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O Cerco
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A democracia
nas malhas do neoliberalismo
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Produção, realização, montagem
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Fotografia
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Som
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Mûsica
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Por ordem de aparição
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1 . Introdução
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Nos anos 30,
chamàvamos regimes totalitàrios
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aos regimes de partido ûnico,
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em que o objectivo do partido
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era o de controlar a totalidade
das actividades de uma sociedade,
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tanto de ordem política, econômica,
social ou cultural.
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O estado ocupava-se de tudo.
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Infelizmente, tivemos exemplos,
sobretudo no caso do fascismo,
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nazismo e estalinismo, sociedades
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totalitàrias dirigidas por um partido.
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Hoje em dia vivemos em democracia,
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evidentemente, mas podemos constatar
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que o partido ûnico foi substituído
pelo pensamento ûnico
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e que os detentores desse pensamento
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acreditam numa solução ûnica,
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a solução imposta pelo mercado, para
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todas as actividades da sociedade,
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tanto de ordem política, econômica,
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social, cultural como desportiva,
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competindo ao mercado
regular essas actividades.
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O mercado tem penetrado em todos
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os interstícios da nossa sociedade,
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tal como um líquido
que nada poupa.
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É por isso que podemos falar
de regimes totalitàrios hoje em dia,
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pois existe uma vontade de impor
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uma solução ûnica
à pluralidade dos nossos problemas.
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Escrevi “La Pensée Unique”
numa altura,
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em 1995,
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em que a maior parte dos nossos
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concidadãos não se tinha apercebido
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de que estàvamos imersos
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numa nova ideologia.
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Esta ideologia a que agora
chamamos “neoliberal”.
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O neoliberalismo
é uma técnica econômica,
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um certo nûmero
de princípios econômicos,
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mas também, sem que nos apercebamos
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disso, um autêntico jugo ideolôgico.
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E aquilo que eu queria realçar
era precisamente isso,
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explicando aquilo em que consiste.
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Consiste em enumerar
um certo nûmero de princípios,
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nomeadamente que o mercado,
a mão invisível do mercado,
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regula
a maioria dos problemas.
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O estado e os cidadãos escusam de
se envolver, basta o mercado actuar.
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Estabelece princípios,
tal como a desregulação.
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É preciso desregular,
o estado estava demasiado presente.
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É preciso menos estado
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e que seja o capital
a prevalecer sobre o trabalho.
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É preciso sempre favorecer o capital
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e privatizar,
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minimizando o raio de acção do estado
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e maximizando o da iniciativa privada.
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Urge favorecer as livres trocas, pois
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o comércio significa desenvolvimento
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- fazia-se uma equação deste tipo -
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e eu queria mostrar que aqueles
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princípios não surgiam do nada,
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jà tinham sido elaborados em 1944,
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apôs a Conferência de Bretton Woods,
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que deu início ao FMI
e ao Banco Mundial.
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Foi esse o trabalho levado a cabo
pelo FMI nos anos 60 e 70
-
em relação aos países do sul,
o chamado “ajustamento estrutural”,
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a que certos países
chamam “o Consenso de Washington”,
-
ou seja, que é preciso a todo o custo
reduzir o orçamento de estado,
-
evitando o défice pûblico
e a inflação,
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é preciso reduzir os funcionàrios
pûblicos, tanto na saûde
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como na educação, pois o estado
não deve incorrer nestas despesas.
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Muitos países do sul sofreram
imenso com isso, evidentemente.
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Era isso que eu tentava explicar.
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Ao juntarmos todos estes elementos,
estamos perante uma ideologia.
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Na altura, em França, estàvamos em
vésperas de eleições presidenciais,
-
que tiveram lugar uns meses depois,
em Maio.
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Tal como eu estava a dizer,
-
foi esta ideologia praticamente de
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partido ûnico que nos propuseram.
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Privatizações de esquerda
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Pouco apôs a queda da Cortina
de Ferro, assiste-se no ocidente
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a uma viragem à direita da grande.
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maioria dos partidos de esquerda.
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Do Partido Trabalhista britânico
-
ao SPD alemão
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e ao Parti Québécois,
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todos se aplicam numa “reforma”,
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“reengenharia”
ou “modernização” do estado
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que se traduz invariavelmente pela
adopção de políticas neoliberais.
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Em França, entre 1997 e 2002
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o governo socialista de Lionel Jospin
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procede à privatização de cerca de dez
grandes empresas nacionais,
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nûmero equivalente às dos governos
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de direita anteriores e posteriores.
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Mas como é que a ideologia neoliberal
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se impôs até nos partidos “socialistas”?
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E onde surgiu?
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2. as origens
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Greve geral em Winnipeg, 1919
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Ao surgir o neoliberalismo,
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impera uma configuração intelectual
e institucional muito particular.
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Pode-se dizer
que, entre 191 4 e 1945,
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o capitalismo atravessou
uma crise sem precedentes.
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Tratou-se de uma crise
no plano material.
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No anos 20,
-
o capitalismo tinha
recrudescido devido à reconstrução,
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mas a Depressão dos anos 30 traz
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desemprego, falências e distûrbios
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e, no plano intelectual,
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o credo liberal cede às exigências
de planeamento econômico,
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dirigismo e desconfiança
em relação ao “laissez-faire”.
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Houve uma exigência generalizada
do reforço da intervenção estatal
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e da criação
de uma economia dirigida,
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o que se traduz em medidas concretas
nos países de estrutura “ditatorial”
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e nos países democràticos.
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Vem à ideia o plano soviético,
a planificação quinquenal,
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mas também o New Deal,
nos Estados Unidos,
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sob a égide da National Industry
Recovery Administration
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ou de estruturas semelhantes.
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Na Alemanha nazi, foi
o Ministério da Economia do Reich,
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na Itàlia fascista,
o Ministério das Corporações.
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E até em França se instaurou
um Ministério da Economia nacional,
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pela primeira vez,
com a ascensão da Frente Popular.
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Manifestação comunista
Berlim 1929
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Um aspecto importante da instituição
duma rede neoliberal em França
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foi a criação de uma editora.
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Tratava-se de Les Éditions
de la Librairie de Médicis,
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fundada em 1937.
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Foi uma editora fundada
por uma mulher, Marie-Thérése Génin,
-
o que não era habitual num
universo habitualmente masculino.
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Ela estava ligada a um dirigente
de uma associação patronal,
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Marcel Bourgeois,
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que a incentiva a criar uma editora
que divulgue textos de intelectuais
-
destinados a um pûblico intelectual.
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E é publicada “La Cité Libre” [“The
Good Society”], de Walter Lippmann,
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que serviu de pretexto à organização
do Colôquio Lippmann,
-
mas publicarà também Hayek,
Rueff e Ludwig von Mises,
-
quase quarenta textos,
entre 1937 e 1940.
-
É esta editora que irà publicar as
actas do Colôquio Lippmann,
-
realizado no Instituto Internacional
de Cooperação Intelectual,
-
um organismo jà desaparecido
mas que està na origem da UNESCO.
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Ou seja, tudo se passou
num quadro relativamente oficial.
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O Colôquio
contou com 26 participantes
-
e, olhando para tràs, apercebemo-nos
da importância dos participantes,
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entre os quais estava Friedrich
Hayek, futuro Nobel da Economia,
-
Robert Marjolin, um dos pilares
da construção europeia,
-
os fundadores da “economia
social de mercado” na Alemanha,
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Alexander Rüstow e Wilhelm Röpke,
-
o conselheiro financeiro
do General de Gaulle, Jacques Rueff,
-
e o proponente da Guerra das Estrelas
de Reagan, Stefan Possony.
-
Se bem que, na época,
todos eles fossem menos conhecidos.
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O colôquio durou quatro dias,
durante os quais houve debates
-
acerca da responsabilidade do
neoliberalismo na crise dos anos 30,
-
tendo sido igualmente debatidos
os meios de renovar o neoliberalismo
-
e de criar uma oposição internacional
ao intervencionismo e ao socialismo.
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O Colôquio Walter Lippmann
constituiu a vanguarda
-
do combate neoliberal em preparação.
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Entre os mais ferozes
opositores do colectivismo,
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destacaram-se Friedrich von Hayek
e Ludwig von Mises.
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Hayek e von Mises representavam
uma tendência do neoliberalismo,
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a chamada “escola austríaca”.
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Trata-se dum liberalismo radical.
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que dà ao estado um poder mínimo.
-
“O estado minimalista” é a expressão
usada pelos seus partidàrios.
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Eles tinham teorias econômicas
ligeiramente diferentes,.
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Os liberais costumam
acentuar as divergências,
-
mas havia certos pontos em comum.
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Em primeiro lugar, a economia
era apenas uma parte da sua obra.
-
Von Mises considerava-a um ramo
da ciência da acção humana.
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Hayek abandonou cedo as
preocupações puramente econômicas
-
para se interessar pela psicologia,
e investigou o cérebro,
-
interessou-se pela política,
pelo direito...
-
Para eles,
-
a economia é a disciplina de origem,
mas não abarca as ciências humanas.
-
E ambos tinham uma concepção
especial das ciências econômicas,
-
a da escola austríaca, a de uma
-
economia não totalmente concreta.
-
Nada de estatísticas
nem de dados matemàticos,
-
tudo se desenvolve
a partir de um axioma.
-
Consideram-se
situações ideias “típicas”
-
ou vê-se
como um indivíduo racional reagiria
-
perante a negociação de escolhas
entre o trabalho e o lazer,
-
entre dormir e enriquecer,
-
com metàforas
do género Robinson Crusoé.
-
O terceiro ponto em comum, necessàrio
para compreender o neoliberalismo,
-
é o conceito do trabalho intelectual
e do seu papel face ao socialismo.
-
Hayek e von Mises tinham um
pensamento elitista e aristocràtico.
-
Para eles, o grosso da humanidade
não pensa.
-
Em “Le Socialisme”, Mises afirma:
“O grosso da humanidade não pensa.”
-
Sô pensa uma minoria de intelectuais,
e fà-lo pelo resto da sociedade.
-
A ideia dele era que os intelectuais
pudessem pensar,
-
e vão-se opor ao socialismo,
inventado por outros intelectuais
-
e difundido pelo povo,
jà que o povo não é socialista.
-
lsso foi uma ideia que os
intelectuais lhe meteram na cabeça.
-
Ou seja, colocam os intelectuais no
fulcro das transformações sociais,
-
políticas e econômicas.
-
E isto deu origem a organizações
como a Sociedade do Monte Peregrino.
-
A guerra põe temporariamente termo
à militância dos neoliberais.
-
O Centro Internacional de Estudos
para a Renovação do Liberalismo,
-
criado apôs o Colôquio Lippmann,
desaparece apôs um ano de existência.
-
Mas mal termina a guerra,
von Hayek envida novos esforços.
-
Convoca diversos proponentes
do restabelecimento do neoliberalismo
-
para uma reunião determinante
para o futuro do movimento.
-
A reunião do Monte Peregrino
-
teve lugar
de 1 a 10 de Abril de 1947,
-
no Hôtel du Parc,
perto de Vevey, na Suíça,
-
com o objectivo explícito
-
de reunir os intelectuais liberais
europeus e americanos
-
e de fundar uma organização para
a promoção das ideias liberais.
-
Hayek tinha começado a estabelecer
contactos dois anos antes
-
com os participantes no Colôquio
-
Lippmann, britânicos e americanos,
-
e convida-os para uma reunião
em Monte Peregrino,
-
que virà a dar o nome à sociedade.
-
Houve 39 participantes
nessa primeira reunião.
-
Tal como no Colôquio Lippmann,
algumas personalidades importantes.
-
Três futuros prémios Nobel
da economia,
-
Milton Friedman, George Stigler
e Maurice Allais.
-
Outros eram conhecidos pelos seus
ensaios políticos ou filosôficos,
-
nomeadamente Karl Popper
e Bertrand de Jouvenel,
-
e outros ainda exerciam influência
sobre a política do seu país,
-
tal como os alemães Wilhelm Röpke
e Walter Eucken,
-
ligados à chamada “economia
social de mercado”, na Alemanha.
-
Debatiam-se temas
relativamente gerais,
-
do género cristianismo e liberalismo,
a concorrência,
-
a possibilidade de criar uma
federação econômica europeia,
-
ao longo de vàrios dias.
-
Para Hayek, era necessàrio
haver uma estrutura flexível
-
em que os membros
estavam là apenas por convite,
-
sem sede, com estatutos no Illinois,
-
que se reunia de dois em dois anos
em países diferentes.
-
Era uma estrutura bastante imaterial,
que ia de encontro aos intelectuais
-
que encaravam o liberalismo
como uma doutrina para intelectuais.
-
3. No seio da rede neoliberal
-
Os “think tanks”
-
A Sociedade do Monte Peregrino
não é um “think tank”,
-
é uma espécie de academia
para os liberais.
-
Instaurou-se
uma divisão de trabalho
-
entre esta organização, que recruta
-
apenas os liberais mais conceituados,
-
e as actividades nacionais
dos membros,
-
que podem incluir a organização
-
de associações, de “think tanks”.
-
lsso pode tomar formas diferentes.
Em França, por exemplo,
-
surgiu a Associação para a Liberdade
Econômica e o Progresso Social,
-
nos anos 60, que é a secção
francesa do Monte Peregrino,
-
à qual se juntaram
-
membros recrutados
entre o patronato e a política,
-
o que vai abranger outros meios
-
para além do dos intelectuais.
-
O modelo de criação de
“think tanks” sempre existiu
-
na histôria do Monte Peregrino.
Entre os mais conhecidos, contam-se
-
o Institute of Economic Affairs,
surgido em 1955 na Grã-Bretanha,
-
ou a Heritage Foundation,
criada em 1973 nos EUA
-
e ligada ao Partido Republicano.
-
Estes “think tanks” contratam
um certo nûmero de membros,
-
pagos para redigir documentos,
projectos-lei jà quase prontos
-
para distribuir
a políticos e jornalistas,
-
com o objectivo de criar
uma opinião pûblica liberal.
-
Actualmente, hà centenas
desses “think tanks”,
-
que constituem um emaranhado
donde é difícil a pessoa orientar-se,
-
a ponto de alguns,
tal como a Atlas Foundation,
-
terem como objectivo
promover os “think tanks”
-
e ensinar a formar um “think tank”.
-
Tomam vàrias formas.
-
Certos grupos congregam-se à volta
de um autor, como o Hayek Center
-
ou o Mises Institute,
-
que giram à volta da obra
de um autor específico,
-
mas outros concentram-se
numa ûnica questão,
-
tal como o meio ambiente
ou a política estrangeira.
-
Estamos perante “think tanks” com
-
uma qualidade e influência variàveis,
-
e aquilo que os fortalece
-
é conseguir captar os intelectuais,
-
uma parte do patronato e uma
tendência nos partidos conservadores.
-
Se pensarmos
no Center for Policy Studies,
-
de Keith Joseph,
-
que promoveu Margaret Thatcher
e lhe permitiu obter apoio
-
para revolucionar os Conservadores
nos anos 70,
-
trata-se de uma organização
na junção de três frentes.
-
Um “think tank” sô de intelectuais
interessados no liberalismo
-
pouca influência concreta
-
exerceria nos debates políticos.
