudar, -
54:21 - 54:23de acompanhar no final da vida.
-
54:23 - 54:26Vemos a utilidade de estar ali,
-
54:26 - 54:29como médico e também como pessoa,
-
54:29 - 54:32acompanhando-o, é tão
gratificante que, -
54:32 - 54:37realmente nos ajuda a que o dia a
dia seja muito mais gratificante -
54:37 - 54:39do que em muitas outras
especialidades médicas. -
54:39 - 54:41E foi o que eu tentei fazer.
-
54:41 - 54:45Viver a minha vida o melhor
possível, ter uma família. -
54:45 - 54:50ter uma família que gosta de
mim e da qual eu gosto também -
54:51 - 54:55e com isso estou mais do
que satisfeito com a vida. -
54:56 - 54:58Estou satisfeito, satisfeito.
-
54:59 - 55:02Por isso, a todos os que estiverem
nas minhas circunstâncias, -
55:02 - 55:04envio um abraço
-
55:05 - 55:07e espero receber o vosso também.
-
55:09 - 55:12Sobretudo, fico com os sorrisos.
-
55:12 - 55:15No meio da tristeza,
no meio da pena -
55:16 - 55:19e no meio da dor emocional,
-
55:19 - 55:25esse momento em que se cria uma
ligação e nasce um sorriso. -
55:26 - 55:29O sorriso sereno dos doentes
em muitos momentos. -
55:29 - 55:31Parece mentira, mas
-
55:31 - 55:33as declarações de
amor mais bonitas, -
55:33 - 55:39vi-as entre casais que se despedem.
-
55:39 - 55:46Casais que se cuidam na
última fase da doença.
- Title:
- Compañeros de Viaje
- Description:
-
Versión completa de 56 minutos. Disponibles subtítulos en español e inglés.
Blog: compviaje.blogspot.com.es
El interés de este documental es ayudar a las personas que acompañan a sus seres queridos al final de la vida. Cuenta con información y testimonios tanto de profesionales de paliativos como de enfermos y acompañantes. - Video Language:
- Spanish, Argentinian
- Duration:
- 56:39
Manuel Silva Afonso edited Portuguese subtitles for Compañeros de Viaje | ||
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Maggie S (Amara staff) edited Portuguese subtitles for Compañeros de Viaje |