-
Uma parte da carreira
de von Mises e Hayek
-
explica-se pelas afinidades com os
-
dirigentes das associações patronais.
-
Von Mises, nos EUA, estava associado
à Foundation for Economic Education
-
e, através disso,
às associações patronais.
-
Ao chegar a Chicago,
Hayek é financiado
-
por empresàrios americanos para
-
escrever “O Caminho para a Servidão”,
-
mas sobre a América,
não sô sobre a Inglaterra.
-
De certo modo, esses intelectuais
adquiriram mais poder
-
ao associarem-se
a indivíduos poderosos.
-
A obra de Hayek
pode ter um caràcter utôpico,
-
mas é a utopia dos mais fortes,
não dos mais desfavorecidos.
-
Financiados pelos consôrcios e
pelas grandes fortunas particulares,
-
os “think tanks” neoliberais
costumam gozar
-
do estatuto
de organizações de beneficência.
-
Assim, os generosos doadores
têm direito a isenções fiscais.
-
No entanto, segundo a lei,
as organizações de beneficência
-
não podem dedicar-se
a actividades políticas.
-
Em 1989,
-
foi retirado ao Greenpeace esse estatuto
-
por ordem do governo canadiano.
-
O fisco canadiano
concluiu que a ONG
-
nem sempre agia
no interesse do pûblico,
-
contribuindo para
“mergulhar as pessoas na pobreza,”
-
“ao reclamar o encerramento
de indûstrias poluentes.”
-
No entanto,
nenhum “think tank” neoliberal
-
gozando do estatuto de organização
-
de beneficência foi importunado.
-
Ao entregarem a sua declaração anual
ao governo canadiano,
-
estes institutos de pesquisa
“apartidàrios” afirmam solenemente
-
“não tentar influenciar
a opinião pûblica”
-
“nem tentar obter a alteração
de leis ou políticas.”
-
Sempre houve “think tanks”
de direita, evidentemente,
-
mas surgiram em força
-
no início dos anos 1970.
-
Fizeram parte duma reacção
-
ao activismo dos anos 1960,
-
que pôs em pânico
as elites de todos os quadrantes.
-
Tratava-se
da democratização da sociedade,
-
e todos eles
desprezam a democracia, claro.
-
A formulação mais explícita das
ideias do internacionalismo liberal
-
foi um estudo muito importante
da Comissão Trilateral,
-
os internacionalistas liberais
na Europa,
-
EUA e Japão,
-
três grandes países.
-
É de 197 4, penso eu. Intitulava-se
“A Crise da Democracia”
-
e era sobre o facto de os países
estarem excessivamente democràticos.
-
Segundo eles,
havia um “excesso de democracia”.
-
As pessoas que normalmente
se mostravam passivas e apàticas
-
estavam a mobilizar-se
e a exigir os seus direitos.
-
Chamavam-lhes
“os interesses especiais”.
-
As mulheres e os jovens, os velhos e agricultores
e trabalhadores...
-
O país em peso.
-
Sô hà um grupo que não se encaixa
nestes “interesses especiais”,
-
o empresarial, porque a esse compete-lhe
dirigir o mundo e o país,
-
portanto não são um “interesse
especial”, mas sim “nacional”.
-
Mas a população em geral
estava demasiado mobilizada.
-
Por um lado eram os estudantes,
a defesa dos direitos das mulheres,
-
preocupações ambientais...
-
Foi um período com um forte
efeito civilizador na sociedade.
-
Mudou muita coisa,
e isso causou grandes receios.
-
E houve uma enorme
reacção a isso.
-
A Comissão Trilateral pediu
-
mais moderação na democracia.
-
“O estado està a ser pressionado
para satisfazer as exigências.”
-
Apelavam às “instituições para
a indoutrinação da juventude”,
-
eram muito francos - estavam
a falar uns com os outros...
-
“As instituições de indoutrinação da juventude
deverão ser bastante mais severas.”
-
“A imprensa està descontrolada.”
O que é ridículo,
-
mas “talvez o estado tenha
de intervir para restringir a imprensa”.
-
Eram as opiniões do quadrante
-
internacionalista liberal
-
na Europa, EUA e Japão,
era a opinião reinante.
-
Daí aquele tempo ser conhecido
por “o período conturbado”.
-
Inquietava assistir à maior
-
democratização e ao activismo,
-
e houve uma grande reacção
em vàrias frentes.
-
Uma delas foi o aumento
de “think tanks” de direita,
-
que alcançaram
grande poder e proeminência,
-
para tentar virar o espectro
-
da discussão para a direita.
-
E, simultaneamente, disparou
o lobbying por parte das empresas
-
para garantir o controlo
sobre a legislação.
-
“Como é que o mercado pode promover
a escolha e a liberdade individual?”
-
Seminàrio no Instituto Fraser
sobre políticas pûblicas.
-
Organização conjunta com o
Instituto Econômico de Montreal.
-
Sàbado, 10 de Fevereiro de 2001 .
-
Com o patrocínio
do Instituto Fraser do Québec.
-
Quando concedemos poder coercivo,
-
o monopôlio do poder coercivo,
-
a uma agência
a que chamamos “governo”,
-
este tende a utilizà-lo
de forma ignorante
-
ou a recorrer ao abuso de poder,
-
tendo esse poder
-
tendência para aumentar.
-
O que o Instituto Fraser
tenta investigar e realçar é isto:
-
quais deveriam ser
os limites do governo
-
e os limites das empresas privadas
-
ou das trocas voluntàrias
entre indivíduos?
-
É essa divisão
-
entre a coerção e a livre-vontade
sobre a qual me irei pronunciar
-
neste seminàrio.
-
Irão também assistir a seminàrios
de outros participantes
-
que vieram aqui hoje.
-
APRESETAÇAO.
-
... da Foundation for Economic Education, em Nova
lorque.
-
Na sua apresentação,
“Saneado pelo Capitalismo”,
-
este especialista sobre liberdade vai explicar
como a subida do nível de vida
-
nos permitiu o “luxo”
de novas preocupações,
-
tais como as questões
ambientais globais.
-
Sou o presidente da Foundation
for Economic Education,
-
situada a norte de Nova lorque.
-
Foi fundada em 1946.
-
Na altura, era a ûnica organização
liberal proponente do livre mercado.
-
Entretanto jà surgiram outras,
-
mas nôs existimos desde 1946
-
e temos por objectivo apresentar
as ideias e os ideais
-
de uma sociedade liberal,
descentralizada,
-
governada basicamente pelas leis da propriedade
privada e da limitação do estado.
-
A questão, hoje, não era o facto
de não haver poluição industrial,
-
mas sim de a poluição
causada pela indûstria capitalista,
-
independentemente da gravidade
que lhe atribuímos,
-
essa poluição
-
deveria ser comparada...
-
a gravidade do problema actual
deve comparar-se à vida antigamente,
-
na era pré-industrial.
-
E, pelos padrões actuais,
-
a vida era altamente
insalubre e perigosa,
-
devido aos poluentes naturais
-
com que os nossos antepassados
pré-industriais lidavam no dia-a-dia.
-
E que mataram
muitos dos nossos antepassados.
-
O sistema de mercado,
o capitalismo,
-
eliminou muitos destes perigos
-
e mitigou as consequências
de quase todos os outros.
-
Ou seja, o que eu quis dizer
não foi que não existe poluição,
-
mas que a poluição actual
-
devia ser comparada à do passado,
-
ao contrapormos
estas grandes tendências,
-
capitalismo
-
e não-capitalismo.
-
Este seminàrio não é financiado
pelo governo,
-
mas por privados
-
e é bom ver que hà quem
-
patrocine aquilo que defende.
-
Na minha opinião,
hà demasiados serviços,
-
nomeadamente a protecção ao desemprego, a
saûde e a educação,
-
que constituem um monopôlio,
-
um monopôlio do governo,
o ûnico prestador destes serviços.
-
Porque não abrir as portas
à concorrência?
-
Poderíamos ter concorrência
-
na produção dos serviços,
-
e a nossa preocupação com os pobres
-
traduzir-se-ia em subsídios
para adquirirem estes serviços.
-
Separar a produção, que eu gostaria
-
de ver privatizada e concorrencial,
-
do financiamento, que poderia
ser, em parte, governamental.
-
Não gosto de falar sô de mercado,
-
pois ele não existe sem os estados.
-
Todos os mercados
precisam de regras,
-
todos eles precisam
de um certo nível de regulação,
-
nem gosto de falar de liberdade
como um valor isolado.
-
Existe muita gente
que não quer liberdade.
-
Eu gostaria de ter a liberdade
de escolher quem manda em mim
-
e aquilo que tento...
discutir nas minhas palestras
-
é como poderemos
-
ter um sistema de governo
que nos permita escolher
-
que tipo de representante
-
e de restrições iremos escolher,
-
pois todos temos de viver sob certas
restrições, até os mais libertàrios.
-
4. breve antologia liberal
-
o libertarianismo
e a teoria da escolha pûblica
-
“Le Québécois Libre, Editorial
“O que Devem Fazer os Libertàrios?”
-
O libertarianismo é o descendente
-
da filosofia liberal clàssica,
-
que dà primazia
à liberdade individual
-
e às suas consequências a nível
econômico, político e de mercado.
-
Um estatismo mínimo
e o mínimo possível de coerção,
-
o mínimo de regulação,
-
deixando os indivíduos
livres para agir
-
e para estabelecer relações
voluntàrias com outros indivíduos.
-
No plano social,
-
opõe-se às filosofias que impõem uma
-
ordem social, religiosa ou cultural.
-
Teoricamente,
-
se os indivíduos são livres, dentro da
protecção dos direitos de propriedade,
-
podendo estabelecer relações
com terceiros,
-
isso leva à harmonia.
-
Não é a anarquia do capitalismo
selvagem, da concorrência selvagem,
-
de maneira nenhuma.
-
É permitir as relações pacíficas
-
e voluntàrias entre indivíduos.
-
“Neoliberal, Libertàrio ou Anarquista?”
-
O libertarianismo descende
do liberalismo clàssico,
-
uma filosofia com base
no século XVII e XVIII
-
e que constituiu uma reacção
-
às monarquias autoritàrias da época.
-
O liberalismo argumentava:
-
“Face ao poder do soberano, hà que
aumentar a liberdade dos indivíduos.”
-
lsso desenvolveu-se
nos séculos seguintes
-
e actualmente é uma filosofia
-
assente no livre mercado,
-
sô que os libertàrios,
no século XIX,
-
demarcam-se dos liberais, pois
-
a palavra liberal mudou de sentido.
-
Nos EUA, hoje em dia,
um liberal é precisamente o inverso,
-
é um social-democrata
ou alguém de esquerda,
-
mas a Europa mantém a tradição
francesa, liberal ainda é liberal,
-
mas devido à confusão, os
liberais clàssicos americanos
-
começaram a designar-se
“libertàrios”, nos anos 20 ou 30,
-
para se distinguirem dos “liberais”,
-
e a filosofia libertariana
é mais coerente e radical
-
do que o liberalismo clàssico,
-
no sentido da redução do estado
à sua expressão mais simples.
-
Certos libertàrios são até a favor
-
da eliminação total do estado,
-
preconizam até a privatização
da defesa, segurança e justiça.
-
“Redistribuir a Riqueza é lmoral.”
-
Hoje em dia, numa sociedade
-
em que o estado gasta...
-
... as despesas do estado
representam 45 a 55% do PIB.
-
O estado controla certos sectores,
como a educação e a saûde,
-
controla imensa coisa,
regula muito do que não controla,
-
subsidia quase toda a gente.
Hà uma grande parte da população
-
que vive apenas
da redistribuição do dinheiro.
-
São pessoas que não produzem bens
que outros queiram comprar,
-
mas que se limitam a receber dinheiro
-
confiscado a outros contribuintes.
-
Ou seja, hà imensa gente
-
que vive pura e simplesmente
à custa dos outros.
-
Podemos dividir a sociedade em dois,
duma perspectiva libertarianista.
-
Os que produzem e os que vivem
-
dos produtores, os parasitas.
-
A expressão pode ser dura,
mas é o que se passa.
-
Sendo pela responsabilidade
individual, não podemos aceitar isso.
-
Quem vive à custa dos outros
é absolutamente irresponsàvel.
-
Não produz nada que interesse
-
e vive graças à coerção do estado,
-
que transfere a riqueza.
-
Se quisermos promover
a liberdade e a responsabilidade,
-
não podemos aceitar esta dependência
de grande parte da população.
-
A teoria da escolha pûblica diz que
-
a adopção de políticas governamentais
-
não é motivada
pelo interesse colectivo,
-
mas sim pelos interesses particulares
dos diferentes grupos sociais.
-
Em 1986, James M. Buchanan,
o iniciador desta teoria
-
que denuncia a ineficàcia do estado
-
e preconiza a limitação da despesa,
-
recebeu o “prémio Nobel”
da Economia.
-
Ao contràrio
-
do que se pensa aqui,
-
no Québec existe uma cultura
-
estatista de que não nos apercebemos,
-
pois estamos de tal modo
imbuídos nela
-
que a consideramos natural,
mas de facto é uma cultura estatista,
-
que encara o estado,
ingenuamente,
-
como o instrumento
para maximizar o bem comum.
-
Ou seja,
como se a inspiração...
-
Mas essa visão é puramente...
-
É uma visão perfeitamente angélica
-
do estado, desligada da realidade.
-
Porque acreditamos que os governos
-
democràticos, jà de si uma vantagem,
-
maximizariam o bem comum?
-
Não fazem nada disso.
-
Obedecem às regras do jogo
pelo qual se regem.
-
E quais são?
-
É o processo eleitoral.
É essa a sua virtude.
-
O que implicarà isso?
-
Em primeiro lugar,
-
iremos assistir frequentemente
-
à chamada ditadura da maioria.
-
Como a grande regra do jogo político
-
é a maioria,
-
um governo que ganha as eleições
-
vai privilegiar a maioria.
-
Os rendimentos da maioria são
baixos, relativamente à média,
-
portanto os políticos
terão como ûnico objectivo
-
redistribuir a riqueza,
favorecendo essa maioria.
-
O objectivo não é o de maximizar
a riqueza nem o crescimento,
-
ser eficaz,
isso não interessa ao governo.
-
Em primeiro lugar, quer redistribuir
-
a riqueza à maioria que o elegeu.
-
É assim que podemos explicar
os programas sociais universais,
-
a predilecção que a maioria
-
tem pelo monopôlio pûblico
-
da saûde
-
e da educação.
-
Não se trata de compaixão
nem a preocupação
-
de partilhar a riqueza
que inspira essa tomada de posição.
-
A maioria quer fazer-se pagar
-
pela minoria mais abastada.
-
Do que se trata é disso.
-
É pura mentira afirmar
-
que é a compaixão que inspira isso,
-
a saûde socializada e a educação
-
pûblica, mas não é nada disso.
-
Em segundo lugar,
as pessoas, ou seja, a maioria,
-
costumam ser apolíticas.
-
Existe aquilo a que os economistas
chamam “ignorância racional”.
-
Seria um disparate
-
todos nôs obtermos muita informação
acerca das políticas seguidas,
-
informarmo-nos acerca do impacto
de todas essas políticas.
-
Porque não podemos alterar nada.
Somos um eleitor entre milhões
-
e, informados ou não,
votando bem ou mal,
-
não alteramos o resultado.
-
Devemos tentar minimizar o esforço
-
para perceber as políticas,
-
o que de facto acontece.
-
As pessoas nem costumam saber
o nome do seu prôprio deputado
-
e seriam incapaz de designar,
-
de explicar as consequências
dessas políticas,
-
pois isso seria moroso,
-
e a contribuição para a realização
desse objectivo seria zero.
-
As pessoas são apàticas,
não-politizadas
-
não-participativas,
-
porque não vale a pena.
-
Mas isso abre o caminho a grupos
estrategicamente colocados,
-
os grupos de interesses,
o que explica o seu domínio,
-
pois uma organização como a CSN
-
ou a Associação Industrial Canadiana
-
pode dedicar-se à actividade política
e à propaganda,
-
à promoção dos seus interesses,
-
pois têm jà um sistema montado,
-
portanto as decisões políticas
-
vão ser dominadas
-
por pessoas em lugares estratégicos,
os grupos organizados.
-
“Todos os grandes governos do mundo,
presentes e passados,
-
não passaram de grupos de ladrões,
-
associados com o objectivo de pilhar, conquistar
-
e reduzir os seus compatriotas
à escravatura.
-
As suas leis, como eles lhes chamam,
não representam senão os acordos
-
que consideraram necessàrios
para manter a sua organização
-
e agir concertadamente para
despojar e escravizar os outros
-
e para garantir a cada um
a sua parte dos despojos.
-
Essas leis não constituem obrigações,
-
tal como acontece
com os acordos celebrados
-
entre malfeitores, bandidos e piratas.”
-
Lysander Spooner (“Lei Natural;
ou A Ciência da Justiça”, 1882)
-
Encarando os factos objectivamente,
-
o estado é uma instituição coerciva.
-
Sô pode operar
impondo as coisas à força.
-
Por exemplo,
-
quando o estado tem um monopôlio,
como a Hydro-Québec,
-
se eu decidir produzir
e vender electricidade,
-
colocando-me
à margem desse monopôlio,
-
não se limitam a dar-me
-
umas palmadinhas,
-
prendem-me
-
se eu insistir em fazer uma coisa
que o estado me impede de fazer.
-
O estado agride-me fisicamente
se eu quiser oferecer um serviço
-
que o estado prefere monopolizar,
que os estadistas decidiram monopolizar.
-
Aquilo que o estado faz quando
nos rouba metade do ordenado...
-
Peço desculpa,
mas pediram-me a minha opinião.
-
Roubam-me metade do ordenado.
-
Podemos dizer que elegemos
-
democraticamente quem decide,
-
sô que a democracia
-
é a organização “pacífica”
-
do banditismo do estado.
-
Eu não votei para me roubarem,
-
mas muita gente tem interesse nisso,
-
pois essa gente - como eu dizia
hà pouco - vive à custa do estado
-
e da metade que o estado me tira
para a dar a essas pessoas.
-
A verdadeira liberdade
não é a democracia.
-
Não sou anti-democrata no sentido
-
de querer um estado autoritàrio.
-
Pensa-se que quem afirma isto
-
é a favor dum estado autoritàrio,
mas eu defendo um estado
-
tudo menos autoritàrio,
-
a ponto de nem justificar as suas
-
acções com base na democracia.
-
Liberdade individual e democràtica
são coisas diferentes.
-
Ao darmos democraticamente o poder
para nos imporem condições,
-
isso contradiz a liberdade individual.
-
Defendendo a liberdade individual,
-
não queremos mais democracia,
-
mais maneiras de partilharmos
-
os recursos
que foram roubados aos outros.
-
Defendemos a diminuição dràstica
-
do estado para aumentar a liberdade
-
não de decidir
-
em que raposa vamos votar,
-
quem vai assaltar o galinheiro, mas
-
o que fazer com o que lhe pertence.
-
Os incentivos incorporados
nas políticas sociais são nefastos,
-
tanto para os pobres
como para a população em geral.
-
Vivemos numa
-
economia social pûblica,
-
paralelamente à economia
capitalista, a economia de mercado,
-
esta produtiva, a outra baseada
no modelo da ex-URSS,
-
que contém incentivos nefastos,
-
recompensando as pessoas
por não trabalharem,
-
por não terem uma família estàvel.
-
Ajudar as mães solteiras
-
é uma maneira de incentivar
os filhos fora do casamento.
-
E recompensa-se a pobreza.
É tão radical como isso.
-
A pobreza obedece às mesmas regras:
-
quanto mais se subsidia, mais hà,
-
pois aumenta o gosto pela pobreza.
-
Veja-se o que aconteceu no Ontàrio
-
e nos EUA nos ûltimos cinco anos.
-
Foram impostos limites
-
de acesso aos subsídios
de bem-estar social,
-
e a população de pobres e dependentes
-
diminuiu para metade em poucos anos,
-
pois jà não havia dinheiro,
-
as condições tinham mudado.
-
Eram obrigados a trabalhar,
-
ossem quais fossem os métodos,
-
portanto hà maneiras
de reinserir as pessoas
-
na economia produtiva,
-
em vez de as colocar
em bairros sociais ou em ghettos,
-
onde todos são pobres.
-
Se lhes déssemos vales que lhes
permitissem aceder à propriedade,
-
em vez de subsidiarmos
o desemprego,
-
que é o que acontece,
subsidiamos essas pessoas
-
para que fiquem no desemprego.
-
Quem não està desempregado
-
não recebe subsídio.
-
Podíamos criar fundos
de poupança para o desemprego,
-
em que as pessoas
acumulassem protecções,
-
ao abrigo do fisco,
até mesmo subvencionados,
-
caso caíssem no desemprego.
-
Todos teriam o cuidado
de não ficar desempregados,
-
pois iriam comprometer esse fundo,
-
portanto cada um beneficiaria
da poupança do seu prôprio fundo.
-
Vàrias boas ideias,
mas as nossas políticas sociais
-
visam criar uma indûstria
da pobreza e da dependência,
-
com a qual lucram os burocratas
e os funcionàrios envolvidos
-
e que suscita a dependência
por parte da população,
-
e o apoio político,
-
sem qualquer efeito a longo prazo
a nível do país.
-
As políticas sociais
não diminuíram a pobreza,
-
é esse o diagnôstico final.
-
“Como o Apoio Social
Prejudica as Crianças”
-
Verificamos que o aumento,
-
ao longo da histôria
e nos diversos países,
-
das receitas da economia
-
são o ûnico meio
de ajudar os pobres.
-
Temos dados rigorosos
sobre esta matéria.
-
A ûnica variàvel que afecta,
-
que diminui a pobreza
-
nos diversos países
-
é o aumento da riqueza.
-
As políticas sociais
não servem para nada!
-
Quem quiser
-
ajudar os pobres
-
ou os menos favorecidos
-
deve privilegiar o crescimento,
-
portanto, todos os que se opuserem
à livre troca,
-
em nome dos países pobres
ou dos pobres de cada país,
-
estão enganados.
-
Os factos contradizem essas opções.
-
A melhor ajuda é abrir o comércio,
-
para aumentar os rendimentos.
-
Estatisticamente, o rendimento
-
dos pobre aumenta ao mesmo ritmo,
-
ao aumentarem as receitas, portanto
hà que abrir a economia ao exterior.
-
Para além disso,
-
para além das medidas susceptíveis
de ajudar os pobres,
-
não vejo qualquer fundamento
-
para a redistribuição da riqueza.
-
Os governos redistribuem
muita riqueza
-
em favor da classe média, pois é ela
-
a maioria que determina as escolhas,
-
mas isso não tem fundamento moral.
-
A ûnica justiça social,
se é que posso dizê-lo,
-
é o respeito
pelo direito à propriedade.
-
Da perspectiva do libertarianismo,
os bens pûblicos não existem.
-
É uma invenção para justificar
a intervenção do estado.
-
De acordo com essa lôgica, hà sempre
-
factores externos, como a poluição.
-
Não podemos produzir sem fazer
fumo, que vai cair no vizinho,
-
ou sem provocar resíduos,
que vão parar ao rio,
-
mas isso acontece
-
por não haver direitos de propriedade
-
sobre a àgua.
-
Os rios são pûblicos.
-
Durante todo o século XIX,
-
as empresas estavam autorizadas
a poluir os rios,
-
e isso fazia-se até hà pouco tempo,
-
pois o estado controlava o rio,
-
que era um recurso pûblico, estatal,
-
e o estado permitia às empresas
-
privadas poluir os rios.
-
Mas se o rio tivesse sido privatizado
-
e cada um dos proprietàrios tivesse sido consultado
-
para saber se permitiria a uma firma
escoar assim os seus resíduos,
-
podemos ter a certeza que as coisas
teriam corrido doutra maneira.
-
Poderia ter acontecido
-
a firma ter pago
o verdadeiro preço dessa poluição,
-
ter pago aos proprietàrios
-
para poluir o rio.
-
A alocação dos recursos
teria sido muito diferente.
-
Ter-se-ia certamente
dado preferência
-
a soluções alternativas
para esses problemas.
-
As firmas teriam investido
em tecnologia para evitar a poluição
-
ou teriam acordado
poluir locais específicos,
-
na propriedade de alguém
que fosse pago por isso.
-
Teria havido outra reorganização
das prioridades de produção.
-
Os bens pûblicos existem apenas
-
porque o estado
distorce a produção,
-
nacionalizando certos bens
ou nacionalizando o meio ambiente.
-
5. críticas
-
Historicamente, o liberalismo
representou um progresso,
-
mas o liberalismo clàssico,
defendido porAdam Smith,
-
o fundador da economia política,
e esse liberalismo pouca relação tem
-
com o actual “liberalismo”
da palavra “neoliberalismo”.
-
Pouco tem a ver
com o liberalismo clàssico.
-
Historicamente, o liberalismo
representou um progresso,
-
pois foi uma forma de contestar
o absolutismo real
-
e de conceder direitos ao indivíduo.
-
Entre eles, no liberalismo clàssico
de Locke e Adam Smith,
-
reconhecia-se o direitoà propriedade
privada, o que era um progresso,
-
mas não é absurdo pensar
que até o anarquismo
-
descende do liberalismo.
-
O liberalismo primitivo era radical,
-
e o pensadores “liberais” de hoje
-
poriam os cabelos em pé a A. Smith,
-
pois pouco ele reconheceria
no “liberalismo” actual.
-
Tomemos como exemplo
a propriedade privada.
-
Se resulta de interacções com origem
-
em consôrcios transnacionais,
-
no centro e no quadro
do liberalismo clàssico,
-
torna-se impensàvel.
-
É errado pensar
que tiranias privadas,
-
como a GM ou a Bombardier,
possam ter direitos,
-
quer direitos de propriedade
-
quer direitos superiores
que transcendem o ser humano.
-
Por outro lado, a questão dos
-
direitos de propriedade é bicuda.
-
É importante colocà-la,
mas a resposta não é simples.
-
Mas estou certo que, mesmo no
quadro do liberalismo, não podemos colocar
-
as pràticas correntes e os agentes que são, os
conglomerados transnacionais,
-
e os direitos que lhes são reconhecidos
no âmbito do liberalismo clàssico.
-
Terà de haver uma reflexão
sobre os direitos de propriedade.
-
A minha opinião coincide
com a do anarquismo clàssico.
-
A propriedade privada dos meios
de produção parece-me uma aberração.
-
Mas Proudhon tem razão
no que toca à chamada “posse”.
-
É salutar
existirem direitos de propriedade,
-
mas o pseudoliberalismo
-
ou “neoliberalismo” actual é absurdo.
-
lmaginemos que hoje em dia
-
alguém pudesse apropriar-se
-
pelos meios habituais
de aquisição de propriedade...
-
lmaginemos que eu me apropriava,
pelos meios legais,
-
de elementos essenciais
à vida de toda a gente.
-
Ou as pessoas morriam
ou se vendiam a mim.
-
Essa sociedade seria considerada
justa pelo actual neoliberalismo.
-
É absurdo.
-
Não podemos
responder nos termos simplistas
-
que o mundo actual propõe,
-
mas a questão é complicada.
-
Não podemos privatizar
os meios de produção,
-
mas deve haver direito de posse
daquilo que utilizamos.
-
O termo neoliberalismo
é muito curioso.
-
Para jà, não é liberal,
-
tal como jà vimos, nem novo.
-
Foram as políticas neoliberais
-
que criaram o Terceiro Mundo.
-
Se recuarmos ao século XVIII,
-
os centros da economia mundial
eram a China e a Índia.
-
E isso mudou.
A diferença entre ricos e pobres
-
não era grande, nada que se pareça
com o que existe hoje.
-
A Europa cresceu e desenvolveu-se.
-
Primeiro Inglaterra, depois os EUA,
Alemanha, Itàlia e por aí fora.
-
Desenvolveram-se,
violando aquilo a que agora chamamos princípios
neoliberais.
-
Estados fortes
e intervenção directa na economia.
-
A Índia, e mais tarde a China,
foram aniquiladas.
-
E o mesmo se passou com aquilo
a que agora chamamos Terceiro Mundo.
-
Como? Através da imposição
-
orçada de princípios de mercado.
-
lsto é do conhecimento geral.
-
Se lermos historiadores da economia,
tal como Paul Bairoch,
-
ele afirma que o proteccionismo
e a intervenção do estado
-
criaram as sociedades
ricas e desenvolvidas.
-
Não lhe chama neoliberalismo,
mas sim liberalização forçada,
-
que deu origem ao Terceiro Mundo.
-
E isto jà se sabia no século XVIII.
Se pensarmos em Adam Smith,
-
que todos veneram
mas ninguém lê,
-
se lermos Adam Smith,
vemos que ele era inteligente.
-
Toda a gente jà ouviu a expressão
“mão invisível”.
-
Pouca gente presta atenção
à sua origem.
-
Ele usa-a em “A Riqueza das Nações”,
portanto é fàcil de encontrar.
-
É uma crítica àquilo
a que chamamos “neoliberalismo”.
-
Ele chamou a atenção
- interessava-lhe Inglaterra.
-
“Em Inglaterra, suponhamos
que comerciantes e produtores,
-
que são os donos do país
e decidem as políticas a tomar,
-
suponhamos que decidissem investir
no estrangeiro e fazer importações,
-
por ser mais lucrativo.”
-
Seria lucrativo para eles,
mas prejudicial para Inglaterra.
-
Por vàrios motivos,
por apego à sua terra,
-
pela segurança,
fosse pelo que fosse,
-
decidiriam não o fazer.
-
Como que movidos
por uma mão invisível,
-
Inglaterra serà salva da desgraça
do chamado “neoliberalismo”.
-
A intuição estava certa,
os argumentos estavam errados.
-
David Ricardo, o outro economista
famoso, disse quase o mesmo.
-
Peguemos no exemplo dele.
-
Portugal e Inglaterra,
o exemplo clàssico.
-
Se os capitalistas britânicos
decidissem investir em Portugal,
-
tanto no vinho como nos têxteis,
segundo o exemplo dele,
-
poderiam ter lucro
-
- e isso deitaria por terra a teoria
dele da vantagem comparativa -
-
mas o povo de Inglaterra
ficaria prejudicado.
-
No entanto, ele afirma
que eles não o fariam.
-
Adianta vàrios motivos psicolôgicos,
-
por gostarem da pàtria ou assim,
mas a intuição dele estava certa.
-
No século XVIII, as pessoas compreendiam
isso e tudo correu como se esperava.
-
A liberalização forçada
tem sido extremamente prejudicial,
-
e os países ricos e poderosos
nunca a aceitariam para si prôprios.
-
O comércio livre
é um bom conceito
-
e, tal como foi imaginado
no séc. XVIII,
-
tinha os seus méritos,
-
pois é lôgico dizer que é preciso
-
produzir melhor e mais barato
-
e trocar com outros
que façam o mesmo.
-
Em vez de produzir vinho
em Inglaterra, compra-se em Portugal.
-
Os portugueses
comprarão os lanifícios.
-
Foi este o exemplo
dado por Ricardo.
-
Mas os grandes teôricos
-
do séc. XVIII nunca imaginaram
-
que o capital viesse a poder
deslocar-se para onde quisesse
-
e que uma firma americana ou
-
britânica pudesse investir na China,
-
aproveitando a repressão na China,
-
que proíbe os sindicatos,
-
mantendo os ordenados muito baixos
-
e “externalizando”
os custos ambientais,
-
fazendo a sociedade e a Terra pagar,
-
porque polui mas é mais barato.
-
Em vez de ter
uma “vantagem comparativa”,
-
eu produzo vinho mais barato,
eles produzem lanifícios baratos,
-
essa vantagem torna-se absoluta,
-
pois o meu capital pode deslocar-se
-
para onde houver condições
que lhe permitam mais lucros,
-
e é isto que falseia o comércio
-
e que faz com que as transnacionais
-
queiram a maior liberdade possível
para si prôprias,
-
sô que a mão-de-obra não circula,
-
a não ser no caso
dos “nômadas contemporâneos”,
-
pessoal altamente habilitado
-
e abrangido por certos acordos.
-
Esses teriam o direito de circular
e de se radicarem onde quiserem,
-
enquanto que o comum dos mortais
não pode fazer isso.
-
1 7 de Dezembro de 1992. O presidente
dos EUA, George H. W. Bush,
-
assinou com o Canadà e o México
-
o Acordo Norte-Americano
do Comércio Livre (NAFTA).
-
1 4 anos mais tarde,
a 26 de Outubro de 2006,
-
o seu filho, G. W. Bush, promulgou
a lei do “Muro de Segurança”.
-
Esta lei autoriza a construção,
na fronteira mexicana,
-
de um muro duplo com 4,5 m de altura
e 1 200 km de comprimento.
-
Està equipado com as mais recentes
tecnologias em matéria de vigilância:
-
torres, câmaras, sensores terrestres, aviões
telecomandados, etc.
-
Ateoria das vantagens comparativas
é a da especialização internacional
-
e diz que as nações
devem especializar-se
-
segundo as suas vantagens
comparativas.
-
É puramente estàtica.
-
lmaginemos peões numa caixa, mas
-
não questionamos a forma da caixa.
-
Irà evoluir
com a configuração dos peões?
-
É uma teoria puramente do momento.
-
E porque é que não funciona?
-
Porque o comércio internacional
não é uma troca desinteressada,
-
em que os indígenas simpàticos
-
trocam com os bons conquistadores.
-
As coisas nunca se passam assim.
-
Os conquistadores chegam
e matam toda a gente
-
e, depois, vem o comércio
numa segunda fase de pacificação.
-
Mas no comércio internacional,
que é a matriz do comércio...
-
lsso é outra ideia pré-concebida.
-
A troca não começa na aldeia,
depois na vila, na região, no país,
-
depois são as nações...
-
lsso nunca se passou assim,
antes pelo contràrio.
-
O comércio internacional
-
segue os militares, os predadores.
-
Depois, hà um fenômeno de
pacificação em direcção ao interior.
-
A teoria da “mão invisível”
é extraordinària.
-
Parte do princípio
que as pessoas são màs,
-
portanto é bastante lûcida,
pois baseia-se nesse pressuposto.
-
As pessoas são egoístas, gananciosas,
-
màs e sô pensam em si.
-
Não gostam do colectivo.
-
Não são solidàrias, são anti-sociais
e sô pensam em si.
-
Transformemos este defeito
-
numa vantagem para a colectividade
-
e a sociedade.
-
Deixemo-los continuar assim,
-
e disso nascerà a felicidade pûblica.
-
É esta a ideia da mão invisível.
-
Sempre que se intervém,
-
que se tenta pôr ordem neste
-
antagonismo de egoísmos,
-
perturba-se o sistema, que piora.
-
Uma grande tese revolucionària é a
-
do efeito perverso,
-
de Hirschmann.
-
Quem é de direita, os reaccionàrios,
-
sempre acusaram os esquerdistas
de fazer mal, querendo fazer o bem.
-
Querendo ajudar os pobres,
criam-se mais pobres.
-
A imagem mais extraordinària
foi a do “The Economist”,
-
apôs a cimeira de Seattle,
-
que mostrou a fome no Terceiro Mundo,
as crianças negras, afirmando:
-
“Eis as vítimas
do falhanço de Seattle”.
-
Uma vergonha!
Pior que os anûncios da Benetton,
-
A ideia era “andaram a brincar,
a reprimir a OMT.”
-
“Criaram gente pobre,
infeliz e com fome.”
-
Enquanto que este sistema cria
gente pobre, infeliz e com fome.
-
A mão invisível diz “laissez faire”.
-
Não hà nada a fazer.
O homem é mau.
-
Sô a maldade
pode acabar com a maldade.
-
Dois maus juntos equilibram-se.
Basta deixar andar, “laissez faire”.
-
Os economistas estudam
a mão invisível desde 1776,
-
portanto jà estudam
este problema hà algum tempo.
-
Para isso funcionar, as pessoas
deveriam estar sozinhas, autônomas,
-
não ter relações, não haver um
colectivo, apenas a racionalidade,
-
separada da dos outros, individual.
-
O individualismo absoluto.
-
É a primeira condição.
-
A segunda condição seria haver
uma informação perfeita.
-
Teríamos de saber tudo o que se
vai produzir nos séculos seguintes.
-
Seria essa a segunda condição.
Bolas, esqueci-me da terceira!
-
Pois, informação perfeita
e, terceira condição,
-
não haver incertezas, uma tempestade
que provoca uma avaria no Ariane
-
no 25º voo e não no 3º.
-
Não poderia haver acasos,
-
portanto seriam precisas informações
-
perfeitas acerca do futuro.
-
Assim, a mão invisível talvez
-
funcionasse, mas não é certo.
-
O que é importante saber
-
é que os grandes economistas liberais
-
e os matemàticos mais prestigiados,
os prémios Nobel
-
demonstraram hà 25 anos
-
que o teorema da mão invisível
não funciona.
-
É treta!
-
Muita gente suspeitava disso.
-
Keynes desconfiava hà muito tempo,
-
pois achava que o equilíbrio
não podia aplicar-se à economia.
-
Estava-se perante o desequilíbrio,
a economia era caôtica.
-
Mas os economistas puros e duros,
-
os liberais mais prestigiados,
-
envoltos no prestígio da ciência,
-
tal como Gérard Debreu,
prémio Nobel, afirmaram hà 25 anos:
-
O mercado não conduz ao equilíbrio
nem é eficaz.
-
Convém fixar estas duas coisas.
O mercado não conduz ao equilíbrio,
-
a oferta e a procura não funcionam,
-
e os mercados não são eficazes,
-
portanto, o “laissez faire”
-
é a pior solução.
-
Mas agradeço aos liberais
por nos terem dito isso!
-
Quem falar em mão “invisível”,
-
“oferta e procura” e “equilíbrio”
-
ou é um escroque,
o que acontece frequentemente,
-
ou não quer ver,
que também acontece,
-
é aquilo a que Sartre chamava
um “sacana”, sabe mas cala-se,
-
ou é incompetente,
que também os hà.
-
Supostamente,
apoiam o comércio livre.
-
mas o que significa isso?
-
Para jà, um país como os EUA,
e o mesmo se aplica à Europa,
-
não pode participar
em acordos de comércio livre
-
meramente por uma questão de lôgica.
Não aceitam mercados no seu país.
-
Quem não aceita isso não pode
participar nesses acordos.
-
A economia norte-americana,
-
que é o fulcro da economia
apôs a Segunda Guerra,
-
baseia-se significativamente
num sector estatal dinâmico.
-
Consideremos este Instituto,
o MlT.
-
O que é o MIT?
-
Talvez seja o instituto técnico
mais importante do mundo,
-
mas é também um meio
para canalizar fundos pûblicos
-
para empresas privadas.
Desenvolveu-se aqui a internet,
-
computadores,
outros aspectos da alta tecnologia,
-
geralmente à custa do eràrio pûblico,
que assumia os riscos.
-
Fez-se isso
sob a égide do Pentàgono,
-
uma boa fachada para desenvolver
a electrônica em alta tecnologia.
-
E isso arrastou-se durante décadas.
-
Os computadores e a internet
estavam no sector pûblico hà 30 anos,
-
antes de serem passados
para as mãos das empresas privadas.
-
E o mesmo se pode dizer
de quase tudo o que vemos.
-
A aviação comercial, por exemplo.
Pesa muito nas exportações.
-
É quase uma subsidiària
da Força Aérea.
-
É por isso que a Europa, os EUA,
o Japão e outros países
-
estão tão interessados
em desenvolver aviões militares,
-
pois isso repercute-se logo
na aviação comercial,
-
criando imenso turismo
e por aí adiante.
-
Basta pensarmos no comércio.
-
Tudo se baseia em contentores.
-
Qual é a sua origem?
A marinha dos EUA.
-
Adam Smith, David Ricardo,
Karl Marx, John Stuart Mill
-
e até Malthus,
-
todos os clàssicos
da criação do pensamento econômico
-
incorporaram o pensamento social.
-
Eram filôsofos sociais,
mais do que “puros” economistas.
-
Mas os neoclàssicos, a partir de
Auguste e Léon Walras, pai e filho,
-
entre meados e fins do século XIX,
-
deram origem à chamada
economia “científica”
-
que dispensa todo e qualquer
pensamento moral ou filosôfico,
-
portanto elimina as preocupações
dos clàssicos até surgir Karl Marx,
-
que eram as seguintes:
-
Quem faz dinheiro e porquê?
Terà o direito de fazer tanto?
-
lsso serà justo?
Serà injusto?
-
Serà bom ou mau
para a comunidade?
-
A economia
tinha uma dimensão ética
-
que foi eliminada
pelo pensamento neoclàssico.
-
O neoclassicismo abriu o caminho
ao pensamento neoliberal.
-
Depois, o neoliberalismo acrescentou
uma dimensão científica.
-
Somos uma ciência,
portanto imitamos a física.
-
“Vemos que o dinheiro
vai daqui para ali.”
-
“Contamos,
observamos, classificamos.”
-
“Mas não julgamos,”
-
“pois a física, a mãe de todas
as ciências, não julga.”
-
A força da economia é o facto de ser
-
uma verdade evidente, neutra.
-
Um discurso neutro
que não diz bem nem mal,
-
que é científico, com toda
a neutralidade da ciência
-
e que se apresenta como normal.
-
É evidente que é normal restringir
os ordenados para evitar a inflação,
-
é evidente
que não pode haver inflação.
-
Mesmo que isso tenha aumentado
drasticamente as desigualdades
-
e conduzido muita gente à miséria,
-
que tenha aumentado a desigualdade
entre norte e sul,
-
criado uma casta de ricos que estão
a passar para primeiro plano,
-
erradicado o poder dos estados,
-
minado a segurança social.
-
Apesar de tudo isto,
sô pode haver uma verdade evidente:
-
“É contra a inflação, claro?”
-
Analisando a verdade e a histôria,
vemos que os raros momentos
-
em que o capital esteve amordaçado,
-
tal como nos gloriosos anos 30,
-
foram períodos inflacionistas, em
que os ordenados podiam aumentar,
-
pois quem pedia
um empréstimo para uma casa,
-
graças à inflação,
saldava a dívida mais rapidamente.
-
Agora estamos na economia inversa,
a dos ricos.
-
Podemos perguntar “Querem que sejam
os ricos a governar o mundo?”
-
Mas preferimos dizer
“É contra a inflação, claro?”
-
Para impor a sua ideologia,
os neoliberais elaboraram,
-
ao longo dos anos,
-
uma estratégia implacàvel
de cerco ao pensamento.
-
Esta estratégia resulta da acção de
uma rede planetària de propaganda,
-
intoxicação e indoutrinação,
-
que sabe fazer ouvir a sua voz
polimorfa em todas as tribunas.
-
Em grande parte
concebida nos “think tanks”,
-
a propaganda neoliberal utiliza
vàrias correias de transmissão.
-
Uma das mais importantes
foi a educação.
-
6. propaganda e indoutrinação
-
6. propaganda e indoutrinação
-
educação
-
A ideia de educação nacional
surgiu no século XVIII.
-
Apôs a Revolução Francesa e a
criação dos estados-nação na Europa,
-
surgiu a ideia
de que um espaço pûblico democràtico
-
pressupõe pessoas informadas
acerca do que se passa no mundo
-
e capazes de reflectir, discutir e
-
tomar parte nas discussões políticas.
-
Havia duas instituições para isso,
-
capazes de garantir que os indivíduos
se tornavam “cidadãos”.
-
Era a educação, que tinha como
uma das funções formar os cidadãos,
-
preparà-los.
-
Por outro lado, os “media”.
Falaremos disso mais tarde.
-
Quanto à educação,
-
uma das suas missões,
não que tenha sido bem realizada,
-
era a de formar os cidadãos,
-
habilità-los a tomar parte
nos debates políticos
-
e a pensar nas questões políticas
-
para là dos seus prôprios interesses.
-
lsso era o mais importante.
-
Não o facto de reflectir sobre política
nem de intervir em debates
-
econômicos, sociais e políticos
da minha perspectiva egoísta,
-
mas duma perspectiva do bem comum,
do interesse colectivo.
-
A educação visava isso.
-
Nas transformações ligadas ao
“neoliberalismo” dos ûltimos 30 anos,
-
as instituições dominantes
viram que era importante
-
apropriarem-se da educação.
-
lsto serà verdade?
-
Estarão a infiltrar-se
no mundo da educação?
-
Basta querer
para perceber que isso é verdade.
-
Do primeiro ciclo à universidade,
dependendo do país.
-
É diferente nos EUA, no Canadà
inglês, no Québec e em França,
-
depende da histôria
dos diversos sistemas,
-
mas nota-se uma infiltração
das empresas,
-
da indûstria privada na educação.
-
Porquê?
-
É simples.
-
A educação é um mercado
altamente rentàvel,
-
logo torna-se interessante
-
apropriarem-se desta actividade
social e econômica.
-
E isso permite-lhes apropriarem-se
do cérebro das crianças.
-
É tão bàsico como isso.
Educar é apropriar-se do cérebro.
-
E isso é extremamente grave,
-
requer uma justificação vàlida,
-
e não me parece
-
que ela exista.
-
Mas quando as empresas
se infiltram na educação,
-
visam apropriar-se
do cérebro das crianças,
-
tentam transformà-las,
deixando a educação
-
de ter como fim a cidadania,
o bem comum,
-
desviando-se para os interesses
dos interesses privados,
-
que se apropriaram dela.
-
Não é o mesmo encarar o mundo
do ponto de vista da cultura,
-
do saber, da exteriorização ou do ponto
de vista desta ou daquela empresa,
-
mas este segundo elemento
està sempre presente.
-
A apropriação de um mercado,
do cérebro das crianças
-
e a preparação da mão-de-obra,
-
é neste sentido que se caminha,
-
perdendo-se as outras funções
de preparação para a vida cívica,
-
a abertura para o mundo,
para o puro prazer da compreensão,
-
para o conhecimento desinteressado,
-
passando a escravizar-se ao mercado,
-
preparando os indivíduos
para as funções econômicas.
-
A educação passarà a ser
-
o prelûdio da vida mercantil,
-
do emprego,
o que é perturbador.
-
De hà vinte anos para cà
que se tem passado isto.
-
Tem havido uma certa resistência,
convém dizer.
-
Este fenômeno anda par a par com
uma certa resistência, felizmente.
-
O Channel One
é uma companhia americana,
-
actualmente cotada na bolsa
e que lançou um projecto
-
em que vão a escolas
sem dinheiro e dizem:
-
“Vamos fornecer material,
televisões e vídeos,
-
e, em troca,
passam vinte minutos por dia
-
dos nossos programas educativos.”
-
São programas que explicam
as notícias às crianças.
-
O interesse é ter
uma clientela cativa.
-
Durante “x” minutos por dia,
propõem programas
-
e, como se pode imaginar,
transmitem publicidade.
-
Hà uns minutos
de publicidade dirigida,
-
num contexto
extremamente privilegiado,
-
a esta clientela cativa.
-
lsto està em força nos EUA.
Aqui também jà tentaram implantar.
-
A companhia canadiana era a Athéna.
-
Tentaram durante vàrios anos, mas
os conselhos directivos recusaram.
-
Hà que dizer que o nosso
financiamento dos serviços pûblicos
-
não é o mesmo que nos EUA,
-
mas isso representa
mais um ataque à educação.
-
E toma vàrias formas,
dependendo dos países e as regiões.
-
A Mobil tem programas
sobre energia.
-
Aprende-se a proteger o ambiente
com a Mobil
-
e nutrição com a Nutra Sweet.
-
Não estou a inventar, a Nutra Sweet
tem um programa para crianças.
-
E aprendem-se as virtudes
do NAFTA com a GM,
-
e a protecção da floresta com firmas
-
esponsàveis pela desflorestação.
-
Esse modelo repercute-se
da primària à universidade
-
de tal modo que,
um pouco na brincadeira,
-
poderà haver departamentos
de ecologia das universidades
-
que justifiquem a poluição.
-
É isso que é perturbador.
-
É a perda de sentido de certas
actividades intelectuais e humanas
-
que isso implica.
-
Quanto mais acreditamos
-
na nossa eficàcia econômica,
-
ou melhor, financeira, jà que se
-
trata da multiplicação de dinheiro,
-
menos sentido fazem as coisas.
-
Farà sentido dizer
que a General Motors, por exemplo,
-
é eficiente
-
por ter 24 biliões de dôlares
-
de lucro na ûltima década,
-
mas lançando para o desemprego
trezentos mil trabalhadores?
-
lsso farà sentido?
-
Por um lado fala-se em eficiência,
mas o que se quer dizer com isso?
-
Diz-se que a economia americana
é mais eficiente.
-
Sê-lo-à em indicadores financeiros
-
e de capital investido,
-
mas nunca houve tantos americanos
a viver abaixo do limiar da pobreza,
-
em termos americanos,
-
nem tanta gente
sem acesso a cuidados de saûde.
-
40% da população praticamente
não tem acesso à saûde.
-
Nunca os EUA tiveram um nível
-
de educação tão baixo.
-
50% dos americanos não conseguem
-
localizar Inglaterra num mapa.
-
É uma aberração, quando cada família
-
tem 50 canais de televisão em casa.
-
É a isto que eu chamo
“falta de sentido”.
-
Tornamo-nos cada vez
mais eficazes a nível material,
-
econômico e financeiro,
mas a nível ecolôgico, social,
-
político e humano
perdemos valores e qualidade de vida.
-
É isto que não faz sentido.
-
Para falar disso,
sô saindo completamente
-
do discurso econômico dominante.
Para que as coisas façam sentido,
-
é preciso voltar à estaca zero,
partir de Aristôteles, que jà dizia:
-
“Atenção, não confundam a economia,
que vem de “oikos” nomia,
-
a casa e o governo da casa
e da comunidade,
-
com a crematística, “khrem atos”,
a acumulação de dinheiro.
-
E isso leva-nos
à questão da educação.
-
Hoje em dia, até que ponto
se ensina Aristôteles?
-
Quem o conhece, quem o lê?
-
E quem diz Aristôteles
diz Vítor Hugo, Sartre
-
Arquimedes.
-
Paradoxalmente, diz-se
-
que estamos na economia do saber
e do conhecimento,
-
mas nunca educàmos
nem ensinàmos tão pouco.
-
No entanto, também nunca
demos tanta importância
-
às instituições
de “formação e educação”.
-
Vou elucidar a questão do paradoxo,
da falta de sentido.
-
Em todo o mundo, sobretudo
na América do Norte,
-
estamos a transformar
instituições de educação
-
em instituições de reprodução
de “servidores” do sistema,
-
uma espécie de bípedes pensantes
sem mais preocupações
-
senão a de manter este mercado
livre e auto-regulado
-
e de manter este sistema de
-
produção e multiplicação do dinheiro.
-
É a chamada “empregabilidade”,
-
formar para o mercado de trabalho.
-
É reformar a educação do primeiro
ciclo até a universidade
-
para formar pessoas com emprego
no mercado de trabalho.
-
E isso é horrível!
-
Actualmente, Vítor Hugo
encontraria emprego?
-
Sôcrates encontraria emprego?
-
Um Paul Verlaine ou um Rimbaud
encontrariam emprego?
-
Não! Portanto, não existiriam.
-
Mas o que seria da humanidade
sem Sôcrates, Aristôteles, Rimbaud,
-
Verlaine ou Vítor Hugo?
-
Seríamos animais!
-
Com o pretexto de não ter empregabilidade,
de não ter aceitação no mercado,
-
jà não se formam poetas,
gente da literatura,
-
matemàticos puros,
físicos teôricos.
-
Sô formamos aquilo
que a indûstria e a finança querem
-
para alimentar a màquina
de multiplicar dinheiro.
-
E quem são estas pessoas
com possibilidade de se empregarem?
-
São aqueles que vejo
nas universidades do mundo inteiro,
-
ao mais alto nível,
segundo ou terceiro ciclo,
-
aquilo a que chamo os “tecnocratas”,
-
formados para analisar problemas,
-
e dizemos-lhes que são inteligentes
-
porque resolvem problemas,
-
enquanto que a inteligência
não é nada disso.
-
A inteligência
é a formulação da problemas.
-
Inteligente é quem os formula,
quem os enuncia,
-
quem os articula de forma
a colocar uma questão.
-
O que se debruça sobre um problema
para procurar a solução,
-
não é esse que é inteligente,
-
mas é isso que nos fazem crer.
Os tecnocratas dominam
-
as técnicas de anàlise e càlculo
e confundem pensar e reflectir
-
com analisar e calcular.
Tomam decisões
-
sem consultar a alma, tal como
despedir 60 000 pessoas num dia,
-
duplicar o seu ordenado de um milhão
e ainda dizerem que isso lhes custa.
-
“Tomo decisões difíceis.”
-
São não-humanos!
-
Tomar decisões
sem consultar a alma
-
é como dizer
“Não sou um ser humano.”
-
Porque os deixamos tomar decisões
que afectam seres humanos
-
jà que eles dizem que não têm alma,
que não são humanos?
-
São estes os tecnocratas
que formamos ao mais alto nível.
-
No nível intermédio,
estão os “técnicos produtores”.
-
São eles que operam as màquinas,
-
desde o computador à màquina
-
que debita peças de plàstico,
aço ou alumínio.
-
Existem para que a mecanização
-
da produção nunca falhe.
-
E o ûnico conhecimento
que se lhes exige
-
é a lôgica das màquinas
-
ao seu cuidado.
-
Pede-se-lhes simplesmente que
-
compreendam o que a màquina quer.
-
Nem são eles que dominam a màquina
-
ou que têm uma superioridade humana,
-
por terem alma ou conhecimentos.
-
É a màquina que diz “Se fores
-
inteligente, muda o chip ou a carta.”
-
Se não fizer isso depressa,
não presta.
-
E, a um nível inferior, quem é
que formamos? Jà nem sequer formamos.
-
45% da mão-de-obra
das multinacionais americanas
-
é composta por analfabetos.
-
E as multinacionais
não querem alterar isso.
-
Não querem minimamente
que essas pessoas tenham formação,
-
porque deixando de ser analfabetas
-
começam a fazer perguntas,
-
a ler os jornais, sindicalizam-se,
põem-se a pensar.
-
Tudo menos isso!
-
Actualmente, sobretudo nos EUA,
-
hà pessoas com o ensino secundàrio
que são praticamente,
-
numa proporção alucinante,
-
que no Québec atinge os 25%
-
e que nos EUA deve atingir
nûmeros semelhantes,
-
hà pessoas com o ensino secundàrio
que são analfabetas.
-
Mal sabem ler e escrever,
mas têm o canudo.
-
E obtiveram-no pura e simplesmente
-
indo às aulas e ficando mais velhos.
-
E isso agrada ao sistema.
-
Existem, na base,
-
bípedes quase descerebrados,
-
a quem nem sequer
ensinaram a pensar,
-
porque para pensar
é preciso ler.
-
Tenho que ler Vítor Hugo,
poemas, filôsofos
-
e é assim que aprendo a pensar.
-
Não consigo aprender
sem saber manipular as palavras.
-
Sem isso não consigo pensar.
-
Posso tornar-me um excelente
reprodutor do sistema,
-
não pensando
e defendendo o sistema.
-
Hà operàrios que dizem
-
- e isso jà me aconteceu em
situações graves de despedimentos -
-
quando lhes pergunto
“E qual é a vossa opinião?”
-
“É a lei do mercado,
a competitividade.”
-
“Temos de ser mais competitivos
que os japoneses, senão...”
-
Defendem o sistema
que està a trucidà-los.
-
Jà vimos que hà redes
por onde as ideias circulam.
-
No caso da educação,
é um pouco a mesma coisa.
-
Vamos procurar justificações
ideolôgicas, teôricos,
-
pessoas que reflectiram
sobre a educação
-
para a transformarem
no sentido que vou descrever.
-
Por outro lado, existem instituições
transnacionais importantes
-
onde se veicula o mesmo discurso
e se incita os agentes, os governos,
-
os professores a adoptar as pràticas
conformes a estes ideais.
-
E os grupos de pressão,
-
os “think tanks”, fazem o mesmo.
-
O caso da educação é emblemàtico,
pois cruzam-se os três.
-
O teôrico da educação mais influente
dos ûltimos cinquenta anos
-
não foi nenhum pedagogo,
mas sim um economista.
-
Provavelmente, o teôrico mais
-
importante foi Gary Becker.
-
Ainda dà aulas na Universidade
de Chicago e a teoria dele
-
explica-se em cinco minutos.
É a teoria do capital humano.
-
O ser humano e aquilo que ele sabe
constituem um capital
-
no qual é preciso investir
-
e que é preciso avaliar do ponto
de vista de rentabilidade econômica.
-
Essa teoria do capital humano,
-
que permite aplicar as ferramentas
-
matemàticas da economia à educação,
-
que passa a ser um capital,
diferente mas contabilizàvel,
-
esta teoria foi a mais influente
dos ûltimos cinquenta anos.
-
E exerceu a sua influência nos
locais determinantes, de decisão,
-
onde se influencia os estados
e os ministros da Educação,
-
onde se influencia quem vai
tomar decisões sobre educação.
-
O segundo a ditar os mecanismos
que se querem impor agora
-
foi Milton Friedman,
o pai da economia monetarista ,
-
que propôs um sistema de vales,
cupões de educação,
-
em que a ideia era infiltrar os
mecanismos do mercado na educação
-
e promover
a concorrência entre as escolas.
-
Estas duas teorias da educação,
-
nunca debatidas nas faculdades,
-
são provavelmente as mais influentes
dos ûltimos anos.
-
São elas que circulam no FMI,
-
na OCDE e no Banco Mundial,
-
servindo para analisar
os sistemas educativos
-
e fazendo recomendações
com base nisso.
-
Os “think tanks”
e os grandes grupos mediàticos
-
têm frequentemente
relações privilegiadas;
-
a propaganda circula naturalmente
dos primeiros para os segundos.
-
Além disso, é graças a esta
correia de transmissão mediàtica
-
que a ideologia neoliberal atinge
o seu estatuto de dado adquirido.
-
7. propaganda e indoutrinação
-
7. propaganda e indoutrinação
-
os “media”
-
Diz-se que foi Hitler
quem inventou a propaganda
-
e nos jornais
costuma-se ler que Hitler,
-
durante a Segunda Guerra, percebeu
a importância da propaganda,
-
da propaganda na sociedade.
-
No entanto, ele não inventou isso.
Aprendeu connosco,
-
e refiro-me
às democracias ocidentais.
-
Aprendeu sobretudo
com os ingleses e os americanos.
-
Desde o surgimento
das sociedades modernas,
-
prevalecem duas tendências.
“É necessàrio haver
-
uma democracia participativa, { em que as pessoas
saibam discutir
-
o que se passa,
agir e influenciar
-
as decisões tomadas.”
A outra perspectiva do mundo
-
afirma que uma parte da população
é dispensàvel.
-
Hà que impedi-la de lidar
com o que lhe diz respeito.
-
Esta visão da sociedade,
do mundo e da economia
-
também existe na nossa cultura.
-
Manifestou-se fortemente
na Primeira Guerra, nos EUA.
-
Nessa altura,
o governo tinha sido eleito com base
-
na promessa de não entrar na guerra.
-
Pouco depois de ganhar,
por razões de política interna
-
e devido ao papel
dos industriais nos EUA,
-
o governo decidiu
participar no conflito.
-
E viu-se a braços com uma população
-
oposta à entrada na guerra.
-
Para resolver o problema,
criaram uma comissão
-
que tinha o nome do jornalista
que a presidia, Mr Creel,
-
a Comissão Creel. A comissão dedicou-se a
inventar
-
as técnicas modernas da propaganda,
-
de formação da opinião,
de preparação da opinião pûblica.
-
Na Comissão Creel, que cumpriu
exemplarmente a sua tarefa
-
- alterou a opinião pûblica
em poucos meses -
-
trabalharam pessoas célebres
e conhecidas, intelectuais de renome
-
e também Edward Bernays, o fundador
da indûstria moderna das relações pûblicas.
-
Ao abandonarem a Comissão,
-
criaram modos de comunicação
no interior das sociedades
-
que ainda hoje existem e que fazem
parte dos mecanismos da propaganda.
-
Tinham um objectivo político
extremamente importante,
-
o de excluir uma parte da população,
de formar a opinião pûblica
-
e de criar um consenso na sociedade.
-
As instituições que eles inventaram
- e jà falei das empresas
-
de relações pûblicas,
mas hà que mencionar também
-
o papel das relações pûblicas
dentro das empresas,
-
da comunicação social, dos “media”,
-
do papel dos intelectuais,
-
do papel da publicidade
e da informação na sociedade -
-
Hitler lembrou-se desta lição,
e com razão.
-
Como surgiram os mecanismos
que permitiram o actual pensamento ûnico?
-
São os descendentes
daquilo que descrevi, da Comissão Creel
-
e, antes ainda,
-
duma concepção de política
-
segundo a qual,
para a sociedade funcionar,
-
deve excluir uma parte da população.
-
E é isso que acontece.
-
Mas apesar de esses agentes
serem muito poderosos,
-
fortes e numerosos, manifesta-se
também um contra-discurso.
-
Na nossa sociedade, existem locais
onde se propõem outras anàlises,
-
hà meios de comunicação alternativos,
hà intelectuais,
-
hà grupos sociais e grupos
comunitàrios com novas ideias,
-
ou seja, estamos
perante um fenômeno duplo.
-
Infelizmente, o pensamento
ûnico existe e é o dominante,
-
a propaganda existe
e tem o papel que tem.
-
É através destes mecanismos
e instituições
-
que se cria uma visão do mundo,
um vocabulàrio
-
e uma maneira de encarar o mundo
-
que garantem que certas questões
possam ser colocadas,
-
enquanto que outras são excluídas.
-
A actual ideologia dominante,
a que eu chamo ideologia “ambiental”,
-
cuja face oficial
é o tal pensamento ûnico,
-
e cuja face oficiosa
-
é a linguagem dos “media”
-
ou da conduta prescrita por eles,
-
essa ideologia
nunca surge como ideologia.
-
É apresentada
como qualquer coisa de natural,
-
qualquer coisa de evidente.
-
É evidente ter-se uma televisão.
-
“Não ter televisão no século XX,
-
ou no fim do século XX?”
-
É evidente aceitar a publicidade.
-
“Não me diga que,
jà depois do ano 2000,”
-
“vai pôr em causa
a indûstria publicitària?”
-
Tudo aquilo que é ideolôgico,
que depende de uma escolha,
-
organizado pelo sistema,
que não nos pediu a opinião,
-
nos é apresentado
como sendo evidente,
-
como sendo coisas
que nem vale a pena discutir,
-
o que é muito interessante. Jà agora,
a propôsito do pensamento ûnico,
-
que é uma maneira uniforme,
parcial e sectària de interpretar
-
a economia, ou de a praticar,
-
Alain Minc dizia “Não é o pensamento
que é ûnico, é a realidade.”
-
A partir desse momento,
jà nem vale a pena pôr em causa
-
as actividades da economia liberal
ou ultraliberal. lsso era um dado
-
tão adquirido como a realidade,
portanto era preciso seguir a realidade.
-
Quanto à mundialização, dizem-nos
“É a realidade”.
-
Evidentemente, mas não é
necessariamente uma boa realidade.
-
Ou a ideologia diz
“É a realidade, portanto é vàlida,”
-
“é necessàrio
caminhar nesse sentido.”
-
A globalização, o mesmo.
-
As privatizações, o mesmo.
-
Como se faz, deve-se continuar,
era preciso fazer.
-
Apresenta-se como dados
adquiridos aquilo que se quer
-
que as pessoas aceitem,
em vez de perguntar se concordam ou não.
-
lsto vai de encontro
ao que digo no meu livro
-
acerca do sofismo do inelutàvel.
-
A maioria dos políticos encobre
-
os seus actos, as suas escolhas,
-
pois são escolhas e decisões,
-
sob o manto do inelutàvel.
-
“Não podíamos fazer outra coisa.”
-
Os americanos fazem isto.
-
Toda a gente sabe
que o se faz em França
-
se fez dez anos antes nos EUA,
-
portanto tinha de se fazer em França.
-
A Renault
fechou uma fàbrica na Bélgica
-
para reestruturar e criar as mesmas
-
fàbricas noutros locais,
-
mas com gente a ganhar menos.
-
Era a consequência
de um estudo econômico.
-
Ao encerrar-se a fàbrica,
-
o chefe de estado francês declarou:
-
“Infelizmente, as fàbricas encerram.
É a vida.
-
As àrvores nascem, vivem e morrem,
-
as plantas, os animais, as pessoas
e as empresas também.”
-
É um bom exemplo
de naturalização da situação,
-
é uma despolitização.
-
Assim, as pessoas são obrigadas
a aceitar como sendo natural,
-
como sendo independente
da vontade dos políticos,
-
certas decisões que, de facto,
estão dependentes disso.
-
Assim, é possível
manipular os cidadãos
-
e, em ûltima anàlise,
dissuadi-los de acreditar no voto.
-
Actualmente, o funcionamento dos
-
“media” permite a criação da verdade.
-
Como é evidente, a verdade
-
sô consegue surgir do confronto,
-
da verificação
de uma determinada versão,
-
confirmada por um certo nûmero
de testemunhas.
-
Bem sabemos até que ponto
é difícil estabelecer a verdade.
-
Hà os juízes de instrução,
-
a polícia científica que analisa,
-
que tenta descobrir a verdade.
-
Mas actualmente,
no funcionamento dos “media”,
-
basta que, a propôsito
de um acontecimento,
-
todos os meios de comunicação
afirmem o mesmo,
-
que a imprensa, ràdio e televisão
digam o mesmo,
-
para que essa coisa
se torne verdade, mesmo sendo falsa.
-
Vimos isso na Guerra do Golfo
-
e em importantes
acontecimentos recentes.
-
Ao estabelecer essa equação,
que é falsa, evidentemente,
-
a repetição serve de prova.
-
Reli hà pouco tempo
“Admiràvel Mundo Novo”,
-
de Aldous Huxley,
-
e encontrei uma frase
a propôsito da hipnopedia,
-
a hipnose pela escuta a que sujeitavam
os bebés à nascença
-
para os convencerem
a contentarem-se com aquilo que são, ,
-
e um dos directores
do Centro de Condicionamento,
-
é assim que se chama o centro,
diz esta frase:
-
“64 000 repetições fazem a verdade.”
-
E nôs estamos
nesse mundo de Huxley.
-
Apoiadas por uma propaganda
e um proselitismo incessantes,
-
que transmitem continuamente
através das mûltiplas vias
-
de uma rede tentacular
de controlo do espírito,
-
as reformas neoliberais
impõem-se gradualmente
-
às consciências anestesiadas
das democracias ocidentais.
-
Nestes países, em nome
dum “realismo” necessàrio,
-
todos os partidos, de esquerda
e direita, adoptam medidas
-
que minam diariamente o estado
-
social em benefício do mercado.
-
No entanto, nos locais aonde
a propaganda não chega,
-
sobretudo nos países
em vias de desenvolvimento,
-
impõem-se outras soluções.
-
Soluções dràsticas.
-
Pois sob a cortina de fumo
ideolôgica,
-
por detràs dos grandes conceitos
de ordem espontânea
-
e de harmonia de interesses
num mercado livre,
-
para là da panaceia
da “mão invisível”,
-
o que se esconde na realidade?
-
Quais eram as verdadeiras motivações
dos banqueiros e dos industriais
-
que financiaram o estabelecimento
da rede neoliberal?
-
8. neoliberalismo ou neocolonialismo?
-
a capacidade de imposição
dos mercados financeiros
-
É impressionante ver
-
como todos os elementos
da conjuntura neoliberal
-
estão concebidos especificamente
para minar a democracia.
-
lsso raramente é discutido,
fala-se sô dos efeitos econômicos,
-
mas basta pensar. Tomemos como exemplo
a globalização financeira.
-
Para Keynes, a grande conquista
de Bretton Woods,
-
do sistema do pôs-guerra,
-
foi a regulação financeira.
-
E hà um motivo para isso.
-
Permite aos governos
adoptar programas
-
que têm o apoio da população.
-
Não havendo limites
à circulação do capital,
-
é possível atacar as divisas,
-
criando aquilo a que os economistas
chamam “parlamento virtual”,
-
com investidores e financiadores
-
que podem criar
“um referendo passo a passo”
-
em termos
de políticas governamentais.
-
Se considerarem
essas políticas irracionais,
-
podem votar contra, retirando o capital
ou atacando as divisas.
-
As políticas irracionais são aquelas
que beneficiam as pessoas,
-
mas não aumentam o lucro
nem melhoram o acesso ao mercado,
-
daí os governos enfrentarem
“dois constituintes”:
-
a sua prôpria população
e o parlamento virtual.
-
E o parlamento virtual costuma
ganhar, sobretudo nos países pobres.
-
Nos ricos, jà não é bem assim.
-
Não aceitaram o neoliberalismo
-
tão completamente
como na América Latina,
-
mas, mesmo assim,
os efeitos são previsíveis.
-
E o mesmo se aplica a outros
elementos do programa neoliberal.
-
As privatizações, por exemplo,
que se tornaram uma mantra.
-
As privatizações
prejudicam a democracia,
-
retiram bens ao eràrio pûblico
-
e colocam-nos nas mãos de tiranos
privados que não prestam contas,
-
criados e sustentados pelo estado,
e é isso que são as grandes empresas.
-
Antigamente, quase todas
as operações bancàrias,
-
até aos anos 70,
eram controladas.
-
Todas passavam
-
pelo banco central francês,
-
que as monitorizava.
-
Agora, o problema é que os bancos
fazem transacções sem controlo,
-
Mais de metade
dessas transacções
-
saem do âmbito
do controlo do mercado.
-
É como se tivéssemos
um mercado normal
-
e, mesmo ao lado,
um mercado negro.
-
Numa mercearia,
os preços estão afixados,
-
no fim pagamos na caixa.
-
Ao lado, no mercado negro,
não sabemos o que se passa.
-
Nos seus balanços,
o Banco de França afirma,
-
ao controlar
o balanço dos bancos,
-
que metade das transacções
são feitas à margem do balanço,
-
ou seja, totalmente fora do controlo
de uma autoridade superior,
-
seja do Tesouro
ou de um banco central.
-
Essas actividades
-
reduzem o estado a zero.
-
Deve haver
-
uns quinhentos biliões de dôlares
-
a circular diariamente em offshores
ou coisas do género.
-
É evidente que se um estado
puser problemas a um banco,
-
ele està-se nas tintas,
aprovisiona-se num banco estrangeiro,
-
outro banco multinacional,
-
num fundo offshore,
-
portanto deixa de ter problemas.
-
Agora, o dinheiro anda à solta,
està fora do controlo pûblico.
-
As transacções não-contabilizadas
-
são um dos problemas mais graves,
-
pois para controlar a economia,
é preciso controlar o dinheiro.
-
As operações não-contabilizadas
efectuam-se geralmente
-
graças a instrumentos financeiros
-
relativamente recentes, os derivados:
-
futuros, “forwards”, opções,
“swaps”, etc.
-
Basicamente,
são apôlices de seguro.
-
A pessoa segura-se
contra futuras flutuações,
-
flutuações das taxas de juro
-
ou flutuações das divisas.
-
Faz-se um contrato
-
em que a pessoa se compromete
a pagar dentro de seis meses,
-
sendo o contrato em dôlares.
-
Se o dôlar subir, é uma chatice,
-
porque daí a seis meses é preciso
comprar dôlares por mais 10%.
-
Portanto, o que hà a fazer?
Faz-se um seguro,
-
um seguro em relação
ao valor do dôlar.
-
Alguém assume esse risco,
cobra uns 3% ou 4%,
-
o aumento ou a descida do dôlar, - se baixar,
-
ele ganha uma data de dinheiro -
-
o investidor não se mexe:
fez um seguro.
-
Os derivados são isto.
-
O que é interessante é que se criou
uma economia do risco,
-
pois as divisas e o fluxo de capitais
jà não são controlados.
-
Trata-se de uma economia
onde se cultiva o risco
-
de modo a criar um sistema paralelo
-
de seguros para cobrir esse risco.
-
A diferença em relação
ao seguro automôvel
-
é que esse é totalmente previsível,
-
pois aí funciona
a lei das probabilidades,
-
enquanto que os riscos
dos mercados financeiros
-
são epifenômenos, raros, não se podem
quantificar estatisticamente,
-
portanto são riscos absolutos,
imprevisíveis.
-
Estes seguros
que cobrem a economia normal
-
criam uma segunda camada
mais arriscada ainda,
-
portanto existem seguros
para cobrir estes mesmos seguros.
-
Cria-se uma pirâmide de risco
-
e especula-se sobre isso.
-
Cria-se uma economia puramente
especulativa, baseada no risco.
-
Uma das características
do capitalismo contemporâneo
-
é o facto de a economia
incentivar sistematicamente o risco,
-
comercializando-o sistematicamente.
-
Na década de 1980,
-
sob a égide de Thatcher e Reagan,
-
vàrios países adoptam reformas
-
com o objectivo de desregular
os mercados financeiros.
-
Autorizando
a circulação livre do capital,
-
os estados vão aumentar
consideravelmente
-
o poder dos grandes
especuladores institucionais:
-
“hedge funds”, bancos comerciais,
fundos de pensões, companhias de seguros, etc.
-
Jà numa posição de força,
estes agirão como uma nova
-
correia de transmissão
da ideologia neoliberal,
-
levando mesmo os estados
mais recalcitrantes
-
a acelerar a liberalização
da sua economia.
-
Entre os métodos utilizados,
os ataques especulativos
-
revelaram-se altamente eficazes...
e devastadores.
-
As novas vestes do imperador são
tecidas de mecanismos complexos,
-
prôprios para repelir
os espíritos mais curiosos.
-
Mas apesar de o colonialismo
mudar de rosto,
-
o seu objectivo mantém-se:
a concentração do capital.
-
Para jà,
-
a especulação
tem vàrios instrumentos
-
e, sem entrar
em pormenores técnicos,
-
gostaria de explicar o que se passou
-
na crise asiàtica de 97,
-
que levou ao colapso
das divisas de vàrios países,
-
nomeadamente
dos chamados “tigres asiàticos”,
-
com uma economia saudàvel.
-
Houve diversos factores
nessa crise,
-
mas um dos elementos fundamentais
-
foi a desregulação prévia
do mercado de divisas.
-
Nalguns casos,
-
esta desregulação foi imposta
-
ou até recomendada pelo FMI.
-
Os especuladores
-
apropriaram-se das reservas
dos bancos centrais
-
pelo seguinte mecanismo:
-
especularam contra
as divisas nacionais
-
através do chamado
“short selling” [vendas curtas].
-
O “short selling”
consiste em especular sobre a queda
-
de um valor mobiliàrio e não sobre a subida,
tal como costuma acontecer.
-
Se um valor mobiliàrio for alvo
de um “short selling” maciço,
-
isso levarà a um colapso da procura
e, consequentemente, do preço.
-
Pode falar-se
de ataque especulativo,
-
pois apostando maciçamente
na queda de um valor,
-
são os prôprios especuladores
a provocar essa queda.
-
Digamos que eu quero fazer
“short selling” do won coreano.
-
Começo a vender quantidades
enormes de wons coreanos,
-
associados a uma data futura,
-
com contratos de três ou seis meses,
-
ou seja, ao terminar o contrato,
terei de entregar grandes quantidades
-
de wons coreanos
ou de bahts tailandeses.
-
Mas não os possuo.
Posso vender a quantidade que quiser.
-
Vendo biliões de dôlares
de wons coreanos.
-
E quem é que os compra?
-
O banco central da Coreia,
-
que tem acordos com o FMI
-
para estabilizar a sua moeda.
-
Mas, tecnicamente,
aquilo que se passou
-
foi que, com a descida
da moeda coreana,
-
alguns meses mais tarde,
-
os contratos
de “short selling” venceram
-
e aí hà uma apropriação
-
das reservas deste banco central,
-
pois a moeda nacional
jà não vale nada
-
e basta aos especuladores
-
voltar a comprar wons
no mercado “spot” [à vista],
-
e serem reembolsados
-
segundo os seus contratos.
-
O banco central vai comprar
a sua prôpria moeda,
-
o que não é muito rentàvel,
-
e, em troca,
são-lhe confiscadas as reservas,
-
que vão parar ao bolso
dos grandes bancos ocidentais.
-
O mecanismo é este.
-
As reservas foram apropriadas,
-
portanto a Coreia
tem de pedir ao FMI:
-
“Não conseguimos
funcionar sem reservas.”
-
“Temos de reembolsar.”
-
Mas esse dinheiro ainda nem foi
encaminhado para os credores.
-
“Temos de reembolsar os credores”,
que são os especuladores.
-
O que se passa?
-
Quando o FMI atribui um empréstimo
-
de 56 biliões de dôlares,
-
existe a participação
-
de vàrios países, aliàs 24,
-
pois isso requer somas colossais.
-
É o tesouro americano e canadiano,
-
os principais governos ocidentais.
-
Mas para que o tesouro
americano ou canadiano
-
ou doutro país ocidental
-
faça um empréstimo
na ordem dos 56 biliões,
-
terão de aumentar
o seu patamar de dívida,
-
portanto terão de começar a vender,
-
a negociar a dívida na bolsa,
-
portanto estamos perante
o mercado da dívida,
-
e quem controla o mercado da dívida
-
soberana dos países ocidentais?
-
Os bancos que especularam.
-
Hà aqui um ciclo vicioso.
-
Ataca-se a Coreia, salva-se,
-
confisca-se-lhe as reservas,
-
empresta-se-lhe dinheiro dos fundos
pûblicos dos governos ocidentais
-
e, para aumentar o endividamento
dos países ocidentais,
-
é preciso o aval
dos bancos privados,
-
os “underwriters” [subscritores]
da dívida desses países,
-
portanto todos se endividam,
-
excepto os especuladores,
bem entendido,
-
que são os credores da Coreia
-
e dos governos ocidentais
-
que socorreram a Coreia,
-
através do intermédio
do programa do FMI.
-
Então, o que se passa?
-
A economia coreana
-
està vaticinada à bancarrota.
-
Os activos bancàrios
e a indûstria de alta tecnologia
-
são vendidos ao desbarato
-
e aquilo que se vai passar
-
é a transferência
de toda a riqueza industrial
-
para investidores americanos,
-
de tal modo
que os activos são comprados
-
por uma quantia irrisôria.
-
Posso dar o exemplo de um
dos principais bancos coreanos,
-
que foi reestruturado com base
nas recomendações do FMI
-
apôs esta operação,
-
pois foram impostas
-
certas condições.
-
Este banco foi vendido
por 450 milhões de dôlares,
-
o Korea First Bank,
-
a investidores
da Califôrnia e do Texas,
-
mas uma das condições de venda
-
foi que o governo coreano
-
financiasse as dívidas incobràveis
-
através de subsídios
-
que valiam 35 vezes mais
do que o valor da compra,
-
ou seja, de mais de quinze
biliões de dôlares.
-
Esses investidores americanos
chegaram à Coreia
-
e, de repente, obtiveram o controlo
do aparelho financeiro local
-
e dos bancos comerciais,
-
ao mesmo tempo que possuem
as dívidas das grandes empresas,
-
tal como a Hyundai ou a Daewoo,
-
e estão numa posição
em que podem ditar
-
o desmantelamento
destas sociedades.
-
Sabemos entretanto
que a Daewoo foi vendida à GM,
-
ou pelo menos uma parte,
e que outras firmas coreanas vão ser vendidas.
-
Através de um mecanismo
-
que tinha por base a manipulação
dos mercados financeiros
-
toma-se posse
de uma economia no seu todo.
-
“As empresas coreanas vêem o crédito
restringido pela crise bancària.”
-
“O desemprego atinge
um milhão de pessoas.”
-
Os “pedintes do FMI”
-
Teve início
a mais grave crise social
-
enfrentada pela Coreia do Sul
desde a guerra:
-
no princípio de Março, o nûmero
de desempregados atingiu um milhão.
-
A campanha
de liberalização da economia levada a cabo
-
pelos mercados financeiros
não teria tido o mesmo sucesso
-
sem a preciosa colaboração
das instituições de Bretton Woods,
-
que também constituíram
importantes correias de transmissão
-
da ideologia neoliberal:
-
o Fundo Monetàrio Internacional
(FMI),
-
o Banco Mundial (BM)
-
e a Organização Mundial do Comércio
(OMC, antigo GATT).
-
O FMI e o Banco Mundial
foram criados em 1944
-
para garantir a estabilidade
das taxas de câmbio
-
e apoiar a reconstrução dos países
destruídos pela Segunda Guerra.
-
No entanto, com o passar do tempo,
-
os EUA e a Europa
alteraram consideravelmente
-
o mandato das duas instituições
sediadas em Washington.
-
Com efeito, pouco apôs a decisão
unilateral dos EUA, em 1971 ,
-
de pôr fim
ao Sistema Monetàrio Internacional,
-
o FMI e o BM viram-se investidos
de uma nova missão:
-
impor aos países em desenvolvimento
-
a liberalização da sua economia,
fixando como “condicionalidade”
-
à concessão de qualquer empréstimo
a adopção de uma série
-
de medidas neoliberais. Houve quem descrevesse
este
-
conjunto de reformas econômicas
como uma “terapia de choque”,
-
e, ironicamente, também é designado
por “consenso de Washington”.
-
9. neoliberalismo ou neocolonialismo?
-
9. neoliberalismo ou neocolonialismo?
-
a capacidade de imposição
-
das instituições de Bretton Woods
-
ou
-
o Consenso de Washington
-
Washington,
sede do Banco Mundial e do FMI,
-
começa a ditar ao resto do mundo,
sobretudo aos países mais pobres,
-
quase em bancarrota,
-
como aplicar
a boa ciência econômica.
-
São as chamadas
“medidas de ajustamento estrutural”
-
ou plano de ajustamento estrutural,
ditado pelo FMI
-
e secundado
por empréstimos do Banco Mundial
-
aos diferentes países envolvidos.
-
Guiné Equatorial, 2006
-
Houve dezenas e dezenas de países
que mergulharam no caos
-
devido às medidas
do FMI e do Banco Mundial.
-
Muitas destas medidas,
e são demasiadas para enumerar,
-
desde as fundamentais
-
às de curto prazo,
-
mas essas medidas podem resumir-se
-
a três ou quatro mais importantes.
-
primeira medida:
redução das despesas do estado
-
A primeira medida imposta aos países
em vias de não conseguirem pagar,
-
ou seja, na miséria absoluta,
-
foi a redução
do défice governamental,
-
isto é, a redução
das despesas do estado.
-
Reduzir o estado,
reduzir as despesas do estado.
-
segunda medida: privatizações
-
Privatizações.
Quem é que vai comprar?
-
Operadores locais, não hà.
-
Se houvesse dinheiro local para
comprar companhias petrolíferas,
-
de fosfatos ou de ferro,
-
o país não estaria na miséria.
-
Agrava-se de tal modo o estado
-
destas economias do Terceiro Mundo,
-
ou dos países mais desfavorecidos,
-
que eles vendem os seus ûltimos
interesses econômicos, nacionais,
-
a interesses estrangeiros.
-
As multinacionais
põem-se a comprar,
-
para além de deslocalizarem,
-
pois nesses países,
como é evidente,
-
a mão-de-obra é barata
e os preços são baixos.
-
Para as multinacionais, é mais
barato produzir nesses países
-
do que no seu país de origem
e, ainda por cima, conseguem
-
comprar por uma ninharia instalações
e unidades de produção,
-
como de tratamento de açûcar
ou de pré-refinação de petrôleo e gàs
-
ou de liquefacção de gàs
ou transporte de minério, por uma ninharia.
-
E que custou anos e anos
à economia nacional desses países.
-
terceira medida:
desvalorização da moeda
-
A desvalorização da moeda local
significa que, de repente,
-
para os países que jà são pobres,
tudo o que é importado
-
se torna subitamente mais caro
do que a desvalorização.
-
Quando o franco CFA foi desvalorizado
repentinamente para metade,
-
no início dos anos 90,
se não me falha a memôria,
-
de repente,
mais de um terço de Àfrica
-
que tinha o franco CFA
como moeda
-
fica com metade do poder de compra,
dum dia para o outro.
-
Um ordenado que permitia
um certo nível de vida
-
jà sô permite
metade desse nível de vida.
-
Estamos perante uma inflação.
-
imediata de 100%.
-
Juntando a isso o facto
de os produtos semi-manufacturados,
-
os produtos manufacturados
e tudo o que Àfrica importa,
-
no exemplo de Àfrica,
e refiro-me à Àfrica da região CFA,
-
com a desvalorização para metade
do franco CFA, esses produtos
-
passam a custar o dobro.
Aliando isso aos efeitos da desvalorização
-
local da moeda, deparamos com produtos
cinco ou seis vezes mais caros.
-
E isto literalmente
de um dia para o outro.
-
Com o tempo, vê-se o que acontece,
-
pois os produtos locais feitos
a partir de produtos importados
-
ou que precisam de colas,
diluentes, pintura,
-
qualquer que seja o produto
importado, com o tempo, dois, três
-
ou seis meses mais tarde, fica duas,
três ou quatro vezes mais caro.
-
quarta medida: reorientação da
economia nacional para a exportação
-
Se medirmos os efeitos
de obrigar os países mais pobres,
-
em que houve intervenção
-
do FMI e do Banco Mundial,
-
a aumentar a produção
dos produtos exportàveis,
-
vemos que os fazemos concorrer entre
si em relação aos mesmos produtos.
-
Os países produtores de café vão
-
produzir de repente muito mais café.
-
Com o cacau e o petrôleo
passa-se o mesmo.
-
Em relação à bauxite não sei,
mas também não interessa.
-
O açûcar, o trigo,
todos os produtos de base
-
vêem os preços baixar em flecha,
como é evidente,
-
devido à superprodução.
-
Além de os preços baixarem
e da concorrência entre os países,
-
junta-se a isso
o efeito da inflação,
-
através da desvalorização da moeda
-
e do aumento automàtico dos preços
de tudo o que é importado.
-
Assiste-se a uma espécie de inversão
dos interesses desses países,
-
apesar de afirmarmos
agir no seu interesse.
-
Tudo aquilo que importam
lhes sai mais caro
-
e aquilo que exportam traz-lhes
cada vez menos rendimentos,
-
portanto entram numa espiral
de sobre-endividamento
-
que faz com que neste momento,
em 2002,
-
o pagamento da dívida
da maioria dos países mais pobres,
-
e refiro-me ao Bangladesh
-
e ao Ruanda, ao Burundi e ao Togo,
-
países como esses
que estão jà no mínimo dos mínimos,
-
sô o pagamento da dívida
-
pode atingir 600 vezes
as receitas das exportações.
-
quinta medida: os preços verdadeiros
-
O preço verdadeiro
obtém-se assim:
-
nada de subsídios para os produtos
de primeira necessidade,
-
portanto nada de subsídios
à habitação,
-
à saûde, ao ôleo, ao arroz,
-
aos transportes...
-
Não se subsidia mais nada e
passa a vigorar o preço verdadeiro.
-
Que é que isso quer dizer?
-
Em termos de dôlares,
todos os preços ficam iguais
-
no mundo inteiro.
Ou seja, quem viaja com dôlares,
-
tal como eu, pois sou canadiano,
os preços são quase iguais
-
em toda a parte do mundo.
-
Quer se và a Cotonou, no Benim,
-
um dos países mais pobres do mundo,
-
ou a Chicago, Nova lorque ou Paris,
-
o quarto no Holiday Inn
ou no Sheraton,
-
a refeição no Holiday Inn
-
custa o mesmo em dôlares.
-
Sô que em Cotonou, no Benim,
-
um dos países mais pobres do mundo,
-
uma noite no Sheraton,
onde costumo ficar quando là vou,
-
custa seis meses de ordenado
a um funcionàrio pûblico do Benim.
-
Uma refeição neste hotel
-
equivale a uma semana de trabalho
de um funcionàrio menor.
-
sexta medida:
-
liberalização do investimento
-
e salàrios verdadeiros
-
Apôs os preços verdadeiros,
os salàrios verdadeiros.
-
lsso consiste, lapidarmente,
-
em baixar todos os salàrios
-
para os mais baixos de cada sector
-
de parceria com o movimento
-
de “liberalização” do comércio.
-
Passo a explicar-me.
-
Com o NAFTA,
-
México, EUA e Canadà passam a ser uma zona de
comércio livre
-
e os salàrios deslizam do nível
-
americano para o mexicano.
-
É o que acontece ao pôr em
concorrência trabalhadores mexicanos
-
e norte-americanos e canadianos.
Deslocalizando para o México,
-
finge-se que o NAFTA
criou empregos no México.
-
Em termos concretos,
-
seis ou sete anos depois do NAFTA,
-
os salàrios na zona de Leone
e do norte do México,
-
onde se instalaram
as multinacionais americanas,
-
que encerraram nos EUA,
e é isso que é preciso compreender...
-
É que deixou de haver empregos
com salàrios elevados,
-
comparativamente com o México,
-
para “criar” empregos no México,
-
mas muitíssimo mais mal pagos.
-
Nos ûltimos cinco anos,
-
o nível dos salàrios nesta região,
a mais activa e rica do México,
-
para onde as multinacionais
americanas se deslocalizaram,
-
baixou, em termos de
poder de compra, 23%.
-
Ou seja, hà cinco anos
-
um funcionàrio da GM no México
-
conseguia sustentar
-
uma família com um filho ou dois.
-
Hoje em dia, esse mesmo operàrio sô
-
consegue sustentar-se a si prôprio.
-
Na véspera da cimeira que
vai ter lugar no norte do México,
-
està a construir-se em Monterey
-
um muro para esconder
os bairros da lata.
-
Um muro de três metros de altura
e quilômetros de comprimento,
-
para que os participantes na cimeira
não vejam a pobreza que existe.
-
A paridade salarial
é precisamente isto.
-
É fazer os salàrios descer até ao
nível mais baixo de cada sector
-
e como os sectores mais modernos,
-
a informàtica e electrônica,
-
estão cada vez mais disponíveis
no Terceiro Mundo,
-
temos companhias aéreas,
penso que a Swissair fazia isso,
-
siderurgias e outras companhias,
-
a mandar fazer a contabilidade e
-
a informàtica em Bombaim, na Índia.
-
Là, um contabilista que faz o mesmo
-
trabalho que na Suíça ou no Canadà
-
custa cem vezes menos.
-
Um informàtico que faz os mesmos
programas de computador para aviões
-
custa duzentas vezes menos. E por aí fora.
lsto é que é a “paridade salarial”.
-
Mas o que me aborrece
é que estas medidas em conjunto
-
- desvalorização, exportação,
pagamento da dívida,
-
privatizações
e redução do défice de estado,
-
que é obrigado a despedir,
logo a criar desempregados -
-
estas medidas em conjunto
com a paridade de preços e salàrios
-
provocam a situação actual
-
em que os países ricos
estão infinitamente mais ricos
-
e os países pobres
estão infinitamente mais pobres.
-
Fico alarmado quando vejo
o Banco Mundial e o FMI
-
tentarem repetir na Argentina
-
precisamente aquilo que dizimou
a economia argentina.
-
É como se não se tivesse
aprendido nada com a histôria.
-
Porque é que não se aprende?
Existe uma explicação.
-
Porque hà interesse em que
esta ideologia que explica o mundo
-
sobreviva enquanto se puder
-
explorar o mundo desta maneira.
-
No FMI,
o direito de voto exerce-se
-
no seio do directôrio executivo.
-
Trata-se de um direito de voto
-
baseado na participação financeira
-
ou na contribuição financeira
de cada um dos estados.
-
Na realidade,
são os accionistas do FMI
-
e o mesmo se passa
com o Banco Mundial.
-
Não é como nas Nações Unidas.
-
Os principais accionistas do FMI
são os EUA, como é evidente,
-
Alemanha, Japão,
Grã-Bretanha, França, etc.,
-
mas isso é apenas um aspecto,
-
pois sob essa representação política
-
no seio de uma organização
intergovernamental
-
hà outras questões.
-
Os bastidores, o tràfico
de influências entre Wall Street
-
e Washington,
-
as ligações entre o FMI
e os “think tanks”,
-
a Heritage Foundation,
o Brookings Institute,
-
o tesouro americano,
que também està implicado,
-
a Reserva Federal americana,
-
aquilo a que se chama
o “Consenso de Washington”.
-
É um jogo de poder.
-
Em 2005, Paul Wolfowitz,
-
um dos ideôlogos mais radicais
da política imperialista
-
e o braço bélico do Presidente Bush, passa
directamente
-
do Ministério da Defesa americano
para a direcção do Banco Mundial. Esta nomeação,
-
que põe fim a toda e qualquer ambiguidade
acerca dos verdadeiros objectivos
-
do Banco Mundial, revela o verdadeiro rosto
das instituições de Bretton Woods.
-
Conferência de Bretton Woods,
Hotel Mount Washington, 1944
-
Apôs a guerra,
deu-se naturalmente a criação
-
do FMI e do Banco Mundial
-
e, no espírito de John M. Keynes,
-
o arquitecto das duas instituições,
-
fazia falta uma terceira organização,
-
que seria a organização
-
internacional do comércio.
-
Não chegou a existir,
os americanos não quiseram,
-
mas em sua substituição
criou-se o GATT,
-
General Agreement
on Tariffs and Trade,
-
criado em 1947
-
e que deveria tentar fazer baixar
-
os direitos alfandegàrios
dos produtos industriais.
-
O GATT até funcionou bem,
-
pois durante os seus cinquenta anos
-
de existência
-
houve reduções importantes
-
dos direitos, que passaram dos
-
40%-50%
-
a 4%-5%.
-
Mas isso apenas se aplicava
aos bens industriais, aos produtos,
-
portanto sentiu-se necessidade,
-
sobretudo por parte das companhias
-
financeiras transnacionais,
-
de criar uma organização
-
que abarcasse outros domínios
-
e não simplesmente
os produtos industriais.
-
Foi por isso
que na Ronda do Uruguai,
-
o ûltimo ciclo
de negociações do GATT,
-
se decidiu criar
a Organização Mundial do Comércio,
-
que se torna realidade
a 1 de Janeiro de 1995
-
e que abarca
uma multiplicidade de acordos.
-
Não sô o GATT,
que ainda vigora,
-
mas o acordo sobre a agricultura,
sobre a propriedade intelectual,
-
o TRlPPS, o acordo geral sobre
o comércio e serviços,
-
uma coisa enorme que abarca
11 grandes domínios e 160 subdomínios,
-
cobrindo todas as outras
actividades humanas,
-
incluindo a educação, a saûde,
-
a cultura e o ambiente.
-
E hà ainda outros acordos técnicos,
-
que até parecem ser técnicos,
mas são extremamente políticos,
-
o acordo sobre as barreiras
técnicas ao comércio
-
e sobre as medidas sanitàrias
e fitossanitàrias,
-
que são acordos sobre as normas
que os diferentes membros,
-
ou seja, os estados,
-
podem activar
-
e que declaram que certas normas
são, na verdade,
-
barreiras técnicas ao comércio.
-
Talvez o menos conhecido,
mas mais importante de todos,
-
seja o Entendimento sobre
a Resolução de Litígios,
-
o braço jurídico poderosíssimo
-
da OMC, que lhe permite
-
resolver conflitos entre membros
-
e fazer jurisprudência.
-
Então, quem são os juízes?
-
Não se sabe bem,
-
pois hà especialistas
que são escolhidos por listas
-
e os países podem recomendar
quem quiserem para as listas.
-
Geralmente são cidadãos,
advogados,
-
ou antigos gestores,
-
mas não se sabe quem são.
Reûnem em segredo,
-
geralmente a três.
-
Tomam decisões rapidamente.
-
Existe a possibilidade
de recorrer da decisão,
-
mas as condições
são as mesmas.
-
Constitui-se um novo painel,
que decide em segredo.
-
O que é importante compreender
acerca do ERL,
-
o Entendimento
sobre a Resolução de Litígios,
-
é que é simultaneamente
-
é que é simultaneamente
legislador, jurista e executivo,
-
pois delibera
-
e estabelece uma jurisprudência.
-
Coloca-se acima de todas as leis
-
promulgadas pelas legislaturas
-
promulgadas pelas legislaturas
dos diversos países,
-
mas também acima
do direito internacional,
-
penosamente estabelecido
ao longo de cinquenta anos.
-
Os direitos do homem,
-
as convenções multilaterais
sobre o ambiente,
-
as convenções da Organização
-
Internacional do Trabalho,
-
esquece-se tudo isso
e tomam-se decisões na OMC.
-
“O comércio tem primazia
sobre tudo.”
-
“Não queremos ouvir falar
em convenções sobre o ambiente.”
-
E é executivo porque tem o poder
de impor sanções.
-
E quando um país
não concorda com o veredicto, dizem:
-
“Muito bem, não adeqûe
a legislação às nossas resoluções,”
-
“mas tem de pagar,
e paga todos os anos.”
-
“Paga através
dos direitos alfandegàrios,”
-
“a decidir pelo seu adversàrio
-
neste litígio”.
-
Portanto, quando os EUA
-
decidem impor direitos à Europa,
-
no caso de França sobre o “foie
gras”, a mostarda e o Roquefort,
-
estão no seu direito.
-
lsso sai caro,
-
e poucos países podem dar-se
ao luxo dessa extorsão anual.
-
Na OMC, existem diferentes
-
negociações em simultâneo.
-
Um país que não tenha
um embaixador em Genebra
-
ou que partilhe o embaixador
com outros países,
-
que é o caso dos africanos
-
e de muitos micro-estados,
-
vê-se na impossibilidade
-
de seguir as negociações.
-
O Sul não sabe o que se passa
-
em todos os domínios.
-
E di-lo abertamente.
-
Houve um embaixador do Sul
que disse:
-
“A OMC é como
um cinema com vàrias salas.”
-
“É preciso escolher o filme,
porque não podemos vê-los todos.”
-
Portanto, escolhem o que lhes parece
mais importante para o seu país
-
e quanto ao resto...
Portanto, quem é que toma as decisões?
-
Diz-se que é por consenso.
Na OMC, nunca houve nenhuma votação.
-
E o embaixador dos EUA disse
-
Eque o voto seria um mau precedente,
-
portanto jà estamos a ver
o que pensa da democracia.
-
Mas na realidade é o Quad,
-
os quatro países,
Canadà, Estados Unidos,
-
União Europeia e Japão, que se encontram amiûde,
-
com grande nûmero
de funcionàrios na OMC,
-
e que chegam, eles sim,
a um consenso,
-
para depois declararem à Assembleia Geral:
-
“Estão de acordo, não é verdade?”
-
Para os países do Sul,
-
é muito difícil dizer que não.
-
É preciso ter muita coragem
e muitas certezas,
-
pois existem
meios de pressão sobre eles,
-
e não vale a pena iludirmo-nos.
-
Quem està dependente do FMI
-
ou tem problemas com os EUA,
-
sabe que é melhor
não pisar muito o risco.
-
Na verdade, os mercados financeiros
e as instituições de Bretton Woods
-
tornaram-se
os instrumentos privilegiados
-
da conquista neoliberal.
Mas continua a haver países
-
que se recusam obstinadamente
a entrar nesta marcha forçada.
-
É nessas alturas que o colonialismo
deixa as suas vestes novas
-
e se apresenta com o velho
fardamento de combate.
-
Desde o desmembramento
da Jugoslàvia
-
à guerra no Afeganistão,
passando pelo Darfur,
-
os conflitos apôs a Guerra Fria
-
articulam-se à volta
de questões muito diferentes
-
das que nos apresenta
a propaganda ocidental,
-
sob a capa de um novo
“humanismo militar”.
-
O controlo dos recursos,
mas também do fluxo financeiro
-
e dos espaços geoestratégicos,
-
tal como os ditames do FMI,
do Banco Mundial ou da OMC,
-
garantem o domínio
das grandes empresas
-
e dos grandes detentores de capital
-
sobre todo o planeta.
-
Além disso, os governos coloniais
instalados pelos conquistadores
-
apressaram-se a adoptar os dogmas
da ideologia neoliberal.
-
E assim se termina o cerco.
-
10. neoliberalismo
ou neocolonialismo?
-
10. neoliberalismo
ou neocolonialismo?
-
A capacidade de imposição
do humanismo militar
-
ou
-
“a guerra é a paz”
-
Os Acordos de Dayton
foram assinados em 1995
-
numa base militar americana.
-
Se consultarmos
o texto desses acordos,
-
vemos que a Constituição
da Bôsnia-Herzegovina
-
aparece em apêndice
aos Acordos.
-
Foi redigida por consultores
-
e advogados americanos,
-
que se reuniram e redigiram
um documento fundamental
-
sem ter havido
uma assembleia constituinte
-
dos cidadãos da Bôsnia-Herzegovina.
-
Nessa constituição
-
redigida pelos EUA
-
lê-se o seguinte:
-
“Artigo x: o banco central
da Bôsnia-Herzegovina
-
não poderà funcionar
como banco central,
-
deverà funcionar como comité
monetàrio, ‘currency board’”.
-
Ou seja, um banco colonial
-
sem possibilidade
de emissão monetària,
-
ou seja, totalmente nas mãos
dos seus credores externos.
-
É o modelo que existe actualmente
na Argentina, por exemplo.
-
Mais ainda, na constituição
-
da Bôsnia-Herzegovina,
-
redigida em Dayton,
-
afirma-se que o FMI nomearà
-
o presidente do banco central
da Bôsnia-Herzegovina
-
e que este não poderà ser um cidadão
-
da Bôsnia-Herzegovina nem de nenhum país
vizinho.
-
Por outras palavras,
-
vemos que esta constituição,
que é totalmente fabricada
-
e sem qualquer intervenção
dos cidadãos da Bôsnia-Herzegovina,
-
instala um governo colonial.
-
Chama-se-lhe outra coisa,
-
“comunidade internacional”,
-
mas vemos que todas
-
as estruturas administrativas
-
ficam sob o domínio estrangeiro.
-
Os orçamentos
estão na mão de estrangeiros
-
e a política monetària é inexistente,
-
mas os Acordos de Dayton
-
são apresentados pela dita
comunidade internacional
-
como sendo a resposta
-
aos problemas de diferentes países.
-
Também queríamos ter instalado
o mesmo modelo de gestão,
-
de gestão colonial,
-
na Macedônia ou na Jugoslàvia.
-
Aliàs, até se fala em mosaico,
-
num mosaico de protectorados.
-
Humanismo militar
é uma expressão simpàtica,
-
utilizada para disfarçar coacção,
-
conquista e opressão.
-
A ûnica coisa nova
é a expressão em si.
-
Se recuarmos na histôria,
-
a histôria da conquista,
do imperialismo,
-
da opressão e da violência
-
é quase sempre apresentada
em termos humanistas.
-
Os franceses estavam a levar
a cabo uma missão civilizadora,
-
apesar de o Ministro da Guerra afirmar: “Temos de
exterminar todos os argelinos.”
-
Os britânicos levaram abnegadamente
-
a civilização aos bàrbaros na Índia,
-
ao conquistarem-na e criarem o maior
império mundial de narcotràfico, tentando
-
infiltrar-se no mercado chinês,
ao mesmo tempo que falavam em comércio livre.
-
Nos EUA, chama-se
“excepcionalismo” americano.
-
Somos tão nobres,
ninguém consegue ser como nôs.
-
O problema é que todos os sistemas
-
de poder disseram o mesmo.
-
Quando os japoneses conquistaram
a Manchûria, no norte da China,
-
os documentos de que dispomos,
pois eles foram conquistados,
-
transbordam de retôrica humanista
-
acerca do modo como vão criar
um paraíso na terra
-
e como o Japão é altruísta,
-
sô actua para bem dos outros.
-
Aliàs, hà um artigo interessante
-
publicado pelo “Globe and Mail”
-
hà umas semanas, escrito
por um imigrante russo,
-
um soldado russo que combateu no
Afeganistão e agora vive no Canadà.
-
E ele comparava o modo
como a invasão russa do Afeganistão
-
tinha sido descrita
com a descrição da invasão americana
-
do Iraque e do Afeganistão. Falava das tropas
canadianas no Afeganistão.
-
Quase igual. Ele tinha sido soldado e dizia
que todos acreditavam naquilo.
-
“Estamos a tentar ajudar
o povo do Afeganistão.
-
Somos impedidos pelos terroristas
apoiados pela CIA.
-
Estamos a sacrificar-nos,
a levar-lhes ajuda médica,
-
a conceder direitos às mulheres.
-
Tudo por causa dos tarados
dos terroristas islâmicos.”
-
Por acaso, muita coisa
até era verdade.
-
Mas é quase igual
-
à descrição que o Canadà faz
da sua missão no Afeganistão,
-
no Iraque e por aí fora.
-
São questões culturais
quase universais.
-
Agora, chamam-lhe
humanismo militar.
-
Supostamente, o neoliberalismo
é economia pura,
-
mas, mal se olha com atenção,
é sô um jogo de poder
-
das multinacionais
e de alguns estados
-
que estão a defender
os seus interesses.
-
Digamos que é uma espécie
de neocolonialismo, mas noutros termos.
-
E isto tem acontecido
ao longo da histôria.
-
Se tivéssemos registos
do tempo de Àtila,
-
provavelmente transbordariam
desta nobre retôrica.
-
Tradução
lsabel Fajardo
-
Ripped & srt:
Tokadime